Pular para o playerIr para o conteúdo principalPular para o rodapé
  • anteontem
Os pensadores que se debruçaram sobre o tema da liberdade, em geral, não a consideravam como um valor absoluto.

Eles entendiam que a liberdade de alguém deve estar em harmonia com outros valores e também com a liberdade dos demais.

Entre os liberais clássicos, muitos buscaram estabelecer qual seria o mínimo de liberdade que alguém deveria ter, para que se pudesse preservar sua dignidade humana.

Além disso, eles entenderam que os limites da liberdade podiam vir não apenas do Estado, mas também das outras pessoas.

Um exemplo disso seria o cancelamento, tão frequente nos dias de hoje.

No Crusoé Entrevistas desta semana, Leandro Bachega, autor do livro Isaiah Berlin - Pluralismo e dois conceitos de liberdade explica como o conceito se desenvolveu ao longo dos séculos.

Acompanhe O Antagonista no canal do WhatsApp.
Boletins diários, conteúdos exclusivos em vídeo... e muito mais.
Link do canal:

https://whatsapp.com/channel/0029Va2SurQHLHQbI5yJN344

Apoie o jornalismo independente, torne-se um assinante do combo O Antagonista | Crusoé e fique por dentro dos principais acontecimentos da política e economia nacional:

https://assine.oantagonista.com.br/planos

Ouça O Antagonista | Crusoé quando quiser nos principais aplicativos de podcast.

Leia mais em www.oantagonista.com.br | www.crusoe.com.br

Categoria

🗞
Notícias
Transcrição
00:00Olá, seja muito bem-vindo. Eu sou Duda Teixeira e esse é mais um Cruzoé Entrevistas. Hoje vamos
00:14falar sobre liberdade e para falar sobre isso a gente convidou o Leandro Baxega. Leandro que já
00:21está com a gente aqui e publicou um livro no final do ano passado que é Isaia Berling,
00:28Pluralismo e Dois Conceitos de Liberdade. Está com o livro aí, né? Ótimo. Legal. E o Leandro que
00:36nos ajudou bastante aí numa capa que eu escrevi para a Cruzoé há duas semanas sobre liberdade.
00:44Naquele momento a gente estava falando muito sobre os casos do Alexei Navalny e da Maria Corina Machado,
00:51mas a ideia da entrevista hoje é mais entrar no conceito mesmo de liberdade. Leandro, tudo bem?
00:57Seja bem-vindo ao programa. Olá, Duda. Obrigado pelo convite. É um prazer estar aqui com você.
01:04Joia. Leandro, eu começo uma pergunta mais ampla. De uma maneira geral, eu citei aí os casos do Navalny,
01:11da Maria Corina Machado. A gente tem um aumento das ditaduras no mundo. Como é que você vê a situação
01:18da liberdade hoje? Olha, a gente tem que entender cada contexto. Me parece que em cada lugar há uma ameaça
01:30de um tipo para a liberdade, né? Quando se fala de ditaduras, por exemplo, o problema é a ameaça à liberdade
01:39política. Já em países pobres, o problema é de acesso a víveres. Então, há uma ameaça à liberdade econômica.
01:49Agora, no caso da liberdade política, como se cita as ditaduras, né? Isso é um problema porque muitos direitos
01:58foram conquistados, né? Desde o início do liberalismo e a fase moderna da história. E quando a gente vê esse tipo
02:08de coisa, há uma espécie de retrocesso, né? De garantias e direitos individuais que foram conquistados
02:15e agora estão colocados em risco.
02:18Tá. Leandro, agora a liberdade política, acho que também a liberdade de expressão,
02:23elas têm muito a ver com um conceito do Isaiah Berlin, que é o da liberdade negativa, certo? É aquela liberdade
02:31que a gente goza quando o governo não se mete nas nossas vidas, não é isso?
02:37Isso. Para o Berlin, liberdade negativa, ela é baseada naquilo que restringe a minha liberdade, né?
02:46Por isso chamado negativo, ou seja, aquilo que não restringe amplia a minha liberdade.
02:52Se há uma restrição, a diminuição de liberdade negativa.
02:56O Berlin parte do conceito mais simplista, que é aquele do Thomas Hobbes, né?
03:02O filósofo inglês, que diz que um homem livre é aquele que não está amarrado.
03:07Esse é um homem livre.
03:09Agora, claro, a liberdade negativa não é tão somente considerada a partir de um homem preso.
03:16Tudo aquilo que coloca limites, aquilo que eu desejo fazer, coloca em risco a minha liberdade.
03:27Claro que nem tudo pode ser feito, o Berlin também considerou isso.
03:31No caso, por exemplo, na Revolução Industrial, quando os industriais tinham total liberdade,
03:37e os trabalhadores, uma liberdade muito limitada, né?
03:41E daí vem a frase dele, famosa, que a liberdade dos tubarões é a morte das sardinhas.
03:48E mesmo na nossa vida prática, a gente precisa de certos limites para respeitar a liberdade de outro.
03:57Então, mas de qualquer forma, a liberdade negativa para o Berlin é essa ideia de,
04:04à medida que há ausência de restrições na minha liberdade, maior ela é.
04:10De onde ele traz isso?
04:12Principalmente dos conceitos de liberdade britânicos, né?
04:17Como Locke, como John Stuart Mill.
04:20Pensadores que entenderam que deveria haver um mínimo de liberdade individual
04:27para que se garantisse a dignidade humana.
04:30Claro, esse mínimo é questionado por cada filósofo, né?
04:36É estabelecido, cada filósofo coloca um limite.
04:41Mas, em geral, esse limite que nem o Estado e nem terceiros,
04:46os outros indivíduos podem interferir na vida de um ser humano
04:52é a liberdade de pensamento, liberdade de crença, liberdade de expressão,
04:58liberdade de se unir a algum tipo de associação, né?
05:04Liberdade de culpa.
05:06Em alguns casos, também, de ser liberdade privada.
05:09Então, segundo os liberais, segundo o Berlin,
05:12esse mínimo é o que garante, de certa forma, a dignidade humana.
05:17E é a partir dele, desse mínimo de liberdade que não permite a interferência
05:27que a gente entende a dignidade humana no mundo ocidental.
05:35Leandro, você falou que a prisão é um caso extremo, né?
05:39Em que a pessoa perde toda a liberdade porque ela está detida, né?
05:44Numa cela.
05:46Mas você tem outros exemplos, assim, de limites,
05:50talvez até que passem despercebidos, assim, a nossa liberdade
05:54e que afetam essa liberdade negativa, que é a ausência do Estado?
05:58Olha, quando você tem, além da ausência, além da interferência estatal,
06:06quando você tem interferência da opinião pública, por exemplo,
06:10essa era uma preocupação que os autores do liberalismo clássico tinham.
06:15Quer dizer, quando você tem uma espécie de mentalidade única,
06:22que não permite que hajam expressões de liberdade diferentes daquelas
06:29que são padronizadas, né?
06:33Então, quando há uma interferência do próprio, não só do Estado,
06:39mas de coletivos ou de um parecer geral da sociedade
06:45contra qualquer tipo de expressão que lhe seja estranha,
06:50isso é um cerceamento de liberdade negativa também, né?
06:54Por exemplo, um exemplo aqui.
06:58John Stuart Mill vivia numa Inglaterra extremamente moralista, né?
07:03Do período vitoriano.
07:05Então, ele era muito preocupado com o tipo de cerceamento,
07:11de preconceito, de expressões que fossem diferentes
07:15daquilo que a Inglaterra vitoriana acreditava ser uma moralidade padronizada, né?
07:24Esse é um exemplo.
07:26Tá.
07:28E isso daí, posso entender que é o cancelamento de hoje ou não?
07:33Eu acho que sim, eu acho que sim.
07:35Há dois autores que falam um pouco disso,
07:39um é o Stuart Mill e o outro é o Alexis de Toqueville, né?
07:43É um francês, mas que geralmente é considerado um pensador
07:46de mentalidade britânica, justamente por vir nessa esteira
07:50do pensamento liberal.
07:52Os dois eram extremamente preocupados com um tipo de padronização,
07:58mais que isso, uma uniformização da opinião por parte do povo, né?
08:07E que esse povo, essa maioria, e daí vem a expressão tão cara
08:12ou pouco vir, né?
08:14De ditadura da maioria, de impedir que alguém que pensasse
08:21diferente daquele status quo ideológico fosse perseguido,
08:28ou fosse, no vocabulário de hoje, cancelado, né?
08:32Não pudesse se expressar livremente, tivesse, por exemplo,
08:38chances de emprego ou de publicação cerceados, né?
08:43O Toqueville é muito claro quando pressente esse risco na América,
08:51quando ele visita os Estados Unidos, né?
08:53No século XIX.
08:54Ele já percebe, então, que havia uma espécie de uniformização
08:59da opinião pública, que não permitia que quem pensasse diferente
09:05se manifestasse, né?
09:08Se a gente trouxer para os dias de hoje, sem dúvida,
09:11esse é um problema que a gente vê na cultura de cancelamento,
09:15ou seja, um impedimento, né?
09:19Uma influência direta sobre a opinião do outro de forma autoritária, né?
09:26Isso já tinha sido identificado por esses autores do século XIX.
09:33Então, a liberdade pode ser ameaçada não só pelo Estado, né?
09:36Mas também pela maioria, né?
09:39Pela opinião dos outros, pela ação dos outros, né?
09:42Sem dúvida.
09:43Tá.
09:44E, Leandro, o Isaia Beren, ele fala da liberdade negativa
09:46e fala também da liberdade positiva.
09:49Você pode explicar o que é essa liberdade positiva?
09:53Sim.
09:54A liberdade positiva, a princípio,
09:56é a ideia de que a pessoa seja a senhora de si mesma,
10:01que ela haja tão somente a partir da opinião dela,
10:04da razão dela, dos valores que ela se impõe, né?
10:08Ele se baseia um pouco na filosofia do Kant.
10:13O Kant tem um texto muito conhecido chamado O que é Esclarecimento,
10:17em que ele diz, o filósofo alemão Immanuel Kant,
10:21que ele diz que o homem precisa amadurecer.
10:24Essa maturidade do homem se dá quando ele se livra
10:28de empecilhos ideológicos ou religiosos
10:32e pensa, como a gente diria hoje, com a própria cabeça.
10:35Então, é um conceito bom de liberdade, desejável.
10:42Agora, o que o Berling percebe na história das ideias
10:46é que há alguns autores que tomam, a princípio,
10:51esse conceito de autogoverno individual,
10:55mas fazem uma sutil alteração,
10:58que na visão do Berling é um tanto macabra,
11:00que é identificar liberdade com obediência, né?
11:07Então, ele cita principalmente dois autores,
11:10um suíço e um alemão,
11:13que são o Jean-Jacques Rousseau, suíço,
11:16e o Fichte, que é um filósofo do idealismo alemão.
11:20Grosso modo, o Berling diz o seguinte,
11:24que os dois são a favor de que o indivíduo tenha
11:27essa autonomia de pensamento e de ação.
11:34A questão é que, de certa forma,
11:36há diferenças, mas para a gente colocar
11:39de uma maneira que fique claro
11:41para a história das ideias aqui do Berling,
11:43eles entendem que, ao mesmo tempo
11:47que você precisa ser senhor de si,
11:51também é necessário que você obedeça a leis.
11:54Então, há um paradoxo,
11:55isso principalmente no Rousseau.
11:57Como é que eu posso ser totalmente livre
11:59e, ao mesmo tempo, ter esse dever
12:01de obedecer as leis?
12:05Então, o Rousseau, ele diz que teve
12:06uma grande iluminação, segundo o Berling,
12:10de que eu só sou livre a partir do momento
12:12que eu sigo as leis que eu crio.
12:15O problema é que, para Rousseau,
12:19todas essas leis são as mesmas
12:20para todos os indivíduos,
12:23que é o que ele chama de vontade geral.
12:26Ou seja, uma vez que eu obedeça
12:29a essa vontade geral, eu me torno,
12:31ao mesmo tempo que, de certa forma, livre,
12:34embora não seja exatamente uma liberdade,
12:37eu me torno submisso a essa vontade geral.
12:40Na mentalidade do Rousseau,
12:44o indivíduo era livre porque era uma regra,
12:48uma vontade que também era dele.
12:50Mas, para o Berling, o que ele diz é que
12:53o Rousseau e depois o Fichte
12:55deram vazão a um tipo de mentalidade
13:00que vai entrar no século XIX
13:03por meio daqueles chamados socialistas utópicos
13:07e também o Marx,
13:09de que a liberdade está vinculada
13:12à obediência ao Estado,
13:13que é a vontade geral,
13:15segundo esses teóricos.
13:17Do lado do Fichte,
13:19isso toma um outro caminho.
13:20Para o Fichte,
13:22essa vontade geral,
13:23se a gente pode falar assim,
13:24ele não fala nesses termos,
13:26mas ele fala de um espírito,
13:27um espírito da nação.
13:29Então, o homem é livre
13:30à medida que ele obedece esse espírito
13:32e, de certa forma,
13:33essas regras que o homem se impõe
13:36também são as mesmas,
13:37porque, na verdade,
13:38são as regras do espírito da nação.
13:42E, para Berling,
13:42o que isso desemboca no caso do Fichte?
13:45No nazismo.
13:47Ou seja,
13:48quando a gente tem esses estados totalitários,
13:51o socialismo soviético
13:53ou o nazifascismo,
13:56nos dois o que a gente vê
13:58são indivíduos
13:59que se entendem livres
14:01por serem obedientes
14:04àquilo que o Estado lhes propõe.
14:07A gente vê muito em filme,
14:08por exemplo,
14:10me ocorre aqui um filme
14:11chamado Um Homem Bom,
14:14em que o protagonista
14:16se deixa levar
14:18por aquilo que a propaganda nazista
14:20vai lhe dizendo.
14:22E eles consideram,
14:23daquela maneira,
14:24livre,
14:24participante
14:25da pujança
14:27da nação alemã
14:28e não percebe
14:29que, na verdade,
14:30ele era apenas
14:30uma marionete
14:31do desejo do líder.
14:33A mesma coisa acontece
14:35do lado soviético.
14:38Quer dizer,
14:39quando você tem essa ideia
14:41de que
14:42você é livre
14:44do consumismo,
14:45livre de um self
14:47que é atrelado
14:49àquilo que é
14:50mais imediato
14:51e, portanto,
14:52mais vulgar,
14:53mais baixo,
14:55e se deixa levar
14:56por influência do Estado
14:57a se tornar
14:59um eu
15:01mais puro,
15:03que não se deixa levar
15:04por vícios
15:06ou interesses
15:08menores,
15:10mas que se interessa
15:12fundamentalmente
15:13pelos interesses
15:14do Estado,
15:15aí sim
15:16ele se sente livre.
15:18Agora,
15:18como é que ele pode
15:20ser livre
15:21se ele está
15:22submisso
15:23àquilo que o Estado
15:23quer?
15:25Então,
15:25esse é o tipo
15:27de deturpação
15:28da liberdade negativa,
15:30perdão,
15:31da liberdade positiva
15:32que o Bernie
15:33identificou
15:34na história
15:35das ideias
15:35do século XVIII
15:36ao século XX.
15:39Tá,
15:40Leandro,
15:40o que você colocou
15:41aqui
15:42que é interessante,
15:43a liberdade
15:44no final
15:44nunca é um valor
15:45absoluto,
15:46tipo,
15:46você tem
15:47ou você não tem.
15:48No fim,
15:49se você vive
15:50numa comunidade,
15:52acontece de você
15:53ter que abrir mão
15:54de muitas coisas
15:55e aí se você
15:57abrir mão
15:59de muitas coisas,
16:00você acaba
16:00até entrando
16:02num Estado
16:02completamente
16:03totalitário,
16:04ainda que você
16:05ache que você
16:06seja uma pessoa livre.
16:09Exato.
16:10O que o Bernie
16:10diz, apesar
16:12de ele ter
16:13dado uma ênfase
16:14na questão
16:15da liberdade,
16:16ele era muito
16:17taxativo em dizer
16:19que a liberdade
16:20não é o principal
16:21valor de uma sociedade.
16:24Ele trabalha
16:25com o senso
16:25de liberdade
16:26porque,
16:27para ele,
16:27nos totalitarismos,
16:29esse foi o bem
16:30humano
16:31que mais sofreu
16:32riscos
16:33de participação.
16:36agora,
16:39a nossa liberdade
16:40todo o tempo
16:41é cerceada
16:41para o nosso bem.
16:44Quer dizer,
16:45para Bernie,
16:45isso é o que ele
16:46chama de pluralismo
16:47de valores,
16:48nós temos uma série
16:49de bens
16:50na vida humana.
16:52A liberdade
16:53é uma,
16:53a igualdade
16:54é outra,
16:55a segurança
16:55é outra,
16:56a justiça,
16:57a misericórdia.
16:59A questão
16:59é que nem todos
17:00eles podem conviver
17:01todo o tempo
17:02juntos.
17:03então,
17:05quando a gente
17:05vai
17:06a uma agência
17:07bancária,
17:09a minha liberdade
17:10de entrar
17:11livremente
17:11à agência
17:12é diminuída
17:14em nome
17:15da minha segurança
17:15e da dos outros
17:16cidadãos
17:17que frequentam
17:19o banco.
17:19Então,
17:19eu preciso passar
17:20por um protocolo
17:21de segurança,
17:23quer dizer,
17:23eu não posso entrar
17:24como eu quiser.
17:25Agora,
17:26isso é bom,
17:27minha liberdade
17:28diminui,
17:28minha segurança
17:29aumenta.
17:31Então,
17:31esse jogo
17:32de equilíbrio
17:34entre os bens
17:35para o Burling
17:36é um dado
17:37empírico,
17:40inescapável
17:41da existência
17:41humana.
17:44Agora,
17:45essa conta
17:45é uma conta
17:46também individual,
17:47de quanto
17:48eu estou disposto
17:49a abrir mão
17:49da minha liberdade
17:50para viver
17:51nesse país
17:53ou nessas cidades.
17:55E tem,
17:57por exemplo,
17:57ditaduras
17:58que as pessoas
17:59acabam abrindo
18:00mão,
18:01voluntariamente
18:02ou não,
18:03de muito
18:04da liberdade
18:05que eles tinham.
18:08Tanto que
18:09são raros
18:10os casos
18:10que você tem
18:11uma revolução,
18:11que as pessoas
18:12pegam
18:13e tentam
18:14derrubar
18:14uma ditadura.
18:16Agora,
18:17essas pessoas
18:17que muitas vezes
18:18vivem
18:19em regimes
18:20ditatoriais
18:21ou totalitários
18:22também
18:23não reclamam
18:24sempre
18:25de falta
18:26de liberdade.
18:27Muitos acabam
18:28se adaptando,
18:29certo?
18:31Pois é,
18:32então,
18:32a gente vê,
18:33não sei,
18:33acho que talvez
18:34hoje o caso
18:35mais conhecido
18:36seja da Coreia do Norte.
18:38Daqui,
18:39a gente tem
18:39a sensação
18:40de que eles
18:41foram
18:42enganados
18:43pelo líder.
18:44Quer dizer,
18:45tal qual
18:46nas ditaduras
18:48totalitárias
18:49do século XX,
18:50o indivíduo
18:51acaba
18:52acreditando
18:53na propaganda
18:54e se submete
18:56de alguma maneira
18:56à liderança.
18:59Em outros casos,
19:00a gente está vendo,
19:01por exemplo,
19:02na Rússia,
19:04que
19:05desde o início
19:06da guerra
19:07qualquer tipo
19:07de manifestação
19:08contrária
19:09é brutalmente
19:11censurada
19:13pela polícia,
19:14pelo exército,
19:14enfim.
19:18É difícil dizer
19:20porque a gente
19:20não passou por isso
19:21e claro
19:23que
19:24provavelmente
19:26
19:27coisas que a gente
19:28não sabe,
19:29manifestações
19:30que acabam
19:30não chegando
19:33para a gente,
19:34mas infelizmente
19:35me parece
19:36por vezes
19:37há uma espécie
19:38de desistência,
19:39um enfraquecimento
19:42do espírito
19:43diante
19:44da tirania.
19:48Agora,
19:48é claro,
19:49sim.
19:50As pessoas
19:51colocam a liberdade
19:52como se fosse
19:53um valor
19:53maravilhoso,
19:55nobre,
19:57que tem
19:57que ser almejado,
19:58mas você diria
19:59que as pessoas
20:00deveriam buscar
20:00sempre mais liberdade?
20:04Olha,
20:05pensando no nosso
20:07contexto,
20:07acho que a gente
20:08já conquistou
20:09muita liberdade,
20:11a gente não pode
20:12reclamar,
20:12porque se pensar
20:13historicamente
20:14como se faz
20:15na filosofia,
20:16todo o avanço
20:17do liberalismo,
20:18é negável
20:19que a gente
20:20conquistou
20:20uma série
20:21de direitos
20:22e liberdades.
20:24O que eu acho
20:25que a gente
20:26precisa estar
20:26todo o tempo
20:28atentos
20:29é para o risco
20:31de perdê-la.
20:33Então,
20:33como eu disse,
20:34há aquele núcleo
20:35duro
20:35de direitos
20:37que a gente
20:38não pode
20:39negociar.
20:40Todo o tempo
20:41é necessário
20:42vigiar
20:44se esses direitos
20:46não serão
20:47de alguma maneira
20:49deturpados,
20:51tirados de nós.
20:52Não me parece
20:53o caso,
20:53por vezes,
20:54aqui no ocidente,
20:55embora,
20:55às vezes,
20:56a gente,
20:56por exemplo,
20:57você estava falando
20:58da cultura
20:59de cancelamento,
21:00que é uma
21:00manifestação
21:03propriamente ocidental,
21:07me vem à mente
21:08aqui talvez
21:09essa questão
21:10da limitação
21:12das chamadas
21:13fake news,
21:14quer dizer,
21:15quem é que vai definir
21:17que a expressão
21:18de alguém
21:19é falso ou não,
21:20quer dizer,
21:21tudo isso
21:21coloca em risco
21:23a nossa liberdade,
21:24esse núcleo liberal
21:25de liberdades.
21:27Então,
21:27é necessário
21:28o tempo todo
21:29estar atentos
21:30e,
21:32enfim,
21:33como o cidadão
21:35entender o que está
21:37acontecendo.
21:39Há uma fala
21:40de um filósofo,
21:42na verdade,
21:43um político francês
21:44chamado
21:45Benjamin Constant,
21:47que ele diz
21:47que o interesse
21:49do homem moderno
21:50é um interesse
21:50individual,
21:51viver a sua vida
21:52como ele deseja.
21:55Mas que nessa mudança
21:57de um homem
21:58mais coletivo
21:59envolvido
22:00com as decisões políticas,
22:02se a gente pensar,
22:03por exemplo,
22:03em comparação
22:04com conceitos antigos,
22:07como Grécia
22:08e Roma
22:09de participação
22:10política,
22:12a gente acaba
22:14deixando
22:14na modernidade
22:15a decisão
22:16política
22:17para outros.
22:18O homem moderno
22:20se desinteressou
22:21pela política
22:22e passou a ter
22:22interesses mais privados,
22:24mais individuais
22:25e egoístas,
22:26de certa forma.
22:29Então,
22:29ele lembra
22:30o Constant,
22:31isso é um texto
22:32do início
22:33do século XIX,
22:34que é preciso
22:35estar atento
22:36para que,
22:38nesse distanciamento
22:39político,
22:39esse distanciamento
22:40não seja total,
22:42que haja,
22:43de fato,
22:43uma preocupação
22:44com os rumos
22:46da sociedade
22:47e as decisões
22:48políticas
22:48que são tomadas.
22:50Acho que é um alerta
22:51válido para a gente
22:54ainda hoje,
22:54sem dúvida.
22:56Entendi.
22:56Então,
22:57muito mais importante
22:58do que buscar
22:59uma liberdade máxima,
23:00o total,
23:02a gente tem que,
23:03primeiro,
23:04defender
23:05os nossos direitos,
23:06acho que aí
23:07estamos falando
23:07principalmente
23:07daqueles direitos
23:08da liberdade negativa,
23:09que é poder se expressar,
23:11poder se reunir
23:12com quem a gente quiser
23:13e também
23:16não deixar
23:17de falar
23:19e se intrometer
23:20na política,
23:21senão a gente
23:22acaba terceirizando
23:23para os outros
23:23e a gente
23:24acaba ficando
23:25sem liberdade,
23:26certo?
23:27Sim,
23:27exatamente.
23:29Leandro,
23:29e a última pergunta,
23:31mais liberdade
23:32traz mais felicidade?
23:33Olha,
23:36essa é difícil,
23:37vou responder,
23:38vou dar uma resposta
23:39que eu imagino
23:39que o Berlin daria.
23:42Como a liberdade
23:43não é o valor
23:44principal,
23:45a gente não pode
23:46prender
23:49felicidade
23:50a um conceito só.
23:52Há pessoas
23:53que dedicam
23:54a vida
23:54a outras
23:56tarefas
23:58ou
23:58dá a vida
23:59a outro sentido
24:00que não
24:00necessariamente
24:01requer
24:02liberdade.
24:05Então,
24:06se a gente
24:06pensa,
24:07por exemplo,
24:08são exemplos
24:08que ele dá.
24:10Um monge
24:11religioso,
24:12ele se sente
24:13feliz
24:13daquela maneira,
24:14retirado
24:15do mundo,
24:17vivendo
24:18para orações
24:19e
24:20numa vida
24:21comunitária.
24:22agora,
24:23é inegável,
24:24então,
24:25não é necessariamente
24:26preciso ter mais liberdade
24:30para ser feliz,
24:31me parece.
24:32A felicidade,
24:33para Berlin,
24:34eu diria,
24:36é algo
24:37subjetivo
24:39e que cada um
24:40a conquista
24:42ou a deseja
24:44e a procura
24:46à sua maneira.
24:48Agora,
24:49é inegável
24:50que,
24:51para uma sociedade
24:52ocidental,
24:55tal como a gente
24:55a concebe,
24:57para o conceito
24:59de civilização
25:00que a gente
25:00almeja
25:01e deseja
25:03manter,
25:05há certas
25:06liberdades
25:06que são
25:07inegociáveis,
25:08são irrevogáveis
25:09e que
25:10é difícil
25:11pensar
25:12uma civilização
25:16tal como a nossa
25:17sem esses direitos.
25:19Então,
25:20é por isso
25:21que eu dizia
25:21sobre o alerta,
25:23estarmos sempre
25:24atentos,
25:25mesmo
25:26em democracias,
25:29a gente sabe
25:29que hoje
25:30há governos
25:32que ameaçam
25:34de forma direta,
25:37às vezes indireta
25:38e oculta
25:40a liberdade
25:41individual.
25:42para quem
25:43se considera
25:44um liberal,
25:44um homem moderno,
25:46que deseja,
25:48que percebe
25:49que esses são bens,
25:51então,
25:51inegavelmente,
25:53é preciso manter
25:54e valorizar
25:57esses direitos.
25:59ótimo,
26:02Leandro,
26:02superobrigado
26:03pela entrevista.
26:06O Leandro,
26:07então,
26:07eu conversei com ele agora,
26:09ele está com o livro aí,
26:10Leandro,
26:11ele publicou
26:12no final do ano passado,
26:13Isiah Berlin,
26:15Pluralismo
26:16e Dois Conceitos
26:17de Liberdade,
26:19Leandro,
26:19que é doutorando
26:20de filosofia
26:21na USP.
26:22Leandro,
26:23superobrigado,
26:23então,
26:24pela conversa.
26:24e eu que agradeço,
26:26Duda,
26:26um abraço.
26:28Tchau,
26:28até a próxima.
26:30Bom,
26:30eu sou o Duda Teixeira,
26:31esse foi mais um
26:33Cruzoé Entrevistas,
26:34falamos aqui
26:35sobre liberdade
26:36e espero que vocês
26:38tenham gostado.
26:39Tchau,
26:39até a próxima.
26:40Tchau.
26:40Tchau.

Recomendado