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Transcrição
00:00:00De conversa boa, todo mundo quer participar, o antagonista também.
00:00:07Nossa equipe recebe convidados especiais para um bate-papo leve e divertido sobre as experiĂȘncias de cada um.
00:00:15Podcast O.A. Conversa boa de ver e ouvir.
00:00:20Salve, salve! Eu sou Felipe Moura Brasil. Sejam bem-vindos a mais um episĂłdio do Podcast O.A.
00:00:25Lembrando que semana passada nĂŁo teve por causa da minha sinusite, mas eu jĂĄ estou bem.
00:00:29A gravação que a gente ia fazer foi adiada. É essa mesmo que vocĂȘ estĂĄ assistindo agora.
00:00:34Lembrando que tem um episĂłdio novo toda segunda-feira, Ă s 19h30, no canal de YouTube de O Antagonista.
00:00:39E hoje eu tenho o prazer de receber aqui presencialmente, como Ă© costume, do Podcast O.A.
00:00:45O Ricardo Taurizano, que sabe tudo a respeito de Santo Agostinho.
00:00:48A gente nĂŁo gosta da palavra especialista, que foi banalizada aĂ­ na imprensa,
00:00:52mas ele é profundo conhecedor da vida e da obra desse que é uma inspiração para o novo Papa.
00:00:58O Papa LeĂŁo XIV, que no seu primeiro discurso jĂĄ se disse um filho de Santo Agostinho.
00:01:04EntĂŁo vamos esclarecer o que isso significa, se Ă© que a gente pode dizer assim.
00:01:09Ricardo, bem-vindo.
00:01:10Bem-vindo. É um prazer, uma honra estar aqui com vocĂȘ, Felipe, com os nossos amigos antagonistas,
00:01:17espectadores e estamos aĂ­. Vamos falar desse gĂȘnio Santo Agostinho, vamos falar da riqueza da sua obra.
00:01:25É, eu nĂŁo conheço tanto quanto vocĂȘ, mas conheço um bocadinho.
00:01:29Estudei em colégio agostiniano e estudei depois a obra de Santo Agostinho.
00:01:34Tudo que eu aprendi, aliås, foi mais fora do colégio.
00:01:36E escrevi um artigo, depois que o Papa foi eleito, que Ă©
00:01:41Por que um Papa agostiniano Ă© bom para o Brasil?
00:01:43Por que Ă© bom para o Brasil um Papa agostiniano?
00:01:45Claro que Ă© uma impressĂŁo inicial, Ă© uma torcida para que ele justamente aplique
00:01:50certas concepçÔes agostinianas e principalmente o combate ao maniqueísmo,
00:01:55que Ă© abordado ali no meu artigo, jĂĄ que o Santo Agostinho combatia.
00:01:58E antes de fazer a primeira pergunta, sĂł quero mostrar aqui essa obra maravilhosa
00:02:02que estĂĄ disponibilizada na frente de vocĂȘs.
00:02:05O Livre ArbĂ­trio Ă© o livro 1, tem o 2, tem o 3, aqui tudo do Ricardo Taurizano
00:02:10sobre a obra de Santo Agostinho.
00:02:12Ainda tem esse aqui sobre a retórica, também baseado na obra de Agostinho de Hipona.
00:02:18E tem um outro livro que Ă© o mais recente sobre um autor misterioso.
00:02:23Mas vocĂȘs estĂŁo aĂ­, a gente ainda vai falar a respeito disso,
00:02:25esses trĂȘs aqui pela E-RealizaçÔes, do nosso querido Edson,
00:02:29a quem eu mando um grande abraço.
00:02:31EntĂŁo, o novo Papa Ă© filho de Santo Agostinho.
00:02:34Como Ă© que vocĂȘ contextualiza inicialmente vida e obra de Santo Agostinho
00:02:38para quem Ă© totalmente leigo?
00:02:41Agostinho, ele se converte ao cristianismo, na verdade nĂŁo ao cristianismo,
00:02:47à igreja católica, ao catolicismo, porque diz ele nas próprias confissÔes,
00:02:51que Ă© um relato da sua conversĂŁo posterior, quando ele jĂĄ era bispo praticamente,
00:02:57em 395, entre 395 e 340, que ele escreve a famosa obra ConfissÔes.
00:03:03Então, é alguém olhando para trås e vai narrar os eventos que aconteceram
00:03:0710 anos antes da sua conversĂŁo com os olhos, obviamente, olhos de uma pessoa
00:03:12que jĂĄ estĂĄ profundamente ligado Ă s coisas da igreja.
00:03:16Isso jĂĄ com mais de 30 anos.
00:03:17JĂĄ com mais de 30 anos.
00:03:20EntĂŁo, ele se converte, depois de ter passado quase 10 anos no maniqueĂ­smo,
00:03:26por ter passado pelo ceticismo da nova academia, ou seja,
00:03:30descrença total de qualquer possibilidade de apreensão da verdade,
00:03:35por ter sido neoplatĂŽnico brevemente, quando esteve em MilĂŁo,
00:03:40antes de ter sido batizado por Santo AmbrĂłsio.
00:03:43EntĂŁo, ele tem uma vida aparentemente acidentada intelectualmente,
00:03:50mas nĂŁo enriquĂ­ssima, exatamente porque ele passou por todas essas coisas.
00:03:54E a sua experiĂȘncia no maniqueĂ­smo obrigou, porque ele converteu amigos e familiares ao maniqueĂ­smo,
00:04:00ele levou muitos ao maniqueĂ­smo.
00:04:01EntĂŁo, ele se sentiu na obrigação de trazĂȘ-los de volta para o caminho que ele achava
00:04:06que, naquele momento, era o certo.
00:04:09EntĂŁo, ele vai escrever uma parte inicial da sua obra,
00:04:11cujo auge Ă© o livre-arbĂ­trio.
00:04:15Essa obra aqui Ă© um diĂĄlogo escrito em trĂȘs partes, que foi traduzido e comentado.
00:04:20Então, tem a tradução, tem o texto original e a tradução,
00:04:23onde ele vai comentar temas que os maniqueus tratavam de uma maneira perigosa,
00:04:30do modo de ele entender e, por exemplo, o que eles diziam?
00:04:35Que Deus era o autor do mal.
00:04:37Havia um mal natural, o universo estava dividido entre duas potĂȘncias antagĂŽnicas
00:04:42e havia um mal natural que era associado pelos maniqueus,
00:04:46que era um sincretismo entre filosofias indo-irĂąnicas,
00:04:50neoplatonismo, cristianismo.
00:04:52EntĂŁo, eles associavam o Deus do Velho Testamento a um Deus mal.
00:04:56E Jesus, o Deus do Novo Testamento, a um Deus misericordioso.
00:05:01Eles repudiavam o Velho Testamento
00:05:03e queriam exaltar apenas o Novo Testamento, o Deus misericordioso.
00:05:08SĂł um parĂȘntese, vamos lembrar que esse Ă© o maniqueĂ­smo original.
00:05:11É a seita ali criada pelo profeta Manis, se fala?
00:05:15Mani, os romanos falavam Mani, mas Maniqueus também, os latinos também falavam isso.
00:05:21Os maniqueus sĂŁo os seguidores, os adeptos.
00:05:22Sim, o nome dele em latim também aparece grafado como Maniqueus, também aparece.
00:05:30Que Ă© uma visĂŁo de bondade absoluta versus maldade absoluta,
00:05:36de luz contra a escuridĂŁo, mas de uma maneira muito binĂĄria,
00:05:40que Ă© o que a gente vĂȘ hoje no debate pĂșblico.
00:05:42Sim, sim, uma maneira binĂĄria.
00:05:44E isso trazia consequĂȘncias importantes.
00:05:48Perguntas que eram lançadas, ele mesmo fazia,
00:05:50ele fez essas perguntas para os maniqueus, enquanto ele era maniqueu,
00:05:54e eles o enrolaram, eles prometeram respostas que nunca deram.
00:05:58E, obviamente, o sapato fica pequeno,
00:06:00ele foi crescendo intelectualmente, se desenvolvendo,
00:06:03as respostas nĂŁo vinha, e ele teve que encontrar um outro caminho.
00:06:06O ceticismo ajudou ele a fazer essa faxina mental,
00:06:09se libertando de algumas concepçÔes maniqueístas,
00:06:12e o neoplatonismo ajudou ele a sair, se desprender do materialismo.
00:06:16Ele era material, ele era uma pessoa que acreditava que até o espírito de Deus
00:06:22era tudo massa, era tudo matéria.
00:06:24Era uma concepção que parece estranha para a gente hoje,
00:06:26mas era uma concepção estoica,
00:06:27era uma concepção que predominava no mundo antigo, na elite romana.
00:06:31E, entĂŁo, esse...
00:06:33O neoplatonismo jĂĄ relacionado a PlatĂŁo.
00:06:36PlatĂŁo, depois Plotino.
00:06:37Ele recebe o platonismo jĂĄ filtrado por Plotino e por PorfĂ­rio,
00:06:40que foi um seguidor de Plotino,
00:06:42que reuniu a obra de Plotino,
00:06:43que organizou os tratados chamados Enéas de Plotino.
00:06:47EntĂŁo, Agostinho pega isso jĂĄ por via indireta,
00:06:50e o neoplatonismo vai permitir que Agostinho enxergue
00:06:55que existe uma realidade espiritual que vai além da matéria.
00:06:59Que Deus nĂŁo pode ser circunscrito apenas aos cinco sentidos,
00:07:03e nĂŁo pode ser circunscrito apenas a conceitos
00:07:06que sejam limitados racionalmente.
00:07:09EntĂŁo, ele vai abrir uma janela.
00:07:11Uma janela para o inefĂĄvel, o desconhecido, o impronunciĂĄvel,
00:07:15o mistério que ele vai encontrar ao longo de toda a sua carreira.
00:07:20Apesar de ter sido um teĂłlogo considerado catafĂĄtico, vamos dizer assim,
00:07:25ao contrĂĄrio de DionĂ­sio, que era apofĂĄtico,
00:07:27que acreditava que de Deus vocĂȘ nĂŁo pode falar nada,
00:07:29sĂł pode conhecer o que ele nĂŁo Ă©, o que ele Ă©, vocĂȘ nĂŁo conhece.
00:07:32Agostinho acreditava que como pregador ele era obrigado a falar de Deus.
00:07:35Eu preciso falar, eu nĂŁo sei o que eu vou falar, mas eu tenho que falar.
00:07:39Nada do que eu fale Ă© suficiente, nada serĂĄ suficiente,
00:07:42mas Ă© necessĂĄrio pregar, porque se eu nĂŁo pregar,
00:07:44ele dizia, como Paulo diz, ai de mim se nĂŁo pregar o evangelho.
00:07:47Se eu nĂŁo pregar, como as pessoas vĂŁo saber?
00:07:49Como que elas vĂŁo se aproximar?
00:07:50Então é preciso tentar, de alguma maneira, essa aproximação.
00:07:53Tentar, inclusive, expressar aquilo que Ă© imaterial,
00:07:56aquilo que Ă© abstrato, aquilo que Ă© mais difĂ­cil justamente de expressar.
00:08:00E nisso a sua formação retórica ajudou muito,
00:08:03porque ele foi obrigado a expandir os limites da lĂ­ngua latina,
00:08:06o que ele faz nas confissÔes de maneira brilhante, genial,
00:08:09expandindo, escrevendo um latim que até então,
00:08:12é inaudito, até então ninguém jamais tinha expresso daquela maneira,
00:08:15tentando dizer o indizĂ­vel,
00:08:17que Ă© o tema da enigma do espelho da retĂłrica do silĂȘncio.
00:08:22Eu tento mostrar como Agostinho exprime aquilo que Ă© inexprimĂ­vel
00:08:26através dos recursos retóricos, tentando falar de Deus, tentando dizer Deus.
00:08:31O que, obviamente, ele reconhece, que Ă© uma tarefa em glĂłria,
00:08:34mas Ă© necessĂĄria, Ă© necessĂĄria.
00:08:37O livre-arbĂ­trio combate o maniqueĂ­smo,
00:08:40principalmente a histĂłria de que Deus seja a causa do mal.
00:08:43EntĂŁo, histĂłria.
00:08:43No livro 1, na primeira parte, chega-se Ă  conclusĂŁo
00:08:46que o ser humano Ă© responsĂĄvel pelo mal,
00:08:48porque ele tem o livre-arbĂ­trio, ele recebeu a liberdade de agir.
00:08:51SĂł constatando que livre-arbĂ­trio Ă© uma obra de Santo Agostinho,
00:08:54Ă© uma obra de cerca de 100 pĂĄginas.
00:08:56É uma obra de cento e poucas páginas que está sendo comentada,
00:08:59dividida em trĂȘs livros.
00:09:01Por que em trĂȘs livros?
00:09:02Porque, na antiguidade, eram rolos de papiro,
00:09:05e o que cabia no rolo era o que as pessoas podiam carregar.
00:09:07EntĂŁo, o que vocĂȘ conseguia carregar, o que cabia no rolo,
00:09:10se chamava de livro.
00:09:11EntĂŁo, por isso trĂȘs livros, porque, obviamente, nĂŁo cabia tudo no rolo.
00:09:14A partir do momento que começam a usar o pergaminho,
00:09:17aĂ­ vocĂȘ tem o cĂłdice, vocĂȘ jĂĄ pode costurar e carregar mais conteĂșdo.
00:09:22Mas a divisĂŁo permaneceu, a divisĂŁo cultural permanece em livros.
00:09:26EntĂŁo, sĂŁo trĂȘs partes, vamos dizer assim, trĂȘs grandes partes,
00:09:28mas que foram escritos em épocas distintas.
00:09:31EntĂŁo, assim, a grande pergunta que fica e que afasta muitas pessoas,
00:09:35inclusive da fé em Deus até hoje, é,
00:09:38se existe tanto mal no mundo, nĂŁo Ă©?
00:09:40Como vocĂȘ pode conciliar isso com a existĂȘncia de Deus?
00:09:43Como Ă© que pode Deus existir e ser bom?
00:09:46Ser tĂŁo...
00:09:47Como os maniqueus resolviam isso?
00:09:48Eu quero ver vocĂȘ responder isso em um podcast.
00:09:52Isso precisa de milhares de pĂĄginas para responder.
00:09:54Eu gastei mil e setecentas pĂĄginas para explicar o que Agostinho tentou explicar em 130.
00:09:58Mas esse Ă© o desafio do podcast,
00:10:00fazer os convidados responderem em uma hora as perguntas mais difĂ­ceis.
00:10:03Ao contrĂĄrio do dualismo maniqueu,
00:10:05para Agostinho sĂł existia um Deus,
00:10:08uma fonte de todo o bem.
00:10:09Tudo que Deus faz Ă© bom.
00:10:11Tudo que ele faz Ă© bom.
00:10:12O livre-arbĂ­trio da vontade Ă© um bem,
00:10:14porque foi dado por Deus.
00:10:15Tudo que Deus faz Ă© bom.
00:10:16Até o diabo é bom.
00:10:17Porque foi criado por Deus.
00:10:19Ele se afastou de Deus.
00:10:20EntĂŁo, o mal Ă© o afastamento de Deus.
00:10:23Em poucas palavras, seria isso.
00:10:25Ele vai repetir esse conceito de vĂĄrias maneiras possĂ­veis.
00:10:28Mas Ă© o afastamento de Deus.
00:10:30Quando vocĂȘ usa a sua vontade de maneira errada,
00:10:34o que seria de maneira errada?
00:10:35Quando vocĂȘ quer algo que vocĂȘ deveria ou ama algo.
00:10:39Querer e amar sĂŁo conceitos muito prĂłximos para Agostinho.
00:10:42EntĂŁo, quando vocĂȘ ama alguma coisa
00:10:43que vocĂȘ deveria usar e nĂŁo amar como um fim em si mesmo,
00:10:47em vez de usĂĄ-la como um instrumento para chegar nesse fim,
00:10:51vocĂȘ estĂĄ usando mal a sua vontade.
00:10:52Esse mau uso da vontade afasta,
00:10:55acaba corrompendo a vontade do seu fim determinado por Deus,
00:10:58que Ă© o bem.
00:10:59Qual Ă© o Ășnico fim em si mesmo para Agostinho?
00:11:03É Deus.
00:11:03Deus Ă© o fim em si mesmo.
00:11:04Todo o resto Ă© instrumento para chegar a Deus.
00:11:07Vamos dizer assim.
00:11:08Essa Ă© uma crĂ­tica que se faz.
00:11:09Até a amizade, por exemplo, seria se deve amar as pessoas.
00:11:12NĂŁo usĂĄ-las para chegar a Deus,
00:11:14mas sabendo que Deus Ă© o fim.
00:11:16VocĂȘ deve amĂĄ-las tendo Deus por fim.
00:11:18O amor que vocĂȘ tem pelos seres humanos deve ter sempre Deus por fim.
00:11:21Para que vocĂȘs estejam juntos,
00:11:23contemplando Deus face a face, vamos dizer assim,
00:11:25num futuro que seria depois desta vida.
00:11:29Então, eu não sei se a pergunta inicial com relação ao Papa,
00:11:32foi essa a pergunta inicial.
00:11:35Sim, a gente colocou Santo Agostinho no contexto do Papa se declarar um filho dele.
00:11:41As imagens de Agostinho sempre tem um coração em chamas,
00:11:44em cima de um livro.
00:11:46Porque Ă© um erudito, uma pessoa extremamente inteligente,
00:11:50que usou toda a sua linguagem,
00:11:53tendo dois objetivos.
00:11:54Tudo que Agostinho escreveu,
00:11:55e ele falou isso no inĂ­cio da sua carreira,
00:11:57numa obra chamada SolilĂłcus.
00:11:58Ele falou assim, Ă© um diĂĄlogo.
00:12:00SolilĂłcus Ă© um diĂĄlogo entre ele e a razĂŁo.
00:12:03A razĂŁo pergunta, mas o que vocĂȘ quer conhecer?
00:12:06Duas coisas que eu quero apenas.
00:12:08Conhecer a alma e conhecer Deus.
00:12:10NĂŁo dĂĄ para conhecer a alma sem conhecer Deus,
00:12:11e nĂŁo dĂĄ para conhecer Deus sem conhecer a alma.
00:12:13Eu preciso conhecer as duas coisas.
00:12:14E ele vai chegar Ă  conclusĂŁo que vocĂȘ precisa,
00:12:17o jeito de conhecer Deus Ă© mergulhando no interior da alma.
00:12:20Dizem que Ă© o pai da interioridade.
00:12:22É um conceito que depois vai se desdobrar.
00:12:25NĂŁo vem ao caso aqui,
00:12:26porque senĂŁo precisarĂ­amos mais de um podcast para falar disso.
00:12:29EntĂŁo, assim, ele Ă© um filĂłsofo do amor,
00:12:31mas, ao mesmo tempo, Ă© um filĂłsofo da inteligĂȘncia.
00:12:34É o filósofo da unidade, acima de tudo.
00:12:36Por quĂȘ?
00:12:37Uma das heresias, nĂŁo apenas a primeira,
00:12:40que, na verdade, Ă© considerada uma heresia o maniqueĂ­smo,
00:12:43mas a segunda, o donatismo, nĂŁo Ă© uma heresia.
00:12:45Era um cisma, uma divisĂŁo,
00:12:48contra as quais ele lutou, essas duas,
00:12:49o maniqueĂ­smo e o donatismo.
00:12:52No fim das contas, pregavam divisĂŁo.
00:12:54O maniqueĂ­smo, divisĂŁo das vontades,
00:12:56divisĂŁo das divindades, divisĂŁo dos caminhos.
00:12:59Ou seja, vocĂȘ tem dois lados, o mundo se divide em duas partes,
00:13:02num conflito eterno entre o bem e o mal.
00:13:04E os donatistas, de certa maneira, também dividiram a igreja.
00:13:09E ele lutou muito contra isso.
00:13:11Eles diziam que apenas os puros Ă© que poderiam fazer parte da igreja.
00:13:17Agostinho era muito sĂĄbio.
00:13:19Quem Ă© que pode garantir que uma pessoa Ă© pura?
00:13:22SĂł Deus Ă© que pode garantir.
00:13:24EntĂŁo, eles queriam que todos os que tivessem entregue as escrituras,
00:13:29a Ășltima perseguição de Diocleciano,
00:13:31no finzinho do século III e início do IV,
00:13:34que todos esses padres, todos esses bispos,
00:13:38esses que tiveram batizado na igreja,
00:13:42que esses batizados fossem anulados.
00:13:44Essas pessoas tinham que ser expulsas da igreja,
00:13:47tinham que ser afastadas,
00:13:48e as pessoas que foram batizadas tinham que ser rebatizadas.
00:13:51Essa visĂŁo donatista.
00:13:52Donatista. Agostinho era contra isso.
00:13:54Por quĂȘ? O que ele dizia?
00:13:55Quem batiza Ă© Jesus Cristo.
00:13:58NĂŁo sĂŁo as pessoas que batizam.
00:14:00Ele defendeu o sacramento.
00:14:02Por quĂȘ?
00:14:02O sacramento, como uma constituição numa repĂșblica,
00:14:05ele estĂĄ acima das pessoas.
00:14:07As pessoas sĂŁo falĂ­veis, as pessoas sĂŁo mutĂĄveis.
00:14:09É preciso que haja algo que esteja acima,
00:14:11que seja imutĂĄvel.
00:14:13É preciso vocĂȘ ter uma base.
00:14:15Como no platonismo, a base Ă© Deus.
00:14:17Ao contrĂĄrio da disputa entre PlatĂŁo e os sofistas, por exemplo,
00:14:20o ProtĂĄgoras dizia, o homem Ă© a medida de todas as coisas.
00:14:23PlatĂŁo dizia, nĂŁo, Deus Ă© a medida de todas as coisas.
00:14:25É preciso vocĂȘ ter uma medida que seja imutĂĄvel,
00:14:27que seja fixa, que seja segura, que seja confiĂĄvel.
00:14:30Agostinho vai pelo mesmo caminho,
00:14:31num outro contexto completamente diferente.
00:14:33É preciso que vocĂȘ tenha uma base,
00:14:35que seja imutĂĄvel, que seja fixa,
00:14:37que seja estĂĄvel.
00:14:38O ser humano Ă© instĂĄvel.
00:14:40Se vocĂȘ...
00:14:41Primeiro que vocĂȘ nĂŁo tem como julgar
00:14:42se o ser humano Ă© bom ou nĂŁo.
00:14:43Por outro lado, se vocĂȘ colocou como critĂ©rio
00:14:47o carĂĄter de uma pessoa,
00:14:48vocĂȘ jĂĄ nĂŁo tem como avaliar.
00:14:50Mas imagine que vocĂȘ possa avaliar.
00:14:52Quem Ă© que vai sobrar?
00:14:53Como que vocĂȘ vai manter uma igreja
00:14:57sĂł de pessoas puras, nobres e boas?
00:14:59É muito complicado.
00:15:00EntĂŁo, assim, ele lutou contra essa divisĂŁo.
00:15:03Eu acredito que esse chamado para Agostinho,
00:15:07que o Papa fez questĂŁo de destacar
00:15:09no seu primeiro pronunciamento,
00:15:11Ă© um chamado para unidade.
00:15:13Exato.
00:15:14Ele frisou bastante essa palavra.
00:15:15É um chamado para unidade.
00:15:16A unidade nĂŁo Ă© apenas uma unidade retĂłrica
00:15:18no mau sentido.
00:15:19A palavra Ă© usada pejorativamente.
00:15:21NĂŁo Ă© uma unidade apenas no discurso.
00:15:23É uma unidade na prática.
00:15:25Saber que existem divergĂȘncias, ele reconhece.
00:15:27Existem problemas, ele reconhece.
00:15:28O ser humano Ă© falĂ­vel.
00:15:30Ele reconhece.
00:15:31Como diz o Salmo,
00:15:32nĂŁo hĂĄ um sĂł que faz o bem, um sequer.
00:15:34EntĂŁo, o ser humano Ă© falĂ­vel.
00:15:35Agostinho adorava citar.
00:15:36Acho que Ă© Jeremias que diz
00:15:38maldito homem que confia no homem.
00:15:39NĂŁo Ă© que vocĂȘ nĂŁo deve confiar no ser humano.
00:15:42A fĂ©, vocĂȘ precisa da fĂ© para acreditar.
00:15:45Um dos argumentos que ele dĂĄ
00:15:46para defender a necessidade da fé
00:15:48estĂĄ em uma obra chamada
00:15:49Utilidade de Crer.
00:15:51Ele diz assim,
00:15:51como vocĂȘ pode manter uma amizade sem a fĂ©?
00:15:54Por exemplo,
00:15:55vocĂȘ, Felipe, me diz
00:15:56que, olha, Ricardo,
00:15:57vocĂȘ Ă© um cara muito legal.
00:15:58Eu tenho que acreditar no seu testemunho.
00:16:00É fĂ©.
00:16:01É fĂ©.
00:16:02Quando vocĂȘ ia ao cartĂłrio antigamente,
00:16:03acho que tinha um carinho,
00:16:04dou fé que este documento...
00:16:06FĂ©.
00:16:06É a fides latina.
00:16:07É a confiança no testemunho,
00:16:10na palavra dada.
00:16:12Se vocĂȘ nĂŁo confia,
00:16:13as relaçÔes pessoais,
00:16:15elas sĂŁo impossĂ­veis de acontecer.
00:16:17A histĂłria.
00:16:18A gente nĂŁo viveu.
00:16:19A gente nĂŁo sabe
00:16:20o que aconteceu com Alexandre,
00:16:22com César.
00:16:22A gente tem o testemunho dos historiadores.
00:16:25Se vocĂȘ nĂŁo der fĂ© no testemunho deles
00:16:26e nos documentos que eles deixaram,
00:16:28que estão sujeitos à interpretação,
00:16:31o que sobra?
00:16:31EntĂŁo, assim,
00:16:32a fé é necessåria,
00:16:33a fé é importante,
00:16:34sem dĂșvida nenhuma.
00:16:35EntĂŁo, assim,
00:16:36Ă© necessĂĄrio
00:16:37essa confiança
00:16:39para saber que as pessoas sĂŁo falĂ­veis.
00:16:42A divisĂŁo existe.
00:16:44As opiniÔes são divergentes.
00:16:45Mas Ă© importante,
00:16:46acima de tudo,
00:16:47entender que Deus Ă© um sĂł.
00:16:49Que entender
00:16:49que no princĂ­pio existe a unidade.
00:16:52Que se vocĂȘ quer manter uma instituição,
00:16:55é preciso que essa instituição
00:16:56esteja coesa.
00:16:57Se vocĂȘ quer
00:16:58manter um grupo de pessoas,
00:16:59se nĂŁo existe um limite,
00:17:01o que Ă© um limite?
00:17:02Por exemplo,
00:17:02uma circunferĂȘncia.
00:17:03Se vocĂȘ cortar a circunferĂȘncia,
00:17:05Ă© como furar uma bexiga.
00:17:06Todo o ar que estĂĄ lĂĄ dentro
00:17:07se esvai.
00:17:09EntĂŁo, a mesma coisa
00:17:10qualquer instituição,
00:17:11qualquer grupo.
00:17:12Se vocĂȘ nĂŁo tem uma unidade,
00:17:13o conteĂșdo se esvai.
00:17:14Ele nĂŁo Ă© mais um grupo.
00:17:15E acho que a unidade
00:17:16pressupÔe uma base comum.
00:17:17Sim.
00:17:18Seja de valores,
00:17:19seja de elementos
00:17:20da prĂłpria realidade.
00:17:22Porque,
00:17:23até quando eu analiso
00:17:24o que estĂĄ acontecendo
00:17:25no ambiente cultural brasileiro,
00:17:26no debate pĂșblico mundial,
00:17:28virtual,
00:17:28muitas vezes a gente vĂȘ
00:17:30as pessoas se digladiando
00:17:32nesse grande duelo tribal
00:17:34em que vocĂȘ perde
00:17:36o elemento comum
00:17:37de realidade.
00:17:38Quer dizer,
00:17:38a base comum,
00:17:39objetiva,
00:17:39dos fatos.
00:17:40Esses sĂŁo fatos aqui
00:17:42que sĂŁo verificĂĄveis
00:17:43e tal,
00:17:44sĂŁo indiscutĂ­veis.
00:17:45Aqui vocĂȘ tem
00:17:46uma zona cinzenta,
00:17:47cada um tem uma alegação,
00:17:49etc.
00:17:49Mas se vocĂȘ nĂŁo delimita
00:17:51certo ambiente comum,
00:17:53e acho que isso Ă© importante
00:17:54em relação a fatos,
00:17:55em relação a valores,
00:17:56principalmente quando vocĂȘ estĂĄ
00:17:56lidando com as relaçÔes humanas,
00:17:58fica muito difĂ­cil,
00:17:59vira uma grande guerra,
00:18:00porque hoje cada um
00:18:01tem seus fatos,
00:18:02mais até do que as suas opiniÔes.
00:18:05EntĂŁo,
00:18:05para resgatar a unidade,
00:18:07Ă© preciso,
00:18:07como vocĂȘ falou,
00:18:08ter uma referĂȘncia
00:18:09que seja estĂĄvel,
00:18:10ao contrĂĄrio do que Ă© muita gente.
00:18:15Veja como certos conteĂșdos
00:18:17sĂŁo universais.
00:18:19É um nome clássico,
00:18:20o nome que vocĂȘ dĂĄ
00:18:20para a cultura clĂĄssica,
00:18:22para o pensamento clĂĄssico,
00:18:23realmente Ă© essa universalidade.
00:18:25Isso que vocĂȘ estĂĄ falando,
00:18:27vocĂȘ pode voltar atrĂĄs,
00:18:28vocĂȘ vai encontrar na disputa
00:18:29com SĂłcrates e PlatĂŁo
00:18:30e os sofistas,
00:18:31vocĂȘ vai encontrar com o Agostinho,
00:18:32nĂŁo sĂł com os donatistas,
00:18:34mas com os maniqueus,
00:18:35com os pelagianos.
00:18:36A ideia Ă© de que vocĂȘ
00:18:37precisa ter essa base,
00:18:39vocĂȘ precisa construir
00:18:41em cima de alguma coisa,
00:18:43esse valor universal.
00:18:44Qual Ă© o oposto disso?
00:18:45É o relativismo.
00:18:46O relativismo de ProtĂĄgoras,
00:18:47dos sofistas,
00:18:48que volta depois,
00:18:49em vårias épocas da humanidade,
00:18:51volta com o nominalismo
00:18:52na Idade Média,
00:18:53volta,
00:18:53depois vai desembocar no niilismo
00:18:55e hoje com esse radical relativismo
00:19:00que a gente tem em tudo.
00:19:02Cada um tem nĂŁo apenas
00:19:03a sua verdade,
00:19:04o que para Agostinho
00:19:05seria um absurdo
00:19:06vocĂȘ dizer a verdade Ă© Jesus Cristo,
00:19:07a verdade Ă© Deus.
00:19:08ou seja,
00:19:09que estĂĄ acima de todos nĂłs.
00:19:10A verdade Ă© a base,
00:19:11Ă© o fundamento de tudo.
00:19:13Se cada um tem a sua verdade,
00:19:15nĂŁo existe verdade.
00:19:16O relativismo Ă© contraditĂłrio em si,
00:19:18porque quando vocĂȘ define
00:19:19que a verdade nĂŁo existe,
00:19:20como Ă© que vocĂȘ vai fazer isso
00:19:21sem estabelecer uma verdade,
00:19:23que Ă© a que a verdade nĂŁo existe?
00:19:25É o primeiro argumento dele
00:19:27contra os céticos.
00:19:28Os céticos dizem
00:19:29nĂŁo acredito em nada.
00:19:30Essa Ă© a Ășnica coisa
00:19:31em que eu acredito.
00:19:32Mas dizer que nĂŁo acredito em nada,
00:19:34vocĂȘ jĂĄ estĂĄ dizendo
00:19:34que vocĂȘ acredita em alguma coisa.
00:19:35dizer que nĂŁo acredita em alguma coisa
00:19:38jĂĄ Ă© acreditar em alguma coisa.
00:19:39EntĂŁo, assim,
00:19:40o argumento jĂĄ cai por terra,
00:19:41porque Ă© preciso acreditar em alguma coisa,
00:19:43atĂ© para dizer que vocĂȘ nĂŁo acredita em nada.
00:19:45Onde tudo Ă© quadrado,
00:19:46nĂŁo existe nada quadrado.
00:19:47Onde tudo Ă© escuro,
00:19:49nĂŁo existe nada escuro.
00:19:50EntĂŁo, onde cada um tem a sua verdade,
00:19:52nĂŁo existe verdade nenhuma.
00:19:53E as pessoas ficam perdidas completamente.
00:19:55EntĂŁo, Agostinho
00:19:56Ă© muito atual nesse aspecto.
00:19:58E vamos agora desvencilhar um pouquinho
00:20:00do Papa LeĂŁo XIV
00:20:02para falar um pouco mais sobre Santo Agostinho.
00:20:04VocĂȘ falou da obra Livre ArbĂ­trio,
00:20:06algo que sempre me chamou a atenção
00:20:08na obra ConfissÔes.
00:20:11É uma impressão minha
00:20:12de que aquela obra
00:20:14é centrada também
00:20:15na responsabilidade individual.
00:20:17A partir do momento que ele estĂĄ ali
00:20:19se confessando,
00:20:20confessando tudo aquilo que ele viveu,
00:20:23que ele testemunhou,
00:20:24que ele pensa,
00:20:25existe essa volta
00:20:27para a responsabilidade
00:20:29do indivĂ­duo,
00:20:30que Ă© diferente
00:20:33desse coletivismo
00:20:34que a gente vive hoje
00:20:35em muitas searas
00:20:38do debate pĂșblico mundial tambĂ©m.
00:20:41VocĂȘ vĂȘ o legado
00:20:43da noção de responsabilidade individual
00:20:45como algo agostiniano?
00:20:47Sem dĂșvida nenhuma.
00:20:48Sem dĂșvida.
00:20:49Apesar dele sofrer crĂ­ticas
00:20:51por conta da doutrina da graça,
00:20:53que foi desenvolvida no fim da vida,
00:20:55Ă© algo que a gente pode entrar
00:20:57se vocĂȘ quiser,
00:20:57Ă© algo complexo,
00:20:58mas dĂĄ para tentar resumir.
00:21:00Sem dĂșvida nenhuma.
00:21:01Por quĂȘ?
00:21:02O primeiro disputa dele
00:21:03foi contra os maniqueus,
00:21:04porque ele foi maniqueu
00:21:05e sentiu a necessidade
00:21:06de limpar,
00:21:07vamos dizer assim,
00:21:08nĂŁo sĂł fazer uma higiene mental
00:21:10para ele mesmo,
00:21:10mas para o cĂ­rculo de amigos.
00:21:13Quando vocĂȘ diz
00:21:14que vocĂȘ tem uma potĂȘncia mĂĄ
00:21:15que Ă© a causa do mal no mundo,
00:21:17qual Ă© a consequĂȘncia disso?
00:21:19É a transferĂȘncia da responsabilidade.
00:21:21Eu nĂŁo tenho culpa de nada.
00:21:22NĂŁo fui eu.
00:21:23Entendeu?
00:21:24Exatamente.
00:21:24Foi uma força externa.
00:21:26Eu fui levado a isso.
00:21:27Eu nĂŁo tenho responsabilidade.
00:21:29Bom, Agostinho vai dizer que nĂŁo.
00:21:31O prĂłprio livre-arbĂ­trio
00:21:32Ă© escrito exatamente para dizer isso.
00:21:34NĂŁo Ă© Deus a causa do mal.
00:21:36A liberdade estĂĄ no ser humano.
00:21:39O livre-arbĂ­trio
00:21:40foi um dom dado por Deus.
00:21:41Ah, mas se Deus Ă© bom,
00:21:44essa Ă© uma das perguntas
00:21:45do livre-arbĂ­trio,
00:21:46que ele vai responder
00:21:47a partir do segundo livro,
00:21:48porque no primeiro livro
00:21:49ele chega Ă  conclusĂŁo
00:21:49que o livre-arbĂ­trio.
00:21:50O mal nĂŁo estĂĄ em Deus,
00:21:51estĂĄ no livre-arbĂ­trio da vontade.
00:21:53Mas o interlocutor dele
00:21:54que se chama EvĂłdio,
00:21:55que foi discĂ­pulo dele,
00:21:56depois virou bispo de Usales
00:21:58no norte da África,
00:22:00ele pergunta,
00:22:00mas estĂĄ bom,
00:22:01o livre-arbĂ­trio Ă© a causa do mal.
00:22:03Mas se Deus deu o livre-arbĂ­trio
00:22:04para o homem,
00:22:05entĂŁo como Ă© que nĂŁo Ă© Deus
00:22:06em Ășltima instĂąncia
00:22:07o autor do mal,
00:22:07jĂĄ que foi Deus
00:22:08que deu o livre-arbĂ­trio
00:22:09para o homem?
00:22:09Deus nĂŁo Ă© presciente?
00:22:11Ele nĂŁo sabia
00:22:11que o homem iria pecar?
00:22:13Ele na sua eternidade
00:22:14Ă© presciente?
00:22:14Ele sabia entĂŁo.
00:22:15Ele Ă© responsĂĄvel.
00:22:16Agostinho vai ser obrigado
00:22:17a desdobrar a ontologia
00:22:19do livre-arbĂ­trio.
00:22:20Ele vai dizer que existem
00:22:21bens altos, grandes,
00:22:24bens médios e bens ínfimos.
00:22:26Os bens grandes
00:22:27sĂŁo aqueles bens
00:22:28que nĂŁo podem ser
00:22:28mal utilizados.
00:22:30Os bens Ă­nfimos
00:22:30sĂŁo aqueles que sĂŁo
00:22:31desnecessĂĄrios
00:22:32para a prĂĄtica do bem,
00:22:33sĂŁo prescindĂ­veis.
00:22:34E os bens médios
00:22:35sĂŁo aqueles que podem ser
00:22:36bem ou mal utilizados,
00:22:37como o livre-arbĂ­trio.
00:22:38NĂŁo Ă© porque,
00:22:39ele dĂĄ vĂĄrios exemplos,
00:22:41mas nĂŁo Ă© porque
00:22:41alguém pega uma faca
00:22:42e mata alguém
00:22:43que a faca Ă© responsĂĄvel
00:22:44pelo mal.
00:22:45É a pessoa que empunhou
00:22:46a faca.
00:22:47E esse Ă© um debate frequente.
00:22:48Sim.
00:22:48EntĂŁo, nĂŁo Ă© o livre-arbĂ­trio
00:22:50que Ă© o responsĂĄvel.
00:22:50O livre-arbĂ­trio
00:22:51é um bem médio
00:22:51que foi dado
00:22:52para que o homem
00:22:54faça o bem.
00:22:55Se o homem nĂŁo fez o bem,
00:22:56nĂŁo Ă© porque,
00:22:57a culpa nĂŁo Ă© de Deus.
00:22:59No livro 3 vai surgir...
00:23:00A culpa nĂŁo Ă© da liberdade
00:23:01concedida a ele.
00:23:02NĂŁo, nĂŁo Ă© da liberdade.
00:23:03Até porque,
00:23:04qual seria a outra alternativa?
00:23:06Se Deus nĂŁo desse a liberdade,
00:23:07o que seria o ser humano?
00:23:08Seria um autĂŽmato,
00:23:09seria um bonequinho,
00:23:10uma marionete.
00:23:11AĂ­ a capa do livro
00:23:12Ă© uma marionete
00:23:13ao mesmo tempo
00:23:14que ele estĂĄ segurando.
00:23:15É aquela contradição.
00:23:16Quanto de liberdade vocĂȘ tem?
00:23:18EntĂŁo, assim,
00:23:19vocĂȘ Ă© livre.
00:23:20VocĂȘ pode escolher
00:23:22o caminho certo.
00:23:23Deus Ă© o livre-arbĂ­trio
00:23:24para que vocĂȘ use
00:23:25o livre-arbĂ­trio
00:23:26para fazer coisas boas.
00:23:28Se vocĂȘ usa para fazer o mal,
00:23:29a responsabilidade Ă© sua.
00:23:30EntĂŁo, nesse aspecto,
00:23:31o Agostinho,
00:23:32ele vai defender isso
00:23:32até o fim da vida.
00:23:35Mesmo que,
00:23:36em um dado momento
00:23:37na vida dele,
00:23:37ele recebe
00:23:38o grande baque
00:23:39da vida dele,
00:23:39que Ă© o pelagianismo,
00:23:40a disputa com o Pelagio
00:23:42e depois Juliano de Eclano,
00:23:45muito inteligente,
00:23:46um jovem
00:23:47que Ă© seguidor de Pelagio,
00:23:49que vai contra essa ideia.
00:23:52Agostinho,
00:23:52o que acontece?
00:23:53Nas confissÔes,
00:23:54Agostinho reconhece,
00:23:55misticamente,
00:23:56que muita coisa
00:23:57que acontece na vida
00:23:58foge ao nosso controle.
00:24:00Nem tudo vocĂȘ tem controle.
00:24:02Às vezes,
00:24:02vocĂȘ tenta,
00:24:03tenta,
00:24:03tenta entrar por uma porta
00:24:04e aquela porta nĂŁo abre.
00:24:06De repente,
00:24:06vocĂȘ Ă© arrastado
00:24:08por um outro caminho.
00:24:08Ele percebeu isso.
00:24:10Ele percebeu,
00:24:11por mais que vocĂȘ seja
00:24:12racionalista,
00:24:13por mais que vocĂȘ seja
00:24:13cético,
00:24:14um filĂłsofo,
00:24:15por mais que vocĂȘ procure
00:24:16a razĂŁo para todas as coisas,
00:24:18existe alguma coisa a mais
00:24:20que te leva muitas vezes...
00:24:21O conhecimento e sabedoria
00:24:22que vocĂȘ tem,
00:24:23tem coisas que nĂŁo dependem de vocĂȘ.
00:24:24NĂŁo,
00:24:24tem coisas que nĂŁo dependem.
00:24:25EntĂŁo, assim,
00:24:26quando ele confessa,
00:24:26ele faz a confissão de fé,
00:24:28ele confessa a sua fé,
00:24:31mas ele confessa o seu pecado
00:24:32e também confessa
00:24:32o seu louvor a Deus.
00:24:33SĂŁo trĂȘs modos de confissĂŁo
00:24:35que aparecem nos salmos.
00:24:36EntĂŁo, ele confessa a necessidade
00:24:38de louvar a Deus por tudo isso
00:24:39e em todos os momentos
00:24:41perpassa,
00:24:41da primeira a Ășltima pĂĄgina
00:24:43das confissÔes,
00:24:43jĂĄ mesmo que ele nĂŁo tenha
00:24:44elaborado uma doutrina
00:24:45da graça,
00:24:46que em Ășltima instĂąncia
00:24:48Ă© Deus estĂĄ acima de tudo.
00:24:50Existe um mistério
00:24:51que determina
00:24:52por algum motivo
00:24:53desde a sua eternidade
00:24:54imperscrutĂĄvel
00:24:56que certos caminhos
00:24:58sĂŁo interditos para alguns
00:24:59e estĂŁo abertos para outros
00:25:00por algum motivo.
00:25:01Isso Ă© inexplicĂĄvel.
00:25:03EntĂŁo, isso perpassa
00:25:05a obra inteira de Agostinho.
00:25:06SĂł que isso jamais
00:25:07tirou responsabilidade individual.
00:25:09Ele jamais negou
00:25:10responsabilidade individual.
00:25:11E Juliano de Eclano,
00:25:12através de Pelågio
00:25:14ou a partir de PelĂĄgio,
00:25:16diz que Agostinho
00:25:17destrĂłi o livre-arbĂ­trio
00:25:18ao advogar
00:25:19uma doutrina da graça.
00:25:21Agostinho vai até o fim da vida
00:25:22insistir que nĂŁo.
00:25:23Isso, filosoficamente,
00:25:24Ă© impossĂ­vel.
00:25:25Realmente,
00:25:25Ă© como se...
00:25:26Isso é uma das questÔes
00:25:28que aparecem no livre-arbĂ­trio
00:25:29também,
00:25:29uma das perguntas.
00:25:30Se Deus Ă© presciente
00:25:31de todos os atos futuros,
00:25:32como vocĂȘ tem o livre-arbĂ­trio?
00:25:34Como Ă© que vocĂȘ pode dizer
00:25:35eu vou virar Ă  esquerda
00:25:37se Deus previu
00:25:37na eternidade
00:25:39antes de criar vocĂȘ,
00:25:40que vocĂȘ iria virar Ă  direita
00:25:42lĂĄ naquele dia?
00:25:43Como Ă© que vocĂȘ pode ter
00:25:43a liberdade para virar Ă  esquerda?
00:25:45Agostinho vai dizer
00:25:46que nĂŁo Ă© porque Deus previu
00:25:47que eu vou fazer
00:25:48diferente,
00:25:49eu vou fazer,
00:25:49eu nĂŁo vou ter a liberdade.
00:25:51Deus previu
00:25:51que eu teria o livre-arbĂ­trio,
00:25:52que eu agiria com liberdade.
00:25:54Essa Ă© a resposta,
00:25:54em Ășltima instĂąncia,
00:25:55que ele dĂĄ.
00:25:56Deus previu
00:25:56o meu livre-arbĂ­trio.
00:25:57Se ele previu
00:25:58o meu livre-arbĂ­trio,
00:25:59eu tenho o livre-arbĂ­trio.
00:26:00E o livre-arbĂ­trio
00:26:00nĂŁo pode ser,
00:26:02nĂŁo existe vontade
00:26:03que nĂŁo seja livre.
00:26:03Se nĂŁo for livre,
00:26:04nĂŁo Ă© vontade.
00:26:05EntĂŁo Deus previu
00:26:06que eu teria uma vontade,
00:26:07mas isso racionalmente
00:26:08Ă© muito difĂ­cil de explicar.
00:26:09Eu tento desdobrar isso.
00:26:10No livro gasto muitas pĂĄginas,
00:26:12mas Ă© complicado.
00:26:13Então a doutrina da graça
00:26:14para Agostinho
00:26:15Ă© um complemento.
00:26:16EntĂŁo nunca desdiz
00:26:18na cabeça dele
00:26:19o livre-arbĂ­trio,
00:26:19o que filosoficamente
00:26:21atĂ© hoje Ă© polĂȘmico.
00:26:23Mas a doutrina da graça
00:26:24em si Ă© o que exatamente?
00:26:26A doutrina da graça,
00:26:27tudo é graça de Deus.
00:26:28Qual o argumento
00:26:30que ele dĂĄ
00:26:30nas confissÔes?
00:26:31Muito bonito.
00:26:32Ele diz assim,
00:26:33como Ă© que eu posso dizer
00:26:34que eu mereço qualquer coisa
00:26:35se antes de existir
00:26:37eu nĂŁo fiz nada
00:26:38para merecer?
00:26:39Porque é o mérito.
00:26:40O mérito é o preço
00:26:42que vocĂȘ paga
00:26:43ou recebe por um produto,
00:26:44por alguma coisa
00:26:45que vocĂȘ faça.
00:26:46EntĂŁo assim,
00:26:47se a lei de Deus diz
00:26:48que se vocĂȘ fizer o bem
00:26:49vocĂȘ vai ser recompensado,
00:26:51entĂŁo vocĂȘ merece
00:26:52ser recompensado.
00:26:53Deus Ă© obrigado
00:26:53a te recompensar.
00:26:54Isso incomodava Agostinho.
00:26:55Deus Ă© obrigado
00:26:56a fazer qualquer coisa.
00:26:57Deus te recompensa
00:26:58porque ele quer
00:26:59graciosamente
00:27:00e nĂŁo porque ele Ă© obrigado
00:27:01a nada.
00:27:01Deus nĂŁo pode ser obrigado
00:27:02a nada.
00:27:02Deus nĂŁo pode ser constrangido
00:27:03a nada.
00:27:04SenĂŁo os meus bons atos
00:27:05vĂŁo constranger Deus.
00:27:06Como que pode ser Deus
00:27:07se ele vai ser constrangido,
00:27:08ser dominado pela criatura?
00:27:10EntĂŁo eu vou
00:27:11fazer boas açÔes
00:27:13com o intuito
00:27:14de ser recompensado
00:27:15e ele vai ser obrigado
00:27:16a me recompensar.
00:27:18EntĂŁo existe
00:27:19esse pensamento
00:27:19ele absorve
00:27:21na carta aos romanos
00:27:22de Paulo principalmente,
00:27:23mas Ă© um pensamento
00:27:24paulino,
00:27:25que Deus då graça
00:27:26para quem ele quer
00:27:26quando ele quer
00:27:27porque Deus Ă© autĂŽnomo,
00:27:28ele faz o que ele quer
00:27:29e é um grande mistério
00:27:30porque que Deus vai salvar
00:27:31alguns e nĂŁo vai salvar outros.
00:27:32Eu nĂŁo tenho resposta
00:27:33para isso.
00:27:34Então a doutrina da graça
00:27:35diz no fundo,
00:27:36no fundo,
00:27:37aquilo que vocĂȘ vai encontrar
00:27:38na primeira e Ășltima pĂĄgina
00:27:39das escrituras
00:27:40e da primeira e Ășltima pĂĄgina
00:27:41de Agostinho,
00:27:42inclusive no livre-arbĂ­trio.
00:27:44Deus Ă© soberano,
00:27:45eu acredito que ele Ă©
00:27:46sumamente bom,
00:27:48mas eu nĂŁo tenho controle
00:27:49sobre a vontade dele
00:27:50e também não tenho controle
00:27:51sobre a minha própria salvação.
00:27:52Ele é o Senhor da minha salvação.
00:27:55O que eu posso fazer
00:27:55Ă© seguir os preceitos dele
00:27:57e esperar com toda a fé possível,
00:27:59com toda a força
00:28:00que eu vĂĄ ser salvo.
00:28:02Mas garantia,
00:28:03ninguém tem de ser salvo.
00:28:05Mas isso nĂŁo anula
00:28:06o livre-arbĂ­trio.
00:28:07Ele defende isso
00:28:08até o fim da vida
00:28:09e muito menos
00:28:09a noção de responsabilidade
00:28:11porque eu sempre posso
00:28:12me afastar dele.
00:28:13Eu posso...
00:28:15O neoplatonismo
00:28:16defendia algo
00:28:18que Agostinho também
00:28:18veio a repugnar depois.
00:28:20Isso ajudou no inĂ­cio
00:28:21a que ele se aproximasse de Deus
00:28:23e encontrasse
00:28:24o conteĂșdo espiritual,
00:28:25a realidade espiritual.
00:28:27Mas o neoplatonismo
00:28:28defendia através de Plotino,
00:28:29principalmente,
00:28:30que vocĂȘ pode chegar a Deus.
00:28:31Bastava vocĂȘ fazer exercĂ­cios
00:28:32de assese,
00:28:33asqueses em grego,
00:28:34exercĂ­cios espirituais
00:28:35de desprendimento
00:28:36e que vocĂȘ podia
00:28:38entrar em ĂȘxtase
00:28:39e chegar até Deus,
00:28:41enfim,
00:28:42por seu próprio esforço.
00:28:43Agostinho dizia que nĂŁo.
00:28:45Agostinho dizia que nĂŁo.
00:28:46Que ninguém consegue subir.
00:28:48VocĂȘ pode se afastar
00:28:49por seu próprio esforço.
00:28:51Mas subir,
00:28:51vocĂȘ depende da graça de Deus.
00:28:53O que ele estĂĄ querendo
00:28:54defender em Ășltima instĂąncia?
00:28:55A prĂłpria existĂȘncia de Deus,
00:28:57a prĂłpria imutabilidade,
00:28:59o prĂłprio infinito
00:29:01que Ă© Deus,
00:29:03a prĂłpria necessidade
00:29:05daquilo que a gente estava
00:29:06falando no inĂ­cio,
00:29:07de vocĂȘ ter uma base universal
00:29:08inatingĂ­vel,
00:29:10mas que seja fixa,
00:29:12que seja indestrutĂ­vel,
00:29:14que esteja além
00:29:16dos arrasoasos,
00:29:18dos sofismos humanos.
00:29:19Porque qual Ă© o contrĂĄrio disso?
00:29:21É o relativismo
00:29:22que a gente tem hoje.
00:29:23Através de discursos verbais,
00:29:25através de idiosincrasias,
00:29:28cada um tem a sua realidade,
00:29:30cada um tem a sua verdade,
00:29:31cada um tem a sua opiniĂŁo,
00:29:32ninguém quer ouvir,
00:29:33todo mundo quer falar,
00:29:34ninguém respeita,
00:29:35e fala-se muito,
00:29:36prega-se unidade,
00:29:37mas que unidade?
00:29:39Cada um quer o seu mundo,
00:29:41cada um quer o seu caminho,
00:29:43ninguém respeita o caminho alheio,
00:29:44entĂŁo que unidade Ă© essa que Ă© possĂ­vel?
00:29:46Era isso no fundo
00:29:47que ele estava querendo defender,
00:29:49e Ă© isso que eu acho
00:29:50que ser agostiniano no fundo
00:29:51em Ășltima instĂąncia significa,
00:29:54entendeu?
00:29:54A unidade que Ă© Deus,
00:29:56para o neoplatonismo
00:29:57como para Agostinho,
00:29:58Deus Ă© o uno por excelĂȘncia,
00:29:59a simples unidade indivisĂ­vel,
00:30:01a absoluta.
00:30:03Agora, vamos falar um pouquinho
00:30:04de teologia da libertação,
00:30:06inclusive foi assunto aqui
00:30:07com o padre Leandro Razeira,
00:30:08que jĂĄ participou aqui
00:30:09do podcast O.A.,
00:30:11que organizou inclusive
00:30:12a obra do irmĂŁo
00:30:13do Leonardo Boff,
00:30:14o irmĂŁo que Ă© um dissidente
00:30:15da teologia da libertação,
00:30:17defendida pelo Boff,
00:30:18que Ă© mais ligado aĂ­
00:30:19ao lulismo,
00:30:21e a gente costuma ver
00:30:23a teologia da libertação
00:30:24como uma leitura do evangelho
00:30:26sobre o prisma da luta de classes,
00:30:28quer dizer,
00:30:28algo ali que teve
00:30:29uma contaminação marxista,
00:30:31que o Razeira,
00:30:32inclusive, explica
00:30:33que teve o seu momento
00:30:34ali na igreja,
00:30:35no entanto,
00:30:35depois desvirtuou completamente,
00:30:37e hoje acaba influenciando
00:30:40campanhas da fraternidade,
00:30:42que se tornam muito mais sociais
00:30:44do que a pregação
00:30:45da palavra de Deus,
00:30:46e a igreja acaba
00:30:47tendo um ativismo
00:30:50que foge um pouco
00:30:51aquilo que ele gostaria
00:30:52que a igreja tivesse.
00:30:54Estou resumindo aqui,
00:30:55grosseiramente,
00:30:56claro,
00:30:56tem todo um estudo,
00:30:57uma obra
00:30:57a respeito disso,
00:30:59mas dĂĄ para a gente falar
00:31:02em obra de Santo Agostinho
00:31:05em contraponto
00:31:06à teologia da libertação?
00:31:08Porque a teologia da libertação
00:31:09veio depois.
00:31:11Sem dĂșvida,
00:31:11no meu modo de entender,
00:31:13completamente,
00:31:14deve-se falar.
00:31:16HĂĄ uma frase nos comentĂĄrios
00:31:17que Agostinho escreve
00:31:18no fim da vida,
00:31:19são sermÔes que ele escreve
00:31:21para explicar o evangelho de JoĂŁo,
00:31:23e ele diz,
00:31:24temos que meditar
00:31:25na nossa peregrinação,
00:31:27ele via a vida
00:31:27como uma peregrinação,
00:31:28ele chamava inclusive
00:31:29a vida como
00:31:30o mar deste século,
00:31:31cycle em latim,
00:31:33representa não um século
00:31:34apenas o passar dos 100 anos,
00:31:37mas representa esse mundo
00:31:38em contraste
00:31:39com o mundo do porvir,
00:31:41o reino dos céus,
00:31:43por assim dizer.
00:31:44EntĂŁo ele dizia,
00:31:44no mar desta peregrinação,
00:31:46nĂłs temos que atravessar,
00:31:47a cruz de Cristo
00:31:48seria a arca de Noé,
00:31:49ele compara a cruz de Cristo
00:31:51com a arca de Noé,
00:31:52para chegarmos do outro lado,
00:31:53e temos que meditar
00:31:54nessa nossa peregrinação
00:31:55numa Ășnica coisa,
00:31:56que Ă© essencial,
00:31:57non rique semperérimos,
00:32:00traduzindo,
00:32:00nĂŁo estaremos sempre aqui,
00:32:03ou seja,
00:32:03a igreja Ă© peregrina,
00:32:04nĂłs nĂŁo estaremos sempre aqui,
00:32:06Ă© aquela promessa de Jesus,
00:32:07o meu reino nĂŁo Ă© deste mundo.
00:32:09Essa Ă©,
00:32:09podemos traduzir
00:32:11de modo grosseiro também,
00:32:13como uma teologia vertical,
00:32:14ou seja,
00:32:15uma teologia que busca Deus.
00:32:17A teologia horizontal,
00:32:19a teologia social,
00:32:20e eu acho que nem Marx
00:32:21imaginou as consequĂȘncias
00:32:22do pensamento dele,
00:32:23nem podia imaginar.
00:32:24Mas essa imagem Ă© Ăłtima,
00:32:26vertical e horizontal.
00:32:27Sim,
00:32:27ela afasta muita gente da igreja.
00:32:30Às vezes vocĂȘ chega lĂĄ na igreja
00:32:31esperando realmente um contato,
00:32:33religiĂŁo,
00:32:34segundo uma das etimologias,
00:32:35é religação,
00:32:36vocĂȘ busca de Deus,
00:32:37vocĂȘ chega lĂĄ em busca de Deus
00:32:38e vocĂȘ escuta pregação
00:32:39marxista,
00:32:41pregação socialista,
00:32:43pregação política,
00:32:44pregação voltada para as coisas
00:32:45desse mundo,
00:32:46mas vocĂȘ jĂĄ tem isso no dia a dia,
00:32:48vocĂȘ nĂŁo precisa ir para a igreja,
00:32:50para a casa de Deus
00:32:51para encontrar isso,
00:32:52vocĂȘ quer uma porta,
00:32:53vocĂȘ quer alguĂ©m que te puxe,
00:32:55vocĂȘ quer que a arquitetura,
00:32:57inclusive interna,
00:32:58a beleza,
00:33:00e DionĂ­sio vai falar muito da beleza,
00:33:02nesse aspecto hĂĄ uma comunhĂŁo
00:33:04muito grande entre Agostinho e DionĂ­sio,
00:33:05um pensamento muito estético
00:33:07nos dois autores,
00:33:09a beleza da igreja,
00:33:10o silĂȘncio,
00:33:11a mĂșsica,
00:33:12tudo isso,
00:33:13o canto gregoriano,
00:33:14na Idade Média,
00:33:15a igreja gĂłtica,
00:33:16com aqueles vitrais maravilhosos,
00:33:18como a Catedral de MilĂŁo,
00:33:20por exemplo,
00:33:20aquilo tudo eleva,
00:33:23traz uma elevação,
00:33:24porque Ă© mais perene
00:33:26em contraste com aquilo
00:33:27que Ă© mais efĂȘmero,
00:33:28que Ă© mais da moda.
00:33:29Deveria favorecer a oração,
00:33:30o silĂȘncio,
00:33:31o que mais,
00:33:32o que Ă© difĂ­cil,
00:33:33muitas vezes,
00:33:34hoje vocĂȘ chega na igreja,
00:33:34tudo que vocĂȘ encontra,
00:33:35qualquer coisa,
00:33:36menos o silĂȘncio,
00:33:37Ă© muito difĂ­cil,
00:33:38Ă© barulho,
00:33:39Ă© ruĂ­do,
00:33:39em todos os sentidos,
00:33:41entĂŁo assim,
00:33:41essa teologia horizontal,
00:33:44ela Ă© anti-agostiniana,
00:33:46isso,
00:33:47assim,
00:33:47dizer assim,
00:33:48nĂŁo,
00:33:48mas é uma preocupação com o social,
00:33:50Agostinho foi um pastor de almas,
00:33:51Agostinho foi um bis,
00:33:52ele tinha preocupação,
00:33:53ele lutou contra,
00:33:54sim,
00:33:54ele teve que defender a igreja
00:33:56contra o divisionismo dos donatistas,
00:33:59e nĂŁo conseguiu,
00:34:01eles sobreviveram,
00:34:02Agostinho morreu,
00:34:03e o donatismo continuou por um tempo,
00:34:05o maniqueĂ­smo foi encontrado na China,
00:34:07acho que no século IX,
00:34:08no século X,
00:34:09escrito de maniqueĂ­smo na China,
00:34:11entĂŁo assim,
00:34:12mas ele deixou algo perene,
00:34:14o pensamento dele,
00:34:16o pensamento da unidade,
00:34:17o pensamento do amor,
00:34:18o pensamento da responsabilidade individual,
00:34:20da bondade de Deus,
00:34:22Agostinho,
00:34:23Agostinho vinha a bondade de tudo,
00:34:24beleza em tudo,
00:34:25Deus Ă© o belo em si,
00:34:26Deus Ă© o bem em si,
00:34:28entĂŁo assim,
00:34:28sĂł um parĂȘnteses,
00:34:29nĂŁo perde o que vocĂȘ ia falar nĂŁo,
00:34:30mas Ă© que Ă© uma coisa que eu falo muito aqui nos programas,
00:34:33porque muita gente Ă s vezes manda mensagem,
00:34:35quando a gente estå fazendo ali uma refutação,
00:34:37sobre a mentira contada por um polĂ­tico,
00:34:39que tem grandes massas de manobra,
00:34:41e a pessoa fala,
00:34:42nĂŁo adianta,
00:34:43e eu falo,
00:34:44adianta,
00:34:45sempre adianta,
00:34:47mostrar a verdade,
00:34:48defender aquilo que Ă© verdadeiro,
00:34:50aquilo que Ă© justo,
00:34:52porque mesmo que vocĂȘ nĂŁo tenha o resultado imediato,
00:34:56daquela vitĂłria,
00:34:58de vocĂȘ,
00:34:59mesmo convencer outras pessoas,
00:35:01de uma realidade que elas nĂŁo querem enxergar,
00:35:04ou vocĂȘ fazer com que uma pessoa impostora,
00:35:08nĂŁo fique mais no poder,
00:35:09e mesmo que vocĂȘ nĂŁo tenha essa vitĂłria imediata,
00:35:12vocĂȘ tem o exemplo,
00:35:13vocĂȘ tem o legado,
00:35:14vocĂȘ tem a obra que fica,
00:35:15e que pode ser usada depois,
00:35:18por outras pessoas,
00:35:19para também combater determinados males,
00:35:21determinados obscurantismos,
00:35:23entĂŁo assim,
00:35:24o Santo Augusto,
00:35:24ele pode não ter vencido os donatistas naquela época,
00:35:27ele pode nĂŁo ter acabado com o maniqueĂ­smo,
00:35:30de determinada maneira,
00:35:31mas ele deixou ali um legado de combate,
00:35:34com todo um aprendizado que as pessoas podem ter,
00:35:37a partir dessa obra.
00:35:38Pode nĂŁo ter acabado,
00:35:39naquele momento,
00:35:40para nĂŁo ter tido o gosto de ver que eles voltaram para a igreja,
00:35:43porque ele nĂŁo queria destruir,
00:35:45ele nĂŁo queria destruir os donatistas,
00:35:46havia uma igreja donatista na frente da BasĂ­lica da Paz em Ipona,
00:35:50onde ele pregou por anos,
00:35:52ele nĂŁo queria,
00:35:52queria que eles voltassem,
00:35:54que eles se unissem,
00:35:55e ele aceitava,
00:35:57o batismo donatista,
00:35:58Ă© aceito,
00:35:59nĂłs aceitamos,
00:36:00mas os donatistas nĂŁo aceitavam o batismo catĂłlico,
00:36:02eles queriam rebatizar,
00:36:03entĂŁo assim,
00:36:04vocĂȘs sĂŁo mais do que Cristo,
00:36:05o batismo foi dado por Cristo,
00:36:07nĂŁo foi dado por um sacerdote,
00:36:08foi dado por Cristo,
00:36:09foi ele que batiza,
00:36:10Ă© ele que batiza,
00:36:12entĂŁo assim,
00:36:12ele queria unir,
00:36:13ele nĂŁo queria destruir,
00:36:14mas,
00:36:15mesmo assim,
00:36:17tem uma passagem das confissÔes,
00:36:19em que ele diz,
00:36:20quando ele estĂĄ tratando,
00:36:21acho que Ă© do quarto livro,
00:36:22logo no inĂ­cio,
00:36:22ele diz assim,
00:36:24o que Ă© que eu vou dizer a respeito de meu Deus,
00:36:26o que Ă© que eu vou dizer,
00:36:26o que eu posso dizer,
00:36:27mas ai de mim se nĂŁo falar,
00:36:29ai de mim se nĂŁo,
00:36:31o ai estĂĄ quente vos,
00:36:32ai dos que se calam a teu respeito,
00:36:34por que?
00:36:35porque loquases sĂŁo mudos,
00:36:39apesar de falar muito,
00:36:40sĂŁo mudos,
00:36:41porque nĂŁo falam o que tem que falar,
00:36:42entĂŁo,
00:36:43outra coisa,
00:36:44além da unidade,
00:36:45que a gente pode dizer,
00:36:46com relação inclusive ao Papa,
00:36:47Ă© uma pessoa que nĂŁo se furtou a falar,
00:36:50ele nĂŁo,
00:36:51no fim da vida,
00:36:51ele até reclamava,
00:36:52numa obra chamada RetrataçÔes,
00:36:54ele diz assim,
00:36:54Ă© difĂ­cil,
00:36:55e eu me compadeci disso,
00:36:57eu até fiz uma nota de rodapé,
00:36:59ele diz assim,
00:37:00nĂŁo tem um lugar para onde eu vou,
00:37:01que eles nĂŁo me acham,
00:37:02nĂŁo adianta,
00:37:03eu nĂŁo consigo ir para um canto,
00:37:04assistir,
00:37:05participar de uma missa,
00:37:07vamos dizer assim,
00:37:08quietinho no meu canto,
00:37:09porque eles chamam,
00:37:10Agostinho estĂĄ aĂ­,
00:37:11chama,
00:37:11vem pregar,
00:37:12vem pregar,
00:37:13vem ensinar,
00:37:14e virou uma autoridade,
00:37:15uma autoridade internacional,
00:37:16os papas mandavam cartas para ele,
00:37:18perguntando a opiniĂŁo dele,
00:37:19a respeito de questÔes teológicas,
00:37:21porque virou uma autoridade,
00:37:22entĂŁo ele nĂŁo tinha essa paz,
00:37:23mas ele entendia a responsabilidade dele,
00:37:26entĂŁo sĂł para nĂŁo deixar a sua pergunta sem resposta,
00:37:29sem dĂșvida nenhuma,
00:37:29Ă© muito agostiniana,
00:37:31a ideia de uma teologia vertical,
00:37:34busca por Deus,
00:37:35volta a falar,
00:37:36duas coisas que interessavam Agostinho,
00:37:37a alma,
00:37:38Ă© uma busca interior,
00:37:40e Deus,
00:37:41sĂŁo as duas coisas,
00:37:41eu quero conhecer a alma e Deus,
00:37:43para conhecer a minha alma,
00:37:44eu preciso conhecer Deus,
00:37:45e vice-versa,
00:37:45para chegar até Deus,
00:37:46eu preciso mergulhar no interior da minha alma,
00:37:48e Ă© um caminho para dentro e para cima,
00:37:50nĂŁo um caminho horizontal,
00:37:51tudo que se faz,
00:37:52o fim Ășltimo Ă© Deus,
00:37:54e parece que o fim Ășltimo,
00:37:55foi um pouco desviado,
00:37:57pela teologia da libertação,
00:37:59acabou sendo um fim material,
00:38:00como se o reino de Deus,
00:38:03fosse se realizar aqui e agora,
00:38:05e nĂŁo,
00:38:06no porvir,
00:38:07vamos dizer assim,
00:38:08entĂŁo,
00:38:09ele Ă© acusado de outro mundista,
00:38:11nesse aspecto,
00:38:12mas eu acho que é uma acusação,
00:38:13leviana e equivocada,
00:38:15nĂŁo Ă©?
00:38:15Porque eu acho que essa Ă© a essĂȘncia do cristianismo,
00:38:17no meu modo de entender,
00:38:18talvez aĂ­ haja discordĂąncia.
00:38:21E sĂł lembrando aĂ­ da questĂŁo polĂ­tica,
00:38:22que a teologia da libertação,
00:38:24ela foi adotada pela esquerda brasileira,
00:38:26e é explorada até hoje,
00:38:28agora,
00:38:29eu sei que vocĂȘ tem muito cuidado para falar,
00:38:31da igreja catĂłlica,
00:38:32dos papas,
00:38:33etc,
00:38:34que vocĂȘ faz o estudo da obra do Santo Agostinho,
00:38:37mas,
00:38:38tem impressÔes,
00:38:39sobre o que estĂĄ acontecendo na igreja,
00:38:42etc,
00:38:42com essas ressalvas,
00:38:45evidentemente,
00:38:46com todo esse cuidado,
00:38:46vocĂȘ associa mais o Papa Francisco
00:38:49à teologia da libertação,
00:38:51e o Papa LeĂŁo XIV,
00:38:54ainda Ă© uma incĂłgnita,
00:38:56se ele vai pender mais
00:38:57para o lado da teologia da libertação,
00:38:59ou para o Santo Agostinho mesmo,
00:39:01como ele se diz, filho?
00:39:02Eu espero,
00:39:03e acredito,
00:39:05que nĂŁo,
00:39:07porque,
00:39:08pelo fato de ele ser agostiniano,
00:39:10eu acredito que realmente seria um Agostinho
00:39:12que eu nĂŁo reconheceria,
00:39:13se fosse um Agostinho horizontal,
00:39:14um Agostinho muito voltado
00:39:16para a teologia da libertação,
00:39:18nĂŁo sei,
00:39:19não conheço a história dele,
00:39:21eu sei que ele foi indicado,
00:39:22foi escolhido,
00:39:24não sei o termo técnico correto
00:39:25quando se elege um cardeal,
00:39:27se Ă© escolhido,
00:39:28se Ă© indicado,
00:39:28se Ă© consagrado,
00:39:30qual Ă© o termo que se dĂĄ,
00:39:31mas pelo Papa Francisco,
00:39:32entĂŁo,
00:39:32alguma afinidade com o Papa Francisco,
00:39:34ele deve ter,
00:39:35ou o Papa deve ter visto
00:39:36alguma afinidade,
00:39:37entĂŁo,
00:39:37assim,
00:39:37nĂŁo acredito que vai haver
00:39:38uma ruptura muito radical
00:39:40com o que o Papa vinha fazendo,
00:39:42mas eu acredito que vai haver
00:39:43um redirecionamento,
00:39:46perdĂŁo,
00:39:47para uma tradição da igreja,
00:39:49uma espiritualidade maior,
00:39:51e eu acho isso necessĂĄrio,
00:39:54por quĂȘ?
00:39:55Voltando Ă  questĂŁo da beleza,
00:39:56por exemplo,
00:39:57esse autor DionĂ­sio Areopagita
00:39:58entendia o mundo,
00:39:59e Agostinho do mesmo jeito,
00:40:01de maneira estética,
00:40:01como o quĂȘ?
00:40:02Uma epifania,
00:40:03ou seja,
00:40:04tudo é manifestação de Deus,
00:40:05Deus Ă© incognosivo,
00:40:07Deus Ă© infinito,
00:40:08Deus Ă© inefĂĄvel,
00:40:09Deus Ă© imperscrutĂĄvel,
00:40:10como é que eu chego até Deus?
00:40:11LĂĄ no SolilĂłquios,
00:40:13a pergunta que a razĂŁo faz para ele,
00:40:14assim,
00:40:14tĂĄ bom,
00:40:15vocĂȘ quer conhecer a Deus,
00:40:16e como Ă© que vocĂȘ vai saber
00:40:16quando vocĂȘ conheceu,
00:40:17se Deus Ă© incognosivo,
00:40:19se Deus Ă© imperscrutĂĄvel,
00:40:20inatingĂ­vel,
00:40:21como Ă© que vocĂȘ vai saber,
00:40:22agora jå cheguei até Deus,
00:40:24se vocĂȘ nĂŁo pode conhecer a Deus,
00:40:25como Ă© que vocĂȘ pode dizer
00:40:25que vocĂȘ chegou?
00:40:27Parece o discurso daquela
00:40:28que diz que vou dobrar a meta,
00:40:29nĂŁo sei qual que Ă© a meta,
00:40:30mas vou dobrar a meta,
00:40:31se nĂŁo tem meta,
00:40:31eu nĂŁo posso dobrar,
00:40:32entĂŁo como Ă© que eu vou saber,
00:40:34se Deus é alguém
00:40:35que eu nĂŁo posso conhecer,
00:40:36como que eu posso dizer
00:40:36que eu jå cheguei até lå?
00:40:38EntĂŁo sim,
00:40:38é um mistério,
00:40:41isso se responde na criação,
00:40:44a criação era estética
00:40:46no sentido de apreensĂ­vel
00:40:47pelos cinco sentidos,
00:40:48tudo é manifestação de Deus,
00:40:49estĂĄ lĂĄ em 1 Romanos 20,
00:40:51que através do mundo visível,
00:40:52Deus invisĂ­vel se fez presente,
00:40:55e eles sĂŁo inexcusĂĄveis,
00:40:58aqueles que nĂŁo se converteram
00:40:59sĂŁo inexcusĂĄveis,
00:41:00ele estava se referindo aos pagĂŁos,
00:41:01sĂŁo inexcusĂĄveis por quĂȘ?
00:41:03Porque eles viram a obra,
00:41:06eles veem a obra,
00:41:07e a obra de Deus Ă© bela,
00:41:08para Agostinho era tudo,
00:41:09tudo sumamente bom,
00:41:11ou corrigindo,
00:41:12era tudo bom em algum grau,
00:41:14maior ou menor,
00:41:15intermediĂĄrio,
00:41:15mas era tudo bom
00:41:16porque foi criado por Deus,
00:41:18nĂŁo Ă©?
00:41:18EntĂŁo assim,
00:41:19se Ă© tudo bom,
00:41:20se Ă© tudo belo,
00:41:21Ă© preciso que vocĂȘ veja Deus em tudo,
00:41:24e ver Deus em tudo,
00:41:25é ver beleza em tudo também,
00:41:27o que isso tem a ver
00:41:27com a questĂŁo da igreja,
00:41:28o que isso tem a ver
00:41:29com a questĂŁo da teologia
00:41:30da libertação,
00:41:31e como eu vejo as coisas,
00:41:33acho que consequĂȘncia
00:41:35desse afastamento
00:41:37dessa verticalidade,
00:41:39talvez seja sintomĂĄtico,
00:41:40talvez nĂŁo seja a igreja a causa,
00:41:42nĂŁo,
00:41:42nĂŁo estou dizendo isso,
00:41:43mas acho que Ă© sintomĂĄtico
00:41:44do tempo que a gente vive
00:41:44desse relativismo,
00:41:45Ă© o culto ao feio,
00:41:47o culto Ă  deformidade,
00:41:49forma era sinĂŽnimo de beleza,
00:41:50deformidade seria o oposto da forma,
00:41:53o afastamento da forma,
00:41:55entĂŁo o culto Ă  deformidade,
00:41:56nĂŁo apenas o relativismo,
00:41:57o culto Ă  feiura,
00:41:58deformidade,
00:41:59e vocĂȘ vĂȘ isso manifestado
00:42:00na prĂłpria igreja,
00:42:02nĂŁo Ă©?
00:42:03Aquela arte sacra belĂ­ssima,
00:42:05que até hoje atrai as pessoas
00:42:06para a Europa,
00:42:06para ver,
00:42:07nĂŁo sĂł a arquitetura externa,
00:42:11mas as obras de arte
00:42:13que estĂŁo nas igrejas,
00:42:14que sĂŁo museus em Roma,
00:42:16obras de Caravaggio,
00:42:17de Michelangelo,
00:42:17e tudo mais,
00:42:18entĂŁo assim,
00:42:19hoje vocĂȘ vĂȘ,
00:42:20vocĂȘ vĂȘ a feiura presente,
00:42:21inclusive,
00:42:23na mĂșsica que se toca,
00:42:24no ruĂ­do,
00:42:25nos discursos,
00:42:28nas palavras,
00:42:28na må formação,
00:42:30entĂŁo assim,
00:42:31isso tudo,
00:42:32no meu modo de entender,
00:42:33Ă© sintomĂĄtico,
00:42:34desse afastamento,
00:42:35dessa ideia agostiniana,
00:42:36dessa verticalidade,
00:42:37dessa espiritualidade,
00:42:38dessa valorização,
00:42:40da verdade,
00:42:40de valores universais,
00:42:42e de um Deus uno,
00:42:44indivisĂ­vel,
00:42:45que deveria estar presente em tudo,
00:42:47cuja obra Ă© o mundo,
00:42:49é a sua manifestação,
00:42:51se ele Ă© o criador de tudo,
00:42:52tudo é manifestação de Deus,
00:42:53nĂŁo Ă©?
00:42:54Agostinho mesmo dizia,
00:42:55até o diabo,
00:42:56até o diabo,
00:42:57enquanto criatura,
00:42:58ele Ă© um bem,
00:42:59porque foi criado por Deus,
00:43:01enquanto pecador,
00:43:01tudo bem,
00:43:02ele Ă© mal,
00:43:03e ele dizia,
00:43:03do prĂłprio homem,
00:43:05isso Ă© um dos ensaios,
00:43:06que eu escrevi,
00:43:07lĂĄ no introdutĂłrio,
00:43:08no livro arbĂ­trio,
00:43:09eu peguei esse oxymoro,
00:43:12que Agostinho usa,
00:43:14que ele recorre,
00:43:15numa obra chamada,
00:43:15Inquiridion Manual,
00:43:16chama Manual da FĂ©,
00:43:17Esperança e Caridade,
00:43:19ele diz que o homem,
00:43:19Ă© um mau bem,
00:43:20o homem Ă© um mau bem,
00:43:22porque ele Ă© mau,
00:43:22enquanto pecador,
00:43:23mas ele Ă© um bem,
00:43:24enquanto criatura de Deus,
00:43:26entĂŁo o homem,
00:43:27Ă© sempre um bem.
00:43:28Agora Ricardo,
00:43:29vamos falar um pouquinho,
00:43:30de retĂłrica,
00:43:30porque vocĂȘ entende bem,
00:43:31desse assunto,
00:43:32e falou também,
00:43:33da prĂłpria retĂłrica agostiniana,
00:43:35e isso Ă© um tema,
00:43:36que foi bastante,
00:43:37esmiuçado ali,
00:43:39por PlatĂŁo,
00:43:40por AristĂłteles,
00:43:41e que,
00:43:42no fundo,
00:43:42Ă© tema,
00:43:43diĂĄrio aqui,
00:43:44do nosso trabalho jornalĂ­stico,
00:43:45porque a gente faz anĂĄlise de discurso,
00:43:47a gente contrasta,
00:43:48com a realidade,
00:43:49vocĂȘ mesmo chegou aqui,
00:43:50citando,
00:43:51um comentĂĄrio que eu tinha feito,
00:43:52sobre um discurso da Janja,
00:43:54da primeira dama,
00:43:55que eu ironizo,
00:43:56como primeira blogueira,
00:43:57que ela estĂĄ sempre aprontando,
00:43:59quando ela foi justificar a intervenção que ela fez,
00:44:03numa reuniĂŁo entre o Lula e o Xi Jinping,
00:44:06lĂĄ na China,
00:44:07dizendo que ela reclamou do TikTok,
00:44:12de nĂŁo ter certos limites,
00:44:13porque ela estava em defesa das crianças e das mulheres,
00:44:17quando na verdade a gente sabe que ela estĂĄ incomodada,
00:44:19com a proliferação de conteĂșdos que ela chama de extrema direita,
00:44:24mas enfim,
00:44:25que sĂŁo conteĂșdos de oposição,
00:44:26sĂŁo crĂ­ticos, etc.
00:44:28EntĂŁo ela fez aquilo que Ă© um apelo sentimental,
00:44:31que Ă© uma das caracterĂ­sticas da retĂłrica,
00:44:34quer dizer,
00:44:34ou pelo menos de um uso malandro,
00:44:38traiçoeiro,
00:44:39ardiloso,
00:44:40que se pode fazer da retĂłrica,
00:44:42nĂŁo que a retĂłrica seja inteiramente algo ruim,
00:44:45o que vocĂȘ tem para trazer a respeito da retĂłrica
00:44:50que possa nos ajudar como ferramenta ali na contemporaneidade?
00:44:55NĂŁo que a retĂłrica seja algo ruim,
00:44:57a retĂłrica, no meu modo de entender,
00:44:59Ă© uma disciplina que devia ser ensinada nas escolas,
00:45:02desde como era no mundo greco-romano,
00:45:04de cultura greco-romana,
00:45:06império romano, império greco-romano,
00:45:07que a cultura era toda grega.
00:45:09EntĂŁo a retĂłrica Ă© uma disciplina excepcional.
00:45:12E o apelo patético,
00:45:14que em grego se dizia patos,
00:45:16Ă© um dos trĂȘs modos de persuasĂŁo.
00:45:20A retĂłrica definida por AristĂłteles
00:45:22na sua arte retĂłrica,
00:45:25a obra mais famosa da retĂłrica na antiguidade,
00:45:29nĂŁo digo a primeira porque a gente nĂŁo tem obras anteriores,
00:45:32mas a que chegou até nós.
00:45:34Ele vai dizer que hĂĄ trĂȘs modos de convencimento.
00:45:37Ele vai dizer que a retĂłrica Ă© a arte
00:45:39de encontrar os meios de persuasĂŁo no discurso.
00:45:42E, tecnicamente, Ă© a teoria do discurso.
00:45:46É a teoria do discurso.
00:45:47Porque todo discurso Ă© carregado de intencionalidade.
00:45:50Ninguém fala algo sem uma intenção.
00:45:53Que intenção?
00:45:53VocĂȘ pode louvar, vocĂȘ pode deliberar,
00:45:55vocĂȘ pode julgar.
00:45:57AĂ­ ele vai dizer que Ă© o discurso epidĂ­tico,
00:45:59que Ă© o de louvor,
00:46:00o deliberativo, que Ă© com vistas ao futuro,
00:46:02a decisĂŁo, o certo ou errado,
00:46:04o que fazer, o que Ă© Ăștil ou inĂștil,
00:46:06ou entĂŁo o judiciĂĄrio,
00:46:07voltado para o passado,
00:46:09que analisa o que foi certo,
00:46:11o que foi errado.
00:46:12EntĂŁo trata do certo e do errado,
00:46:14do bom e do mal.
00:46:15E o estético trata do belo e do feio.
00:46:18Em grosso modo, Ă© mais complexo do que isso.
00:46:20Mas tem o mais descritivo
00:46:21e tem aquele que quer gerar uma ação
00:46:23no interlocutor, na plateia.
00:46:24Sim, depende do ambiente da plateia.
00:46:26Sim, entĂŁo o sistema retĂłrico Ă© muito complexo,
00:46:29ele se desenvolveu ao longo do tempo
00:46:30e Ă© riquĂ­ssimo.
00:46:31E Agostinho era professor de retĂłrica,
00:46:33era especialista de retĂłrica,
00:46:34porque a carreira mais valorizada no mundo romano
00:46:37até o final da antiguidade
00:46:39era a carreira de advogado,
00:46:41que era o retĂłrico.
00:46:42Aquele que proferia discursos
00:46:43no inĂ­cio polĂ­tico,
00:46:45mas depois de Augusto,
00:46:48depois do Império,
00:46:49vocĂȘ nĂŁo tinha mais muita liberdade polĂ­tica,
00:46:51mas a retĂłrica nĂŁo deixou de ser importante,
00:46:53como um mecanismo de teoria literĂĄria,
00:46:55como, vamos dizer assim,
00:46:58uma prescrição literåria,
00:46:59mas também como trabalho de advogados,
00:47:03como CĂ­cero, por exemplo.
00:47:03CĂ­cero foi polĂ­tico,
00:47:05mas Cícero também foi advogado
00:47:07de causas pessoais.
00:47:09Pois bem, o que AristĂłteles dizia?
00:47:10TrĂȘs modos sĂŁo os modos de persuadir.
00:47:12Logos, patos e etos.
00:47:14VocĂȘ pode persuadir pelo carĂĄter do orador,
00:47:17o etos.
00:47:18Isso a gente vĂȘ na propaganda,
00:47:19quando vocĂȘ tem um artista famoso,
00:47:20uma pessoa que tem credibilidade pĂșblica,
00:47:22que estĂĄ vendendo um produto.
00:47:24A pessoa deveria, no caso,
00:47:26ter ética e saber.
00:47:27Por dinheiro ela vende qualquer coisa,
00:47:28sem ética nenhuma.
00:47:30EntĂŁo, Ă s vezes,
00:47:31Ă© contra os seus valores
00:47:32fazer propaganda de casa de apostas,
00:47:34de cassino,
00:47:34mas a pessoa, por dinheiro,
00:47:35vai lĂĄ e faz.
00:47:36Por quĂȘ?
00:47:36Ela tem um etos.
00:47:38A empresa chama aquela pessoa
00:47:39porque tem, vamos dizer assim,
00:47:42tem respeito na sociedade.
00:47:44A palavra dela vale alguma coisa.
00:47:45EntĂŁo, Ă© uma maneira de convencer.
00:47:47Isso acontece, principalmente em perĂ­odo eleitoral,
00:47:50mas também fora dele,
00:47:51com pessoas que tĂȘm muita credibilidade na sociedade
00:47:55em razĂŁo de algum talento especĂ­fico,
00:47:57musical, cinematogrĂĄfico,
00:47:59e aĂ­ elas emprestam aquela credibilidade
00:48:02para um apoio polĂ­tico.
00:48:03Sim.
00:48:03Certo?
00:48:04Isso Ă© o etos.
00:48:05É o etos.
00:48:07Outra maneira de convencer seria o logos.
00:48:09Seria argumentos.
00:48:11Infelizmente, caiu em descrédito.
00:48:14VocĂȘ nĂŁo consegue convencer.
00:48:15VocĂȘ nĂŁo consegue convencer.
00:48:17É como crianças.
00:48:18Mas nĂłs insistimos.
00:48:19NĂłs insistimos.
00:48:20É como crianças.
00:48:21Os contos de fadas,
00:48:22eles trabalham com imagens
00:48:26e com um certo e errado,
00:48:27o bem e o mal.
00:48:28Uma visĂŁo maniqueĂ­sta do mundo.
00:48:29É a bruxa, Ă© o prĂ­ncipe, Ă© o...
00:48:31Porque a criança ainda não consegue raciocinar,
00:48:33ela nĂŁo consegue distinguir nuances.
00:48:35EntĂŁo, trabalha com esses contrastes
00:48:37para poder educar através dos contos de fadas,
00:48:41que ao longo da Idade Média,
00:48:42na prĂłpria Antiguidade,
00:48:43as fĂĄbulas,
00:48:44as crianças eram educadas.
00:48:45Os pais contavam historinhas.
00:48:47Olha, não faça tal coisa.
00:48:48EntĂŁo, contando aquela histĂłria,
00:48:49a criança tinha aquele exemplo e sabia.
00:48:51Que, olha, se apontar o dedo para a estrela,
00:48:53vai nascer uma verruga na ponta do dedo.
00:48:55Que era para ensinar a criança
00:48:56que nĂŁo serve apontar o dedo para as pessoas.
00:48:59Que Ă© feio.
00:48:59Para o pai nĂŁo passar o constrangimento do filho.
00:49:01Olha, pai, fulano de tal.
00:49:03EstĂĄ vestido de um jeito esquisito e tal.
00:49:05EntĂŁo, aĂ­ vocĂȘ tem...
00:49:07VocĂȘ nĂŁo tem um argumento.
00:49:09VocĂȘ vai usar essas imagens fortes.
00:49:11Mas o argumento vocĂȘ usa.
00:49:13E o argumento retĂłrico Ă© diferente do argumento silogĂ­stico,
00:49:16filosĂłfico, que Ă© mais elaborado,
00:49:18é mais técnico e exige mais tempo,
00:49:20nĂŁo Ă© mais trabalho,
00:49:21que Ă© o que Agostinho faz no Livre ArbĂ­trio.
00:49:23VocĂȘ tem um argumento retĂłrico,
00:49:24que ele chamava de antemema,
00:49:25mas que Ă© muito comum.
00:49:26Que Ă© um argumento que nĂŁo Ă© 100% completo,
00:49:29mas ainda assim Ă© um argumento.
00:49:30E existe o patos,
00:49:31que Ă© o apelo sentimental.
00:49:32AristĂłteles vai, no segundo livro da retĂłrica,
00:49:34tratar extensivamente do argumento.
00:49:37E nĂŁo Ă© negativo.
00:49:39VocĂȘ pode fazer um apelo emocional positivo.
00:49:42Quando vocĂȘ quer alguma coisa boa,
00:49:43depende do fim que vocĂȘ quer alcançar.
00:49:45Infelizmente, hoje, o que a gente vĂȘ
00:49:47Ă© o tempo inteiro o apelo emocional para tudo.
00:49:49Exatamente.
00:49:49EntĂŁo, assim,
00:49:50vocĂȘ quer vender qualquer ideia,
00:49:53aĂ­ no final daquela ideia,
00:49:55Ăłbvio que o ouvinte vai identificar
00:49:57quem Ă© que usa esse estratagema.
00:49:59NĂŁo, porque nĂłs queremos combater a fome.
00:50:01Queremos acabar com a fome.
00:50:03Ou entĂŁo, nĂłs queremos censurar as redes
00:50:05porque nĂłs queremos defender as criancinhas.
00:50:08Quem Ă© que vai contra isso?
00:50:09Isso Ă© um apelo sentimental.
00:50:11Quem Ă© louco de dizer com...
00:50:12Olha e tal.
00:50:13EntĂŁo, nesse aspecto,
00:50:14isso acontece muito.
00:50:17Mas, infelizmente,
00:50:17estĂĄ acontecendo mais para o mal do que para o bem.
00:50:20Muitas vezes, quando vocĂȘ quer cancelar as pessoas,
00:50:22vocĂȘ usa um rĂłtulo,
00:50:25vocĂȘ coloca aquele rĂłtulo na pessoa,
00:50:26porque aquele rĂłtulo,
00:50:27vocĂȘ desumaniza a pessoa.
00:50:29VocĂȘ coloca aquele rĂłtulo na pessoa,
00:50:30não importa o que aquela pessoa faça.
00:50:32O que vocĂȘ estĂĄ fazendo com isso?
00:50:33NĂŁo Ă© sĂł o apelo emocional.
00:50:34VocĂȘ estĂĄ destruindo o etos da pessoa.
00:50:36VocĂȘ estĂĄ destruindo o carĂĄter dela.
00:50:37Qualquer coisa que ela fizer a partir daĂ­
00:50:39nĂŁo vai ter valor,
00:50:40porque vocĂȘ destruiu o carĂĄter da pessoa.
00:50:42É o que se diz desumanizar, nĂ©?
00:50:43Vamos dizer assim.
00:50:44É.
00:50:44O que as pessoas estĂŁo fazendo,
00:50:45principalmente na seara polĂ­tica,
00:50:47Ă© defender medidas autoritĂĄrias
00:50:48sobre pretextos nobres.
00:50:51De salvar...
00:50:52De salvar crianças,
00:50:54de salvar idosos,
00:50:55idosos que estĂŁo sendo roubados agora
00:50:57no esquema do INSS,
00:50:59de salvar as mulheres,
00:51:02enfim.
00:51:03Democracia.
00:51:03A democracia.
00:51:05Quantos males sĂŁo feitos
00:51:06em nome da defesa da democracia?
00:51:09Quantos atos antidemocrĂĄticos
00:51:10para salvar a democracia.
00:51:12Exatamente.
00:51:13Quantas excepcionalidades.
00:51:15Mas vocĂȘ vĂȘ que o padrĂŁo Ă© sempre o mesmo.
00:51:16VocĂȘ demoniza algo,
00:51:18ou seja,
00:51:18vocĂȘ destrĂłi o etos,
00:51:19o carĂĄter de algo,
00:51:21porque se encontra um ponto
00:51:22que seja o mĂ­nimo denominador comum,
00:51:25um conceito que todo mundo...
00:51:26É unñnime.
00:51:27EntĂŁo, por exemplo,
00:51:28certa doutrina Ă© unanimemente criticada,
00:51:31não tem ninguém que vai levantar a mão
00:51:32e falar,
00:51:32nĂŁo, mas espera um pouquinho,
00:51:33vamos ver,
00:51:34essa doutrina tem um lado positivo.
00:51:35NĂŁo.
00:51:36EntĂŁo, o que vocĂȘ faz?
00:51:37VocĂȘ vai colocar a pecha
00:51:38de membro daquele partido.
00:51:40Nazista, por exemplo.
00:51:41É.
00:51:41Eu nĂŁo quis usar o nome,
00:51:43porque eu nĂŁo sei se essa palavra...
00:51:46Claro, nĂŁo.
00:51:47Ela pode ser usada.
00:51:48VocĂȘ aponta o adversĂĄrio
00:51:50ou qualquer pessoa
00:51:50que defenda aquela ideia como nazista.
00:51:52VocĂȘ coloca aquele rĂłtulo naquela pessoa,
00:51:54vocĂȘ destruiu o etos,
00:51:56vocĂȘ destruiu o carĂĄter da pessoa, pronto.
00:51:58Não importa o que ela faça.
00:51:59EstĂĄ cancelada.
00:52:01EntĂŁo, o que Ă© horrĂ­vel,
00:52:02Ă© um linchamento.
00:52:03É um linchamento moral.
00:52:04E vocĂȘ associa determinadas ideias
00:52:06que são divergentes em relação às suas,
00:52:09aos nazistas, aos fascistas,
00:52:10aquelas pessoas demonĂ­acas, diabĂłlicas,
00:52:13ruins e malvadas e perversas.
00:52:15E posso falar algo que me entristece?
00:52:16Em vez de vocĂȘ argumentar,
00:52:18sĂł concluindo,
00:52:20a favor da sua ideia
00:52:22e em combate aos elementos especĂ­ficos
00:52:26da ideia contrĂĄria,
00:52:27vocĂȘ simplesmente demoniza as pessoas
00:52:29que defendem aquela outra ideia
00:52:31para pousar de salvador,
00:52:33daquele que vai chegar com a ideia mĂĄgica.
00:52:34O maniqueĂ­smo, voltamos para o inĂ­cio.
00:52:36Exatamente.
00:52:37Os dois lados,
00:52:38sĂł tem dois lados na histĂłria.
00:52:39AĂ­ viram nĂłs contra eles.
00:52:41É o populismo que acaba resgatando,
00:52:44realçando,
00:52:45turbinando o maniqueĂ­smo.
00:52:47E isso continua sendo usado,
00:52:48o que me entristece Ă© o fato
00:52:49de que vocĂȘ Ă© tĂŁo antigo.
00:52:51Isso estĂĄ na retĂłrica de AristĂłteles.
00:52:53Exato.
00:52:53Os acadĂȘmicos sabem,
00:52:54os estudiosos sabem,
00:52:55todo mundo sabe,
00:52:56e as pessoas continuam usando
00:52:57os mesmos artifĂ­cios,
00:52:59os mesmos argumentos,
00:52:59e ninguém encontra a defesa,
00:53:01ninguém explica.
00:53:02Gente, olha,
00:53:02isso estĂĄ acontecendo,
00:53:03Ă© isso, estĂĄ errado.
00:53:05Por exemplo,
00:53:05as redes sociais.
00:53:06O mais enlouquecedor
00:53:08nĂŁo Ă© que impostores continuem usando
00:53:11ou pessoas mal intencionadas,
00:53:13Ă© que muita gente caia ainda
00:53:15nesse truque
00:53:16que jĂĄ foi diagnosticado,
00:53:20esquadrinhado, esmiuçado
00:53:21séculos atrås.
00:53:23Por isso que a gente tem que resgatar.
00:53:24Veja como o conteĂșdo universal
00:53:25nĂŁo envelhece.
00:53:27Um dos exemplos que eu disse
00:53:28no livre-arbĂ­trio,
00:53:29que Agostinho recorreu para falar
00:53:30do livre-arbĂ­trio,
00:53:31nĂŁo Ă© porque a faca
00:53:32foi usada para matar
00:53:33que nĂłs vamos parar
00:53:34de usar a faca
00:53:35para cortar o pĂŁo.
00:53:36NĂŁo Ă© porque o livre-arbĂ­trio
00:53:37Ă© usado para o mal
00:53:38que o livre-arbĂ­trio
00:53:38seja a causa do mal.
00:53:40EntĂŁo nĂŁo Ă© porque algo
00:53:41estĂĄ sendo mal usado
00:53:42que o problema estĂĄ nisso,
00:53:43estĂĄ sendo nas pessoas
00:53:44que usam o mal.
00:53:45Isso vale para as redes sociais.
00:53:47Exato.
00:53:47Isso vale para tudo.
00:53:49Ou seja,
00:53:49porque as pessoas
00:53:50estĂŁo falando mal
00:53:51de tal pessoa,
00:53:52estĂŁo falando coisas
00:53:53que sĂŁo indefensĂĄveis,
00:53:54nĂłs vamos cortar a lĂ­ngua
00:53:55das pessoas?
00:53:56É a mesma coisa,
00:53:57vocĂȘ estĂĄ cortando
00:53:58a lĂ­ngua das pessoas.
00:53:59Ou seja,
00:53:59Ă© o mesmo truque retĂłrico
00:54:01de sempre.
00:54:02VocĂȘ estĂĄ usando
00:54:02o etos,
00:54:03vocĂȘ estĂĄ destruindo
00:54:06o carĂĄter da pessoa,
00:54:07estĂĄ usando o partos,
00:54:09que Ă© a chantagem sentimental,
00:54:11e zero logos,
00:54:12zero argumento.
00:54:14Zero argumento.
00:54:14VocĂȘ usa a chantagem sentimental,
00:54:16o apelo patético,
00:54:18vocĂȘ usa a destruição
00:54:19do carĂĄter da pessoa,
00:54:20vocĂȘ cancela a pessoa,
00:54:21mas vocĂȘ nĂŁo tem argumento.
00:54:22E quando vocĂȘ chama a pessoa,
00:54:23vamos argumentar,
00:54:24då suas razÔes,
00:54:25a pessoa fica em silĂȘncio,
00:54:28muda de assunto.
00:54:28E lamentavelmente,
00:54:30essa linguagem que até,
00:54:31pelo menos algumas décadas atrås,
00:54:33estava mais restrita
00:54:34a uma militĂąncia polĂ­tica,
00:54:35ela foi invadindo
00:54:37o poder judiciĂĄrio.
00:54:39E ela estĂĄ sendo usada
00:54:40em votos,
00:54:41em decisÔes judiciais
00:54:42que ditam os rumos do paĂ­s.
00:54:44EntĂŁo,
00:54:44Ă© gravĂ­ssimo
00:54:45e, obviamente,
00:54:46com consequĂȘncia
00:54:46para milhÔes de pessoas.
00:54:48Agora,
00:54:49nĂŁo quero encerrar
00:54:50esse podcast
00:54:50sem tocar
00:54:51num ponto especĂ­fico,
00:54:53tratando aqui
00:54:53da obra de Santo Agostinho
00:54:55e de vĂĄrias outras
00:54:56relacionadas a Deus,
00:54:58Ă  Igreja CatĂłlica.
00:55:00As pessoas
00:55:01que nĂŁo acreditam
00:55:02em Deus,
00:55:03as pessoas
00:55:04que tĂȘm
00:55:05outras crenças,
00:55:06as pessoas
00:55:07que até
00:55:08tĂȘm crĂ­ticas
00:55:09Ă  Igreja CatĂłlica
00:55:10por diversas razÔes,
00:55:12etc.
00:55:13Ainda assim,
00:55:15elas tĂȘm
00:55:15o que aprender
00:55:16com a obra
00:55:17de Santo Agostinho,
00:55:18porque tudo
00:55:18que a gente estava
00:55:19falando aqui,
00:55:20embora vocĂȘ
00:55:20sempre colocando
00:55:22a questĂŁo de Deus
00:55:23na obra agostiniana,
00:55:26Ă© de suma importĂąncia
00:55:29para qualquer pessoa
00:55:31hoje.
00:55:31Quer dizer,
00:55:32essa noção
00:55:32de responsabilidade
00:55:33individual,
00:55:34essa sinceridade
00:55:36consigo,
00:55:37antes de tudo,
00:55:39eu entendo
00:55:41que tem um legado
00:55:43aĂ­,
00:55:44mesmo que a pessoa
00:55:44nĂŁo creia em Deus.
00:55:47VocĂȘ enxerga assim?
00:55:48Como Ă© que vocĂȘ avalia?
00:55:50Eu fiz meu doutorado,
00:55:52meu mestrado
00:55:53na USP,
00:55:54o mestrado em Letras
00:55:55e o doutorado
00:55:55em Filosofia,
00:55:57e tem uma cadeira
00:55:57para professores
00:55:59que estudam Agostinho.
00:56:01Eu nĂŁo tenho estatĂ­sticas,
00:56:03mas eu sei que Ă© um
00:56:03dos filĂłsofos mais procurados,
00:56:05acho que se for
00:56:05Ă­ndice das buscas
00:56:07no Google
00:56:07e em sites
00:56:09de artigos acadĂȘmicos,
00:56:11talvez Agostinho
00:56:11seja um dos filĂłsofos
00:56:13mais procurados,
00:56:13mais pesquisados.
00:56:15E a maioria das pessoas,
00:56:16nĂŁo sei se a maioria,
00:56:17mas grande parte
00:56:18nĂŁo sĂŁo pessoas crentes
00:56:20que acreditam em Deus.
00:56:21EntĂŁo, assim,
00:56:21se vocĂȘ acredita no belo,
00:56:23se vocĂȘ acredita no bem,
00:56:25se vocĂȘ acredita
00:56:27em tentar honestamente
00:56:31buscar a verdade,
00:56:33com profundidade
00:56:35e com sinceridade,
00:56:36nĂŁo tem como vocĂȘ
00:56:37nĂŁo se apaixonar
00:56:38por Agostinho.
00:56:39NĂŁo sĂł por conta
00:56:39da linguagem,
00:56:40ao contrĂĄrio
00:56:41da aridez de AristĂłteles.
00:56:42É atĂ© um adjetivo
00:56:45talvez injusto
00:56:48com relação a Aristóteles,
00:56:49porque o que chegou
00:56:50até nós
00:56:50nĂŁo foi a obra dele completa,
00:56:52foi a obra editada,
00:56:54notas para alunos
00:56:54e tudo mais.
00:56:55Mas vocĂȘ tem
00:56:56TomĂĄs de Aquino,
00:56:56por exemplo,
00:56:57que Ă© outro grande pensador,
00:56:58mas cuja obra Ă© ĂĄrida.
00:57:00Agostinho era um poeta,
00:57:01como PlatĂŁo.
00:57:02PlatĂŁo era um poeta trĂĄgico
00:57:03antes de ser filĂłsofo.
00:57:04EntĂŁo, a obra de PlatĂŁo
00:57:05Ă© uma delĂ­cia,
00:57:06porque ele domina as palavras.
00:57:09Agostinho Ă© a mesma coisa,
00:57:10ele domina as palavras.
00:57:11A obra é extremamente poética.
00:57:12As confissÔes
00:57:13são uma oração,
00:57:15Ă© um salmo.
00:57:16Ele quase que emula,
00:57:18vamos dizer assim,
00:57:18a linguagem dos salmos
00:57:19para falar de filosofia,
00:57:21de termos filosĂłficos.
00:57:22Tem uma riqueza literĂĄria.
00:57:24Sim, com certeza.
00:57:25EntĂŁo, assim,
00:57:25por gosto estético,
00:57:27sem dĂșvida nenhuma.
00:57:28O latim,
00:57:29sou apaixonado,
00:57:30acho que se Deus fala
00:57:31alguma lĂ­ngua,
00:57:32Deus nĂŁo fala.
00:57:32Mas existe em portuguĂȘs.
00:57:33Se Deus falasse alguma lĂ­ngua,
00:57:34tinha que ser o latim,
00:57:35apesar de se apaixonar
00:57:36por grego,
00:57:37DionĂ­sio escreveu em grego,
00:57:38o latim Ă© uma lĂ­ngua belĂ­ssima.
00:57:40Óbvio que o livro
00:57:41estĂĄ em portuguĂȘs.
00:57:42EntĂŁo, deixar claro,
00:57:43as pessoas acharem
00:57:431.600 pais escritos em latim,
00:57:45nĂŁo, o latim Ă© lĂ­ngua morta,
00:57:46Ăłbvio, a gente traduz,
00:57:47a gente estuda.
00:57:48EntĂŁo, assim,
00:57:49Agostinho que falou
00:57:50sobre estética,
00:57:52sobre beleza,
00:57:53Agostinho que falou
00:57:53sobre questÔes eternas,
00:57:56como origem do mal,
00:57:58nĂŁo Ă©?
00:57:58Ele tenta explicar
00:57:59o sofrimento das crianças,
00:58:01o sofrimento dos animais,
00:58:02nĂŁo Ă©?
00:58:02A questão da graça
00:58:04da liberdade
00:58:05envolve a questĂŁo
00:58:06que hoje a neurociĂȘncia toca.
00:58:08Afinal de contas,
00:58:09existe realmente
00:58:10o livre-arbĂ­trio
00:58:11se somos geneticamente determinados,
00:58:14porque a gente,
00:58:15hĂĄ quem defenda
00:58:16o determinismo genético,
00:58:18ou seja,
00:58:18que a pessoa jĂĄ nasce
00:58:20com o gene
00:58:20do malfeitor
00:58:22ou do estuprador
00:58:23e coisas assim.
00:58:24EntĂŁo, assim,
00:58:25hĂĄ correntes
00:58:25que defendem
00:58:26esse pensamento.
00:58:27e ele jĂĄ estĂĄ tratando
00:58:28dessas coisas.
00:58:29EntĂŁo, assim,
00:58:30Ă© uma obra riquĂ­ssima,
00:58:31Ă© um grande pensador,
00:58:32uma obra riquĂ­ssima
00:58:33que merece ser conhecida.
00:58:35EntĂŁo,
00:58:36nĂŁo tenho elogios,
00:58:38nĂŁo tenho suficientes
00:58:39para Agostinho,
00:58:40sem dĂșvida.
00:58:40Eu digo isso
00:58:40até porque o relativismo
00:58:42e todo um movimento polĂ­tico
00:58:44anticristĂŁo,
00:58:45eles geraram,
00:58:46principalmente,
00:58:46acho que nas novas geraçÔes,
00:58:48um certo preconceito
00:58:49contra autores
00:58:50ligados ao cristianismo.
00:58:52nĂŁo Ă© como se,
00:58:52ah,
00:58:53isso aĂ­ Ă©
00:58:53pregação religiosa
00:58:56e as pessoas
00:58:57perdem
00:58:58todo esse universo.
00:58:59Nada mais equivocado
00:59:01e hĂĄ filĂłsofos
00:59:02e, olha,
00:59:03para ter uma noção,
00:59:03Ana Arendt.
00:59:05Sim,
00:59:05vocĂȘ falou origem do mal
00:59:07e eu jĂĄ pensei
00:59:07em origens do totalitarismo
00:59:09da Ana Arendt.
00:59:09A tese dela
00:59:10foi em Santo Agostinho,
00:59:11quem foi o orientador
00:59:12foi o Heidegger,
00:59:13que era apaixonado
00:59:14por Santo Agostinho
00:59:15e Heidegger
00:59:15era tudo menos um cristĂŁo.
00:59:17Heidegger nĂŁo era.
00:59:19Acabou se alinhando
00:59:20ao nazismo,
00:59:21tem toda uma histĂłria
00:59:22grande filĂłsofo,
00:59:23sem dĂșvida nenhuma.
00:59:24E ele era agostiniano,
00:59:25apaixonado por outro filĂłsofo,
00:59:26talvez considerado por alguns
00:59:28como o maior filĂłsofo
00:59:29do século XX,
00:59:31o Wittgenstein.
00:59:32O Wittgenstein,
00:59:33uma das suas obras
00:59:33mais importantes
00:59:34em investigaçÔes filosóficas,
00:59:36ele começa a obra
00:59:37analisando uma passagem
00:59:39nas ConfissÔes,
00:59:40em que Agostinho estĂĄ lĂĄ
00:59:41falando da linguagem,
00:59:42como a criança aprende
00:59:43a linguagem,
00:59:43ele vai lĂĄ e usa essa obra,
00:59:45mostrando que era
00:59:45leitor de Agostinho.
00:59:47EntĂŁo, assim,
00:59:47a lista de filĂłsofos
00:59:49do século XX,
00:59:50só para ficar no século XX,
00:59:51que estudam,
00:59:52leem,
00:59:53se interessam para Agostinho,
00:59:54Ă© imensa.
00:59:54Aquele que acha que
00:59:55Santo Agostinho
00:59:56Ă© um beato
00:59:58no mau sentido da igreja,
00:59:59que beato quer dizer feliz,
01:00:00se ele fosse um beato,
01:00:01ele jĂĄ estaria satisfeito,
01:00:02Ă© uma pessoa feliz,
01:00:03porque essa Ă© a palavra
01:00:04beatus em latim quer dizer feliz,
01:00:06Ă© uma pessoa bem-aventurada.
01:00:08Mas que seja apenas um religioso
01:00:09que tem uma obra devocional,
01:00:11muito circunscrita,
01:00:12um ambiente eclesiĂĄstico,
01:00:14estĂĄ muito equivocado.
01:00:16Ele Ă© um grande pensador universal
01:00:17e, no meu modo de entender,
01:00:19ao lado do PlatĂŁo,
01:00:20Ă© um dos dois grandes pensadores
01:00:23do mundo ocidental.
01:00:25AliĂĄs, vocĂȘ citou
01:00:26Santo TomĂĄs de Aquino
01:00:27como um dos exemplos
01:00:28de um texto mais ĂĄrido,
01:00:30mas, felizmente,
01:00:31também existem os neotomistas,
01:00:33quer dizer,
01:00:33aqueles que estudaram
01:00:34a obra de Santo TomĂĄs de Aquino
01:00:36e, pelo menos,
01:00:37que se inspiraram nela também
01:00:38para produzir suas prĂłprias obras
01:00:40que tornaram ela mais palatĂĄvel,
01:00:42como o prĂłprio Sertilans,
01:00:44que tem o livro
01:00:45A Vida Intelectual,
01:00:46que, para mim,
01:00:46Ă© uma referĂȘncia bĂĄsica
01:00:47para quem quer ter uma vida mental,
01:00:49rica, de fato,
01:00:51porque nĂŁo Ă© autoajuda,
01:00:55mas ele consegue falar ali
01:00:58sobre o prĂłprio cotidiano,
01:00:59sobre a prĂłpria rotina
01:01:00que deve ter alguém
01:01:01que precisa,
01:01:02como vocĂȘ,
01:01:03como eu,
01:01:04transitar entre os livros,
01:01:06entre o conhecimento histĂłrico
01:01:07deixado como legado
01:01:10ao longo dos séculos
01:01:11e o mundo prĂĄtico.
01:01:13Quer dizer,
01:01:13a gente precisa trabalhar,
01:01:14a gente precisa ir na rua,
01:01:15precisa fazer as nossas compras,
01:01:18precisa resolver a burocracia, etc.
01:01:20Como ter uma vida intelectual e tal?
01:01:22E o Sertilans organiza isso
01:01:24naquela obra.
01:01:26EntĂŁo, tem muitos autores
01:01:27que conseguiram transformar a obra
01:01:31de autores mais ĂĄridos
01:01:33em algo mais palatĂĄvel
01:01:35para as novas geraçÔes.
01:01:36Essa histĂłria do ateĂ­smo
01:01:37é uma coisa do século XX para cå,
01:01:40porque se vocĂȘ olhar para trĂĄs
01:01:41na histĂłria dos grandes filĂłsofos,
01:01:44Ă© difĂ­cil se encontrar
01:01:45uma mĂŁo de filĂłsofos
01:01:47que nĂŁo acreditavam em Deus.
01:01:49O prĂłprio PlatĂŁo Ă© um teĂłlogo.
01:01:51AristĂłteles,
01:01:54puxa vida,
01:01:54o termo teologia
01:01:55praticamente surge com ele.
01:01:58EntĂŁo,
01:01:58num sentido diferente,
01:01:59sem dĂșvida.
01:02:00EntĂŁo, assim,
01:02:01essa noção
01:02:01de que existe algo além
01:02:03que o ser humano,
01:02:05essa humildade de saber
01:02:06que o ser humano
01:02:06nĂŁo tem respostas para tudo,
01:02:07que a razĂŁo nĂŁo dĂĄ conta de tudo,
01:02:10Ă© um sinal
01:02:12de uma grande humildade
01:02:13e eu acho que a humildade
01:02:14Ă© um dos legados de SĂłcrates,
01:02:17que todo filĂłsofo
01:02:18deveria seguir.
01:02:19O filĂłsofo de nariz empinado
01:02:20Ă© um contra-acesso.
01:02:21Ricardo Taurizano,
01:02:22senhoras e senhores,
01:02:23que alegria,
01:02:24que honra
01:02:24e que prazer poder filosofar
01:02:26aqui no meio da tarde,
01:02:27um dia de semana,
01:02:28enquanto estĂĄ acontecendo
01:02:29um monte de coisa na polĂ­tica
01:02:30e eu agora,
01:02:31assim que acabar,
01:02:32vou ter que ler exatamente
01:02:34tudo o que estĂĄ acontecendo,
01:02:35mas como Ă© bom
01:02:36e importante
01:02:37a gente transitar
01:02:38entre aquele mundo imediato
01:02:41das notĂ­cias,
01:02:42tudo o que acontece ali
01:02:44e que muita gente
01:02:45lĂȘ superficialmente,
01:02:46mas trazer as questÔes de fundo
01:02:48e Ă© um dos objetivos
01:02:49aqui do nosso podcast,
01:02:50GaishuĂĄ,
01:02:50pra gente justamente
01:02:51poder aprofundar o debate.
01:02:53Então, parabéns pela sua obra,
01:02:55parabéns por conseguir,
01:02:56eu sei que Ă© muito difĂ­cil,
01:02:58viver uma vida intelectual,
01:03:00principalmente num paĂ­s
01:03:01como o Brasil,
01:03:02que te dĂĄ muito poucas ferramentas,
01:03:04vocĂȘ tem que correr atrĂĄs
01:03:05contra muitas adversidades,
01:03:06pra construir um tempo
01:03:08pra ler,
01:03:09pra estudar
01:03:10e ainda refletir sobre aquilo
01:03:12e ainda escrever sobre aquilo
01:03:14que dĂĄ muito trabalho
01:03:15e conseguir
01:03:16ter dinheiro,
01:03:18ter salĂĄrio,
01:03:19pra conseguir se alimentar,
01:03:20pra conseguir construir
01:03:21a sua famĂ­lia.
01:03:21É um grande desafio
01:03:22ter uma vida intelectual
01:03:24no Brasil.
01:03:24AliĂĄs,
01:03:24sĂł pra encerrar,
01:03:25vocĂȘ nĂŁo sente isso?
01:03:27É um desafio
01:03:28e, mas no meu modo de entender,
01:03:30como pra Agostinho e pros antigos,
01:03:32não existe uma separação
01:03:33entre a filosofia e a vida.
01:03:34A filosofia pros antigos
01:03:36era um modus vivendi,
01:03:37ou seja,
01:03:37um modo de vida.
01:03:38A filosofia nĂŁo era
01:03:39um exercĂ­cio intelectual,
01:03:41vocĂȘ fica numa torre de marquinha ali,
01:03:43especulando apenas,
01:03:45como muitas vezes acontece
01:03:46no mundo acadĂȘmico.
01:03:47Era um modo de vida.
01:03:48EntĂŁo, assim,
01:03:49aplicar a filosofia
01:03:50na prĂłpria vida.
01:03:51NĂŁo apenas os cristĂŁos,
01:03:53mas vocĂȘ vai ver isso
01:03:54com o estoicismo,
01:03:54com o epicurismo,
01:03:55com o platonismo,
01:03:56todos eles aplicavam aquilo.
01:03:58Aquilo era um modo de vida
01:03:59pra eles.
01:03:59EntĂŁo, assim, realmente...
01:04:00É o que prega a certilñndia,
01:04:01inclusive.
01:04:01É muito difícil
01:04:02num mundo em que as pessoas
01:04:03nĂŁo valorizam mais o livro.
01:04:05VocĂȘ chega numa casa,
01:04:06vocĂȘ nĂŁo encontra um livro
01:04:07em lugar nenhum.
01:04:08Antigamente,
01:04:08vocĂȘ tinha estantes de livro
01:04:09na sala de estar,
01:04:10hoje em dia,
01:04:10o livro tĂĄ escondido
01:04:11em algum lugar.
01:04:12Talvez embaixo da mesa,
01:04:13porque a mesa tå com o pé manco,
01:04:14entĂŁo a pessoa botou um livrinho ali
01:04:18e, infelizmente,
01:04:19isso Ă© uma caracterĂ­stica
01:04:20do nosso tempo, nĂŁo Ă©?
01:04:22Agora...
01:04:23Mas eu acho que o livro
01:04:23nĂŁo vai morrer.
01:04:24Eu acho que esses grandes pensados
01:04:26que daqui a dois mil anos
01:04:27as pessoas ainda vĂŁo estar lendo
01:04:28Augustinho e PlatĂŁo.
01:04:29E, pra mim,
01:04:30Ă© uma honra
01:04:31estar aqui conversando com vocĂȘ.
01:04:32Admiro demais o seu trabalho.
01:04:34Admiro...
01:04:34Muito obrigado.
01:04:35Admiro.
01:04:35E sou um espectador
01:04:37através do canal do YouTube.
01:04:40Então, deixo um abraço também
01:04:41pro Duda,
01:04:42que Ă© o seu comentarista.
01:04:44Sim, Duda Teixeira.
01:04:45Tå aqui na redação,
01:04:46trabalhando enquanto a gente
01:04:46tĂĄ aqui gravando.
01:04:47EntĂŁo, uma honra pra mim.
01:04:48Espero que nĂŁo tenha sido cansativo.
01:04:49Passou rĂĄpido pra mim.
01:04:51NĂŁo sei se passou rĂĄpido
01:04:51pra audiĂȘncia.
01:04:52Imagina.
01:04:53E, sĂł pra terminar,
01:04:54as dicas,
01:04:54Merchan,
01:04:55sĂŁo esses livros?
01:04:57Eles podem ser comprados onde?
01:04:59Pro Amazon.
01:05:00Amazon.
01:05:01Amazon.
01:05:02Esse aqui tĂĄ fora de catĂĄlogo.
01:05:03Vou reeditar
01:05:04pra outra editora,
01:05:05mas ainda se encontra
01:05:06um preço inflacionado,
01:05:09porque ele nĂŁo tĂĄ sendo editado mais,
01:05:11mas eu vou relançar.
01:05:12Esse acabou de ser lançado,
01:05:13vocĂȘ encontra na Amazon,
01:05:14encontra na editora CRV.
01:05:16Esse vocĂȘ encontra na Amazon,
01:05:18RealizaçÔes,
01:05:20que a Filocalia também é um selo
01:05:22da RealizaçÔes,
01:05:22através do Edson,
01:05:24que fez esse brilhante trabalho.
01:05:25EntĂŁo, eles estĂŁo ali,
01:05:26eles estĂŁo sendo vendidos,
01:05:28estĂŁo ali.
01:05:28Então, tem palestra no YouTube também,
01:05:30explicando um pouquinho,
01:05:32tem uma palestra de lançamento do livro,
01:05:33explicando um pouquinho sobre o livro.
01:05:35Exato.
01:05:35EntĂŁo, Ă© isso.
01:05:36Foi a palestra que o Edson me indicou,
01:05:38e aĂ­ eu conheci o seu trabalho.
01:05:40E a sua formação, qual é?
01:05:41Eu sou formado em letras.
01:05:43Minha segunda formação,
01:05:45sou formado em matemĂĄtica financeira.
01:05:47Olha sĂł.
01:05:47Eu sou matemĂĄtica financeira no exterior,
01:05:49e nĂŁo era o meu caminho.
01:05:51E quase uma década depois,
01:05:53fui fazer letras,
01:05:54me apaixonei pelo latim,
01:05:55através do latim,
01:05:56cheguei a Agostinho,
01:05:57aĂ­ fiz mestrado em letras,
01:06:00letras clĂĄssicas,
01:06:00e pĂŽs o doutorado em filosofia medieval,
01:06:02tudo na USP.
01:06:03É, porque a gente Ă© jovem,
01:06:04acho que vocĂȘ devia ter isso,
01:06:06Ă© um raciocĂ­nio lĂłgico mais apurado,
01:06:08e acaba levando mais para as exatas,
01:06:10porque eu fiz dois anos de engenharia,
01:06:11mas o raciocĂ­nio lĂłgico
01:06:12Ă© muito importante para tudo isso.
01:06:14Nossa senhora.
01:06:14Nossa, matemĂĄtica era a disciplina
01:06:16mais importante para PlatĂŁo,
01:06:17a matemĂĄtica.
01:06:19Pois Ă©.
01:06:19Ele tinha, diz Diógenes Laércio,
01:06:23um dos biĂłgrafos,
01:06:23dos filĂłsofos,
01:06:24que em cima da academia,
01:06:26na entrada da academia,
01:06:26estava lĂĄ.
01:06:27O seguinte dizer,
01:06:28se nĂŁo for geĂŽmetro,
01:06:30geĂŽmetro nĂŁo entre.
01:06:31Ou seja.
01:06:32Exatamente,
01:06:32porque ajuda a desenvolver
01:06:34a capacidade de abstração,
01:06:35de organização da ideia,
01:06:38da prĂłpria retĂłrica,
01:06:40das palavras.
01:06:41Então, muitos colégios,
01:06:42eu falo isso quando dou entrevista
01:06:43e pode dizer que eles acabam empurrando
01:06:44quem tem raciocĂ­nio lĂłgico
01:06:45para as exatas,
01:06:47quando na verdade a gente precisa
01:06:48de mais gente com raciocĂ­nio lĂłgico
01:06:50nas åreas humanas também.
01:06:51A lĂłgica Ă© matemĂĄtica em letras,
01:06:53vamos dizer assim,
01:06:54praticamente.
01:06:55Porque a lĂłgica Ă© raciocĂ­nio matemĂĄtico.
01:06:56E a lógica é um dos estudos também
01:06:58dos grandes filĂłsofos.
01:06:59Sim, Ă© uma das partes da filosofia
01:07:00desde a antiguidade.
01:07:01E aĂ­ dĂȘem o logos tambĂ©m,
01:07:03que Ă© o raciocĂ­nio lĂłgico,
01:07:04que Ă© uma das maneiras de convencer,
01:07:06de argumentar,
01:07:07de defender e vender ideias.
01:07:09Ricardo Taurizano,
01:07:10muito obrigado pela sua participação
01:07:12no Podcast O.A.
01:07:13A gente estĂĄ aqui todo dia,
01:07:15segunda a sexta-feira,
01:07:16com o Papo Antagonista,
01:07:17de 18h Ă s 19h30,
01:07:19ao vivo na TV BMC
01:07:20e no canal de YouTube
01:07:21de O Antagonista.
01:07:22No canal de YouTube
01:07:23tem outros programas também.
01:07:24E o Podcast O.A.,
01:07:25toda segunda,
01:07:26com um convidado diferente,
01:07:27presencial,
01:07:28aqui no estĂșdio,
01:07:29Ă s 19h30.
01:07:32Recomendem esse episĂłdio
01:07:33para os seus amigos
01:07:34e também assistam aos outros.
01:07:35Um grande abraço
01:07:36e até a próxima.
01:07:37Tchau.
01:07:37Podcast O.A.
01:07:45Conversa boa de ver e ouvir.

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