Após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), as empresas responsáveis pelas redes sociais, chamadas de “big techs”, passarão a ser responsabilizadas pelas postagens em suas plataformas. Para explicar em detalhes o assunto, a Jovem Pan News entrevista Fabrício da Mota Alves, advogado especialista em Direito Digital.
Baixe o app Panflix: https://www.panflix.com.br/
Inscreva-se no nosso canal: https://www.youtube.com/c/jovempannews
Siga o canal "Jovem Pan News" no WhatsApp: https://whatsapp.com/channel/0029VaAxUvrGJP8Fz9QZH93S
00:00E o Supremo Tribunal Federal concluiu nesta semana que as redes sociais devem ser responsabilizadas pelos conteúdos publicados pelos usuários.
00:11Para explicar esse e outros assuntos do marco civil da internet, o João da Manhã recebe agora o advogado especialista em direito digital, o Fabrício da Mota Alves.
00:23Bom dia Fabrício, então a gente falou do marco civil da internet.
00:26A grande questão nessa história é o seguinte, nós já tínhamos uma legislação aprovada pelo Congresso, ela é válida, foi levada essa questão ao Supremo.
00:35O Supremo está legislando, nós tínhamos a proteção ou não, como é que o senhor avalia toda essa situação? Muito bom dia.
00:42Bom dia, bom dia a todos, bom dia Soraya, bom dia Marcelo, prazer estar aqui com vocês.
00:47Bom, estamos numa fase absolutamente nova de regulação de novas tecnologias e tecnologias digitais.
00:53O Supremo realmente, num movimento bastante ousado, reverteu ou subverteu uma lógica de construção democrática e de construção legislativa que vinha sendo adotada e que foi cristalizada na figura do marco civil em 2014.
01:08Agora, com essa nova decisão, nós voltamos um pouco nas discussões anteriores em que o cenário era o cenário de excesso de remoções para um possível cenário novamente de remoções precavidas, remoções cautelárias, que a gente chama de overblocking.
01:26Isso, de fato, representa consequências potenciais para o uso dessas plataformas em diversos níveis, especialmente no que diz respeito à expressão da manifestação da informação, a liberdade de expressão de modo geral.
01:42Então, de fato, temos uma fase bem inovadora com potenciais consequências e através de um mecanismo muito atípico, que é o mecanismo da definição de regime de responsabilidade.
01:53Eu tenho dito que talvez a maior crítica que eu poderia fazer a todo esse contexto, não somente às questões que envolvem os aspectos políticos, mas sobretudo técnicos e jurídicos, é que não há forma pior de regular o comportamento social do que a definição de regime de responsabilidade.
02:13O regime de responsabilidade tem uma visão muito mais reativa do que precavida, justamente porque faltam elementos objetivos para aquele que vai responder, ou seja, no caso das plataformas, definirem qual a melhor maneira de se comportar preventivamente.
02:30E aí acaba agindo de forma excessivamente cautelar e, no que diz respeito à remoção de conteúdo e manifestação do cidadão, da vontade, dos interesses, cultural, etc., isso pode repercutir em algum grau de cerceamento de liberdades que vão ser depuradas somente novamente no judiciário.
02:48Então, sim, de fato, é um momento bastante preocupante em termos de possíveis consequências futuras, mas vamos aguardar e ver o desdobramento disso, especialmente a resposta do judiciário.
03:00Até porque a decisão é temporal, ela é temporária, de fato, e o próprio Supremo deixou claro que essa decisão vai vigorar até que o Congresso se manifeste de forma adequada, impondo um novo regime de definição legislativa sobre o tema.
03:20Enquanto o Congresso não se pronuncia, as Big Techs, Fabrício, já estão reagindo duramente a essa decisão do Supremo.
03:29Eles falam, inclusive, em instabilidade jurídica, aumento de custos e até essa judicialização em massa que você acabou de comentar.
03:37Você acredita que essa crítica procede, de fato, ver algum risco efetivo reverso, menos liberdade, mais censura, tende até a tornar essas plataformas mais conservadoras na moderação?
03:52Eu diria que sim. Veja, de novo, a regulação do comportamento social, e aqui estamos falando aqui do comportamento não só do cidadão, mas também das empresas, das manifestações de atividades econômicas,
04:08que organizações realizam na sociedade, elas tendem a dimensionar riscos dessa atividade.
04:14O cidadão também. O cidadão não dirige sabendo que, se ele beber, tem uma blitz logo ali à frente. Por quê?
04:21Porque ele vai ser responsabilizado caso ele efetivamente seja flagrado conduzindo de forma contrária a um ordenamento jurídico.
04:30Da mesma forma, atividade econômica. Então, a empresa, ela define o seu comportamento a partir dessa dimensão de risco.
04:36Ela faz uma avaliação desse risco. Quando esse risco não consegue ser muito bem depurado, porque faltam elementos objetivos para determinar o seu comportamento,
04:45ela age de uma maneira a evitar o risco de indenizações, o risco de judicialização.
04:51Ela tenta evitar isso. E de que forma? Ela age de forma excessivamente cautelosa.
04:56Ela age preventivamente. Por isso é que a definição de regime de responsabilidade, ela tem um viés muito mais reativo.
05:04Ela tem um viés de procurar indenização, de procurar a compensação pela prática irregular ou ilícita que foi cometida.
05:12Ela não tem uma capacidade tão efetiva, em termos de comportamento social, de definir, de antever o resultado daquele comportamento.
05:20Até porque há uma série de elementos jurídicos que devem ser verificados.
05:24Primeiro, a constatação de uma prática ilegal. Depois, um nexo de causalidade.
05:28E aí sim, uma definição de compensação de indenização.
05:32Então sim, há um risco de voltarmos ao que já aconteceu no passado e que já foi até denominado pela doutrina como overblocking,
05:41que é uma prática de excessiva remoção de conteúdo, de bloqueio de manifestações, em razão justamente dessa prevenção.
05:50Então é um cenário bem diferente até mesmo, Soray, do que nós vimos em 2021, quando o governo Bolsonaro editou a medida provisória naquela ocasião,
05:59justamente para dificultar que as plataformas removessem conteúdo.
06:05Ali houve acusações de facilitação de disseminação de conteúdo falso, etc.
06:08Mas o fato é que são cenários bem distintos, mas que levam a uma conclusão de que sim, há uma necessidade de regular as plataformas,
06:17mas talvez o tom dessa regulação não tenha sido o ideal nesse momento.
06:22Fabrício, pergunta da Mônica Rosenberg.
06:26Bom dia, Fabrício. Um prazer falar com você.
06:28O que nós estamos entendendo é que haverá um sistema onde a denúncia, quando a plataforma recebe uma denúncia,
06:36ela então tem que retirar, porque ela não vai arriscar de ter recebido a denúncia e não ter feito nada,
06:42e a indenização que isso pode provocar.
06:45Será que isso não vai então levar a uma chuva de denúncias?
06:48Até com o desenvolvimento dos bots, é possível você varrer, mapear todas as páginas que têm postagens que a pessoa não concorda,
06:58e criar bots para fazer denúncias a respeito dessas postagens.
07:02Isso não vai, dessa forma, deturpar justamente a função da plataforma, que é dar voz para todo mundo?
07:12Mônica, excelente colocação, porque, na verdade, o que você já está nos antecipando
07:16é a provável manipulação da nova regra, que mal foi condicionada e já estamos enfrentando possíveis questionamentos.
07:26De fato, sim, há possibilidade de manipulação.
07:28A gente tem que lembrar que nós estamos num momento de tecnologia digital extremamente avançada.
07:32A inteligência artificial e a figura de agentes de inteligência artificial
07:36vai desafiar qualquer ordenamento jurídico que se coloque.
07:40Então, sim, há possibilidades, até porque a decisão do Supremo,
07:43ela não somente alterou o regime de responsabilidade,
07:46ela impôs também um dever de cuidado, um dever de monitoramento proativo,
07:51que é justamente o que você está colocando.
07:53Esse monitoramento proativo, haverá um esforço,
07:56até porque haverá consequências se ele não for feito, como você bem disse.
07:59Então, haverá um esforço para realizar esse monitoramento.
08:02Esse esforço será automatizado, como as plataformas já dizem que realizam,
08:06e tendem a ser cada vez mais automatizados,
08:08à medida que haja cada vez mais denúncias.
08:09Até porque o que se espera aí é o que você bem falou,
08:14uma manipulação social no sentido de, possivelmente, haver uma chuva,
08:19uma enxurrada de denúncias para tentar, de alguma forma,
08:22condicionar o comportamento dessas plataformas
08:24e testar a sua resiliência às novas regras que estão sendo impostas.
08:29Então, sim, há esse risco e é provável que ele aconteça.
08:32E no passado já tivemos esse cenário.
08:34Tanto é que o marco civil é fruto de um cenário socioeconômico
08:39em que havia, justamente, uma enxurrada de denúncias,
08:42de uma enxurrada de pressões em cima das plataformas
08:45para remoção de conteúdo.
08:47Fabrício, agora a pergunta do Acácio Miranda.
08:50Fabrício, bom dia.
08:52Aparentemente, as nossas autoridades ainda estão um pouco confusas
08:56no sentido de adotar determinado caminho.
08:59Existem algumas possibilidades e cada qual vai puxando para um lado.
09:05Existe, mundo afora, um sistema que possa ser levado em consideração,
09:10como exemplo, um sistema onde esta regulamentação
09:13ou até a falta de regulamentação das redes sociais
09:17acabou tendo um funcionamento ideal na prática?
09:23Bom, essa é uma pergunta de um milhão de dólares.
09:27Porque, justamente, nós temos uma dificuldade
09:30de encontrar parâmetros internacionais que sejam eficientes.
09:33A dificuldade, hoje, do mundo todo de conviver
09:37justamente com esse excesso de liberdade,
09:41e, na verdade, nada mais é do que a manifestação mais pura
09:43dos direitos de liberdade de expressão,
09:47é justamente encontrar um mecanismo de reação,
09:49um mecanismo de contenção de danos.
09:51Porque há abusos, claro, há atividades ilícitas que são cometidas,
09:55mas nós não conseguimos definir um modelo
09:57que impacte, sobretudo, nas consequências de restrição
10:01daquilo que liberou o modelo para o seu funcionamento.
10:04Então, temos esforços no mundo inteiro nesse sentido,
10:09que a gente chama, inclusive, de
10:10uma comunicação para mudança social e de comportamento.
10:14Então, nós temos programas de comunicação
10:15que são vistos como esforços nesse sentido.
10:19A Alemanha possui um sistema muito interessante nesse aspecto,
10:22mas não é nem de longe o que está sendo proposto agora pelo Supremo.
10:26E, de novo, a Alemanha possui uma história,
10:30é um berço cultural de um exercício democrático
10:33muito avançado, muito maduro,
10:35e lá já existem discussões justamente porque se quer privilegiar
10:39a liberdade em detrimento de tentativos de regulação.
10:43Então, esse mesmo sistema já está sendo revisto e sendo rediscutido,
10:46e assim a Europa de um modo geral.
10:48Então, não temos um sistema hoje paradigmático