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  • 30/05/2025
Moçambique... Angola... Guiné... As feridas de um país... As verdades escondidas da Guerra Colonial.
Transcrição
00:00:00As relações eram completamente normais, que eu saiba, não havia qualquer animosidade entre brancos e pretos, não havia nem entre brancos ou entre pretos.
00:00:17Era difícil ficar indiferente. Quando se via uma pessoa levar 100 palmatuadas nas mãos e quando as mãos rebentavam e sangravam, as rastas palmatuadas eram dadas na sala dos pés e as pessoas caíam de rastros para a cadeia. Esses tipos corporais existiram.
00:00:35Eu próprio os mandei aplicar.
00:00:37O símbolo da administração colonial nessa altura, aqui na Guiné, que eu falo que é a minha experiência, era palmatória. Não há que esconder, era palmatória.
00:00:46A sensibilidade das pessoas em relação aos castigos corporais há 50 anos não era a mesma de hoje.
00:00:51Havia administradores maus e havia outros que eram muito amados pelo povo.
00:00:57O português nunca respeitou o Nego.
00:01:00O governo de Salazar disse que nós todos somos portugueses. Agora, se somos portugueses, por que há diferença?
00:01:06Era necessário elevá-los, elevá-los, levantá-los da sua civilização, pouco civilizada, e levantá-los para fazerem parte de uma nação como era Portugal.
00:01:19Muito trabalho, muita porrada, muita comida e pouco dinheiro.
00:01:25É, vou estar a ouvir, sim senhor, acabou, vá, vá, vá, vá trabalhar.
00:01:30Ai, a empertada não acabou, ali, pumba, pumba, pumba, você morre, o senhor está a ver, é que fomos massacrados, maltratados.
00:01:37Apesar de tudo, o relacionamento humano era incomparável nos territórios portugueses, por exemplo, em relação à África do Sul.
00:01:45Havia também brancos bons, e eu lamento esses bons brancos terem sofrido por causa de outros.
00:01:51Apesar de tudo, o relacionamento humano era incomparável nos territórios portugueses, por exemplo, em relação à África do Sul.
00:02:21Milhares de soldados enviados da metrópole, ajudados por voluntários, começam a retirar o norte de Angola, à influência da UPA.
00:02:52Embora parcial, a colheita do café antecipa a reativação da economia, conseguida com as primeiras grandes ações militares.
00:02:58Partindo à reconquista de Nambuangongo, centro operacional da UPA, dois batalhões e um esquadrão realizam a Operação Vidiato.
00:03:05Militares portugueses e combatentes da UPA recordam o que se passou há mais de 40 anos, num encontro promovido pela RTP.
00:03:12Com outras operações que culminam com o assalto à Pedra Verde, as forças portuguesas reocupam todo o norte-angolano,
00:03:17o que permitiu o regresso de milhares de refugiados às suas populações.
00:03:21Apoiando a UPA e exigindo de Portugal a descolamização, os Estados Unidos acompanham de perto a evolução da guerra.
00:03:28Kennedy proíbe a Portugal a utilização de armas americanas, incluindo bombas de napalm que a Força Aérea Portuguesa lançava.
00:03:34Novos desafios para Salazar, numa batalha que, na verdade, já tinha começado há alguns anos antes.
00:03:50A efeméride não era das mais conhecidas no calendário oficial.
00:03:54Nem o aniversário correspondia a uma data redonda, o habitual para comemorações especiais.
00:03:58A homenagem era feminina e assinalava 31 anos de governo, contados a partir de 1928.
00:04:05O longínquo ano em que Salazar chegar ao poder, então como ministro das finanças,
00:04:10iniciando um consulado que, sendo já longo, as manifestantes querem que permaneça.
00:04:17A manifestação inundara as imiliações engalanadas da residência oficial de São Bento.
00:04:23Invadira mesmo os seus jardins privados.
00:04:25Os serviços do palácio substituíam as paredes graves das assembleias masculinas e cinzentas,
00:04:31conforme a época e os ritos do regime.
00:04:34Em vez disso, mulheres e flores, numa simbologia, sem inocência política.
00:04:40Deviam inverter-se as situações.
00:04:43E havia de ser eu a ofertar-vos as mais lindas flores,
00:04:48não tanto como recordação desta hora,
00:04:51mas em reconhecimento de quanto se deve, nesta cruzada nacional, à mulher portuguesa.
00:04:59As mães, as esposas, as irmãs, as filhas dos portugueses...
00:05:07Salazar parece falar para mães, mulheres e irmãs de futuros soldados
00:05:11na cruzada do Ultramar já iniciada há anos.
00:05:13Elas servem de apoio aos que são tentados a descreer
00:05:18e hesitam e se perturbam com dificuldades que vós não receais
00:05:24e nós estamos seguros de vencer.
00:05:28Salazar talvez mais seguro dos desafios que terá pela frente
00:05:31do que da vitória sobre eles.
00:05:33De facto, três décadas depois de instaurado,
00:05:36o Estado Novo começará a mostrar fissuras
00:05:37que se foram acentuando gradualmente e de que não mais recobraria.
00:05:43As nuvens foram-se acumulando no horizonte do regime
00:05:47quer no plano interno, quer no plano externo,
00:05:50com especial incidência no tema dos territórios ultramarinos.
00:05:54E a começar pelo chamado Estado da Índia,
00:05:57o quadro agravava-se em meados dos anos 50.
00:06:00Em Bandung, e após uma já longa luta contra o predomínio branco,
00:06:04consagra-se definitivamente a tendência
00:06:06que no pós-guerra visava o fim dos impérios coloniais.
00:06:08Liderados por Sokarno, Nehru e Nasser,
00:06:14os povos de cor da Ásia e da África
00:06:16revoltavam-se contra o poder do norte do mundo,
00:06:19exigindo liberdade e independência,
00:06:21respeito pelos direitos humanos consagrados na Carta das Nações Unidas.
00:06:27Contra estas aspirações,
00:06:29era difícil a Salazar descobrir grandes argumentos
00:06:32na anacrónica realidade das colónias,
00:06:34que ele, aliás, não quis conhecer diretamente.
00:06:37Nunca passará do aeroporto,
00:06:39onde apresenta cumprimentos aos presidentes,
00:06:41cujas visitas prefere patrocinar.
00:06:44Carveiro Lopes vai a Moçambique,
00:06:46pouco mais de um ano após a Conferência de Bandung.
00:06:49É presidente há cinco anos, desde 1951,
00:06:52quando, tentando iludir a pressão das Nações Unidas,
00:06:55Portugal passa a chamar províncias ultramarinas
00:06:57aos territórios que até aí designava por colónias.
00:07:00Esta palavra, tal como império,
00:07:04será excluída da linguagem oficial.
00:07:07Em Moçambique, o presidente falará de províncias e de ultramar.
00:07:13As novas palavras e algumas reformas
00:07:15não trazem mudanças que anulem as críticas
00:07:17ou beneficiem diretamente as populações.
00:07:20A ordem social continua a distinguir entre brancos e pretos
00:07:23e estes entre os indígenas e assimilados,
00:07:26conforme a lei do indigenato.
00:07:28Foi um documento feito com a melhor das intenções,
00:07:33mas que depois, naturalmente,
00:07:35se transformou numa verdadeira barreira
00:07:39à integração das populações.
00:07:42O número de assimilados por 1960
00:07:45era ridículo em relação à totalidade da população.
00:07:49Todo ano de vida que soubesse ler e escrever,
00:07:51fizesse o exame de gestão primária
00:07:53e tivesse uma vida
00:07:54que fugisse ao comum dos usos e costumes nativos,
00:08:00passava a ser considerado um assimilado.
00:08:06Era assimilado a branco.
00:08:07Havia aquela situação de que os assimilados
00:08:12deviam estar na zona dos brancos.
00:08:18Então, a minha mãe, quando me acompanha,
00:08:20de Búzio para a beira,
00:08:21entramos no barco,
00:08:23a minha mãe estava na zona dos indígenas
00:08:25e eu estava na zona dos assimilados.
00:08:29Mas eu fiquei muito chocada.
00:08:32Era preciso saber falar bem português,
00:08:38era preciso não falar as línguas nativas,
00:08:42como diziam a língua dos pretos,
00:08:44que era a língua de cão.
00:08:45Na Guiné, na altura,
00:08:48havia dificuldades enormes,
00:08:51havia até separação de classes sociais,
00:08:54havia grupos considerados por civilizados
00:08:56e outros considerados indígenas.
00:08:57Havia caderneta do indígena,
00:09:00peça de bilhete de identidade.
00:09:02E há bilhete de identidade.
00:09:03Eu tenho uma na era colonial de três folhas,
00:09:06mas para conseguir aquilo,
00:09:08um amigo tinha que ter quarta classe.
00:09:10Além da quarta classe,
00:09:11querem saber mesmo na administração
00:09:13como é que a pessoa vive.
00:09:14O assimilado, portanto,
00:09:18era o elemento mais aproximado aos brancos.
00:09:26Podia conversar com eles,
00:09:32podia, quando for necessário,
00:09:35mesmo ser admitido a uma mesa,
00:09:38se há um convívio qualquer.
00:09:43Ser assimilado dependia do governador do distrito
00:09:46e de um conjunto de requisitos,
00:09:49do âmbito escolar ao social.
00:09:51Julgando-se nas condições necessárias,
00:09:53o africano sujeitava-se então
00:09:54a um processo burocrático,
00:09:56em que pedia para ser assimilado,
00:09:58declarando, já não praticar,
00:09:59os usos e costumes indígenas.
00:10:01Aqui, Lourenço Marques,
00:10:03para ter este documento,
00:10:05tinha que ter quatro testemunhas.
00:10:07O meu avô arranjou quatro testemunhas
00:10:09e cada testemunha tinha que ser pago 20 escudos
00:10:12para poder ter.
00:10:15E com este documento já,
00:10:17bilhete de identidade assimilada,
00:10:19já podia fazer exame da quarta classe.
00:10:23A partir da quarta classe,
00:10:25desse documento,
00:10:26eu já sou assimilada.
00:10:27quer dizer, eu já sou branca já,
00:10:29já posso estar já no lado dos brancos.
00:10:33Então, já não posso estar com as indígenas.
00:10:35Havia uns moçambicanos
00:10:36que tinham cultivado a assimilação.
00:10:40Se faziam assimilados,
00:10:41quer dizer, quando viam os outros,
00:10:43viam que os outros eram de classe inferior.
00:10:48Esse não foi assimilado,
00:10:49portanto, não é igual a mim.
00:10:54This is Portugal,
00:10:55not Portugal in Europe,
00:10:57but Portugal in Africa,
00:10:59the overseas province,
00:11:00as the Portuguese call it,
00:11:02of Mozambique.
00:11:04And these people are Portuguese,
00:11:06members of the multiracial society,
00:11:08upon which Portugal says
00:11:10her African policy is based.
00:11:11O caráter multiracial das colônias portuguesas,
00:11:15tal como era apresentado pelo governo,
00:11:17surgia sempre sublinhado
00:11:18em reportagens estrangeiras,
00:11:20onde a imagem de convívio racial
00:11:22era invariavelmente afirmada
00:11:24por oposição ao apartheid,
00:11:26em vigor na África do Sul.
00:11:27And nowhere in South Africa
00:11:30could you see a cabaret act like this.
00:11:33The girl is, in fact, a South Africa.
00:11:39No color bar may be,
00:11:41but is there equality of opportunity
00:11:43for white and black?
00:11:44The opposition in Mozambique
00:11:45says there isn't.
00:11:46Eram os dois,
00:11:47era eu e uma portuguesa.
00:11:49Ela ganhava o dobro do meu salário,
00:11:53mas ela não tinha nem sequer a quarta classe.
00:11:56Mas ou eu já estava no segundo ano
00:11:58do segundo preparatório,
00:11:59mas eu era mais habilitado,
00:12:01mas infelizmente ganhava menos.
00:12:02Uns eram chamados enfermeiros
00:12:04do quadro europeu,
00:12:05e o outro eram enfermeiros
00:12:06do quadro indígena.
00:12:08Mesmo os mestiços que gozavam
00:12:09da nacionalidade portuguesa,
00:12:11da cidadania portuguesa.
00:12:13passavam para o quadro indígena,
00:12:15onde ganhavam um terço ou um quarto
00:12:17do que ganhava o enfermeiro
00:12:19do quadro europeu.
00:12:21De modo que eu, então,
00:12:22eu perguntei ao Brito,
00:12:24como é que eu, com mais instrução,
00:12:27ganho menos?
00:12:29Ele falou, qual é a sua dúvida?
00:12:32Você é preto.
00:12:33Eu disse, não, mas eu sou português,
00:12:34como é que...
00:12:36Então, não está dito aqui,
00:12:37identidade, cidadão português,
00:12:39como é que é?
00:12:40Ele disse, não, isso...
00:12:41Isso está escrito,
00:12:43mas tu tens dúvida que é preto?
00:12:46Eu disse, não, não tenho dúvida.
00:12:47Então, pronto, é isso.
00:12:48Ela é branca, tem que ganhar mais.
00:12:49Havia separação.
00:12:52A separação natural
00:12:54e sem brutalidade.
00:12:57É claro, mas havia.
00:13:00E, como de costume,
00:13:02sem paternalismos nem nada,
00:13:04tínhamos amigos de cor.
00:13:06Lá em Moçambique,
00:13:09não havia, como é em Angola,
00:13:12só brancos e pretos
00:13:14e mulatos.
00:13:16Em Moçambique havia uma força
00:13:17muito grande,
00:13:18que era, a parte dos indianos,
00:13:20tratados por monhés,
00:13:22e que era uma força,
00:13:23uma força económica de Moçambique.
00:13:26E que faziam um bocado de vida à parte.
00:13:28Até de iniciativa deles.
00:13:30Mesmo os mestiços,
00:13:31em alguns locais,
00:13:33fundamentalmente na beira,
00:13:34isso aconteceu comigo,
00:13:36não poder cortar cabelo
00:13:37num salão chamado Salão Chique,
00:13:39que não era nada de especial.
00:13:40Mas era salão de cor de cabelo
00:13:42reservado aos brancos.
00:13:44Lugares em que não nos deixavam entrar,
00:13:45por exemplo, o Hotel Polana.
00:13:47Houve lugares onde eu fui expulso.
00:13:49Mas do Hotel Polana
00:13:50eu nunca fui expulso
00:13:51por uma razão muito simples.
00:13:52Nunca usei lá entrar.
00:13:53Quando inauguraram o grande hotel,
00:13:56tinha lá uma piscina do grande hotel,
00:13:57era só para brancos.
00:13:58Isso na beira.
00:14:00A beira foi ponto fundamental do racismo.
00:14:02Em contrapartida,
00:14:04Zambésia e Tete,
00:14:07já não havia tanto racismo.
00:14:10A cidade da beira
00:14:11mantinha bastante contacto com o exterior.
00:14:14Sobretudo devido às suas praias,
00:14:16no início dos anos 60,
00:14:18recebia cerca de 50 mil turistas por ano.
00:14:21Era idêntico, então,
00:14:22o número de habitantes da cidade,
00:14:23que era a segunda de Moçambique,
00:14:25pelo seu desenvolvimento.
00:14:27Se aqui a incidência do racismo
00:14:28era atribuída à herança
00:14:29da presença inglesa,
00:14:30noutros lugares era resultado
00:14:32do próprio sistema.
00:14:34Se excluirmos imagens
00:14:36deliberadamente criadas
00:14:37para ilustrar a política multirracial,
00:14:40mesmo os assimilados
00:14:41portadores, portanto,
00:14:42da cidadania portuguesa,
00:14:43raramente acediam
00:14:44aos meios frequentados
00:14:46por quem se movia
00:14:47nos círculos do poder.
00:14:49Fosse político ou económico,
00:14:51e isto em qualquer dos territórios.
00:14:54Mais ou menos integrados
00:14:55na sociedade média branca,
00:14:56dominando mais ou menos
00:14:57aculturados aos hábitos europeus,
00:15:00os chamados civilizados
00:15:02eram muito poucos.
00:15:03Em Angola,
00:15:04no final de 1958,
00:15:06os assimilados eram
00:15:07menos de 60 mil
00:15:08para uma população superior
00:15:10a 4 milhões de pessoas.
00:15:12Em Moçambique e na Guiné,
00:15:14as percentagens
00:15:14eram ainda mais baixas.
00:15:19Fosse por incapacidade
00:15:20ou desinteresse
00:15:21na elevação pela escolaridade
00:15:22dos africanos,
00:15:24a orientação colonial
00:15:25permitiu apenas
00:15:25a formação de um pequeno número
00:15:27que recebeu
00:15:28a cidadania portuguesa
00:15:29e assim pôde ascender
00:15:31na escala social.
00:15:33Professores,
00:15:33enfermeiros,
00:15:34funcionários,
00:15:35profissões existentes
00:15:36sobretudo em áreas urbanas,
00:15:38a começar por Luanda,
00:15:40cuja organização
00:15:41refletia
00:15:41a arquitetura social vigente.
00:15:44Havia, quer dizer,
00:15:45um certo grau
00:15:47de separatismo,
00:15:48não tão evidente
00:15:50nem profundo
00:15:50como o da África do Sul,
00:15:52mas havia realmente
00:15:54zonas distintas
00:15:55aqui a nível da cidade.
00:15:57No centro,
00:15:58a vila
00:15:58onde havia
00:15:59a preponderância
00:16:00dos brancos,
00:16:01dos agricultores,
00:16:01dos fazendeiros,
00:16:02dos donos das lojas,
00:16:04onde muito a custo
00:16:06se integravam
00:16:07alguns mestiços.
00:16:09Na parte sul
00:16:10da vila,
00:16:13um bairro
00:16:13quase que exclusivamente
00:16:15de negros,
00:16:17absolutamente negros.
00:16:18Há para baixo,
00:16:19em direção a Luanda,
00:16:20outro bairro,
00:16:21o Moussafo,
00:16:22que era essencialmente
00:16:24um bairro crioulo,
00:16:25onde 90%
00:16:27dos habitantes
00:16:29eram mestiços.
00:16:30Havia a Baixa,
00:16:31onde,
00:16:33por excelência,
00:16:33viviam os europeus.
00:16:36Havia a parte alta
00:16:38da cidade,
00:16:38onde europeus,
00:16:40mas também já
00:16:42alguns angolanos,
00:16:43mas na sua maioria
00:16:44assimilados,
00:16:45assimilados,
00:16:46funcionários,
00:16:47a função pública,
00:16:49e a maior parte
00:16:51dos africanos,
00:16:53angolanos,
00:16:54viviam precisamente
00:16:54nos moceques,
00:16:56nas ondas periféricas
00:16:57aqui da cidade.
00:16:57São Luanda,
00:17:05a capital de Angola,
00:17:06Portugal's largest
00:17:07african province,
00:17:09a languid,
00:17:10lazy Sunday
00:17:10under a hot sun.
00:17:13Since they first
00:17:13landed here,
00:17:14in 1482,
00:17:16the Portuguese
00:17:16have mixed freely
00:17:17with the Africans.
00:17:19These Sunday scenes,
00:17:20rare in Africa,
00:17:22represent the essence
00:17:23of Portuguese policy here,
00:17:25the development
00:17:25of a genuine
00:17:26multiracial society.
00:17:28Eu tive sempre
00:17:28minha identidade
00:17:29de cidadã portuguesa.
00:17:32Nasci no bairro
00:17:33de Zingombotes
00:17:34e plena cidade
00:17:35de Luanda,
00:17:36mas nós éramos
00:17:37os únicos negros
00:17:38naquele bairro.
00:17:40Eu nunca tive problemas
00:17:41lá.
00:17:42Mas cada vez
00:17:43que eu saía do bairro
00:17:44e andava
00:17:45a outros bairros,
00:17:47eu já era macaca,
00:17:49porque ali toda a gente
00:17:49sabia que era Amélia,
00:17:51mas ali já era macaca.
00:17:51As divisões várias
00:17:53dos africanos
00:17:54que viviam na baixa,
00:17:56portanto,
00:17:57na cidade mesmo,
00:18:00era bastante considerada,
00:18:01as famílias,
00:18:02na verdade,
00:18:03que viviam aí,
00:18:05e depois é empurrada
00:18:06para os moceques.
00:18:07Quer dizer,
00:18:07aí houve uma estratégia
00:18:08do colono
00:18:09de nos empurrarem
00:18:10a todos
00:18:11para a tal zona
00:18:12periférica
00:18:12e daí sermos controlados.
00:18:14Nós,
00:18:14mestiços,
00:18:15além de sermos mestiços,
00:18:16portanto,
00:18:16filhos,
00:18:17família,
00:18:18portugueses,
00:18:19éramos assimilados,
00:18:20portanto,
00:18:20em relação a nós.
00:18:21Praticamente não havia
00:18:22discriminação.
00:18:25Para Angola,
00:18:26nomeada por um rei africano,
00:18:28os portugueses
00:18:29têm comprado
00:18:29seu padrão,
00:18:31como eles chamam,
00:18:31sua missão cristiana,
00:18:32civilizadora,
00:18:33para criar
00:18:34uma sociedade multiracial.
00:18:36De todos os colonizadores europeus,
00:18:38os portugueses
00:18:38têm sido o menos
00:18:39sensível ao color.
00:18:40Eles têm um dizer,
00:18:42Deus criou
00:18:42o negro e o branco,
00:18:43os portugueses
00:18:44criaram o muleta.
00:18:46Mas,
00:18:46embora não há
00:18:47discriminação
00:18:47ou social
00:18:48entre africano
00:18:49e europeia,
00:18:50a multiracial
00:18:51sociedade
00:18:52é longe
00:18:52de ser realizada.
00:18:57Havia o sistema
00:18:59que os portugues
00:18:59haviam establido,
00:19:01que era o sistema
00:19:02de discriminação,
00:19:03onde havia
00:19:04os blancos,
00:19:07os portugues,
00:19:09e os métis,
00:19:11os capverdiens,
00:19:12e, depois,
00:19:13os indígenas.
00:19:14A grande hipocrisia
00:19:15da época
00:19:16que era
00:19:16que Portugal
00:19:17tinha feito
00:19:18um colonialismo,
00:19:19uma colonização
00:19:20diferente
00:19:21das outras potências,
00:19:23que não havia
00:19:24racismo
00:19:24em território
00:19:25português,
00:19:27a prova
00:19:27é que havia
00:19:28negros,
00:19:28brancos,
00:19:29mestiços,
00:19:29vivendo harmonicamente,
00:19:31mas o que é certo
00:19:31é que
00:19:32o papel social,
00:19:35o lugar
00:19:36de cada um,
00:19:38era determinado
00:19:38pela sua pele.
00:19:39a pele
00:19:40funcionava
00:19:41como um uniforme
00:19:43e, portanto,
00:19:45cada um sabia
00:19:45até onde podia ir.
00:19:48Nos filmes
00:19:49da propaganda,
00:19:50Portugal reagia
00:19:50à pressão internacional,
00:19:52mostrando
00:19:52uma imagem
00:19:53das colónias
00:19:54bem mais colorida.
00:19:58Os africanos
00:20:00surgiam
00:20:00abundantemente
00:20:01representados
00:20:02nos mais diversos
00:20:02escalões sociais
00:20:03e profissionais,
00:20:05patenteando
00:20:05elevados níveis
00:20:06de formação
00:20:06académica
00:20:07e técnica
00:20:07que não existiam
00:20:09de facto.
00:20:09também
00:20:11o verdadeiro
00:20:11grau
00:20:11de integração
00:20:12racial
00:20:12estava longe
00:20:13de corresponder
00:20:14ao que as imagens
00:20:15sugeriam
00:20:15e, por vezes,
00:20:17através de verdadeiros
00:20:18quadros simbólicos.
00:20:31Porventura
00:20:32mais eficazes
00:20:33do que caricaturas
00:20:34sobre a igualdade racial
00:20:35eram alguns exemplos
00:20:36de integração cultural.
00:20:39O modelo de assimilação
00:20:50portuguesa
00:20:51aparecia na obra
00:20:51de um sociólogo
00:20:52brasileiro
00:20:53criador do
00:20:54lusotropicalismo.
00:20:55Gilberto Freire
00:20:56falava de uma civilização
00:20:57resultante
00:20:58da integração
00:20:59de povos
00:20:59diferentes dos europeus
00:21:00em que os portugueses
00:21:02se distinguiam
00:21:02de outros colonizadores.
00:21:03o inglês punha-se distante.
00:21:06O senhor pode me...
00:21:07Está a falar com o criado dele.
00:21:09O senhor pode me...
00:21:10Faz favor
00:21:10trazer-me um copo de água.
00:21:12O senhor...
00:21:13Se faz favor
00:21:14é fio, please.
00:21:16Não sei o quê.
00:21:17O português não dizia...
00:21:18Não dizia fio, please.
00:21:20Oh, preto, traz-me...
00:21:21O patrão quer aqui água
00:21:23para isto.
00:21:24Oh, preto, traz-me...
00:21:25Faziam isso.
00:21:26Aquele nível.
00:21:28Mas, olha,
00:21:29essa troca
00:21:30de tratamento...
00:21:34Isso é mesmo curioso.
00:21:35Eu sou português
00:21:35que é que pode fazer isso.
00:21:37Essa troca de tratamento
00:21:38mesmo se criou amizade.
00:21:41Não é?
00:21:41Ele sabia...
00:21:42O patrão
00:21:42chama-me aqueles nomes,
00:21:44mas também
00:21:45quando eu tenho problemas
00:21:47ele resolve todos.
00:21:48E estava contente.
00:21:50Os portugueses
00:21:50não eram racistas
00:21:52como se verificava
00:21:54na África do Sul.
00:21:55Não sei o quê.
00:21:56E também não tinham estranho
00:21:58como faziam os ingleses.
00:22:00Eles, etc.
00:22:01Eram mesmo humanos.
00:22:03É claro que havia alguns,
00:22:04não é?
00:22:04Mas são poucos.
00:22:06Mas o resto, não.
00:22:07No termo da luta,
00:22:07dizíamos,
00:22:08a relação entre cavalo e cavaleiro.
00:22:10Há homens que gostam
00:22:12do seu cavalo.
00:22:13Gostam de andar a cavalo.
00:22:15Estão sempre...
00:22:16Gostam e tratam
00:22:17e não se...
00:22:17Mas o cavalo fica embaixo
00:22:19e o patrão senta em cima.
00:22:21Há?
00:22:22É isso que...
00:22:23É isso que as pessoas dizem.
00:22:25Ah, após,
00:22:25nós não queremos
00:22:26essa relação
00:22:27de cavalo e cavaleiro.
00:22:28O negro tinha medo do branco.
00:22:30Algumas vezes
00:22:31considerava-se
00:22:33entrar no branco
00:22:35em Deus.
00:22:37Quer dizer,
00:22:37por...
00:22:38Outras razões.
00:22:41Deus, porque...
00:22:43Ele tinha carro, por exemplo.
00:22:45fabricava uma bicicleta
00:22:50e que o negro
00:22:51naquela altura
00:22:52não tinha
00:22:52esse poder
00:22:54nem essa capacidade.
00:22:56Havia um sentimento
00:22:57realmente muito forte
00:22:58de temor,
00:22:59de respeito,
00:23:00respeito temeroso
00:23:02para com...
00:23:03não havia...
00:23:04Não havia realmente
00:23:06aquela aproximação
00:23:10que se pensaria.
00:23:12Claro que no meio disto
00:23:14há exceções.
00:23:15Havia aquelas famílias brancas
00:23:18que tratavam os seus criados negros
00:23:20porque toda a gente
00:23:21não havia criadas brancas,
00:23:23nem criados brancos,
00:23:24era tudo negro.
00:23:25E havia...
00:23:26E tratavam-nos bem,
00:23:27com carinho,
00:23:29com amizade.
00:23:30Até havia
00:23:32brancos
00:23:34que
00:23:35mal sabiam escrever.
00:23:39Mas, por ser
00:23:40branco,
00:23:43então,
00:23:44tinha mais uma
00:23:46consideração
00:23:47muito superior
00:23:48a um negro,
00:23:51embora este negro
00:23:52tivesse
00:23:52preparação académica.
00:23:54as senhoras
00:23:55marias
00:23:56tornavam-se
00:23:58todas as senhoras
00:23:58donas marias
00:23:59quando atravessavam
00:24:00o Equador.
00:24:02Era o que diziam elas.
00:24:03Depois,
00:24:04quanto mais baixo
00:24:05era o
00:24:05o estrato social,
00:24:07mais...
00:24:08Aquilo de ter
00:24:09três,
00:24:10quatro criados,
00:24:11pessoas que toda a vida
00:24:13tinham servido,
00:24:14de repente,
00:24:14viam-se armadas
00:24:15em patrões.
00:24:16O relacionamento
00:24:17que havia
00:24:18naquela altura
00:24:20era do
00:24:20do patrão
00:24:22e do
00:24:24empregado.
00:24:27Então,
00:24:27não havia
00:24:27aquele relacionamento,
00:24:30por exemplo,
00:24:30de uma amizade
00:24:32profunda,
00:24:34uma amizade
00:24:35assim,
00:24:35de carinho.
00:24:36Nunca houve
00:24:37o convívio,
00:24:38convívio não.
00:24:38Eles eram
00:24:38criados e nós
00:24:39éramos
00:24:40patrões,
00:24:41éramos senhores.
00:24:42Isso nunca houve,
00:24:43ninguém pode dizer
00:24:44que houve,
00:24:44mesmo no
00:24:45parque final,
00:24:46quando nós
00:24:46saímos lá em 74,
00:24:47não havia.
00:24:47Os negros
00:25:15que iam até
00:25:17ir à terceira classe
00:25:18e tal,
00:25:18eram nas missões,
00:25:20nas missões
00:25:21é que
00:25:22aprendiam a ler
00:25:23e tal,
00:25:24nas escolas,
00:25:25nas escolas oficiais,
00:25:26nas escolas primárias
00:25:27do Estado,
00:25:29não havia.
00:25:29Não havia escola
00:25:30para moçambicanos,
00:25:35no tempo que
00:25:35o Nielo podia
00:25:36contar escolas,
00:25:37por exemplo,
00:25:38aqui no sul,
00:25:38mais ou menos,
00:25:39mas no norte
00:25:40era muito difícil.
00:25:42A escola que havia
00:25:43no norte
00:25:44nas missões,
00:25:45os padres,
00:25:46nas missões.
00:25:48Não se abriam
00:25:48escolas,
00:25:49não se criavam
00:25:50escolas,
00:25:51sem que houvesse
00:25:52uma população
00:25:52infantil branca
00:25:53que o justificasse.
00:25:56A escola era
00:25:57para os brancos,
00:25:58os negros,
00:25:58em princípio,
00:25:59iam para as missões
00:26:00católicas,
00:26:01de preferência,
00:26:02e fora disso,
00:26:03para as missões
00:26:04protestantes.
00:26:05Criança,
00:26:06e como cidade
00:26:07indígena,
00:26:08o único acesso
00:26:09à escola
00:26:09era através
00:26:10da escola da igreja,
00:26:11não podia frequentar
00:26:12as escolas oficiais,
00:26:13porque para se
00:26:14a escola oficial
00:26:15tinha que ser
00:26:16civilizado,
00:26:18entre aspas,
00:26:19não é?
00:26:20E para ser civilizado
00:26:22era preciso
00:26:22ter a quarta classe.
00:26:24Os indígenas
00:26:25só podiam frequentar
00:26:26escolas missionárias,
00:26:28e os não indígenas,
00:26:30ou seja,
00:26:31cidadãos,
00:26:32poderiam frequentar,
00:26:33cidadãos ou estrangeiros,
00:26:35mas não indígenas,
00:26:37poderiam frequentar
00:26:37escolas oficiais.
00:26:39Excepcionalmente,
00:26:40podia ser admitido
00:26:41um ou outro indivíduo,
00:26:45vamos lá,
00:26:47filho de um pai
00:26:48que já tivesse sido,
00:26:50sem ser assimilado,
00:26:51já atingisse
00:26:52determinado nível.
00:26:54Mas os filhos
00:26:54dos assimilados,
00:26:55mesmo que fossem pretos,
00:26:56esses tinham direito de ir,
00:26:57porque estavam inscritos
00:26:58no registro civil.
00:27:00A vida social
00:27:01dividia-se em duas partes,
00:27:02entre os indígenas
00:27:03que tinham
00:27:03caderneta indígena
00:27:04e os assimilados,
00:27:05ou coisa que tinham
00:27:06bilhete de identidade.
00:27:07A divisão começava
00:27:09no ensino,
00:27:10na educação diferenciada
00:27:11a partir da infância,
00:27:13e tendia a perpetuar
00:27:14dois mundos.
00:27:16Por debaixo da imagem
00:27:17de harmonia racial,
00:27:19aparecia o atraso
00:27:19em que vivia
00:27:20a generalidade dos negros.
00:27:22Pobres e analfabetos
00:27:23não eram considerados
00:27:24cidadãos portugueses,
00:27:25pelo que não tinham
00:27:26quaisquer direitos.
00:27:27Os indígenas
00:27:29estavam fora do...
00:27:30Não podiam ter advogado,
00:27:32só que uma autorização especial,
00:27:33que era muito complicado.
00:27:35E eles eram julgados
00:27:36nas regidorias
00:27:38e nos tribunais próprios,
00:27:39nas administrações.
00:27:41A vida dos indígenas
00:27:42dependia totalmente
00:27:43de patrões e autoridades,
00:27:45que os identificavam
00:27:46por cadernetas próprias.
00:27:47Qualquer trabalhador indígena
00:27:51que vem do Mosec
00:27:52para a cidade branca,
00:27:55quando regressa,
00:27:55tem que levar um cartão.
00:27:57Esse cartão tem
00:27:58uns 30 dias do mês
00:27:59e, então, em cada dia,
00:28:01tem que levar a assinatura
00:28:02do patrão,
00:28:02a dizer que ele foi trabalhar.
00:28:03Se por qualquer motivo
00:28:04ele não tiver aquela assinatura,
00:28:07for apanhado
00:28:08na rua por um polícia,
00:28:09podia ficar preso
00:28:11dias consecutivos
00:28:12até, por exemplo,
00:28:13os patrões reclamarem.
00:28:14Eles andavam na rua
00:28:16até às nove da noite.
00:28:18Das nove da noite em diante
00:28:19não podiam andar,
00:28:20a não ser que tivessem
00:28:21um bilhete
00:28:23do patrão a dizer
00:28:26ele vai para casa
00:28:27a esta hora
00:28:28porque teve em serviço.
00:28:29Porque, senão,
00:28:30podiam ser apanhados
00:28:31pelos chipais polícias,
00:28:34eram levados
00:28:35para a administração
00:28:37e depois
00:28:38iam para o trabalho esforçados.
00:28:41Quantas vezes
00:28:42já esteve nessa situação
00:28:44de ser apanhado à noite
00:28:45ou apanhava 24
00:28:49promotoadas
00:28:50ou apanhava 60
00:28:51ou apanhava,
00:28:53será, 48, etc.
00:28:54Estava estabelecido
00:28:55que eles mandavam-se
00:28:56comprar uma caderneta
00:28:58e o patrão,
00:28:59a entidade patronal,
00:29:01é com isso que havia
00:29:02que lhe dava
00:29:03uma caderneta,
00:29:04digamos assim,
00:29:05um estatuto.
00:29:06Os nomes das pessoas
00:29:07eram,
00:29:07os negros,
00:29:08eram normalmente
00:29:09dados pelos patrões.
00:29:11o patrão
00:29:13admitia um empregado
00:29:16ou um empregado
00:29:17para casa
00:29:18e como é que te chamas?
00:29:19O gajo lá dizia
00:29:20um nome africano
00:29:21e dizia,
00:29:21não, agora vais te chamar
00:29:22André
00:29:23ou Joaquim
00:29:25ou qualquer coisa
00:29:26no livro
00:29:26ou às vezes
00:29:27coisas esquisitas.
00:29:28O patrão,
00:29:29o comerciante,
00:29:30os brancos em geral
00:29:31eram em si mesmos
00:29:33o poder.
00:29:33No entanto,
00:29:34em Angola e Moçambique
00:29:35o relacionamento
00:29:36entre brancos e negros
00:29:37apresentava características
00:29:38próprias
00:29:39de cada uma
00:29:40das colonizações
00:29:41e também influências
00:29:42de países vizinhos
00:29:43como, por exemplo,
00:29:44a África do Sul.
00:29:46O racismo
00:29:47houve até certo ponto
00:29:48em Moçambique.
00:29:50Foi-se desvanecendo
00:29:50pouco a pouco.
00:29:52Agora,
00:29:53se o senhor me disser
00:29:54ah, mas,
00:29:55por exemplo,
00:29:56não era qualquer preto
00:29:57que entrava num café.
00:29:58É um facto.
00:30:00Entrava no café
00:30:00se fosse bem vestido
00:30:01como aqui.
00:30:02Ainda nessa altura,
00:30:04em 60, 61,
00:30:07era muito restrita,
00:30:10por exemplo,
00:30:11o frequentar
00:30:13os cinemas,
00:30:17o ir a restaurantes
00:30:20e mesmo ainda
00:30:23o andar nos passeios
00:30:25ainda era um bocado pesado
00:30:28para os indígenas.
00:30:31nos autocarros,
00:30:32por exemplo,
00:30:32de 40 lugares,
00:30:34os negros
00:30:34só podiam sentar-se
00:30:36no banco do fundo
00:30:37que tinha só
00:30:38cinco lugares,
00:30:39um banco corrido,
00:30:40de cinco lugares
00:30:41só ia que os negros
00:30:42podiam sentar.
00:30:43O macho-bomba
00:30:43estava dividido
00:30:44em duas partes.
00:30:46O lado
00:30:46de indígenas
00:30:47que pode entrar lá
00:30:49sem sapato,
00:30:50sem chinelo,
00:30:50não há problemas.
00:30:51É zona de indígenas.
00:30:53Os dois terços
00:30:53da frente
00:30:54eram de branco
00:30:55que se entrasse
00:30:56um negro
00:30:57e se foi taça
00:30:59para aquilo,
00:31:00o piquem
00:31:00dizia logo
00:31:01piste,
00:31:02lá para o teu lugar.
00:31:04Eu assistia tudo isto.
00:31:06Isto é um aparteide.
00:31:07Inclusivamente
00:31:09no cinema,
00:31:12nós quando íamos
00:31:13havia
00:31:14uma separação,
00:31:16uma barreira
00:31:16que era geral
00:31:17onde a escumalha
00:31:19ficava.
00:31:20Portanto,
00:31:20nas cadeiras
00:31:21só quem tinha
00:31:22hipótese
00:31:23de estar
00:31:24eram,
00:31:25portanto,
00:31:26os endinheirados.
00:31:28Por exemplo,
00:31:29mulheres
00:31:29que não andassem
00:31:30de vestidos,
00:31:32se tentassem
00:31:33vestir panos
00:31:34não podiam entrar
00:31:35nos autocarros
00:31:36da Câmara Municipal.
00:31:40Não se podia,
00:31:41andava-se,
00:31:43por exemplo,
00:31:43aqui em Luanda
00:31:44foi notório.
00:31:46Algumas destas
00:31:47discriminações
00:31:48eram na época
00:31:49comuns
00:31:49a outros países,
00:31:50incluindo os estados
00:31:51norte-americanos,
00:31:52onde os negros
00:31:53eram igualmente
00:31:54segregados
00:31:54nos autocarros públicos
00:31:55e pareciam até suaves
00:31:57quando comparadas
00:31:58com a violência
00:31:59que frequentemente
00:32:00simbolizou
00:32:00o exercício
00:32:01da autoridade
00:32:02junto das populações
00:32:03africanas.
00:32:06para portugueses
00:32:09e os macacos
00:32:10não fazem favora.
00:32:12E aí,
00:32:12olha,
00:32:13filha puta,
00:32:14macaco,
00:32:14ele me da boca.
00:32:16Para portugueses
00:32:16e os macacos.
00:32:17Olha,
00:32:17talvez este aqui
00:32:18está movendo,
00:32:19e este aqui não,
00:32:20este é a bromatória
00:32:21que fez isto.
00:32:22Olha o dedo.
00:32:25350 bromatórias.
00:32:27Se você não acabar
00:32:29esses 160 metros
00:32:31de comprimento,
00:32:33então, louco,
00:32:33você conta bromatória.
00:32:34você começa
00:32:37desde,
00:32:38louco também
00:32:38às 6 horas
00:32:39de recatada,
00:32:40até 18 horas
00:32:41de recatada
00:32:42nas mãos.
00:32:42Talvez
00:32:43houvesse
00:32:45um castigo
00:32:47ou outro
00:32:50corporal,
00:32:52não digo não,
00:32:53é claro que
00:32:54oficialmente
00:32:54eu desconhecia
00:32:55todos esses assuntos,
00:32:57quer oficialmente,
00:32:57quer particularmente,
00:32:59nenhuma dessas autoridades
00:33:01falava comigo
00:33:02acerca disso.
00:33:04Eu não vi orientações
00:33:05escritas,
00:33:05mas nós sabemos
00:33:06que na prática
00:33:07era o que vigorava.
00:33:11A autoridade administrativa
00:33:12fazia uso
00:33:13da forma,
00:33:14isso dependendo,
00:33:15muito importante,
00:33:16da sensibilidade
00:33:17de cada um.
00:33:18não é.
00:33:18No vilaço
00:33:19depois do vilaço,
00:33:21eles nos disseram
00:33:21de batalhas
00:33:22nas mãos
00:33:22da polícia local
00:33:23e do administrador
00:33:24português,
00:33:25o chefe do posto.
00:33:29Eles nos mostraram
00:33:30o que a troncha
00:33:31tinha feito
00:33:31e a palmatória,
00:33:36que pareceu
00:33:38um símbolo
00:33:39da regra de português.
00:33:40do que a troncha
00:33:41do que a troncha
00:33:42do que a troncha
00:33:43é um símbolo.
00:33:43Eu fui sempre
00:33:44a ver-se
00:33:44ao uso
00:33:46da palmatória,
00:33:48recorri o menos
00:33:48possível,
00:33:50mas havia aquelas
00:33:50questões,
00:33:51eu posso citar,
00:33:52a justiça de gado.
00:33:56A justiça de gado
00:33:57entre os balantes,
00:33:58enquanto
00:33:59o queixado
00:34:02não apanhasse o balante,
00:34:04dificilmente
00:34:04abria a boca
00:34:05para dizer
00:34:05sim senhor,
00:34:06sou eu o ladrão.
00:34:07O indivíduo
00:34:08rouba
00:34:09um burgo,
00:34:11leva uma advertência,
00:34:12daí uma temporada
00:34:12rouba o outro.
00:34:14E o administrador
00:34:14chamava e dizia
00:34:15talvez tu agora
00:34:16és gatuno
00:34:16e dizia
00:34:17paga aí
00:34:18seis palmatuadas
00:34:19em cada mão.
00:34:20Ficava o castigo dado.
00:34:21Eu nunca mandei
00:34:22dar palmatuadas
00:34:23e havia colegas meus
00:34:24que serviam
00:34:25da palmatória.
00:34:27Como lhe disse,
00:34:28o meu castigo
00:34:28era duas bafotadas
00:34:29e dois pontapés
00:34:30no rado,
00:34:32diziam,
00:34:33e estava tudo certo.
00:34:34Não podia mandar
00:34:35pegar uma folha de papel
00:34:36de 25 linhas,
00:34:37lavrar um auto
00:34:38de notícia,
00:34:39despachar, etc.,
00:34:40porque não tinha
00:34:40funcionários
00:34:40para fazer isto.
00:34:42Nem para uma centésima
00:34:43parte dos casos
00:34:44tinha de julgar
00:34:44e de duas uma.
00:34:46Ou não julgava
00:34:47de maneira nenhuma
00:34:48ou julgava
00:34:49de uma maneira
00:34:49que naquele tempo
00:34:50era aceitável.
00:34:53Os pais
00:34:53naquele tempo
00:34:54batiam nos filhos.
00:34:55Em geral,
00:34:56os portugueses
00:34:56evitavam dar
00:34:57palmatória
00:34:58aos reglos,
00:35:00mas havia casos
00:35:01que davam
00:35:02e davam bem mesmo.
00:35:03Era um reglo,
00:35:04não podia ser humilhado
00:35:05desta forma.
00:35:06Mas havia casos
00:35:07que alguns administradores
00:35:08davam palmatória
00:35:09ao reglo.
00:35:10Isso era
00:35:10extremamente grave.
00:35:13De acordo
00:35:13com a legislação,
00:35:15administradores
00:35:15e chefes de posto
00:35:16servidos por polícias,
00:35:17os cipaios,
00:35:18eram a base
00:35:19da autoridade
00:35:20e da justiça.
00:35:21Muitos deles
00:35:22consagraram
00:35:23os castigos corporais
00:35:24que não existiam
00:35:25na lei.
00:35:25Eu sei de muitos casos
00:35:27de senhoras
00:35:28que quando
00:35:29eles não
00:35:31partiam muita loiça
00:35:33ou não eram
00:35:35tão diligentes
00:35:35como isso
00:35:36a lavar
00:35:37ou não passavam
00:35:39devidamente
00:35:40a camisa
00:35:41do patrão
00:35:42e tudo isso,
00:35:43que não
00:35:43hesitavam a dizer
00:35:44ai, ai,
00:35:45tu estás a precisar
00:35:46que eu te leve
00:35:47ao senhor administrador,
00:35:48estás.
00:35:49Uma vez ou outra,
00:35:50há de haver casos,
00:35:51enfim,
00:35:52em que o próprio
00:35:53chefe de posto
00:35:54não agia tranquilamente,
00:35:56mas raramente.
00:35:58Ordinariamente,
00:35:58os chefes de posto
00:35:59procuravam cumprir
00:36:00o seu dever.
00:36:01Havia também
00:36:02os chefes de posto
00:36:03e os aspirantes
00:36:04que dominavam postos
00:36:05nos centros urbanos,
00:36:07onde eles eram
00:36:08verdadeiramente
00:36:08os donos
00:36:09dessas populações.
00:36:10O chefe de posto
00:36:11dentro dos nativos
00:36:13era ao mesmo tempo
00:36:14presidente da república,
00:36:16chefe do tribunal,
00:36:17era tudo.
00:36:18O chefe de posto
00:36:19é que devia resolver tudo.
00:36:21E isto é interessante,
00:36:22era quase total
00:36:25a autoridade
00:36:26que tinham
00:36:26sobre as populações,
00:36:28os administradores
00:36:29de circunscrição
00:36:30e os chefes de posto.
00:36:32Contribuições
00:36:32muito vastas
00:36:33controlavam toda
00:36:34a vida de aldeias
00:36:35e populações.
00:36:36Da ordem pública
00:36:37à atividade económica
00:36:38e laboral,
00:36:39da saúde
00:36:40à limpeza de estradas,
00:36:41competindo-lhes
00:36:42realizar o censo
00:36:42populacional
00:36:43e cobrar uma taxa
00:36:44anual exigida
00:36:45aos indígenas,
00:36:46o imposto de palhota.
00:36:48Isto,
00:36:49quando se limitavam
00:36:50a agir dentro
00:36:51da legalidade.
00:36:52o meu sogro,
00:36:55o senhor
00:36:55João Gil,
00:36:57pastor e também
00:36:58protestante,
00:37:00eu via
00:37:01todos os sábados
00:37:03a entidade,
00:37:06portanto,
00:37:07administrativa portuguesa,
00:37:08entre a cheira de Sousa,
00:37:10ia lá na casa
00:37:11do senhor João Gil,
00:37:14a recolha de ovos,
00:37:15de cabrito,
00:37:16de tudo que é
00:37:17recolher
00:37:19semanalmente
00:37:20aquela missão,
00:37:21tinha que dar
00:37:22essas coisas.
00:37:24Isso é obrigação,
00:37:25não é uma doação.
00:37:28Quando se puderem ser
00:37:30avaliados,
00:37:31estudos,
00:37:32os relatórios
00:37:34das autoridades administrativas,
00:37:36o chefe de posto,
00:37:38o administrador
00:37:38de circunscrição,
00:37:38a base
00:37:40onde encontrar-se
00:37:42abusos,
00:37:42é evidente,
00:37:43mas vão encontrar
00:37:44muita devoção,
00:37:46vão encontrar
00:37:47muita luta
00:37:47contra abusos.
00:37:48Todo o sistema
00:37:49colonial
00:37:50quer-se impor,
00:37:51quer impor,
00:37:52quer impor os seus valores,
00:37:54a sua maneira de ver,
00:37:55e os portugueses
00:37:56também queriam
00:37:56impor lá
00:37:57os seus valores.
00:37:58Só que
00:37:59não eram assim
00:38:00como hoje
00:38:02se tem escrito
00:38:02na história
00:38:03que era tudo cruel,
00:38:04era tudo
00:38:05palmatório,
00:38:06não,
00:38:06havia também
00:38:06negociações,
00:38:08havia coisas
00:38:08em que
00:38:11os portugueses
00:38:13achavam que
00:38:14aqui não vale a pena
00:38:14arranjar conflito,
00:38:15podemos falar com ele
00:38:16e falavam,
00:38:17não é verdade
00:38:18que todo o administrador
00:38:19colonial era mau,
00:38:21isso não é verdade.
00:38:22O sistema
00:38:23assentava numa desigualdade
00:38:24influenciada naturalmente
00:38:26pela conduta pessoal
00:38:27de cada um dos agentes
00:38:28da autoridade.
00:38:29Os africanos
00:38:30desconfiavam
00:38:31da imparcialidade
00:38:32de um poder
00:38:32que fazia parte
00:38:33integrante
00:38:33do mundo dos brancos
00:38:34e assim
00:38:35acentuava o forço
00:38:36já existente
00:38:37entre os dois universos.
00:38:40Os negros
00:38:40eram outro mundo,
00:38:41os negros
00:38:42eram outro mundo
00:38:42e havia,
00:38:43e sobretudo
00:38:44da parte
00:38:44do branco
00:38:46via no administrador,
00:38:48na autoridade,
00:38:49uma pessoa
00:38:49que os protegia.
00:38:50O próprio comerciante
00:38:52fazia a sua justiça,
00:38:54a justiça
00:38:55era feita
00:38:55pelo próprio comerciante,
00:38:57já não precisava
00:38:57recorrer
00:38:58ao chefe
00:38:58do posto administrativo.
00:39:00Havia aqueles comerciantes
00:39:01que se utilizavam
00:39:03a força
00:39:04do chefe
00:39:05do posto,
00:39:06para cobrar
00:39:07o dobro,
00:39:08o triplo
00:39:09daquilo que a pessoa
00:39:10tivesse recebido,
00:39:11mas também
00:39:12não deixou de haver
00:39:13comerciantes
00:39:14sinceros
00:39:15e honestos.
00:39:17Os comerciantes
00:39:18levavam
00:39:18os seus produtos
00:39:20em troca,
00:39:22a população
00:39:24vende
00:39:24e compra
00:39:25assim sucessivamente.
00:39:26Mas,
00:39:27enquanto está
00:39:27de correr
00:39:28o mercado,
00:39:30se você
00:39:31deve
00:39:32na loja
00:39:32do senhor
00:39:33fulano,
00:39:34em pleno mercado
00:39:35os comerciantes
00:39:35estão a bater
00:39:36as pessoas
00:39:37e o chefe
00:39:38do posto
00:39:39está a ver.
00:39:40Por algum motivo,
00:39:42a dívida
00:39:43não era satisfeita
00:39:44naquele tempo.
00:39:45havia cenas
00:39:47incríveis
00:39:48de violências
00:39:49secutadas.
00:39:50Eu assisti
00:39:51efetivamente
00:39:52cenas dessas.
00:39:53O comerciante
00:39:54chega,
00:39:55sabe que nessa aldeia
00:39:55ele trazia um caderno
00:39:57onde tinha apontamento
00:39:58das pessoas
00:39:59que o deviam.
00:40:00Chega na aldeia
00:40:01para,
00:40:02começa a chamar
00:40:02uma pessoa
00:40:03de cada vez
00:40:03e quando essa pessoa
00:40:04chega a pé dele,
00:40:05não pergunta.
00:40:06Bata-o,
00:40:07dá-lhe porrada
00:40:08e no fim
00:40:10diz-lhe,
00:40:10estou à sua espera
00:40:11que amanhã
00:40:12ou depois
00:40:12tem que aparecer
00:40:13na loja
00:40:13para pagar.
00:40:15Os comerciantes
00:40:15fizeram uma peça
00:40:16central no sistema
00:40:17de relacionamento
00:40:18dos africanos
00:40:19com os colonos.
00:40:20Nas povoações
00:40:21ou no mato
00:40:22os cantineiros
00:40:22comercializavam
00:40:23todo o tipo
00:40:24de produtos
00:40:24desde alimentos
00:40:26a vestuário.
00:40:27Vendiam as mercadorias
00:40:28ou trocavam-nas
00:40:29por géneros
00:40:30produzidos pelas populações
00:40:31segundo sistemas
00:40:33de crédito
00:40:33que eles próprios
00:40:34definiam.
00:40:35Os comerciantes
00:40:36tinham a mania
00:40:36de pagar com papel
00:40:38um vale.
00:40:39Eles iam lá
00:40:39entregar as suas mercadorias
00:40:41e eles,
00:40:41senhora,
00:40:42toma lá um vale
00:40:43pois vieses cá
00:40:44a comprar.
00:40:44Tu recebes,
00:40:47a gente desconta
00:40:47no vale.
00:40:48E também havia
00:40:48comerciantes portugueses
00:40:49ladrões,
00:40:50mas também havia
00:40:51comerciantes portugueses
00:40:52muito honestos
00:40:53e que foram
00:40:54muito estimados
00:40:54por essas populações
00:40:55africanas
00:40:56de Angola.
00:40:57Ouvi falar
00:40:58de muitos casos
00:40:59em que as pessoas
00:40:59abusavam
00:41:01e abusavam
00:41:02bastante
00:41:03porque também
00:41:05eu penso
00:41:06que o sistema
00:41:07o sistema
00:41:10que existia
00:41:11na altura
00:41:12também lhes permitia
00:41:13levavam,
00:41:15por exemplo,
00:41:15emprestavam os miscruis
00:41:17e cobravam
00:41:17às vezes a dobrar
00:41:18e se não
00:41:19encontrasse um chefe
00:41:20de posto
00:41:21que
00:41:21um chefe de posto
00:41:23que atuasse
00:41:23como devia ser
00:41:24e tal
00:41:24e eles abusavam.
00:41:28Sem estatuto
00:41:29de cidadania
00:41:30que lhes conferisse direitos,
00:41:32os negros
00:41:32dependiam
00:41:33dos escrúpulos
00:41:34da autoridade portuguesa
00:41:35fosse política,
00:41:36económica
00:41:36ou policial.
00:41:39Nas estradas,
00:41:39nas fazendas,
00:41:40nos caminhos de ferro,
00:41:41o trabalho forçado
00:41:42era nos anos 50
00:41:43uma prática comum.
00:41:49Embora formalmente
00:41:50proibida,
00:41:51tornou-se uma característica
00:41:52emblemática
00:41:53da colonização,
00:41:54quer sob a forma
00:41:55de contrato
00:41:56ou imposição administrativa,
00:41:58quer como medida
00:41:59correccional
00:41:59ou disciplinar.
00:42:01Castigos normais
00:42:02eram a base
00:42:04de porrada.
00:42:05Tudo
00:42:06é a base
00:42:08de porrada.
00:42:09Ou se levou
00:42:09porrada,
00:42:10fica uma semana
00:42:11de castigo
00:42:11na povoação,
00:42:12capinaram
00:42:13à volta
00:42:13de secretaria
00:42:14onde
00:42:15a residência
00:42:16do chefe
00:42:17de posto
00:42:17administrativo
00:42:18ou então
00:42:18no campo
00:42:19de aviação.
00:42:20Os indivíduos
00:42:20que não
00:42:21concorrem
00:42:21eram detidos,
00:42:24é uma maneira
00:42:25de dizer,
00:42:26e iam prestar
00:42:27trabalho gratuito
00:42:28postado.
00:42:29Ia para o contrato
00:42:29oficial
00:42:30ou ia para
00:42:30o serviço
00:42:32das limpezas
00:42:32das estradas
00:42:33e para isso tudo.
00:42:34Ainda fui apanhar
00:42:35presos
00:42:38que andavam
00:42:39com as pedras
00:42:41com guilhotinas
00:42:43e com bolas
00:42:44andavam para a limpeza
00:42:46da cidade,
00:42:46para trabalhos
00:42:47de capinagem
00:42:48no campo de aviação,
00:42:49que já havia um campo
00:42:50de aviação
00:42:50em teto.
00:42:51Eu ainda vi gente
00:42:52em Guaransomar
00:42:53com garilhas
00:42:54nos pés
00:42:54a trabalhar.
00:42:56Ainda vi.
00:42:56Ao longo
00:42:57dos anos 50
00:42:58todos,
00:42:59muitos e muitos
00:43:02pretos
00:43:03de corrente
00:43:05aos pés
00:43:05a arranjarem
00:43:06os canteiros,
00:43:08a mondarem.
00:43:10Era o trabalho
00:43:10forçado
00:43:11que se chamavam
00:43:11os chibalos,
00:43:12eram os que
00:43:13trabalhavam à força.
00:43:15Os nomes
00:43:15podiam variar,
00:43:16mas o sistema
00:43:17era o mesmo.
00:43:19Desde os centros
00:43:19urbanos mais desenvolvidos
00:43:20como Lubando
00:43:21ou Lourenço Marques,
00:43:22até aos confins
00:43:23mais remotos
00:43:24e com pouca presença
00:43:25portuguesa
00:43:25como Uniaça
00:43:26em Moçambique
00:43:27ou Leste de Angola.
00:43:29Fazia as trata,
00:43:31fazia as ponte,
00:43:32fazia o quê?
00:43:33Não ganhava nada.
00:43:35Há vezes
00:43:35que o sopa
00:43:36pede
00:43:37para as pessoas
00:43:39a ele lá
00:43:39no trabalho.
00:43:41Se eles vão,
00:43:43assim,
00:43:44não é
00:43:45não é
00:43:46mal
00:43:46a pessoa,
00:43:48mas
00:43:48se alguém
00:43:49te dá
00:43:50e lhe filha,
00:43:50aquilo é
00:43:52chagotar,
00:43:54hoje vai
00:43:54amarado.
00:43:57Os meus pais
00:43:58comentavam
00:43:59de sofrimento
00:44:00porque
00:44:01na zona
00:44:02onde nós
00:44:02vivíamos
00:44:02recortava-se
00:44:04tanta gente
00:44:05para
00:44:06trabalho
00:44:07forçado
00:44:07nas zonas
00:44:08do Chá,
00:44:09na Alta Zambésia,
00:44:10e recortava-se
00:44:11também mão-de-obra
00:44:12para a zona
00:44:14baixa,
00:44:15portanto,
00:44:16ao longo
00:44:16do Rio Zambésia,
00:44:17para trabalho
00:44:18da cana sacarina,
00:44:21produção da cana sacarina
00:44:22para fábricas
00:44:23de açúcar,
00:44:24produção de açúcar.
00:44:25Então,
00:44:25este comentário
00:44:26era forte,
00:44:27porque as pessoas
00:44:27iam para lá,
00:44:28ficavam seis meses
00:44:29e voltavam
00:44:30e quase que não
00:44:31recebiam nada.
00:44:32A maioria
00:44:32dos meus irmãos
00:44:33trabalhavam
00:44:34nas estradas
00:44:36à força.
00:44:38Havia equipas
00:44:39desse pai
00:44:40que vinham
00:44:40recrutar gente
00:44:41para irem
00:44:42fazer estradas.
00:44:43depois de visitar
00:44:50Angola
00:44:51no final
00:44:51da década
00:44:52de 40,
00:44:52Henrique Galvão,
00:44:53então inspetor
00:44:54das colónias,
00:44:55apresentou um relatório
00:44:56numa sessão secreta
00:44:57da Assembleia Nacional
00:44:58onde afirmava
00:44:59que só os mortos
00:45:00estavam isentos
00:45:01de trabalho forçado.
00:45:03O futuro dissidente
00:45:04do regime
00:45:04denunciava
00:45:05um sistema
00:45:05assento
00:45:06no trabalho
00:45:06compelido,
00:45:07pago ou gratuito
00:45:08e em que
00:45:08o próprio Estado
00:45:09recrutava mão-de-obra
00:45:11para empresas
00:45:11particulares.
00:45:13Pude eu próprio
00:45:14verificar
00:45:15depois
00:45:16quando me foi
00:45:17dado intervir
00:45:17na década de 60
00:45:19que muitas
00:45:20das coisas
00:45:20que ele disse
00:45:22correspondiam
00:45:23exatíssimamente
00:45:24aos factos
00:45:25agravados
00:45:26entretanto
00:45:26com os anos
00:45:27que tinham decorrido.
00:45:28O fazendeiro
00:45:28chega ao chefe
00:45:29do posto
00:45:30faz contrato
00:45:31precisa mil homens
00:45:32pronto
00:45:33que tipo de contrato
00:45:35que fazia
00:45:35com o chefe
00:45:36do posto
00:45:36ninguém sabe
00:45:37cada aldeia
00:45:38cada sobra
00:45:39tem que apresentar
00:45:39x pessoas
00:45:40e o sobra
00:45:42vai na aldeia
00:45:43ali o sobra
00:45:44nomeia
00:45:45o sobra
00:45:46já não tinha
00:45:47outra alternativa
00:45:48é só chegar
00:45:48o fulano
00:45:49e fulano
00:45:49e fulano
00:45:49e fulano
00:45:50vão se apresentar
00:45:52no dia tal
00:45:53na povoação
00:45:54para ir no contrato
00:45:5512 meses
00:45:57um ano
00:45:58ao fim do ano
00:45:59recebeu o seu ordenado
00:46:00e tinham então
00:46:01durante os meses
00:46:03que trabalhavam
00:46:03tinham o seu sustento
00:46:05tinham farda
00:46:06roupa
00:46:06roupa para vestir
00:46:07na fazenda
00:46:08alimentação
00:46:09era alimento
00:46:10mesmo selecionado
00:46:11só para aquelas pessoas
00:46:12era condições
00:46:14sub-humanas
00:46:15que eu posso dizer
00:46:15isso
00:46:16meu nome é Miguel Nunes
00:46:19I worked
00:46:20at Ouija
00:46:21e do Catezi
00:46:22working
00:46:23from 6
00:46:24in the morning
00:46:24until 6.30
00:46:25at night
00:46:26as a contract
00:46:27laborer
00:46:28not only men
00:46:29are forced
00:46:30to work
00:46:30they force
00:46:31even the young
00:46:32children
00:46:32to work
00:46:33on coffee
00:46:33plantations
00:46:34sorting
00:46:35and there is
00:46:36no chance
00:46:36to go to school
00:46:37they are given
00:46:39two fish a week
00:46:40two cups
00:46:41of flour
00:46:41one cup
00:46:42of rice
00:46:43two spoonfuls
00:46:44of sugar
00:46:44and one spoonful
00:46:46of coffee
00:46:46they sleep
00:46:47on the ground
00:46:48without a mattress
00:46:49o contrato
00:46:51existia
00:46:52em Angola
00:46:53e Moçambique
00:46:53organizado
00:46:54entre salvas
00:46:55chefes de posto
00:46:56e funcionários
00:46:57autorizados
00:46:58pelo Estado
00:46:58a recrutar
00:46:59trabalhadores
00:46:59os angariadores
00:47:01de quem se dizia
00:47:02que compravam
00:47:03brancos
00:47:03para vender pretos
00:47:05ele fazia
00:47:06a sua propaganda
00:47:06porque ele ia
00:47:07prometia
00:47:07os mundos
00:47:08e fundos
00:47:09e tal
00:47:09e às vezes
00:47:10não cumpria
00:47:10não cumpria
00:47:12e outra vez
00:47:14o angariador
00:47:15ia a contar
00:47:16com o chefe
00:47:17de posto
00:47:17as ajudas
00:47:19do chefe
00:47:19de posto
00:47:19e se não
00:47:20encontrasse
00:47:20ficava logo
00:47:21aborrecido
00:47:21e tal
00:47:21assim como
00:47:22aconteceu
00:47:22muitas vezes
00:47:23comigo
00:47:23mas havia
00:47:24chefes
00:47:25que ajudavam
00:47:26havia outros
00:47:26até
00:47:27um assunto
00:47:28que eu não quero
00:47:28aprofundar
00:47:29demasiadamente
00:47:30as pessoas
00:47:31eram
00:47:31angariadas
00:47:32obrigatoriamente
00:47:35praticamente
00:47:36obrigatoriamente
00:47:36não tinham
00:47:37recurso
00:47:38os administrativos
00:47:39também estavam
00:47:39digamos
00:47:41ligados
00:47:42à máquina
00:47:43económica
00:47:44com
00:47:44subornos
00:47:45em suborno
00:47:46a certa hora
00:47:46eles facilitavam
00:47:47mesmo
00:47:48esse contrato
00:47:49que é um
00:47:49engajamento
00:47:50mandavam
00:47:51os seus
00:47:51cipais
00:47:52vai àquela
00:47:52andada
00:47:53buscar
00:47:53três homens
00:47:54quatro homens
00:47:54cinco homens
00:47:55e cipais
00:47:55vai a sanzala
00:47:56buscar
00:47:56quatro homens
00:47:57cinco homens
00:47:58depois entregam
00:47:59o angariador
00:47:59o angariador
00:48:00carrega-os
00:48:00e leva-os
00:48:01para a fazenda
00:48:01pelos quais
00:48:02recebe
00:48:02um certo valor
00:48:03os conhamas
00:48:04essas populações
00:48:05do sul
00:48:06fazia parte
00:48:07da sua
00:48:08tradição
00:48:10familiar
00:48:11ter
00:48:12alguns
00:48:13anos
00:48:13de trabalho
00:48:14nessas fazendas
00:48:15quer dizer
00:48:16que
00:48:17e não recuso
00:48:18que tenha havido
00:48:19algum excesso
00:48:19mas
00:48:21a maior parte
00:48:22dos contratados
00:48:22eram
00:48:23voluntários
00:48:24no fundo
00:48:25não era um
00:48:25verdadeiro
00:48:26contrato
00:48:26havia
00:48:27não havia
00:48:29a liberdade
00:48:30contratual
00:48:31o vencimento
00:48:31todo
00:48:32com o imposto
00:48:33eram 400 escudos
00:48:34mas quanto
00:48:35desconta o imposto
00:48:37ali às vezes
00:48:37restava 90 escudos
00:48:3990 escudos
00:48:40em dinheiro
00:48:41se nunca chegava
00:48:43era difícil
00:48:43os próprios indivíduos
00:48:44que tinham
00:48:45digamos as roças
00:48:46de café
00:48:46para onde eles iam
00:48:47trabalhar
00:48:47muitas vezes
00:48:47tinham comércio
00:48:48e nesse comércio
00:48:49iam procurando
00:48:50dar-lhes crédito
00:48:50e então eles iam lá
00:48:52com
00:48:52iam a crédito
00:48:54buscar
00:48:54coisas que precisavam
00:48:55e depois quando chegava
00:48:56ao fim de contratos
00:48:57já era
00:48:57já tem
00:48:58muitas vezes
00:48:58compravam coisas
00:48:59que não precisavam
00:49:00por exemplo
00:49:00havia indivíduos
00:49:01que compravam frigoríficos
00:49:02para coisas que não precisavam
00:49:03nas suas palhotas
00:49:04aquela parte que ele gostava
00:49:06era a parte que recebia
00:49:07outra parte só recebia
00:49:09quando acabava o contrato
00:49:10na terra de origem
00:49:11então com esse dinheiro
00:49:13com esse dinheiro
00:49:14ele comprava
00:49:15primeiro se for de Angola
00:49:16um boi
00:49:16dois bois
00:49:17e adquiria
00:49:21e adquiria bens
00:49:22que até aí
00:49:22não seriam possíveis
00:49:23portanto isso
00:49:25o aspecto positivo
00:49:26apenas era esse
00:49:28uma das formas de contrato
00:49:29é que
00:49:30X
00:49:31eles recebiam
00:49:32enquanto estivessem lá
00:49:33a trabalhar
00:49:33o outro
00:49:34recebiam
00:49:35quando acabavam o contrato
00:49:36que era por causa
00:49:37das famílias
00:49:38não ficarem sem nada
00:49:39não é?
00:49:41tal e qual
00:49:42como para as minas
00:49:43as minas de ouro
00:49:45da África do Sul
00:49:46eram um destino procurado
00:49:47com entusiasmo
00:49:48por milhares de moçambicanos
00:49:50também como alternativa
00:49:51ao contrato
00:49:52ao trabalho forçado
00:49:53ou à falta de oportunidades
00:49:55permanentemente renovada
00:50:00esta imigração
00:50:01viria a constituir
00:50:02uma tradição
00:50:03entre os jovens moçambicanos
00:50:04ir às minas do Transval
00:50:06ou da Redésia do Sul
00:50:07transformou-se num ritual
00:50:09de emancipação masculina
00:50:10Para além das vantagens
00:50:13salariais
00:50:14com a experiência
00:50:15do trabalho nas minas
00:50:16os magaíças
00:50:17nome porque eram
00:50:18conhecidos estes imigrantes
00:50:20valorizavam-se aos olhos
00:50:21da família
00:50:22e do seu meio social
00:50:23Para os cofres
00:50:26do Estado português
00:50:26o trabalho destes homens
00:50:28cerca de meio milhão
00:50:29constituía
00:50:30uma importante fonte
00:50:31de receitas
00:50:32de vez em quando
00:50:51era transportado
00:50:53de Moçambique
00:50:53para a metrópole
00:50:54a bordo
00:50:55de um barco
00:50:56acompanhado
00:50:57por um funcionário
00:50:58administrativo
00:50:59para o ouro recebido
00:51:01dar entrada
00:51:01nos cofres
00:51:02do Banco Nacional
00:51:03Ultramarino
00:51:03A economia das colónias
00:51:10assentava sobretudo
00:51:11no setor agrícola
00:51:12que ocupava
00:51:13a maioria
00:51:13da população indígena
00:51:15e nomeadamente
00:51:17em culturas obrigatórias
00:51:18impostas aos camponeses
00:51:19caso do algodão
00:51:21que tanto em Angola
00:51:21como em Moçambique
00:51:22conheceu nesses anos
00:51:23grande difusão
00:51:24outros produtos
00:51:26como a cana do açúcar
00:51:28o sisal
00:51:28as madeiras
00:51:29e o café
00:51:29de que Angola
00:51:30se tornara o terceiro
00:51:31produtor mundial
00:51:32eram pilares importantes
00:51:34da política económica
00:51:35dos anos 30
00:51:35produzir e enviar
00:51:37para a metrópole
00:51:38matérias-primas
00:51:39que depois de transformadas
00:51:40pelas indústrias portuguesas
00:51:41abasteciam os mercados
00:51:43ultramarinos
00:51:43o ato colonial
00:51:45é o documento
00:51:46que estabelece
00:51:46esta política
00:51:47de solidariedade económica
00:51:49entre Portugal
00:51:49e as suas colónias
00:51:50um modelo
00:51:52que o governo
00:51:52altera
00:51:53em função
00:51:53do expansionismo
00:51:54económico
00:51:55do pós-guerra
00:51:55e o simultâneo
00:51:57movimento descolonizador
00:51:58com os anos 50
00:52:02abre-se o comércio
00:52:03entre as colónias
00:52:04e abre-se a economia
00:52:05a importantes investimentos
00:52:06admitindo-se
00:52:07a instalação
00:52:08de indústrias
00:52:08embora condicionada
00:52:10o orçamento
00:52:11destina 6 milhões
00:52:12de contos
00:52:13para a construção
00:52:13de infraestruturas
00:52:14especialmente em setores
00:52:16como os transportes
00:52:17as comunicações
00:52:18e a energia
00:52:19durante a década
00:52:22as exportações
00:52:23angolanas
00:52:23aumentam mais de 50%
00:52:25e as moçambicanas
00:52:26quase duplicam
00:52:27procurando construir
00:52:30e modernizar
00:52:30o governo
00:52:31tenta defender-se
00:52:32da hostilidade internacional
00:52:33à sua política colonial
00:52:35desse esforço
00:52:36faz parte
00:52:37de um plano
00:52:37de pulgoamento
00:52:38que incentiva
00:52:39os portugueses
00:52:40à emigração
00:52:41para a África
00:52:41o Estado
00:52:43cria agora
00:52:44serviços próprios
00:52:45e condições especiais
00:52:46para estimular
00:52:47a fixação
00:52:47de portugueses
00:52:48em Angola
00:52:48e Mozambique
00:52:49após décadas
00:52:50de exigência
00:52:51de carta de chamada
00:52:52o documento
00:52:53indispensável
00:52:53a quem
00:52:54pretendesse emigrar
00:52:55para o ultramar
00:52:56com especiais
00:52:58cuidados sanitários
00:52:58e algumas instruções
00:53:00básicas
00:53:00sobre um mundo
00:53:01que desconhecem
00:53:02inteiramente
00:53:02preparam-se candidatos
00:53:04a um povoamento branco
00:53:05supostamente capaz
00:53:07de equilibrar
00:53:07em número
00:53:08os negros mais instruídos
00:53:10e ao mesmo tempo
00:53:11fornecer pessoal
00:53:12para as empresas
00:53:13que entretanto
00:53:13se criavam
00:53:14muitos dos novos colonos
00:53:19vão integrar-se
00:53:20nos setores
00:53:20de comércio
00:53:21e serviços
00:53:21sobretudo nos centros urbanos
00:53:23que registam então
00:53:24um grande surto
00:53:25de crescimento
00:53:25capitais como
00:53:28Lourenço Marques
00:53:29em Mozambique
00:53:30ou Luanda
00:53:31em Angola
00:53:32entre várias outras cidades
00:53:33exibem uma modernidade
00:53:35um desenvolvimento
00:53:36e mesmo
00:53:37um cosmoglitismo
00:53:38que se destacam
00:53:39na paisagem
00:53:40do continente africano
00:53:41e naturalmente
00:53:43na imagem
00:53:44que Portugal exporta
00:53:55porém
00:53:56esta prosperidade
00:53:57não é nem sequer
00:53:58para todos os portugueses
00:53:59cujo nível de instrução
00:54:01é em geral
00:54:01muito baixo
00:54:02alguns menos preparados
00:54:04vivem mesmo
00:54:05em zonas pobres africanas
00:54:06e entre estes
00:54:07e os que verdadeiramente
00:54:08enriquecem
00:54:09há outros que
00:54:10embora melhorando a vida
00:54:11ficam longe
00:54:12das expectativas
00:54:13com que tinham sonhado
00:54:14na minha infância
00:54:16eu não me lembro
00:54:16que os empregados
00:54:17de café
00:54:17de bar
00:54:19dos hotéis
00:54:20eram angolanos
00:54:22eram negros
00:54:23um ou outro mestiço
00:54:24pois passaram a ser brancos
00:54:26muitos colonos
00:54:27refletem o estado
00:54:28de atraso
00:54:28do Portugal europeu
00:54:29de onde partem
00:54:30à procura
00:54:31de uma oportunidade
00:54:32onde lhe dizem
00:54:33que ela existe
00:54:33mas acabam por ter
00:54:35que disputar
00:54:36com a população local
00:54:37as tarefas
00:54:37e os empregos
00:54:38mais modestos
00:54:39eu me recordo
00:54:40que em 1950
00:54:41a 51
00:54:42fiquei admiradíssimo
00:54:43quando vi
00:54:44um engraxador branco
00:54:45ora
00:54:47esta chegada
00:54:48de brancos
00:54:49não qualificados
00:54:50significou
00:54:51que uma quantidade
00:54:52de angolanos
00:54:52que antes ocupavam
00:54:54essas posições
00:54:55teve que se retirar
00:54:56lembro perfeitamente
00:54:58da saída
00:54:59de Mirandela
00:55:00com
00:55:00os meus pais
00:55:02e mais de sete irmãos
00:55:03eu vinha no comboio
00:55:04a tocar a pandireta
00:55:05os meus pais
00:55:07vinham a chorar
00:55:08e viemos do arco império
00:55:09até
00:55:09António Lourenço Marques
00:55:11e entramos diretamente
00:55:12no comboio
00:55:13para o Leonde
00:55:15Leonde
00:55:17e as outras
00:55:1712 aldeias
00:55:18que constituíam
00:55:19o colonato
00:55:19do Limpopo
00:55:20passaram a ser
00:55:21a terra
00:55:21de muitos camponeses
00:55:22detrás dos montes
00:55:23do Alentejo
00:55:24e da Madeira
00:55:24a quem o governo
00:55:25prometia 4 hectares
00:55:27em Moçambique
00:55:28este povoamento
00:55:30aplicava-se também
00:55:30à Angola
00:55:31a ideia
00:55:32era criar
00:55:33colonatos de brancos
00:55:34em zonas do interior
00:55:35destes territórios
00:55:36enviando para lá
00:55:37o excesso de população
00:55:38rural da metrópole
00:55:39a estes trabalhadores
00:55:42humildes
00:55:43de um Portugal
00:55:43analfabeto
00:55:44o futuro
00:55:45era apresentado
00:55:45como uma aventura
00:55:47divertida
00:55:47algures
00:55:48num mundo
00:55:49ficcionado
00:55:49pelo desconhecimento
00:55:50vamos então
00:55:53para o Val do Limpopo
00:55:53não é verdade
00:55:54sim senhor
00:55:54de onde é natural
00:55:56com Pedro Valdeconte
00:55:57e qual era a sua vida
00:55:58
00:55:58o que é que o senhor
00:55:58fazia
00:55:59jornaleiro
00:55:59jornaleiro
00:56:00já disse alguma coisa
00:56:02não falou
00:56:03então diga lá
00:56:04qualquer coisa
00:56:04eu
00:56:05já vai
00:56:06por venido
00:56:06com um chapéu
00:56:07eu por acaso
00:56:07vou
00:56:07é por via
00:56:08das pretas
00:56:08por via de quê
00:56:09por via das pretas
00:56:10das pretas
00:56:11os imigrantes
00:56:23esperam encontrar
00:56:24a fortuna
00:56:24no Val do Limpopo
00:56:25o mais importante
00:56:26colonato criado
00:56:27em Moçambique
00:56:28a algumas dezenas
00:56:29de quilómetros
00:56:29de Lourenço Marques
00:56:30mas foi
00:56:32em Angola
00:56:33que se iniciou
00:56:33a nova política
00:56:34de povoamento
00:56:35na cela
00:56:36de Kwanza Sul
00:56:37a 400 quilómetros
00:56:38de Luanda
00:56:39a área
00:56:41correspondia
00:56:41a cerca de
00:56:42um terço
00:56:43de Portugal
00:56:43terras situadas
00:56:45a 1.400 metros
00:56:46de altitude
00:56:47escolhidas
00:56:48pela sua suposta
00:56:49aptidão agrícola
00:56:50das 40 aldeias
00:56:52que constavam
00:56:53do projeto inicial
00:56:53o colonato da cela
00:56:55acentuou em 15
00:56:55cuja construção
00:56:57começou em 1951
00:56:58dois anos depois
00:57:00um aglomerado
00:57:01de 400 casas
00:57:02com estábulos
00:57:03e anexos
00:57:03além de algumas
00:57:04estruturas sociais
00:57:05aguardavam
00:57:06os primeiros povoadores
00:57:07famílias
00:57:09recrutadas
00:57:10nos meios
00:57:10rurais
00:57:10das diversas
00:57:11regiões portuguesas
00:57:12pedaços
00:57:14de Portugal
00:57:14em África
00:57:15era como
00:57:16os simpatizantes
00:57:16políticos da ideia
00:57:17chamavam
00:57:18aos colonatos
00:57:19de facto
00:57:22os campos
00:57:23tropicais
00:57:23da cela
00:57:24reproduzem
00:57:25fielmente
00:57:25a imagem
00:57:26de uma agricultura
00:57:27em que os meios
00:57:28de exploração
00:57:28da terra
00:57:29refletem o país
00:57:30e o seu atraso
00:57:31enquanto as aldeias
00:57:34são levantadas
00:57:34à semelhança
00:57:35do modelo português
00:57:36na arquitetura
00:57:36e na organização
00:57:38do espaço
00:57:38a marca política
00:57:43presente em cada praça
00:57:44culmina na cela
00:57:46com uma réplica
00:57:47construída por operários
00:57:48canteiros
00:57:49e dos expressamente
00:57:50da beira
00:57:50A igreja
00:57:53de Santa Comba
00:57:53em Cela
00:57:54será uma contínua
00:57:55recordação
00:57:56da igreja
00:57:57de Santa Comba
00:57:57da metrópole
00:57:58O Estado
00:58:02paga as viagens
00:58:03aos novos colonos
00:58:04e além de terreno
00:58:06atribui-lhes casa
00:58:07subsídios
00:58:08instalações
00:58:09de equipamento
00:58:09agrícola
00:58:10e cabeças de gado
00:58:11O colono
00:58:13pagará parte
00:58:14destes benefícios
00:58:14nomeadamente
00:58:15com um cesto
00:58:16das colheitas
00:58:16Não era possível
00:58:18que naqueles territórios
00:58:20as pessoas
00:58:20pudessem viver
00:58:21com os poucos hectares
00:58:23de regadio
00:58:23e os poucos hectares
00:58:25de sequeiro
00:58:26que eram atribuídas
00:58:27a cada uma
00:58:28como que tentando
00:58:30reproduzir
00:58:31a vida rural
00:58:32e pacífica
00:58:33da nossa interioridade
00:58:35As virtudes
00:58:37desta colonização
00:58:38depressa
00:58:39se revelariam
00:58:39ilusórias
00:58:40endividamento
00:58:41dos colonos
00:58:42e descontentamento
00:58:43dos africanos
00:58:44afastados das terras
00:58:45para dar lugar
00:58:46aos brancos
00:58:47Eles próprios
00:58:48me disseram lá isso
00:58:49quando eu fui visitar
00:58:49a cela
00:58:50e de facto
00:58:51havia
00:58:52uma verba
00:58:54para indemnização
00:58:54aos deslocados
00:58:56dos terrenos
00:58:58em que foram
00:58:58da cela
00:58:59e nem isso
00:59:00lhe tinha sido pago
00:59:00Dez anos depois
00:59:02a ideia dos colonatos
00:59:04saltava-se
00:59:04por um fracasso político
00:59:05e uma ruína
00:59:06para as finanças
00:59:07do Estado
00:59:07Então, no projeto
00:59:09da cela
00:59:09as explorações
00:59:10familiares e iniciais
00:59:11foram substituídas
00:59:12por fazendas
00:59:13bastante maiores
00:59:14da ordem
00:59:15dos 100 hectares
00:59:16e entregues
00:59:17a empresários
00:59:17mais preparados
00:59:18Meios mecanizados
00:59:20tomaram o lugar
00:59:20da tração animal
00:59:21o sequeiro
00:59:22foi abandonado
00:59:23e foi autorizado
00:59:24à contratação
00:59:24de trabalhadores africanos
00:59:26que antes
00:59:26era proibida
00:59:27Do desenvolvimento
00:59:29trazido pela industrialização
00:59:30e pelo comércio
00:59:31de alguns produtos
00:59:32nasceu
00:59:33uma nova vila
00:59:34Ficava a identificação
00:59:36política de sempre
00:59:37mas ruía
00:59:38à concepção inicial
00:59:39que esperava colonizar
00:59:40pela projeção
00:59:41nos trópicos
00:59:41do Portugal
00:59:42deixado na Europa
00:59:43com os seus nomes
00:59:45costumes
00:59:45e tradições
00:59:46Eu recordo-me que a primeira vez
00:59:54que me cheguei
00:59:54ao colunato
00:59:55do Limpopo
00:59:57imediatamente
00:59:59os transmontanos
00:59:59me serviram
01:00:00o folar
01:00:01transmontano
01:00:01e as alheiras
01:00:02que eles tinham feito
01:00:03não era
01:00:05certamente
01:00:06a melhor maneira
01:00:07de povoar
01:00:08mas era uma convicção
01:00:09esta é a casa
01:00:12onde eu vivi
01:00:14a partir de 1958
01:00:16uma casa
01:00:17geminada
01:00:18para duas famílias
01:00:19constituídas normalmente
01:00:20por
01:00:21dez
01:00:22oito
01:00:23dez pessoas
01:00:24por exemplo
01:00:24aqui nesta casa
01:00:25onde eu morei
01:00:26tinha três quartos
01:00:27nós
01:00:27éramos oito irmãos
01:00:28e o pai e a mãe
01:00:29éramos dez pessoas
01:00:30morámos neste espaço
01:00:32uma casa muito pequena
01:00:33aquela é a tua irmã
01:00:35mais nova
01:00:36que casou
01:00:37Amparo
01:00:37Amparo sim
01:00:38está em Valpaço
01:00:39está em Portugal
01:00:39a Belisanda
01:00:41a Belisanda
01:00:42está em Santarém
01:00:44tem Santarém
01:00:45estão os dois
01:00:48com o senhor
01:00:49com o Vasco
01:00:50não é?
01:00:50
01:00:50acho que é que está doente
01:00:52agora
01:00:52o Ivaristo
01:00:53acho que está no Porto
01:00:54não sei
01:00:54os pretos
01:00:55não sabiam que existiam
01:00:57brancos pobres
01:00:58e que brancos
01:00:59que sofriam como eles
01:01:00para os pretos
01:01:02o branco
01:01:02era um ser superior
01:01:03nós classificávamos
01:01:05nessa altura
01:01:05brancos de terceira classe
01:01:07a minha mãe
01:01:09se pedisse boleia
01:01:10e houvesse lugar
01:01:11à frente
01:01:11no carro
01:01:12funcionário
01:01:13não mandava a minha mãe
01:01:14subir à frente
01:01:15mandava para a carroçaria
01:01:16era a mesma coisa
01:01:18que faziam as mulheres negras
01:01:19universos onde eram
01:01:22também especiais
01:01:22as relações étnicas
01:01:23os colonatos
01:01:24foram um investimento
01:01:26financeiro do Estado
01:01:26e uma expressão
01:01:28ideológica do regime
01:01:29ficariam para a história
01:01:31como obra
01:01:32de um país
01:01:32subdesenvolvido
01:01:33o seu último esforço
01:01:34de colonização
01:01:35antes de um novo tempo
01:01:37a falência
01:01:39deste povoamento
01:01:40simboliza a substituição
01:01:41da imigração
01:01:41de colonos
01:01:42nos anos 50
01:01:43pela expedição
01:01:44de soldados
01:01:45nos anos 60
01:01:46recrutados
01:01:48no mesmo interior
01:01:49arcaico da metrópole
01:01:50imobilizados
01:01:51em nome da mesma
01:01:51presença portuguesa
01:01:53até então
01:01:54saudada
01:01:54mas que em breve
01:01:55seria combatida
01:01:56e aí
01:01:57e aí
01:01:59e aí
01:02:00Amém.
01:02:30Amém.

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