- 30/05/2025
Moçambique... Angola... Guiné... As feridas de um país... As verdades escondidas da Guerra Colonial.
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ConhecimentosTranscrição
00:00A polícia em papel abriu logo fogo contra os fuanos quando eles saíram.
00:04Me deu uns quantos indivíduos.
00:06Não posso dizer ao certo porque eles atiraram-se para a água
00:09e depois dispararam contra as cabeças.
00:11É muito difícil depois saber quando é que morreram a todos.
00:14Com a casa de Pinchiquiti vimos que era necessário,
00:18mesmo a morrer, avançar com a luta e a libertação.
00:22O governo colonial queria mostrar a potência que eles têm,
00:27que eles não podem ser intimidados por alguém.
00:34E muito mais, como as pessoas vinham de Tanganyin,
00:36quer dizer que estão a trazer as ideias do Nyerere para cá.
00:40Aí isso é Portugal, isso é o Tanganyin.
00:43Então ele queria mostrar esse poder, de fato, que matou pessoas.
00:47Foi esse o sucesso do Massacre de Moeda.
00:50Eu quero lhe dizer, embora alguém muito grande em Moçambique diga que se mataram 600,
00:57ali no terreno ficaram 14.
00:59De fato, isso não deveria ter acontecido.
01:01Então ele disse, Barry, Ross.
01:01O domínio disse que quandoels deриos estão se libertados em noi,
01:06eles têm um outro campo.
01:08É um assunto que é conquistado.
01:12Ele tem um conjunto de rumore.
01:17Daí e brano.
01:19Kaio.
01:19Saia da K estimul do maior.
01:21O que é isso?
01:51A partir dos anos 50, o regime é contestado pelo Movimento Anticolonial Internacional, com relevo para a Conferência de Bandung.
01:58Portugal insiste que não tem colónias, apenas províncias de um só país multirracial,
02:03mas a política de assimilação mostra baixos níveis de instrução para os africanos, que não são cidadãos, nem têm direitos.
02:10O trabalho forçado e os castigos corporais são argumentos contra a presença portuguesa em África.
02:15Em resposta às pressões, o governo faz algumas reformas e investe em Angola e Moçambique.
02:20Aceita a entrada de capital estrangeiro e permite que os territórios façam trocas comerciais entre si.
02:26É incentivado a imigração e lançado um plano de povoamento, criando colonatos de brancos nas duas principais colónias.
02:34Recrutados no interior subdesenvolvido de Portugal, os novos colonos são camponeses humildes,
02:39cuja chegada surpreende os africanos.
02:41Desconheciam a existência de brancos pobres.
02:44Antes do início da guerra, os portugueses radicados nas colónias ou os seus filhos já lá nascidos
03:06tinham em regra uma vida tranquila e uma situação económica estável.
03:10Independentemente do ramo profissional e embora as diferenças sociais entre si,
03:15os colonos tinham um nível de vida médio, porventura superior ao da metrópole.
03:22A maioria vivia nas vilas e nas cidades, lugares que fundaram e foram desenvolvendo,
03:27segundo padrões em geral, de uma inspiração portuguesa, patente em muitas outras manifestações.
03:31Embora mantendo as raízes portuguesas, os colonos, a maioria funcionários, comerciantes ou empresários,
03:46procuravam entretanto afirmar uma identidade social própria, promovendo iniciativas mais cosmopolitas.
03:51Em geral, uma família tinha sempre o mainato, que era o que passava a roupa, lavava e passava a roupa,
04:09o cozinheiro e o moleque da casa, que era o que servia à mesa, o que ajudava o cozinheiro a lavar as panelas,
04:18o que varria a casa, tudo isso. Pelo menos estes três.
04:23Se havia depois crianças, tinha a mamana, que era uma negra, que era para tomar conta dos meninos.
04:31A rotina do dia-a-dia de uma família portuguesa integrada no ritmo urbano próprio da África,
04:37em cidades como o Lourenço Marques, variava ao fim de semana.
04:42Na paisagem tropical, os portugueses recriavam então hábitos e tradições transportados da metrópole
04:47e até conforme as regiões do Portugal Europeu.
04:55A Namacha ficava a uns 60, 70 quilómetros na montanha, já para o interior,
05:01que lá era considerada a cintra de Moçambique,
05:04de maneira que havia muita gente que ia para lá ao domingo fazer piqueniques para a Namacha,
05:10tirando o caril, que aquilo era o prato obrigatório ao domingo,
05:13e o famoso frango acafrial, tirando isso, a cozinha era toda, toda, toda portuguesa.
05:20Era o bacalhau, era o caldo verde, era a feijoada, era todas essas coisas.
05:27Porque realmente, quando se dá o 25 de Abril, ia-se na segunda geração.
05:32Era o indivíduo de mérito de Moçambique, quer dizer, o comerciante, o funcionário público, etc.,
05:45que ia fazer essas coisas.
05:48O resto, os outros tinham as suas casas, mais ou menos luxuosas, com a sua piscina, etc.,
05:53e iam para as suas casas, ou iam para os hotéis, ou coisa assim.
05:56Em Moçambique, principalmente em Lourenço Marques e na Beira, a segunda cidade da Colónia,
06:01viviam menos de 100 mil portugueses, de diferentes estratos,
06:05numa população que era então superior a 6 milhões e meio.
06:09Em Angola, os brancos eram quase o dobro dos de Moçambique,
06:12cerca de 170 mil, entre 4 milhões e meio de africanos.
06:18Na região de Luanda, vivia um terço dessa população de origem portuguesa.
06:21Os restantes estavam distribuídos pelo território,
06:25com especial incidência nas regiões de Nova Lisboa, Huila e Benguela.
06:33Entre os mais influentes da elite colonial,
06:35tinha crescido descontentamente com o governo central,
06:38acusado de impedir o desenvolvimento das colónias.
06:41Uma política que só começa a mudar quando Portugal é pressionado a descolonizar.
06:46Havia indústrias que se queriam montar em Angola e não deixavam.
06:49Havia até culturas que não se podia ter em Angola.
06:54Eu não sei se o senhor sabe que a região de Moçambique
06:56já é muitíssimo boa para vinho, para uva.
07:00Pois não deixavam fazer vinho.
07:02Era uma ideia que havia na cabeça do Primeiro-Ministro,
07:06do Presidente do Conselho,
07:09que era o receio de que qualquer desenvolvimento
07:12econômico com uma raiz europeia,
07:16traria inevitavelmente o afastamento e a independência.
07:19Nos anos 40 e mesmo em 50 eram poucos os empresários.
07:24Mas esses poucos olhavam um bocado através para esta governação portuguesa.
07:30E em muitos deles começou também a instalar a ideia de uma autonomia,
07:35visando a uma independência.
07:36Começou a haver, digamos, da parte de muitos elementos brancos,
07:40a noção de que Portugal era uma camisa de forças
07:45que só servia para estar a criar problemas
07:49e a impedir a livre expansão daquela economia.
07:53Se o senhor abordar assim,
07:54mas no aspecto puramente político,
07:57essa gente estava contra o governo de Sanazano?
08:00Eu respondo, de um modo geral, não.
08:02Era o seu interesse económico que fomentava realmente esta insatisfação
08:08que conduziu por vezes a determinadas atitudes
08:11de cariz mais ou menos político contra o regime.
08:17Em 1958, esta insatisfação manifestou-se numa onda de oposição
08:22que varreu o país e se estendeu às colónias.
08:25Afastando o Craveiro Lopes,
08:27Salazar escolhe como candidato do regime às eleições presidenciais
08:30o almirante Américo Tomás.
08:33Com o apoio de parte da oposição,
08:34candidata-se Humberto Delgado,
08:36um general em ruptura com o Estado Novo.
08:39A sua campanha entusiasmou muitos portugueses.
08:42O regime tentou então por todos os meios
08:44garantir a vitória de Américo Tomás.
08:47Eu não guinei.
08:48Nessa altura já estava no serviço dos colores e de negros.
08:54Estava num ponto mais ou menos chave
08:56e foram tomadas todas, todas, todas as medidas
09:00que o Humberto Delgado não devia ter nem um voto.
09:03Quando foi às eleições do Zalgado,
09:05em plena praça,
09:06em plena praça,
09:08o administrador disse assim,
09:09ó tenente, eu era tenente,
09:10ó tenente, já ganhámos as eleições.
09:13Já ganhámos.
09:14Já apanhei o gajo que trazia as fichas,
09:18prendiu e apreendi as fichas.
09:20Conseguimos, apesar de tudo,
09:22fazer chegar às mãos de certa gente
09:25em que estava interessada,
09:27esses boletinhos de voto e votaram.
09:29E de maneira que aquilo foi um escândalo
09:31quando ofereceram alguns votos,
09:33mas é uma coisinha mínima,
09:37mas mesmo assim as autoridades
09:38ficaram muito desapontadas
09:40que aparecessem votos a favor do Humberto Delgado.
09:43Eu estou convencido,
09:44e muitos de nós estamos convencidos,
09:46que as eleições em Sede Bandeira
09:47foram ganhas por Humberto Delgado.
09:49O Delgado ganhou na totalidade em Moçambique.
09:51E ganhou especialmente na Beira,
09:53ganhou em Lourenço Marcos,
09:54ganhou em Boano,
09:55que era o centro militar do sul de Moçambique,
09:58e ganhou...
09:59Houve, de facto, uma grande aceitação,
10:01mesmo dos brancos residentes na Beira,
10:05apoiar o Humberto Delgado.
10:06Porque os negros foram muito poucos na altura,
10:09só não ser aqueles que eram negros assimilados.
10:11A cidade negra de Sede Bandeira
10:13estava perfeitamente divorciada
10:15de todo este processo.
10:16Quer dizer, Humberto Delgado,
10:17tudo isto estava completamente afastado.
10:19Foi, de facto, uma coisa
10:20que nós não tínhamos visto
10:22num comício cheio de gente.
10:24O cinema São Jorros, parece-me a mim,
10:26tinha uma lotação de 1.200 lugares,
10:30ficaram completamente cheios,
10:32e muita gente cá fora.
10:34Não havia uma praça fora,
10:36e o comício continuou praticamente cá fora
10:38quando o Humberto Delgado saiu.
10:40E aí a polícia começou a prender algumas pessoas,
10:43entre as quais eu próprio.
10:44Nessa altura ainda tínhamos certas ilusões,
10:48digamos que combater o colonialismo
10:52era combater o fascismo,
10:57a ditadura em Portugal.
10:59Então tínhamos alguma esperança
11:01nessas eleições do general Humberto Delgado.
11:05Quer dizer, que se houvesse uma mudança,
11:08as coisas mudavam também.
11:09A esperança era que o Humberto Delgado
11:11pudesse mudar a situação em Portugal.
11:15E com esta mudança, talvez a Angola
11:16pudesse também enverdar para mais liberdade.
11:21A mudança que, na verdade,
11:22Humberto Delgado não prometia,
11:24já que o programa da sua candidatura
11:26nada definia quanto à questão colonial.
11:29Ao contrário da de Arlindo Vicente,
11:31candidato apoiado pelo Partido Comunista,
11:33e que viria a desistir em favor do general.
11:35Eu era o presidente da comissão de candidatura
11:38do Arlindo Vicente.
11:40E começámos o nosso trabalho
11:43orientados no sentido de abrir muito
11:48o jogo político,
11:51abordando-se o aspecto da autodeterminação
11:54e da independência de Angola.
11:55Dá-se a fusão das duas candidaturas,
11:57esses temas da luta anticolonial
11:59não surgem na candidatura unida
12:03do Gozo, ficam esquecidos.
12:06Fundiram as candidaturas.
12:08E nós fundimos com a comissão,
12:10foi a orientação que recebemos,
12:12com a comissão de candidatura do...
12:14E recebemos orientação já no outro sentido.
12:17Vamos lá parar um bocado com essa coisa,
12:18porque isto ainda não pode ser assim.
12:20As únicas pessoas portuguesas
12:22que eu vi na altura
12:23que aceitavam a independência das colónias
12:26e que cooperavam connosco
12:28eram os comunistas.
12:30Eu penso que a oposição em Portugal,
12:33nessa época,
12:34era mais claramente
12:36anti-salazarista que anti-colonialista.
12:39Muitos desses antifascistas
12:41achavam que estavam habituados
12:43a uma questão de educação,
12:46etc., de formação,
12:48que tudo era Portugal
12:49e que éramos todos portugueses.
12:53Desde o momento que houvesse liberdade,
12:55estaríamos todos bem
12:56à sombra da bandeira portuguesa.
12:58A ideia que provavelmente,
13:01de um modo geral,
13:01a oposição alimentava
13:03era que um regime democrático em Portugal
13:06poderia criar
13:09um novo relacionamento com as colónias
13:14que as não levasse à ruptura.
13:19Se enfrentavam a indiferença
13:22da oposição portuguesa,
13:23os nacionalistas africanos
13:24contavam, no entanto,
13:25com apoios na frente
13:26da luta internacional
13:28contra os impérios coloniais.
13:30E nesses anos 50,
13:32alguns deles iniciavam
13:32a sua preparação política
13:34precisamente na capital do império
13:36que contestavam.
13:38Então estudantes cruzam
13:39sem Lisboa futuros líderes,
13:41sobretudo do MPLA,
13:42da Frelimo e do PAIGC,
13:43e investigam à margem da universidade.
13:46Nós, com a criado do centro de estudos africanos,
13:51nós queríamos primeiro
13:53nos reafricanizar,
13:55se você quiser,
13:56porque o trabalho da similação portuguesa
14:00que havia exercido
14:03sua influência sobre nós,
14:05nos havia interdit de conhecer
14:07as nossas próprias racinas.
14:09E nós decidimos,
14:11em Lisboa mesmo,
14:12todo um estudante,
14:13todo um consultor de livros,
14:15de documentos,
14:16e em reforçando o rapporto
14:17com o nosso país respectivo,
14:19de encontrar
14:21nossas forças africanas.
14:22Eles começaram
14:24pelo que eles chamaram
14:28a riafricanização dos espíritos.
14:31Começavam nas nossas terras,
14:32naquele tempo,
14:33não se estudava as nossas terras.
14:35Nem a geografia,
14:36nem a história de nada.
14:37Era, sobretudo,
14:38a geografia,
14:39a história de Portugal.
14:40Depois a história universal,
14:41portugueses clórias,
14:43a gente não sabia.
14:44Nós sabíamos mais
14:46da geografia de Portugal
14:48do que
14:50das nossas próprias terras.
14:52Entrar nas questões políticas
14:54foi precisamente
14:55quando chegamos a Lisboa,
14:57e frequentando
14:58a Casa dos Santos Impérios.
15:00Já havia pessoas
15:01mais evoluídas,
15:02colegas mais evoluídas,
15:04mais conhecedores,
15:05que liam livros, etc.
15:07Foram-se formando,
15:09digamos,
15:10certas amizades,
15:11relacionamentos,
15:11que acabaram depois
15:12por estar no princípio
15:14de nos encontrarmos
15:14mais tarde,
15:15cada um de nós
15:16já nos seus respectivos
15:17movimentos de libertação.
15:20Nós estávamos lá
15:21sempre caídos.
15:22Aquilo ficava
15:22apinhado.
15:24Pelo menos os angolanos
15:25estavam lá redondos todos,
15:27e não só os angolanos.
15:29O Casa dos Santos Impérios
15:29tinha uma atividade
15:31de apoio
15:32aos estudantes
15:34com bolsas reduzidas.
15:39Tínhamos um lar
15:40para as pessoas
15:42com menos possibilidades.
15:45Tínhamos na sete também
15:46uma cantina,
15:46portanto,
15:47com preços bastante.
15:48bastante.
15:49E, sobretudo,
15:50bastante atividade cultural,
15:52convidámos-nos
15:53fazendo sessões
15:54de poesia,
15:55de literatura,
15:57e também,
15:58em determinados
15:59períodos,
16:00organizámos
16:00festas,
16:02bailes.
16:03numa festa,
16:07quando foi
16:08Bandung,
16:09enquanto
16:10decorria o baile,
16:11havia os grupos
16:12que iam transmitindo
16:13as traduções
16:15das soluções
16:16da conferência
16:16de Bandung.
16:18quando o Cruma,
16:20o Kwame no Cruma,
16:21esteve em Portugal,
16:22os estudantes africanos,
16:24ousamos,
16:26e como tínhamos
16:26receio,
16:27é evidente,
16:28a questão era
16:28muito séria,
16:29ousamos enfrentar
16:32o perigo
16:33e fomos ao aeroporto
16:34esperar o Kwame no Cruma.
16:36No Cruma,
16:37o líder
16:37entre os líderes africanos,
16:39que então inspirava
16:39os sonhos emancipalistas
16:40de todo o continente,
16:42criava discípulos
16:43entre muitos
16:44universitários,
16:45que frequentavam
16:46em Lisboa,
16:46a casa dos estudantes
16:47do Império.
16:50Alguns viriam
16:51eles próprios
16:51a dirigir a luta
16:52pela independência
16:52em colónias portuguesas.
16:54Enquanto se forma
16:55em agronomia,
16:56Amilcar Cabral
16:57contacta a oposição
16:57portuguesa
16:58e desenvolve
16:59uma consciência
16:59nacionalista.
17:01Em 1956
17:02cria o PAI,
17:04mais tarde
17:04PAIGC,
17:05Partido Africano
17:06para a Independência
17:07da Guiné e Cabo Verde.
17:09Moçambicano,
17:10Eduardo Mondelando
17:11frequenta a universidade
17:12em Lisboa,
17:13recusa lecionar
17:14em Portugal
17:14e vai trabalhar
17:15para a ONU.
17:16Da unificação
17:17das forças
17:18nacionalistas
17:18moçambicanas,
17:19o Dinamo,
17:20o Nami
17:20e Manu,
17:22resulta a frélimo
17:23de que Mondelã
17:23se torna
17:24o primeiro presidente.
17:26Angolano,
17:27Mário de Andrade
17:27deixa a Universidade
17:28de Lisboa
17:28em 1955
17:29e estuda
17:30Sociologia
17:31em Paris.
17:32Torna-se presidente
17:33do MPLA,
17:34movimento formado
17:35por grupos
17:35nacionalistas
17:36como o PELOA,
17:37o MINA
17:37ou o Partido Comunista.
17:39A liderança
17:40do MPLA
17:40passará depois
17:41para Agostinho Neto,
17:42médico
17:42que também estudara
17:43em Portugal.
17:44Oden Roberto
17:45cresceu e estudou
17:46no Congo,
17:47trabalhou em Nova Iorque.
17:48Antes de liderar
17:49a UPA,
17:49militou desde 1954
17:51na UPNA,
17:52a União dos Povos
17:53do Norte
17:53de Angola,
17:54que pretendia
17:55restaurar o Reino
17:55do Congo,
17:56projeto apoiado
17:57por este país
17:58e pela Igreja
17:59Protestante
17:59e rejeitado
18:00e rejeitado
18:00por Portugal
18:01e pela Igreja
18:01Católica.
18:08A politização
18:09foi favorecida
18:10de forma indireta
18:11pelas Igrejas
18:12cristãs,
18:13influenciando
18:14muitos independentistas,
18:15incluindo
18:16alguns dos dirigentes.
18:17Mas o principal papel
18:18coube às missões
18:19protestantes,
18:20oriundas
18:21de países democráticos.
18:22Tanto a Católica
18:23como as protestantes
18:25existiam muitas informações.
18:27tudo a Igreja Católica
18:29está muito ligada
18:30ao poder colonial
18:31e através
18:32de certos padres
18:33angolanos
18:34nós tínhamos
18:35muitas informações.
18:36Enquanto na Igreja
18:37Protestante
18:39metodista
18:40ensinava-se
18:41a vontade
18:42e até incutia
18:43um pouco
18:43da história
18:44da Angola,
18:46já na Igreja Católica
18:48por ser
18:48a Igreja
18:49controlada pelo Estado
18:50omitiam
18:52pura e simplesmente
18:53qualquer coisa
18:54que tivesse
18:55conexão
18:58com a história
18:59da Angola.
18:59Os pastores
19:00desempenharam
19:01um grande papel
19:01porque também
19:02como sabe
19:03estavam ligados
19:03a missões americanas,
19:05britânicas,
19:06essencialmente,
19:08e portanto
19:08também tínhamos
19:09muita informação
19:09que vinha do exterior.
19:11O governo português
19:11não via com bons olhos
19:12a implantação
19:13das missões protestantes
19:14porque os protestantes
19:17vinham
19:17de países
19:18anglo-saxónicos
19:19e eram
19:20liberais,
19:22havia democracia
19:23nesses países
19:24e isso tudo
19:24poderia servir
19:25de maus exemplos.
19:26Dava-nos
19:27algumas noções,
19:28por isso também
19:29incutiam os professores
19:30essa ideia nacionalista.
19:32Não tão aberto assim,
19:34mas nós entendíamos
19:36entre linhas.
19:37Falava-se muito
19:38no sofrimento,
19:39dava-se exemplos bíblicos,
19:41e as pessoas compreendiam,
19:42compreendiam que realmente
19:43aquilo era uma mensagem
19:44destinada
19:45às casáveis nacionalistas.
19:47A Igreja Católica
19:48não pegava na Bíblia,
19:49era proibido
19:50ler a Bíblia.
19:51Era com base
19:52em bruxuras
19:53da doutrina cristã.
19:55A Igreja Presbyteriana,
19:58a Igreja Metodista,
20:00já tinha outro...
20:02Os missionários
20:03que eram suíços
20:05e americanos
20:06que trabalharam
20:08no sentido
20:08de despertar.
20:10O cardeal
20:11de Lourenço de Marques,
20:12nessa altura,
20:13afirmava que
20:14numa pastoral,
20:17que nós não viemos cá
20:20para fazer de pretos
20:21doutores.
20:23Nós viemos cá
20:24para fazer de pretos
20:25bons cristãos.
20:27De maneira que
20:27a terceira,
20:28quarta classe
20:28chega para o preto
20:29e não precisa mais
20:30do que isso.
20:31É um cardeal
20:32que estava a dizer isso.
20:33Quando houve a escramuça
20:35de Angola,
20:36em 1961,
20:37o cardeal
20:38disse que
20:39há os pretos
20:42que exigem
20:43a independência.
20:46Isso é pecado.
20:49Exigir a independência
20:50é pecado.
20:51O papel da Igreja
20:53Católica
20:54nas colónias
20:55era regulado
20:55pela Concordata,
20:57pelo Acordo Missionário
20:58e pelo Estatuto Missionário,
21:00documentos acionados
21:01entre Portugal
21:01e o Vaticano
21:02no início
21:03dos anos 40.
21:05Por eles,
21:06se cometia a Igreja
21:06a missão
21:07de difundir
21:07a fé católica
21:08e de garantir
21:09o ensino indígena
21:10dentro de uma
21:11orientação
21:12nacionalista portuguesa.
21:15Embora
21:16setores e figuras
21:17até da própria
21:17hierarquia
21:18tenham rejeitado
21:19ou mesmo
21:20combatido
21:20a posição oficial
21:22face à guerra,
21:23prevaleceu
21:24uma sintonia
21:24entre a política
21:25ultramarina
21:26do regime
21:26e a orientação
21:28institucional
21:28da Igreja Católica.
21:30Uma sintonia
21:31de ponto de vista
21:31até porque ele sabia
21:33que o arcebispo,
21:34a sintonia
21:35do arcebispo
21:35era portuguesa.
21:37Portanto,
21:38não andava
21:39com histórias
21:40nem que propagandas
21:42anti-portuguesas.
21:43Era portuguesa
21:44porque Moçambique
21:45era uma província,
21:47era um canto
21:48de Portugal.
21:49No seio da Igreja
21:51surgiam entretanto
21:52e já nos anos 50
21:53vozes dissonantes
21:54do catecismo oficial.
21:58Umas apenas
21:58críticas,
21:59outras de oposição
22:00e por parte
22:01de figuras
22:01tão diferentes
22:02entre si
22:02como o bispo
22:03da Beira,
22:04Dom Sebastião
22:05Soares de Rezende,
22:06cujo sentido
22:06de justiça
22:07para com os africanos
22:08o tornava suspeito
22:09perante as autoridades.
22:11Ou o vigário-geral
22:11da arquidiocese de Luanda,
22:13Manuel das Neves,
22:14independentista angolano.
22:15Fez tudo
22:17por esta nação.
22:18Porque ele dizia
22:19a independência
22:20não é para nós,
22:21não é para mim.
22:22Não, não é para mim.
22:26Nós já estamos independentes.
22:27A independência
22:27é para esses
22:28a plena.
22:30É por eles
22:31que a gente luta.
22:32É por essa plena.
22:33O movimento
22:34que se reclama
22:35da figura do Cónigo,
22:36a UPA,
22:37surge na sequência
22:38do Congresso
22:39dos Povos Africanos,
22:40realizado em Acre,
22:41em 1958.
22:42É por influência direta
22:44dos líderes presentes
22:45entre os quais
22:46Nkrumah,
22:47que a UPA,
22:48formação de base
22:49tribal e regional,
22:50se transforma em UPA,
22:51movimento que a partir daí
22:53se afirma como
22:54lutando pela independência
22:55de todo o território angolano.
22:57Quando ele a cheguei,
22:58expliquei a situação
22:59e disse,
23:00então,
23:00nessas condições,
23:03a luta aqui
23:05nós queremos saber
23:06o que é que se passa
23:06em Angola.
23:08Não vamos agora
23:09para falar
23:14de uma parte,
23:15uma coisa regional,
23:16nos campos
23:16de Angola.
23:18E assim que o nome
23:18de UPA
23:19transformou-se
23:21em União
23:22das Populações
23:23de Angola.
23:23Nós,
23:24de 1958,
23:27foi um tempo
23:29bem fértil,
23:32porque quando lançávamos
23:33os nossos panfletos,
23:36quando enviávamos
23:39os nossos emissários
23:40que vinham
23:41de cá para lá
23:42e de lá para cá,
23:46encontravam
23:47as populações
23:48prontas
23:49a contribuir.
23:512,500
23:52cada pessoa.
23:53Este dinheiro
23:54vai no Congo
23:55Democrática.
23:56Recebemos um delegado
23:57que vinha do Congo
23:58chamando
23:58Choriquim Piololo,
24:00com panflete da UPA.
24:01Além dos que iam
24:03a pé
24:05daqui
24:06de Wanda
24:07para o Congo,
24:09ainda aproveitávamos
24:10os marítimos,
24:12as companhias belgas,
24:15que atracavam
24:17o lubito.
24:20De maneira que
24:20eles levavam,
24:22era a nossa via direita
24:24para alimentarmos
24:26o sul da Angola.
24:28Em panfletos,
24:28em língua,
24:29sobundas,
24:29em português,
24:30etc.
24:31A Igreja Católica
24:32estava disseminada,
24:35a casa tinha,
24:35através das catequeses,
24:36dos mares,
24:38as tais missas,
24:39a missa das seis,
24:41e durante as missas
24:44é que nós
24:45trocávamos
24:45algumas informações
24:46e alguns panfletos.
24:48O panfleto era
24:48aqui Congo
24:49e português.
24:53Agora,
24:53nós aqui em Luanda
24:54é que
24:55transformávamos
24:56em Kimbundo.
24:58Não se entregava
24:58nas mãos.
24:59Nós tínhamos elementos
25:00ligados,
25:01como, por exemplo,
25:01criados também,
25:02que trabalhavam
25:02em casas
25:03de brancos,
25:04pessoas ligadas
25:06ao caso.
25:08Portanto,
25:08chegava e
25:09enfiava-se
25:10debaixo das portas.
25:13Começamos a escrever
25:13nas paredes,
25:14viva a UPA,
25:15metíamos duas letras,
25:16E,
25:17virar atrás,
25:19europeu expulsado.
25:20Então,
25:21as milícias,
25:22que eram
25:22mobilizadas
25:23pelos portugueses,
25:24não compreendiam
25:25aquelas duas letras,
25:27grandes,
25:27escrevíamos nas paredes.
25:31A agitação em Angola
25:32tinha como fonte
25:33inspiradora
25:34a agitação revolucionária
25:35no Congo,
25:36em breve independente.
25:38Os tumultos já tinham
25:38começado
25:39e em janeiro deste ano
25:40de 1959
25:41obrigam muitos angolanos
25:43a regressar à Angola,
25:45onde engrossam
25:45as fileiras nacionalistas.
25:48Já instalada no território,
25:50a PIDE prende
25:50mais de 50 angolanos
25:51e portugueses
25:52de diversos quadrantes,
25:54num processo
25:54que obriga
25:55a direcção do MPLA
25:56a fixar-se em Conakry
25:57e que chega
25:58à imprensa internacional.
26:01Acusados
26:02de atentar
26:02contra a segurança
26:03do Estado,
26:04os presos
26:04são figuras
26:05destacadas
26:05da vida angolana,
26:07política,
26:08intelectual,
26:09cultural
26:09e artística.
26:11O caso de
26:12alguns elementos
26:13do grupo musical
26:14N'Gola Ritmos.
26:18O N'Gola Ritmos
26:19muitas vezes
26:20atuava no meu bairro
26:21e eu várias vezes
26:22ia lá assistir
26:23as sessões
26:24de treino,
26:26de repetição
26:27desse conjunto musical.
26:29Íamos trocando
26:30algumas informações
26:31sobre o que se passava,
26:35o que os alunos pensavam,
26:37que tínhamos que lutar
26:37pela independência.
26:48Canções muito nacionalistas,
26:50isto é a realidade
26:51que provocou
26:52a prisão
26:52de muitos deles.
26:53tanto o Liceu Vieira Dias,
26:55o Amadeu Amorim,
26:56a Quina Está Vivo,
26:58o Nino Nundongo,
26:59José Maria.
27:16A população de Luanda,
27:17brancos e pretos,
27:19vivia então
27:19sob um ambiente
27:20de incerteza.
27:21o panfleto espalhava-se
27:23pelos moceques
27:23e pelo asfalto,
27:24pronunciando uma revolta
27:25iminente
27:26que a polícia
27:27procurava travar
27:28com vagas de prisões.
27:31Em abril,
27:31aviões e paracadistas
27:32sobre a cidade
27:33respondiam aos sinais
27:34de alarme
27:35com uma afirmação
27:36de força.
27:36o governador explicando-se,
27:41o governador explicaria que
27:45não era para fazer a guerra,
27:47mas para garantir a paz,
27:48mostrando força contra os panfletos
27:50e as ameaças de malfeitores
27:52que estava ali a força aérea.
27:55Levada, aliás,
27:55para a Angola
27:56por Caúlza da Riaga
27:57enquanto membro do governo.
27:59Desde logo,
28:00a minha primeira preocupação
28:02foi,
28:03eu era secretário
28:04de Estado de Aeronáutica,
28:05foi de estabelecer
28:06a força aérea
28:07em África,
28:09principalmente em Angola
28:10e Moçambique,
28:10com a finalidade
28:11de preparar
28:12essas duas províncias
28:14para uma agressão
28:15que se desenhava
28:16quase certa.
28:17Os comandos militares
28:22estão, no entanto,
28:23divididos
28:24quanto ao futuro
28:25do ultramar.
28:28Há entre as altas
28:29patentes,
28:29previsões
28:30e concepções distintas
28:31sobre o significado
28:32e a forma
28:33de combater
28:33a subversão
28:34nas colónias,
28:35especialmente em Angola.
28:38Enquadrados pela NATO,
28:39os militares portugueses
28:40preparam-se
28:40para a hipótese
28:41de uma guerra convencional
28:42e não de uma guerrilha.
28:44Daí,
28:44os exercícios
28:45repetidamente realizados
28:46na segunda metade
28:48dos anos 50.
28:49Em Santa Margarida,
28:51os exercícios do outono
28:52foram um êxito
28:53e, realizando-se
28:54todos os anos,
28:55estes trabalhos militares
28:56mantêm o nosso exército
28:58constantemente
28:58a par das novas técnicas
29:00e táticas
29:00da guerra moderna.
29:01A infantaria,
29:03novamente em foco
29:04como arma
29:04de grande colaboração
29:05na guerra atómica,
29:07capaz de concretizar
29:08em ocupação efetiva
29:09os terrenos
29:10libertos pela energia nuclear,
29:12tem sido objeto
29:13de intensa preparação.
29:16o ministro fez a
29:18Adolfo Santos Costa
29:18e preocupava-se muito
29:20com a reorganização
29:22das tropas
29:23coloniais.
29:25Mas a ideia
29:25que tinha
29:26era completamente
29:27diferente
29:28daquela
29:28que eu tinha.
29:30É que,
29:30em África,
29:32a guerra
29:33nunca poderia existir
29:35e que,
29:36portanto,
29:37o que era preciso
29:38era que as forças
29:40que estivessem
29:41implantadas,
29:42sobretudo em
29:43Angola e Moçambique,
29:44fornecessem,
29:45caso fosse necessário,
29:47uma divisão
29:48para combater
29:50na Europa.
29:50O chefe
29:51de Estado-Maior General
29:52das Forças Armadas
29:53e alguns elementos
29:55do exército
29:56nos quais depois
29:57se veio a distinguir
29:58o atual
29:59Marshal
30:00Costa Gomes,
30:02essa gente
30:03considerava
30:04que não,
30:05que não haveria
30:05uma guerra,
30:07que haveria
30:07uma ação
30:08que se resolvia
30:08em termos policiais.
30:10As minhas ideias,
30:11as ideias do Calusa,
30:12não conheciam,
30:14porque,
30:14nessa altura,
30:16o Calusa de Reaga
30:17era muito amigo
30:19de um general
30:20francês
30:22que era
30:24paraquidista
30:25e que defendia
30:27que,
30:28com dois regimentos
30:29de paraquidistas
30:29em Angola
30:30e dois em Moçambique,
30:32resolvíamos
30:32os problemas
30:33de todas de guerra.
30:34As contradições
30:36parecem espelhar
30:37o debate
30:37então ouvido
30:38no seio dos militares
30:39e do governo
30:39e que vai operar
30:41uma inflexão
30:41na política
30:42de defesa nacional.
30:45As tropas
30:45do Ultramar
30:46deixam de competir
30:46um reforço
30:47à metrópole
30:47em caso
30:48de guerra
30:48na Europa.
30:49Por outro lado,
30:50enquanto é decidido
30:51evitar novos compromissos
30:52com a NATO,
30:53planeia-se
30:54um investimento
30:55no aparelho militar
30:55das colónias.
30:58Essa tarefa
30:59que leva
30:59o então
30:59Coronel Costa Gomes,
31:01subsecretário
31:01de Estado
31:02do Exército,
31:02encarregado
31:03de estudar
31:03uma reestruturação
31:04das Forças Armadas,
31:05a viajar
31:06por territórios
31:07ultramarinos
31:08durante um mês
31:09e meio.
31:11Havia que considerar,
31:13sobretudo em Angola,
31:15as readaptações
31:15do dispositivo
31:16das unidades,
31:18a alteração
31:18do seu tipo
31:19em obediência
31:20às necessidades
31:21da guerra moderna
31:22e não esquecer
31:23que as forças terrestres
31:24podem e devem
31:26constituir um auxiliar
31:27valioso
31:27para o progresso
31:29das províncias.
31:30A guerra antissubversiva
31:31exigia técnicas
31:32que o exército
31:33português desconhecia.
31:35Alguns oficiais
31:36vão frequentar
31:37cursos
31:37de contra-guerrilha.
31:40Tivemos
31:40que aprender
31:41exatamente
31:42o tipo
31:43de operações,
31:44o cerco,
31:46limpeza,
31:48operações
31:48de cerco-limpeza,
31:49emboscadas,
31:51nomadização,
31:52quer dizer,
31:52tudo isto
31:52são nomes.
31:53Para nós
31:54era uma novidade
31:55muitíssimo grande
31:55e a grande surpresa
31:56que é
31:57a ação psicossocial
31:58e principalmente
31:59a ação psicológica.
32:00Em Portugal,
32:01Lamego reúne
32:02as condições geográficas
32:03ideais
32:04para treinar
32:04as novas técnicas.
32:07Na cidade em festa,
32:08desembarcam
32:09os primeiros
32:09instruendos.
32:10Chegam de Lisboa,
32:11do Batalhão
32:12de Caçadores 5,
32:13onde iniciaram
32:13a instrução
32:14e vão terminá-la
32:15nesta nova unidade.
32:18Para assinalar
32:19o início
32:19da atividade
32:19do CIOE,
32:21Centro de Instrução
32:21de Operações Especiais
32:22e também
32:23o que isso significa
32:24para o desenvolvimento
32:25local,
32:27Lamego
32:27preparar a sua
32:28melhor recepção
32:29e reserva
32:31um destaque especial
32:32para um nome
32:32que está na origem
32:34de toda esta novidade.
32:37Hermes de Oliveira,
32:38pioneiro no meio
32:39militar português
32:40do estudo
32:41da contra-insurreição.
32:44As suas iniciativas
32:45e as teorias
32:45militares francesas
32:46formarão,
32:47nos meses seguintes,
32:48três companhias
32:49de caçadores especiais.
32:51Serão as primeiras
32:52a sair de Lamego
32:53e também as primeiras
32:54a entrar numa guerra
32:55que estava a começar
32:56em Angola,
32:57mas que se previa já
32:59em Moçambique
32:59e na Guiné.
33:09Estava aqui a trabalhar,
33:10portanto,
33:10aqui ao lado,
33:11aqui no lar,
33:12do outro lado lá.
33:14Mas,
33:14de repente,
33:15à tarde,
33:16a terguinha,
33:16sentimos os tiros,
33:18os tiroteios.
33:19Uma mulher caboverdeana
33:20que passou de longe
33:21disse,
33:22o Sr. Rafael
33:23estão a matar no meio.
33:24O quê?
33:25Aproveitou um rapaz
33:26que passava com a motorizada
33:27e quer para ir para o porto.
33:29Passaram uma hora,
33:29duas horas de tempo,
33:30portanto,
33:31chegou-nos a notícia
33:32de que era uma revolta
33:33dos marinheiros
33:34cá no porto de Pijiquiti
33:35e houve aquele massacre.
33:37Esses marinheiros
33:38da Casa Coveia
33:40sabiam, por exemplo,
33:42das greves
33:43que se faziam
33:44na cara
33:46e com a crise.
33:47Então,
33:49já tinham utilizado
33:50a greve uma vez
33:51e conseguiram
33:53o aumento
33:54de salários.
33:56De maneira que,
33:57nessa altura
33:58do Pijiquiti,
34:00justamente,
34:02resolveram fazer
34:03uma greve
34:03para exigir
34:04um outro aumento.
34:06Na verdade,
34:07a Casa Coveia aceitou.
34:08Simplesmente,
34:09o administrador
34:09da Casa Coveia
34:11tinha sido
34:11um administrador colonial.
34:12e, ao receber
34:14a ordem da Casa Coveia
34:15para fazer os pagamentos,
34:16não os fez,
34:16disse.
34:17Agora,
34:18faço quando quiser,
34:18que vocês vão-nos
34:19arbitrar ao obtercer.
34:20Pois,
34:21quando apareceram
34:21militares,
34:24polícias
34:25e alguns civis
34:26armados
34:27atirando contra eles,
34:29então,
34:30fugiram
34:30para o mar,
34:33atiraram-se ao mar
34:34e foram alcançar
34:35os seus barcos
34:36e fugiram
34:37do porto de Bissau.
34:39O segundo
34:39comandante
34:40da polícia
34:41que dirigiu aqui,
34:42e, quando viu
34:43que aquilo
34:43estava a gravar-se,
34:47foi à esquadra
34:49buscar
34:50granadas lacrimogéneas
34:52para...
34:53E foi quando
34:53ele estava na esquadra
34:54também que aconteceu
34:55os acontecimentos.
34:56São 50 e qualquer,
34:5751, 52
34:58cadáveres
34:59recolhidos.
35:01Eu fui,
35:01assistiu o inteiro.
35:03O número exato
35:04de vítimas
35:05no 3 de agosto
35:05nunca foi apurado.
35:07Dois meses depois
35:08dos acontecimentos
35:09em carta a Lúcio Lara
35:10do MPLA,
35:11Amílcar Cabral
35:12referia-se a um balanço
35:13de 24 mortos
35:14e 35 feridos.
35:16Entretanto,
35:17nem o PAI,
35:17que antecedeu o PAIGC,
35:19também liderado por Cabral,
35:20nem outras forças
35:21então existentes,
35:22como o MLG
35:23de Cancoela-François Amandie,
35:25nenhum deles
35:25reivindica
35:26a iniciativa da greve.
35:27Esse movimento
35:29manteve,
35:30digamos,
35:32a sua força,
35:35na verdade,
35:36porque por trás
35:37do movimento
35:38estiveram homens
35:39do PAIGC
35:40a
35:40encorajar
35:43a ação.
35:44O Peniuti
35:45foi a revolta
35:46dos ouvriers
35:47que não foram encadradas
35:49nem nada.
35:50Eu tenho muitos
35:51pais
35:51que estão lá,
35:53porque,
35:54em geral,
35:54muitos de maio
35:55são de Manjac.
35:56são esses pessoas
35:58que estão revoltados
35:59por suas condições
36:00de vida,
36:01de ouvriers.
36:02Ninguém os fez,
36:03não os encadrou,
36:05nem nada.
36:06Contrairamente
36:06ao que o PAIGC
36:07disse,
36:08que é saúde,
36:09que é isso.
36:10É louco.
36:11Os estivadores
36:12trabalhavam para a casa
36:13Gouveia,
36:14sociedade António Silva Gouveia
36:16que controlava
36:16grande parte
36:17do comércio interno
36:18da Guiné
36:18e que estava ligada
36:20à CUF,
36:20que, por sua vez,
36:21detinha o monopólio
36:23do comércio externo.
36:25De facto,
36:26a Companhia União
36:26Fabril tinha
36:27grande domínio
36:28sobre a economia
36:28do território.
36:30Os principais recursos
36:31eram madeiras
36:32e produtos agrícolas,
36:33representando o amendoim
36:34de cultura obrigatória
36:35de dois terços
36:36das exportações.
36:39Com poucas unidades
36:39Fabris,
36:40a Guiné baseava
36:41a sua economia
36:41na agricultura,
36:43sustento de grande parte
36:44dos cerca de 525 mil habitantes
36:46que constituíam
36:47a população
36:48em 1960.
36:49Os colonos portugueses
36:54eram pouco mais
36:54de 2 mil
36:55concentrados
36:56sobretudo na capital.
36:58Em boa parte
36:58estavam ligados
36:59à administração
37:00que,
37:01como nas outras colónias,
37:02controlava toda
37:03a vida das populações.
37:05Desde o trabalho
37:06à cobrança de impostos,
37:07da aplicação da justiça
37:08à manutenção
37:09da ordem pública.
37:11A atuação
37:11das autoridades policiais
37:12e militares
37:13da cidade de Bissau
37:14no dia 3 de agosto
37:15de 1959
37:16acabou por associar
37:18o cais de Pijeguiti
37:19ao rumo futuro
37:21da história
37:22de Portugal na Guiné.
37:26Pijeguiti veio logo
37:27com coisas claras
37:28depois daquela matança.
37:30Naturalmente,
37:31antes do cais de Pijeguiti
37:32podia levar tempo
37:34a pensar
37:35a forma de traçar
37:36a luta, etc.
37:37Não precipitava
37:38nenhum de nós
37:39de avançar
37:40com o problema.
37:41Foi, digamos,
37:42como uma chibatada,
37:43digamos,
37:43ainda a acelerar
37:45mais
37:45do processo
37:46porque
37:47aí foi fácil
37:50mostrar
37:51à obra guineense
37:52que o colonismo
37:54português
37:55não brigava,
37:56que matava,
37:57era capaz de matar.
37:58Houve Rineu
37:59no bairro de Belém.
38:03Ali houve discussão
38:04muita coisa
38:05como é que podemos
38:06avançar com o trabalho.
38:08Eu até na altura
38:08estava a pensar
38:09numa autonomia
38:11administrativa
38:12que era
38:13para evitar
38:14matança.
38:15mas o Mirka Cabral
38:16não estava
38:17na corte.
38:17Eu, se verdadeiro,
38:18não aceito
38:18as negociações.
38:20Tenho feito
38:21muita diligência,
38:23mas nós
38:23somos obrigados
38:24a avançar
38:25para outra ideia.
38:26Foi então
38:27que se decidiu
38:28não suspender,
38:31mas, pelo menos,
38:31abrandar
38:32o trabalho político
38:34nos centros urbanos
38:36e passar
38:36para o campo.
38:37Disse,
38:38não podemos
38:38estar a fazer
38:38trabalho político
38:40num lado
38:42onde o inimigo
38:43é mais forte
38:43do que nós.
38:44E dali
38:45conseguimos
38:45fundar um partido
38:46eu e o Mirka Cabral
38:47que é a Frente
38:48da Libertação.
38:50Que era
38:50para agarrar todos,
38:51quer o MLG
38:52ou o Fling,
38:53o PI,
38:54que é para ter
38:55uma organização única.
38:58Isso foi fundado
38:58em 1959,
39:0119 de setembro,
39:03meia-noite,
39:04no bairro de Belém.
39:05A greve
39:06dos estivadores
39:07do Porto de Bissau
39:08e as suas vítimas
39:09parecem ter-se
39:10transformado
39:11em mobilizador
39:12da revolta
39:12e da sua expansão
39:13pelo interior
39:14da Guiné
39:14com o apoio
39:15dos países vizinhos.
39:19Em Moçambique,
39:19menos de um ano depois,
39:21viria a ter efeitos
39:21semelhantes
39:22a uma outra
39:22demonstração
39:23de descontentamento
39:24de populações,
39:25neste caso,
39:26macondas,
39:27cultivadores de algodão
39:28do distrito
39:28de Cabo Delgado,
39:30no norte do território.
39:35A feira do algodão,
39:37onde os agricultores
39:38iam entregar o produto
39:39do seu trabalho,
39:40era um importante lugar
39:41de encontro económico
39:42e também social
39:43na região
39:44de Cabo Delgado.
39:46Nos anos 50,
39:47o algodão
39:47era a principal cultura
39:49na zona de moeda,
39:50com uma produção anual
39:51da ordem
39:51dos 250 kg por hectare.
39:54Para isso,
39:54contribuía também
39:55o trabalho forçado
39:56dos camponeses,
39:57já que a cultura
39:58era obrigatória,
39:59mesmo que com o prejuízo
40:00da produção alimentar
40:01das famílias.
40:03O algodão
40:03era obrigatoriamente vendido
40:05a uma única empresa,
40:06a concessionária Sagal.
40:09Propício a abusos
40:10e venalidades,
40:11o sistema incluía
40:12ainda um imposto
40:13por cada quilo
40:14de algodão,
40:15cobrado pelo Estado
40:15aos camponeses.
40:17Dinheiro teoricamente
40:18destinado a um fundo
40:19para obras públicas.
40:21Ficou o governador
40:22de vários sítios,
40:22os governadores da altura,
40:24quando era lá
40:24das chamadas
40:26benjas do algodão.
40:27E as críticas
40:28que eles davam,
40:29não a mim,
40:29porque os intérpretes,
40:31era sempre o mesmo,
40:31que pagavam muito mal,
40:32que o algodão
40:33que era muito mal pago,
40:34que não ganhavam para nada,
40:34que ficavam sem fazer milho.
40:36Tudo era controlado
40:38por,
40:38chamava-se,
40:39capatazes.
40:40Se o algodão
40:42ou o dono
40:43estiver
40:44com problemas
40:46de saúde,
40:47que o algodão
40:48não é sachado,
40:49o algodão não é sachado,
40:51o campo está em mato,
40:53este era levado
40:54para a administração.
40:56Depois eram os abusos.
40:58É que havia terras
40:59que não eram próprias
41:00para o algodão.
41:00e os capatazes,
41:02que tinham uma percentagem
41:04sobre o algodão
41:04produzido
41:05e os chefes
41:06de secção,
41:07etc,
41:07etc,
41:07mandavam fazer
41:09algodão em sítios
41:10que não eram bons
41:10para produzir algodão.
41:12E eles
41:13trabalhavam um ano inteiro
41:14e tiravam um rendimento
41:16mínimo,
41:17um rendimento ridículo
41:19da cultura do algodão
41:20que fazia.
41:21E fazia-no porquê?
41:23Porque assim,
41:23pelo menos,
41:24evitavam ter
41:25de ir para o contrato
41:26durante seis meses.
41:27Quando não sai nada,
41:30não tem algodão,
41:33o que vai falar
41:34do coxifo de posto?
41:36Amistadoli.
41:38O que vai falar
41:39com ele?
41:40Ele vai receber
41:42porrada
41:42e vai ficar castigo.
41:44Vai ficar pereço.
41:46É por isso
41:47que muita gente
41:48aqui em Moçambique,
41:50muita gente
41:51encontra outras
41:52em Malaui,
41:54outras estão encontradas
41:56naquele tempo
41:58na África do Sul,
42:00encontrava
42:01a Rodésia,
42:03porque fugia
42:05por causa
42:05desse trabalho.
42:07Fugiam,
42:08sobretudo,
42:08para o Tanganyika,
42:09país a caminho
42:10da independência,
42:11cuja fronteira
42:12ficava a escassos
42:1360 quilômetros
42:14de moeda.
42:16E é com o argumento
42:17de contrariar
42:17essa imigração
42:18e influenciado
42:19pelo forte movimento
42:20cooperativo e político
42:21do país vizinho,
42:23que no final
42:23dos anos 50,
42:24um grupo
42:25de moçambicanos
42:26procura conseguir
42:27algumas alterações
42:28no regime
42:29da cultura
42:29do algodão.
42:31Liderado por
42:32Lázaro Cavandam,
42:33futuro dirigente
42:33da Frelimo,
42:34o grupo cria
42:35uma cooperativa
42:36que beneficia
42:36os agricultores
42:37sem pôr em causa
42:38a Sagal.
42:40A cooperativa
42:41de cuja ação
42:42resulta
42:42um aumento
42:42da produção
42:43e uma redução
42:44do trabalho forçado,
42:45vem entretanto
42:46reclamando
42:46novas condições,
42:48a que as autoridades
42:49finalmente prometem responder.
42:51O governador
42:52do distrito,
42:53capitão de Mariguerra,
42:54Teixeira da Silva,
42:56convoca então
42:56o povo de Moeda
42:57para uma reunião
42:58que junta cerca
42:58de 5 mil pessoas
42:59e onde parecem
43:01misturadas
43:01reivindicações laborais
43:03e políticas.
43:04Dois dos representantes
43:05da população,
43:06Faustino Vanomba
43:07e Kiribiti Divan,
43:09vêm do Tanganyika,
43:10país para onde
43:11os moçambicanos
43:11não podem viajar.
43:13era proibido
43:14e eles estavam
43:14expressamente
43:15proibidos de ir.
43:16Por causa das ideias
43:17já que havia
43:17do outro lado,
43:18é que do outro lado
43:19estavam 300 mil
43:20macondos
43:21que todos
43:22queriam regressar
43:23ao lado de cá
43:24e tinha sido isso
43:26aquilo que
43:27o Chibrito
43:30e o Faustino,
43:31principalmente
43:31o Faustino Vanomba,
43:34tinham vindo
43:35pedir ao senhor
43:35governador
43:36no ano anterior
43:37a eu lá chegar
43:38para a permissão
43:40deles entrarem.
43:41Quando eles falaram
43:42com o senhor
43:43administrador,
43:44o administrador
43:44informou ao governador.
43:47Então o governador
43:47deu a ordem
43:48de dizer que,
43:48olha,
43:49na quinta-feira,
43:51dia 16,
43:53convoca toda a gente.
43:56Foram expedidos
43:57aquilo que nós lá
43:58chamávamos cabos de terra
43:59para avisarem
44:00que
44:01a banja era quinta-feira
44:04e o senhor governador
44:05pretendia que lá
44:06estivesse toda a gente.
44:07A convocatória
44:07passou aldeia por aldeia.
44:10Em todo o Paladalto.
44:11de coleção
44:13chamados de moeda
44:14há um acontecimento
44:16muitíssimo importante.
44:19O senhor governador
44:20adivir.
44:22Portanto,
44:23homens,
44:24mulheres,
44:25velhos,
44:27todos nós
44:27podemos ir para a moeda.
44:28foi agitado
44:30o período anterior
44:31à marcação da banja.
44:33Tinham sido presos
44:34alguns homens e mulheres
44:35após terem atravessado
44:36a fronteira
44:37com o Tanganyika.
44:38As autoridades
44:39reforçam a vigilância
44:40enquanto os líderes
44:41da população
44:42insistem por uma resposta
44:43do governador
44:44juntando na véspera
44:45cerca de 500 pessoas.
44:48Facto que alertou
44:49o chefe de posto.
44:49Eu tenho
44:50uma informação
44:51de que iria haver
44:53uma banja
44:54no reglo
44:55de Nayengo
44:56à noite.
44:57E resolvi ir
44:58com dois cipais
44:59meus,
45:00o Ernesto
45:01e o Paulo.
45:03E,
45:03escondendo a carrinha,
45:05fomos a pé
45:05assistir à banja.
45:07Nós,
45:08cada um,
45:08pôs uma manta
45:09por cima,
45:09tapou-se,
45:10e então
45:11ouvimos aquilo
45:12que o senhor
45:12Chibirito
45:12estava a dizer.
45:14E uma das coisas
45:15que estava a dizer
45:16era,
45:17mesmo que apareçam
45:18os soldados,
45:19não há problema,
45:20porque eu com esta
45:20bangala passo assim
45:22e as balas dos soldados
45:24não me matam.
45:25Populações
45:26e autoridades
45:27juntavam sinais
45:28e receios
45:28sobre a banja
45:30do dia seguinte.
45:31Enquanto o chefe de posto
45:32investiga as intenções
45:33do povo,
45:34o governador
45:34Teixeira da Silva
45:35admite que a situação
45:36possa descontrolar-se.
45:39Dos quatro oficiais
45:40da Companhia Nativa
45:41sediada em Porto Amélio,
45:42a cerca de 300 quilómetros
45:44de moeda,
45:45cabe ao férs
45:45Silvestre Martins
45:46receber do governador
45:48a ordem de montar
45:49uma força de prevenção.
45:51Disse-me,
45:52não,
45:52você não vá preocupado
45:54porque
45:55não vai acontecer nada,
45:58não é?
45:59Eu já estou habituado a isto,
46:00já tenho feito
46:01imensas banjas
46:03e falado com as populações
46:04e pronto,
46:05e foi nesta perspectiva
46:06que eu avancei
46:09para
46:11para a moeda
46:13e fui fazendo um filme
46:14pelo caminho,
46:16não é?
46:17Fui fazendo um filme
46:18pelo caminho,
46:18aqui veem-se algumas imagens,
46:20esta de Ancoab,
46:21já distante de Porto Amélio,
46:23veem-se as viaturas,
46:25esta é a missão do Mariri,
46:28o Mariri era uma missão
46:29religiosa,
46:31isto é uma missão também.
46:33veem-se aqui
46:35um jipe,
46:37levavam um pelotão,
46:38eram dois sargentos
46:40e um cabo europeu
46:42e depois uns,
46:44talvez,
46:4427 ou 28 soldados.
46:47Um jipe,
46:48um animogue
46:49e esta caminhonete
46:51que se vê passaram ali.
46:52quando chegámos
46:54ao local
46:55que o governador
46:56me tinha indicado,
46:57verifiquei que aquilo
46:58era muito distante
46:59de moeda,
47:00resolvi não ficar ali
47:01e avançar
47:03para mais perto
47:04de moeda.
47:05E fui ter,
47:06então,
47:06um sítio
47:07onde havia água,
47:09havia um poço,
47:11vi depois
47:11que aquilo ficava
47:12aí uns 3 quilómetros
47:13de moeda.
47:15Tranquilamente,
47:16os homens aproveitam
47:17para a higiene
47:17e o almoço.
47:19Estão longe
47:20de imaginar
47:21que a agitação
47:22do povo de moeda
47:22antecedia uma banja
47:24que iria desmentir
47:24o otimismo
47:25do governador.
47:27Chegado de moeda,
47:29chegámos de manhã,
47:30era por volta das horas,
47:31era um enchente grande,
47:33uma distância
47:34mais de 5 quilómetros
47:35de distância
47:37em todas as artérias
47:39que dão para moeda,
47:40zona sul,
47:41norte,
47:42oriente,
47:42ocidente,
47:43tudo aquilo estava cheio.
47:45Comecei a ver
47:46um movimento
47:47quer dizer,
47:48muitíssimo fora
47:49do usual
47:50e não estranhei,
47:54como ninguém estranhava,
47:56que cada um trouxesse
47:57a sua catana na mão
47:58para se defender.
47:59Quando aquela multidão
48:01toda apareceu,
48:02o governador apareceu,
48:04inclusive algumas pessoas
48:05traziam cartazes
48:05escritos aqui
48:06o Ruro,
48:07o Ruro quer dizer
48:07a independência.
48:08Era a língua sua ilha.
48:10Põe aqui uma cartaz
48:11que estava escrito
48:12o Ruro.
48:13O governador passou
48:14em frente à administração
48:15com a bandeirinha
48:16no carro,
48:17mas ninguém ligou
48:17nenhuma.
48:19Sentados estavam,
48:20sentados ficaram.
48:21E aí cheirou
48:22uma esturro.
48:24Chegou a hora
48:25para vir
48:25e sair a bandeira.
48:28Veio o governador,
48:31e sair a bandeira,
48:32tocar o sereno
48:33para o toque da bandeira,
48:35ninguém obedeceu.
48:37Toda a população,
48:37ninguém,
48:38diz que não,
48:38nós não viemos aqui
48:39para assistir
48:40o estar da bandeira.
48:42Pronto,
48:42deixaram.
48:43batia a palma
48:44ao seu governador,
48:45dá-me licença
48:46que me mande
48:47hastear a bandeira
48:48agora,
48:49como deve ser,
48:49para ver se esta gente
48:50tem respeito.
48:53E hastiei a bandeira
48:54e toda a gente
48:54se levantou.
48:56Disse-lhe que agora
48:57o governador
48:58ia falar,
48:58começou a falar.
49:00Vamos mudar,
49:00vamos melhorar
49:01estradas,
49:02escolas,
49:03salários,
49:05e o trabalho
49:05forçado também.
49:07E a população
49:07diz que nós
49:08não viemos
49:08para ouvir isto.
49:10Essas palavras
49:11já têm falado
49:12há muito tempo.
49:13Hoje nós queremos
49:14que vocês
49:14conversem
49:16com esses homens
49:16que vieram
49:17da Taganica.
49:18Entenda-se com eles
49:19e é isso
49:21que nós queremos
49:21ouvir.
49:22Então o governador
49:23deixou de falar
49:24e convidou
49:25esses homens
49:26para dentro.
49:27Estavam todos
49:27ansiosos
49:28que o senhor governador
49:29vai falar
49:30qualquer coisa
49:31da independência
49:31do país.
49:33Nunca falaram
49:34em independência
49:34nem nunca falaram
49:35em nada.
49:37A banja começou
49:38da segunda vez
49:39com umas perguntas
49:41chucarreiras,
49:42ou seja,
49:43mesmo precisamente
49:44a provocarem.
49:45Se eles iam saber
49:46uma resposta,
49:47a pergunta
49:48que tinham que fazer
49:49era queremos saber
49:50a resposta
49:50a isto assim,
49:51assim.
49:51Passado algum tempo
49:53os homens saem
49:54e dizem
49:56de que esses homens
49:57que vieram
49:57da Taganica
49:58falaram mal.
49:59É o interesse
50:00para o que estava a dizer.
50:01Não exprimiam,
50:02não expressaram bem
50:03tudo aquilo
50:03de modo que pronto
50:05saíram dali
50:07e mandaram formarem
50:08lá na varanda
50:08da administração.
50:10Dali vieram
50:10com algemas
50:11para algemá-los
50:12e a população
50:13começou a reagir.
50:15A casa da administração
50:16tinha uma varanda
50:17à frente
50:17que é composta
50:19que fica
50:19entre o edifício
50:21propriamente dito
50:22e este muro
50:23que estão aqui a ver.
50:24O senhor governador
50:24deu uma ordem
50:26para eles algemar
50:27e quando eles
50:28começam a algemar
50:29aquilo entra tudo
50:31em tumulto
50:31e arrancam
50:32as pedras
50:33que estavam
50:34a ornamentar
50:35o círculo
50:36onde estava
50:36a bandeira implantada
50:37e os canteiros
50:39que havia
50:39na frente
50:40da administração
50:40começam-nos a atirar.
50:42Mandaram vir o jeep
50:42e a população
50:43pegou-me no carro
50:44para impedir
50:46para que o carro
50:46não saia,
50:47mete-se aqueles homens.
50:48Dali então
50:49toda a multidão
50:50avançou diretamente
50:52para lá
50:52onde estava
50:53o governador
50:53e ali
50:55com empurrões
50:56as pessoas foram
50:57até perto
50:58do governador.
50:59e o senhor governador
51:00convencido
51:01do seu
51:02prestígio
51:03avançou
51:04desceu as escadinhas
51:05e fui logo
51:06a correr atrás dele
51:07porque de facto
51:07eu era o responsável
51:08pela segurança.
51:10Fui logo a correr
51:11atrás dele
51:11e quando chega
51:12ao pé dele
51:12ele está a dizer
51:13calma
51:14Portugal faz justiça
51:15não há problema nenhum
51:17isto é só agora
51:19aqui
51:19não há problemas
51:20e é quando eu vejo
51:22então
51:22uma conda ao pé
51:23puxar
51:25que eles traziam
51:25sempre um punhalzinho
51:26à cinta
51:27puxar da sua faca
51:28para lhe dar
51:29a punhalada
51:30eu vi aquilo
51:32estou atrás
51:32do seu governador
51:33agarro com a mão esquerda
51:35o braço do seu governador
51:36puxo-o para trás
51:37ele tropeça
51:38nesta perna
51:39cai
51:40e eu fico de frente
51:42para o preto
51:43e o preto
51:43com o punhal
51:44desce
51:45e rompe-me o casaco
51:47e eu dou-lhe um tiro.
51:47Quando eu estive perto
51:48menos de um metro
51:50da distância
51:51onde estava o governador
51:52não consegui
51:54dar volta
51:55como os outros
51:56mas eu vi
51:57pessoas a cair
51:58tendo dado o primeiro tiro
52:00e tendo morto
52:01de facto o indivíduo
52:01que caiu ali
52:02porque eu só sei
52:04um sítio
52:04onde dar um tiro
52:05para qualquer movimento
52:06que é na cabeça
52:07não é
52:08os meus principais
52:10começaram
52:10também a defender-se
52:12começaram também
52:13a atirar
52:13para se defender
52:14entretanto
52:15chegou a coluna militar
52:16que tinha sido chamada
52:18surge um carro
52:19com um indivíduo
52:20em pânico
52:21a chamar-me
52:24o senhor Alferes
52:25vá de pressa
52:25vá de pressa
52:26morrem todos
52:27morrem todos
52:27vá de pressa
52:28e seguimos para a moeda
52:30isto é o edifício
52:31da administração
52:31da varanda
52:32da administração
52:33e eu cheguei
52:34precisamente
52:34por detrás
52:36deste edifício
52:37e quando cheguei ali
52:38já havia
52:41um tiroteio
52:42um tiroteio
52:44claro
52:45desembarcámos
52:46lançámos
52:49primeiro
52:50umas granadas
52:51lacrimogéneas
52:52aquilo não sortiu
52:53qualquer efeito
52:54arrebentavam
52:55mas não assustavam
52:57ninguém
52:57e então
53:00fizemos
53:02umas
53:03rajadas
53:04para o ar
53:04e depois
53:06o resto
53:07já não foi
53:10quer dizer
53:11comandado
53:12quer dizer
53:12já foi
53:13uma coisa
53:13quase individual
53:14cada um
53:15de nós
53:15fez fogo
53:17a tropa
53:18abateu
53:19alguns indivíduos
53:19ai certamente
53:20que sim
53:21não nos quantitativos
53:22enfim
53:22que
53:23que algumas
53:26pessoas
53:26dizem
53:27que falam
53:28600 indivíduos
53:29700 indivíduos
53:30nada disso
53:32fundamentalmente
53:34o tiroteio
53:34que houve
53:35foi do outro lado
53:36da administração
53:37onde estavam
53:37autoridades administrativas
53:39armadas
53:39e onde estavam
53:40os chipaios
53:41com isto
53:42não pretendo
53:42de maneira nenhuma
53:43desculpabilizar
53:44a ação
53:45a nossa ação
53:47as armas
53:48usadas
53:50foram
53:50pistolas
53:51metralhadoras
53:52que era o equipamento
53:53normal
53:54dos graduados
53:55pistolas
53:55metralhadoras
53:56FBP
53:56os soldados
53:57africanos
53:58só levavam
54:01as armas
54:02na mão
54:02mas não
54:03não iam municiadas
54:04os nossos soldados
54:05a única coisa
54:06que levavam
54:06era as
54:07leanfields
54:09e os
54:10sargentos
54:10FBPs
54:12ninguém
54:13tinha
54:13baioneta
54:14eu na altura
54:15fiquei com a ideia
54:16de que
54:17tinham
54:18morrido cerca
54:19de 20
54:1920 indivíduos
54:20embora
54:21alguém
54:22muito grande
54:22em Moçambique
54:23diga
54:23que se mataram
54:24600
54:25ali no terreno
54:26ficaram
54:2714
54:2712
54:30por bala
54:312
54:33por atropelamento
54:342 crianças
54:3534 feridos
54:38foram para o hospital
54:39de resto
54:40se morreram no mato
54:42em consequência
54:43das balas
54:43se foram mortos
54:45por feras
54:46porque iam a fugir
54:47não sei
54:49porque não fiz o recenseamento
54:50a seguir
54:51já lá não estava
54:52quantos foram massacrados
54:53bem
54:53a Fran Lime
54:54normalmente
54:55diz muitos
54:56os padres
54:57um dos padres
54:59que eu não ouvi
55:00diretamente
55:01mas que me contaram
55:02a versão dele
55:02e professor de confiança
55:04reduz um bocado
55:06e que assistiu
55:06e que assistiu
55:08às cenas
55:09reduz isso
55:10bastante
55:10ao número
55:11mais pequeno
55:12o padre
55:13que fez os funerais
55:15ele contou
55:16e disse
55:16não
55:16são 600
55:17são 30
55:18eu estive lá
55:19eu é que fiz
55:20as ezequias
55:21para aquela gente
55:22muitos morreram
55:23porque foram pisadas
55:24por outras
55:25que vinham ali atrás
55:26a fugir
55:26fugiram
55:27deixaram lá
55:281500 bicicletos
55:29conforme as versões
55:31mais ou menos
55:32oficiais
55:33de cada lado
55:33os mortos de moeda
55:35dão de menos
55:35de duas dezenas
55:37até algumas centenas
55:38autores diversos
55:40tanto referem
55:41meio milhar
55:41como centenas
55:42várias dezenas
55:44ou cerca de 50
55:46uma história de Moçambique
55:48publicada no Maputo
55:49fala de centenas
55:51de manifestantes
55:51massacrados
55:52baseando-se para isso
55:53em depoimentos
55:54como o de Alberto Chipande
55:55que no entanto
55:56foi bastante menos preciso
55:57nesta entrevista
55:58muita gente lá morreu
56:00quando acabou
56:01o tiro
56:01tudo
56:02então eu saí
56:0320 de bisqueleto
56:05fui pegar a minha bisqueleto
56:07e saí do campo
56:08da batalha
56:09e assim foi
56:10o massacre
56:11praticado dessa maneira
56:12eu vi
56:13estive lá
56:13no dia seguinte
56:15chegaram reforços
56:17portanto
56:17de Porto Amélia
56:19creio que
56:20dois dias depois
56:21é que nos vem
56:24reforçar
56:27uma companhia
56:28de
56:29Nampula
56:30que é a companhia
56:32que nós vemos
56:33aqui formada
56:34em frente
56:36da administração
56:37A segurança
56:38e a autoridade
56:39deixarão de ser garantidas
56:41apenas pelo corpo
56:42de Cipaios
56:43os símbolos
56:44da soberania portuguesa
56:45serão agora
56:46defendidos
56:46pela força militar
56:47de um batalhão
56:48e no entanto
56:50é nesta região
56:51de Cabo Delgado
56:52bastante abandonada
56:53e vista pelos funcionários
56:54coloniais
56:55como um lugar
56:56de desterro
56:56que vai intensificar-se
56:58a contestação
56:58a esses símbolos
56:59impulsionada
57:00pelos acontecimentos
57:01de moeda
57:01Aquilo que me percebi
57:04na altura
57:05não vi
57:06qualquer
57:07atitude
57:08ou palavras
57:09que
57:10exigissem
57:12qualquer tipo
57:12de independência
57:14ou coisa parecida
57:15embora um graduado
57:16meu até
57:16me disse
57:18que viu lá
57:19um papel
57:20que dizia-me
57:21com deslivros
57:22Os donos
57:22diziam não
57:23queremos mudanças
57:24políticas
57:25econômicas
57:26os chefes
57:27cabecilhas
57:28eles
57:28viam de uma maneira
57:29graduada
57:30para não ser ofensivos
57:31logo
57:32mas o público
57:33nós
57:33que fomos
57:34porque eu participei
57:35nós lá
57:36dizíamos logo
57:37gritávamos
57:37de independência
57:38de verdade
57:39A reação
57:39das autoridades
57:40coloniais
57:40é que foi
57:41perfeitamente estúpida
57:42às vezes
57:42de perceberem
57:43porque é que havia
57:43aquela reivindicação
57:45que eles queriam ser
57:46independentes
57:47e claro
57:48foram pedir a uma pessoa
57:49que não lhes podia
57:50dar independência nenhuma
57:51não o podia fazer
57:53Os portugueses
57:54não perceberam
57:55exatamente
57:56o que se passou
57:57àqueles autoritários
57:57portugueses
57:58porque ninguém explicou
57:59ninguém
58:00também
58:00esses não perceberam
58:01porque não esperavam
58:02aquela reação
58:03dos portugueses
58:04ninguém esperava
58:05o quê?
58:06Desconheci
58:07nesse dia
58:08desconheci os macondos
58:09porque eles
58:11para mim
58:11sempre me puseram
58:12as perguntas
58:13ali de caras
58:14e digo-lhe
58:16que são homens
58:17que põem as coisas
58:17de caras
58:18são leais
58:20como se
58:21naquele dia
58:22houvesse em cada rosto
58:23um disfarce
58:24de mapico
58:25máscara
58:26ritual
58:27e dança
58:28do planalto
58:29de moeda
58:29disfarce desafiador
58:31umas vezes
58:32mostrando superioridade
58:33outras satirizando
58:34invocando espíritos
58:36o mapico
58:37também podia ter
58:38cara de branco
58:39de polícia
58:39de chefe de posto
58:41e por detrás
58:42dessa máscara
58:43um jovem maconde
58:44celebrando a idade adulta
58:46a emancipação
58:47e aí
58:52O que é isso?
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