Avançar para o leitorAvançar para o conteúdo principalAvançar para o rodapé
  • 30/05/2025
Moçambique... Angola... Guiné... As feridas de um país... As verdades escondidas da Guerra Colonial.
Transcrição
00:00:00A Dianango, minha mãe,
00:00:03Nango Pela,
00:00:05eu estou a morrer.
00:00:07E o Tiai, a arma está aqui.
00:00:10O Ena, em onde o Monaleg?
00:00:12Vão, a guerra não deixa.
00:00:14É o que dizia.
00:00:15Comandante, toma minha arma, eu já não aguento mais.
00:00:19Eu vou morrer, comandante, eu vou morrer.
00:00:21Chamava-me assim.
00:00:23Comandante, eu vou morrer, toma minha arma.
00:00:26Três casos assim.
00:00:27A religião e a mãe, a mãe, a mãe.
00:00:30Mais que as namoradas, mais que as mulheres,
00:00:33mais do que os filhos, é a mãe, sempre.
00:00:35Desses três casos, um disse,
00:00:37ai, deixei a minha mãe,
00:00:39minha mãe está no sítio, está bom,
00:00:41vamos ver, vamos procurar a mãe,
00:00:43vamos ver se vamos ter até a mãe e tudo.
00:00:45Pedi um cartão,
00:00:47naqueles papéis grossos, fiz caricatura,
00:00:50toda a minha caricatura e tal,
00:00:52e quando cheguei nas pernas,
00:00:54só fiz uma perna e cortei uma perna ao lado,
00:00:56pronto, a caricatura completa,
00:00:58com uma perna e outra perna à metade.
00:01:01E então eu escrevi assim,
00:01:02disse, olha, mãe, conforme vejo a caricatura,
00:01:04que é fotografia, é conforme estou.
00:01:07Por isso, um dia, quando eu chegar,
00:01:08para não me perguntar como é que isso foi,
00:01:10a falta de uma perna,
00:01:11é aquela perna que você está a ver,
00:01:13que não chegou até embaixo,
00:01:14na outra perna que está calçada ao sapato,
00:01:17não tenho esta perna mais,
00:01:18fiquei assim.
00:01:19Mandei a caricatura.
00:01:20A mãe recebeu,
00:01:23mas mesmo assim,
00:01:24trouxe-lhe ainda problemas
00:01:25para ele desquilibrar a consciência,
00:01:27porque não estava a acreditar.
00:01:29Mas pronto,
00:01:29acredita,
00:01:31antes de eu chegar,
00:01:32a mãe sempre teve essa caricatura no corpo,
00:01:34como fosse o bebê,
00:01:36novamente,
00:01:37para ele ver como é que estou,
00:01:38como é que deixei de estar,
00:01:39não sei o quê,
00:01:40até quando nos encontramos.
00:01:42O que é que estamos?
00:02:12O que é que estamos?
00:02:42na Baixa do Cassange,
00:02:43em janeiro de 1961.
00:02:45A resposta militar portuguesa,
00:02:47iria ficar para a história como um massacre,
00:02:49em que terá sido usado Napalm.
00:02:52Os acontecimentos mobilizam jovens e estudantes africanos,
00:02:55muitos fogem de Portugal,
00:02:56ao encontro de movimentos independentistas.
00:02:59A invasão do então chamado Estado da Índia,
00:03:01será simbólica para o futuro do Império Colonial Português,
00:03:04onde se multiplicam os sinais de ruptura,
00:03:06e de onde chegam propostas de diálogo,
00:03:08que Portugal rejeita.
00:03:09Em Angola,
00:03:10aos êxitos militares portugueses,
00:03:12segue-se uma crise política.
00:03:14Os colonos alimentam a seis autonomistas,
00:03:16em torno do general de Zelândes,
00:03:17que acaba por entrar em conflito com Adriano Moreira.
00:03:21Salazar aproveita para pôr fim às reformas,
00:03:23demitindo o primeiro governador,
00:03:25e depois o ministro.
00:03:25No mês seguinte,
00:03:27abria-se uma nova frente.
00:03:28Na Guiné,
00:03:29onde já tinham soado os primeiros tiros,
00:03:311963 marca o início da guerra,
00:03:34conduzida pelo PAIGC.
00:03:35O que é isso?
00:04:05Aqui dia, ele entrou na titi, que denotou a desuola.
00:04:15Continue, papi.
00:04:18Desuola que entrou na Yekudi.
00:04:22Isso aí lá, uma hora denotou.
00:04:28O que ele disse?
00:04:29Ele disse que o capitão Kutu estava na Flacunda, ele disse que ele estava matando.
00:04:38Ele disse que ele estava matando.
00:04:39Ele disse que ele estava com a cabeça e que ele estava matando.
00:04:44Ele disse que ele estava matando.
00:04:47Ele disse que o capitão Kutu estava se casando.
00:04:51O ataque ao quartel de Tite, povoação situada longe das fronteiras com os países vizinhos,
00:04:56assinala o começo da guerra pelo PAIGC, já antes anunciada por algumas sabotagens.
00:05:01As autoridades tinham começado a tomar medidas e o quartel de Tite, precisamente,
00:05:06foi até visitado um ano antes do ataque do PAIGC pelo chefe do Estado-Maior da Força Aérea.
00:05:11O general Mira Delgado fora de Lisboa para inspecionar os aeroportos da Guiné.
00:05:17A visita não significava, no entanto, que os comandos militares previssem um ataque naquela zona do território.
00:05:24De resto, era então manifesto o ambiente de confiança e otimismo que se vivia entre os militares em comissão,
00:05:32acompanhados pelas famílias.
00:05:39No entanto, nem toda a realidade estava na imagem,
00:05:42já que o quartel de Tite era então uma enorme cadeia, onde muitos prisioneiros encontravam a morte.
00:05:47As vagas de prisões, que incluíram Rafael Barbosa, dirigente do PAIGC,
00:05:51mostravam que os portugueses estavam informados da subversão que se preparava,
00:05:55mas não se suspeitavam que seria aqui que, meses depois,
00:05:58soariam os primeiros tiros com que o PAIGC se propunha inverter a ordem colonial estabelecida.
00:06:03No início, os portugueses pensavam que era chegar e vencer.
00:06:08Era tortura, era violência, era tudo para intimidar as pessoas.
00:06:13Às vezes prendiam pessoas e amarravam no carro e começavam a fazer o carro andar,
00:06:18a pessoa caía e iam arrastar-lhe, arrastando até acabar por morrer.
00:06:25Era a tropa, era a tropa colonial.
00:06:28A tropa existente na Guiné em 1961, quando começa a subversão,
00:06:32limitava-se a cerca de um milhar de homens, a maioria de recrutamento local,
00:06:36havendo mesmo um centro de instrução militar em Bulama.
00:06:41Um quartel que era exclusivamente destinado à formação de guineenses por graduados portugueses.
00:06:47Nesta altura, não é certo que os ensinamentos transmitidos neste centro de instrução,
00:06:54que incluíam também formação escolar e não apenas militar,
00:06:57tivessem em conta as ameaças de guerrilha que pairavam sobre o território.
00:07:01Mas a tranquila rotina, antiga de muitos anos, iria em breve ser substituída nos quartéis.
00:07:07Portugal prepara guineenses que lutem por uma bandeira.
00:07:10O PAIGC treina guineenses que se batam por uma outra.
00:07:13Começámos com pequenas sabotagens, cortes de meios de comunicação,
00:07:18criar obstáculos nas estradas, batendo árvores para impedir a circulação de tropas.
00:07:26Nessas coisas assim, pequenas sabotagens de bombas aqui de um lado,
00:07:31que nós mesmo fabricávamos, porque aprendemos isso tudo na China.
00:07:34Foi assim que começou a coisa, porque não havia armas.
00:07:37As primeiras armas que vieram, que chegaram, portanto, a Conacri, através de Marucos.
00:07:47Começámos a transportar armas de Conacri para o interior do país, mas no sul, só no sul.
00:07:54Era uma marca pachanga, rico, porque rico também era checo, granadas, pistolas, TT.
00:08:03Mas foi, portanto, o desencalhar mesmo da luta, em 63, foi essas armas que serviram, portanto, em Tite.
00:08:09O assalto a Tite por centena e meia de homens com quatro pistolas, algumas espingardas leanfield,
00:08:15granadas, catanas e flechas, foi comandado por Arafan Mané, que nos disse ter feito o ataque sem consultar Cabral.
00:08:21E que só quando o ouviu falar na BBC, tomou consciência de que tinha iniciado a luta armada.
00:08:26A primeira atividade do PI e a IGC, na zona sul, acho que foi uma surpresa.
00:08:31Para toda a gente, não calculavam que isso pudesse acontecer.
00:08:36Nós temos adotado uma estratégia que podemos chamar de centrifugio, não é?
00:08:43Porque, ao invés de fazer o que os portugueses esperavam, de partir da periferia do nosso país para o interior,
00:08:50nós temos que partir da periferia mesmo para a periferia.
00:08:53Isso é o que caracteriza toda a nossa acção militar.
00:08:55O partido nunca quis que se começasse as ações na fronteira.
00:09:01O Amir cada dia diz sempre contra isso.
00:09:04Se nós iniciarmos a ação armada na fronteira, as tropas coloniais vão fazer tudo para fechar as fronteiras.
00:09:14Portanto, a ação tem de ser começada no interior do país, no coração do país.
00:09:19E Tite foi identificado por isso.
00:09:22Perante o início das atividades da guerrilha e a sua rápida expansão pelo território,
00:09:26o dispositivo de defesa português, que em 1962 já dispunha de cerca de 5 mil homens,
00:09:31quase duplica no final de 1963.
00:09:35Há agora uma malha de quadrícula mais apertada, acentuando-se a presença militar em zonas de fronteira.
00:09:41Apesar disso, a guerrilha avança e depressa começa a surpreender os portugueses,
00:09:45através de emboscadas, fornilhos e minas anti-carro.
00:09:49Na Guiné começou logo com a guerrilha regular.
00:09:52Não houve aquela fase inicial da Angola do terrorismo, propriamente dito,
00:09:55e do guerrilheiro com a katana.
00:09:58Na Guiné começaram logo com armas automáticas, com os RPGs, aquela coisa toda.
00:10:02Nós emboscávamos, portanto, em pequenos grupos, em diferentes locais, mas em vários locais.
00:10:08Em vários locais.
00:10:10E é importante fazer aquela guerra de guerrilha, às vezes, né?
00:10:13E ganhávamos, portanto, algum troféu, né?
00:10:18E apanhávamos de uma arma, um G3, um Mauser.
00:10:22Inicialmente, o nosso armamento era melhor que o deles.
00:10:26A pouco e pouco, o nosso armamento ficou praticamente igual ao deles.
00:10:31E tendo eles muito mais minas do que nós,
00:10:36nós só punhamos minas anti-pessoal à volta dos acortelamentos.
00:10:42Eles punham minas de qualquer maneira, minas anti-pessoal de qualquer maneira.
00:10:52Por causa das minas anti-carro, formava-se uma coisa que se chamava a escala dos condenados.
00:11:05Era uma escala entre os condutores.
00:11:08Não iam sempre os mesmos.
00:11:10A gente à frente dos pés tinha uma data de sacos de areia,
00:11:16que normalmente eram as rodas da frente que rebentavam com as minas.
00:11:20Que talvez tenham poupado muitas vidas ou mesmo pernas decepadas.
00:11:28Estávamos razoavelmente, nunca se está bem, mas estávamos razoavelmente preparados para a guerra.
00:11:34E depois, no terreno, bem, ao fim de três ou quatro operações, a gente começava a dizer alto.
00:11:41Aqui qual é o problema? A visibilidade dentro da mata é nula.
00:11:45Quer dizer, que os ensinamentos de lá da Infantaria que andam a cinco quilómetros por uma hora é mentira.
00:11:49A gente aqui andar dentro da mata um quilómetro por hora é ótimo.
00:11:53Albuim Calvão comanda o destacamento de Fuzileiros Especiais nº 8, que em setembro de 1963 é o primeiro a chegar à Guiné.
00:12:01A Marinha estava em processo de implantação e entre os meios de que dispunha havia quatro embarcações a motor de que o PAIGC tinha conseguido apropriar-se.
00:12:11Quando eu cheguei, havia, por exemplo, uma fragata, uma fragata, havia três lanchas de fiscalização pequenas e havia várias lanchas de desembarco, duas ou três lanchas de desembarco já.
00:12:24Havia já uma esquadrilha, já estava constituída, por exemplo, a esquadrilha de lanças da Guiné.
00:12:29Os chineses eram de opinião que, para fazer guerrilha, era preciso ver montanhas.
00:12:46Quer dizer, que o guerrilheiro só se pode, de facto, mexer e bem mover-se em segurança quando há montanhas.
00:12:56Mas na Guiné não há montanhas.
00:12:59Então o amigo que disse, de um nocipinário, disse, bom, as nossas florestas é que são as nossas montanhas.
00:13:07Grandes áreas de floresta começaram rapidamente a ser atingidas pela guerrilha.
00:13:11Seis meses depois do assalto a Tite, as ações do PAIGC vetavam 15% do território, segundo declarações do próprio ministro da Defesa, Gomes Araújo.
00:13:21Pouco depois, o jornal norte-americano New York Times identificava uma larga faixa de floresta entre Olossato e Mansabá, onde os acessos aos centros urbanos ocupados pelos portugueses eram flagelados.
00:13:33O jornal acrescentava que seis aldeias que apoiavam a guerrilha tinham sido destruídas pelo exército e por bombardeamentos, incluindo o Napalm, de aviões norte-americanos F-86.
00:13:43Eu me lembro, eu pessoalmente só usei o Napalm, eu e os Pilots, no norte de Moçambique.
00:13:50Na Guiné, na altura, Juque não havia, nunca tinha ouvido falar sequer do Napalm.
00:13:54O F-86, que era um avião de caça que combateu na Coreia, por exemplo, que estava em Portugal ao abrigo da NATO.
00:14:01E esses aviões tinham ido para a Guiné de um modo mais ou menos super repetício.
00:14:06Depois houve pressões internacionais e então Juque, em finais de 64, por aí, tiveram que se retirar de lá.
00:14:15A proibição do F-86 era uma baixa importante na força aérea da Guiné, que não estava ainda estruturada.
00:14:22Para socorro a feridos e apoio logístico, havia cinco helicópteros Aluet-2, enviados de Angola, e alguns aparelhos da ACOTA.
00:14:29Para ações de fogo, sobretudo os T-6, aviões sem velocidade para fugir às antiaéreas que o PSGC viria a ter.
00:14:35Logo em maio de 1963, morre Eduardo Casals e fica prisioneiro António Lopato, quando colidem no ar os T-6 que pilotavam, depois de um deles ter sido alvejado.
00:14:44Em poucos meses, a guerrilha obrigava os portugueses a retirar populações para zonas fortificadas.
00:14:51Cortava vias de circulação no sul e atravessava o rio Geba, atingindo as matas de Oio e Cantanhês, onde a tropa não entrava.
00:14:59E abria uma nova frente entre o rio Geba e Cacheu, após uma primeira fase em que a sua ação era limitada pela hostilidade do Senegal.
00:15:08A massura tinha mais possibilidade de apanhar armamento. Nós tínhamos aquele problema no Senegal.
00:15:15E nós tínhamos poucas armas, pistolas. Eu, por exemplo, eu tinha um pistola, eu tinha quase 50 pessoas comigo.
00:15:23Sou a única pessoa que tem pistola, sou eu. Só que irritava.
00:15:26Depois, introduzimos alguns materialadores pequenos. Por exemplo, um grupo de 20 homens, 30 homens. Havia só 2 armas.
00:15:35Nós começamos com um transporte meio de população. Uma viagem de quase 2 semanas. É duro. Muitas pessoas morriam no caminho mesmo.
00:15:42As pessoas não podiam andar mais. Dizem que eu prefiro morrer. Isso é uma grande dificuldade, porque as pessoas não aguentavam.
00:15:48Mas tinha dois perigos. Corria para não ser atacado por tropas portugueses. Também Senegal.
00:15:57Países vizinhos da Guiné, o Senegal a Norte e a Guiné-Conagria Sul, hostilizavam-se mutuamente.
00:16:03O presidente do Senegal, Senghor, receava que Amílcar Cabral se tornasse num instrumento do seu adversário, Seco Toré,
00:16:09o presidente da Guiné-Conagria que acolhia e apoiava a guerrilha do BAI GC.
00:16:14Senghor preferia que os guineenses optassem pela via pacífica.
00:16:18Era contra o uso da violência para se obter a independência. Ele dizia isso claramente.
00:16:26Não podíamos contar com ele nesse sentido.
00:16:33Por outro lado, nessa base, nós chegámos a estar mesmo interditos de circular no território senegalês.
00:16:40Nós íamos ao Senegal grandestamente. Precisávamos do Senegal, mas dizia a fronteira norte.
00:16:47Acolhendo vários grupos independentistas em Dakar, o Senegal tenta influenciar a luta dos guineenses.
00:16:53Formações como a Fling, criada em 1962, o MLG e outros disputam o apoio de Senghor e o reconhecimento internacional,
00:17:02nomeadamente da Organização da Unidade Africana, que entretanto se formara na Etiópia.
00:17:07Na noite de Addis Abeba, na Conferência de Addis Abeba, em 1963,
00:17:13o Senegal, o governo me pediu de regrupar todos os outros movimentos,
00:17:20e que o Senegal nos donesse a sua palavra, que ele ia lhe aportar uma ajuda ao nacionalismo.
00:17:27Seguindo essa opção de Senghor, seguindo essa opção de não violência,
00:17:34evidentemente que todo o movimento que aparecesse em dizer que era não violento, ele apoiava.
00:17:39E, por exemplo, punha-lhes a rádio à disposição, tinham tempos de antena e tudo, porque eram não violentos.
00:17:48O caso da União dos Naturais da Guiné Portuguesa, de Benjamin Pintoboul,
00:17:53um grupo apoiado por Senghor que via nos avanços do PIGC uma vitória do vizinho rival, Secutoré.
00:17:59Para dialogar sobre uma autonomia para o território, Pintoboul é chamado a Lisboa,
00:18:03num processo que apenas foi noticiado em França.
00:18:08Salazar parece aceitar o projeto, mas depois rejeita-o, num longo discurso ao país, que começa com uma advertência.
00:18:15Esta é a súmula das minhas palavras de hoje. Vamos a ver se nos entendemos.
00:18:22A política nacional, respeitados os seus elementos essenciais, uma capital, um governo, uma política,
00:18:32é perfeitamente compatível com a máxima descentralização administrativa na constituição de órgãos locais e na definição da sua competência.
00:18:43Evidentemente que a administração tem de mover-se dentro do círculo mais largo que é a política nacional
00:18:51e terá de agir em obediência às suas diretrizes.
00:18:55Como se conjuga uma administração plenamente autónoma com a unidade governativa nacional.
00:19:05O chefe do governo era claro. A sua política ultramarina excluía o diálogo sobre a autonomia.
00:19:12Isto apesar de ter recebido semanas antes Pintoboul e por duas vezes.
00:19:17No primeiro encontro, Salazar comenta que por detrás de Pintoboul está uma ambição de Senghor de anexar a Guiné.
00:19:23Mas, dois dias depois, diz que as propostas do guineense iam ao encontro daquilo que também ele próprio desejava.
00:19:30Salazar sabia que Pintoboul era para o movimento de Ribecaça, para a provincialização da Guiné-Bissau.
00:19:39E ele recebeu esse título.
00:19:41Falou com o Dr. Salazar. Falou comigo.
00:19:45Mas aqui não teve recebido até porque o movimento dele não tinha prestígio, não tinha força.
00:19:52O único movimento que tinha prestígio era o do amigo Cabral.
00:19:58Silva Cunha era então secretário de Estado do Ultramar.
00:20:01Fora ele que em Bissau sofriara a missão diplomática expressamente autorizada por Salazar
00:20:06para contactos com a União dos Naturais da Guiné-Portuguesa visando conversações sobre a autonomia.
00:20:12Nas manifestações organizadas pelas autoridades não havia sinais de qualquer alteração à política oficial do governo.
00:20:19Mas o processo era sido atentamente pelas várias forças.
00:20:24Sempre estivemos convencidos de que o encontro com Salazar não é dar a lado nenhum.
00:20:30Porque já tínhamos a amostra qual era a posição do governo português aí.
00:20:35E de facto foi o que aconteceu.
00:20:37Nós achamos, bom, se o Bruno consegue, consegue a independência da Guiné, sem guerra, que maravilha.
00:20:46Depois vamos todos calmamente para a Guiné trabalhar.
00:20:49Acontece, no entanto, que o projeto de Pinto Bulo parecia mobilizar mesmo alguns quadros do PIGC.
00:20:56Movimento que, pelo seu lado, voltará a dirigir-se às autoridades portuguesas antes de iniciar a guerra.
00:21:02Numa carta para Peixoto Correia citada em um livro por Gonzaga Ribeiro,
00:21:06Amílcar Cabral, elogia o governador e propõe negociações com base no direito à independência.
00:21:11Mas, ao mesmo tempo, classifica de suicida e criminosa a política de Salazar.
00:21:18Inflexível, a política do governo continuava aparentemente aceita pelo país em geral.
00:21:23Uma exceção surgia da clandestinidade.
00:21:25O povo português não está com Salazar na política de terror e de guerra nas colonias portuguesas.
00:21:30Há numerosas ações populares contra a guerra de Angola
00:21:33e podemos dizer que todos os dirigentes da oposição,
00:21:37todas as forças democráticas,
00:21:39condenam, se opõem à política de Salazar nas colonias portuguesas.
00:21:43Falando na Tchecoslováquia, país na esfera da União Soviética,
00:21:46que apoiava os movimentos independentistas,
00:21:48Cunhal não traduzia a realidade,
00:21:50já que poucos em Portugal questionavam a política ultramarina de Salazar.
00:21:54Destacava-se Manuel José Almeida Melo,
00:21:56com um livro prefaciado por Carveiro Lopes,
00:21:58ex-presidente da República.
00:22:00Pessoas que tomassem uma atitude de ruptura com o que estava a acontecer,
00:22:04só eu e o Marcelo Carveiro Lopes.
00:22:06Depois haviam uns que tinham alguma simpatia pelas ideias
00:22:09e haviam outros que, por exemplo, o Dr. Baltazar Rebelo de Sousa,
00:22:13ficou indignado com o meu livro.
00:22:14O Marcelo Gaetano também não gostou nada do meu livro,
00:22:16escreveu uma carta em que lhe falava no meu livrinho,
00:22:19até nem era o livro.
00:22:20É que o Marcelo Gaetano queria a evolução e eu queria a independência.
00:22:23Até então só o Marcelo Gaetano desafiara à quase unanimidade,
00:22:27propondo a transformação de Portugal num Estado Federal,
00:22:30com a autonomia progressiva das colónias.
00:22:33Embora inesperado para a época,
00:22:35ficava muito aquém do que defendia Homem de Melo,
00:22:38que fora deputado da União Nacional.
00:22:40O livro era uma crítica à política ultramarina que se estava a ser seguida,
00:22:44que eu dizia que não tinha sentido e que não tinha sobretudo saída,
00:22:47e que era necessário transformar os territórios do ultramar em novos Brasis.
00:22:52Em Angola, a guerra entrava numa segunda fase.
00:23:00Empurrada para fora das fronteiras pelas forças portuguesas,
00:23:03a UPA procurou organizar em guerrilha os grupos que tinham massacrado as populações no norte.
00:23:09O movimento de Olden Roberto está instalado no Congo, Leopoldville,
00:23:14onde dispõe de campos de instrução militar como o Kinkuzu ou Kizamba.
00:23:18Além disso, recebe ajuda de países africanos como a Argélia ou a Tunísia,
00:23:23e conta com apoios dos Estados Unidos, onde Kennedy impõe a sua política descolonizadora.
00:23:28A American Committee, quando nós viemos nos Estados Unidos, por exemplo,
00:23:32os documentos que nos apresentavam nas Nações Unidas,
00:23:36se prepararam no American Committee na África.
00:23:42Ajudou muitos africanos.
00:23:45Os apoios não recebiam diretamente do governo americano,
00:23:51através das organizações não-governamentais.
00:23:56Não sei o que na igreja, ou não sei o que...
00:23:59Então, vinha essa ajuda.
00:24:02Ultimamente, talvez recebiam, mas é que ele é que controlava nós, então...
00:24:07Enfim, era difícil ter a noção de como é que ele estava,
00:24:10a receber essa ajuda.
00:24:12Enfim, mas víamos só no terreno,
00:24:15desapareciam armas, alimentação e tal, não sei o que, etc.
00:24:21A América não podia nos dar armas para combater Portugal.
00:24:24Isto era impensável, não podia.
00:24:27Não podia.
00:24:28Nós, também, a arma dos países africanos.
00:24:31O povo que eles tinham nos dava.
00:24:33E também, uma grande parte de coisas,
00:24:35nós recuperávamos o governo dos ossos portugueses.
00:24:38Quando vinha buscar, por exemplo, nós recuperávamos armas.
00:24:42O apoio era material, armamento, dinheiro, para se o partido organizasse.
00:24:49Estava no foro da CIA, os americanos estavam apoiados.
00:24:55E outras forças, por exemplo, que apoiavam a treinar os soldados da UPA.
00:25:01Eram outros países.
00:25:04As nossas armas custou muito virem.
00:25:10Porque a UUA, muitos países da UUA, que não tinham coisa econômica muito forte.
00:25:22Os meus combatentes, os meus combatentes, faziam tudo para ver se recuperassem as armas dos portugueses.
00:25:29A UPA é praticamente a única força angolana militarmente ativa.
00:25:59Tentando disputar essa hegemonia e ganhar estatuto de beligerante,
00:26:02o MPLA deixa Conakry para se aproximar da fronteira angolana.
00:26:06Instala-se também em Leopoldville.
00:26:09A coexistência com a UPA parece possível
00:26:11se atendermos ao discurso diantão de Mário de Andrade,
00:26:14ainda presidente do movimento que os portugueses apontavam como comunista.
00:26:18Mas, sabe, há alguns elementos na Angola, alguns elementos liberais.
00:26:21Sim, isso é uma acusação do governo português.
00:26:25Eles disseram todas essas perguntas sobre nós mesmos e sobre a UPA e todos os movimentos nacionalistas.
00:26:32Nós não somos comunistas.
00:26:34Eu não sou um comunista, eu sou um nacionalista.
00:26:37E o nosso movimento está pronto para aceitar ajuda de todos os países.
00:26:44todos os países.
00:26:45Nós temos preparado e estamos preparando muitos dos outros em Algérias.
00:26:51O primeiro grupo do Exército Popular de Liberdade de Angola conta com cerca de 300 elementos
00:27:04que foram devidamente treinados pelo FLN.
00:27:09segundo um programa que eu fiz em conjunto com eles,
00:27:15da minha parte, tudo quanto incluindo os treinos dos comandos portugueses
00:27:20e os treinos da antiguarrilha que eles tinham,
00:27:23e da parte argelina, o treino do FLN enquanto movimento da guerrilha
00:27:30e movimento habituado à estratégia ocidental de luta da antiguarrilha.
00:27:36Primeiro oficial miliciano negro do Exército Português,
00:27:40Manuel Santos Lima, desertar em 1960, a caminho da Índia para onde fora mobilizado.
00:27:45Com o que aprenderam na Escola Prática de Mafra e no Centro de Operações Especiais de Lamego,
00:27:49vai preparar a guerrilha do MPLA em campos de treino do Norte de África.
00:27:54Em Marrocos, organiza o Epla, Exército do MPLA,
00:27:57onde em julho de 1962 dá como prontos os primeiros combatentes.
00:28:02Levam armas da Bulgária, China, República Arapunida e Tchecoslováquia.
00:28:06O treino da Espanha levou oito meses. Levou oito meses intensos,
00:28:11porque havia imensa gente analfabeta e então havia, além das lições,
00:28:17havendo treino militar propriamente, havia a formação político-militar.
00:28:21Os melhores elementos eram promovidos a comandantes.
00:28:24Havia uma cerimônia de juramento de bandeira.
00:28:26Espírito revolucionário. Espírito revolucionário. Espírito revolucionário.
00:28:29Espírito revolucionário.
00:28:30Da luta de proteção de volta.
00:28:31Da luta de proteção de volta.
00:28:33Juro cumprir. Juro cumprir.
00:28:35Até a morte.
00:28:36Até a morte.
00:28:37Até a morte.
00:28:38Termino dando vivas a nossa querida Carlos.
00:28:41Viva a nova.
00:28:42Viva a nova.
00:28:43Agostinho Neto, presente na cerimónia e anunciado como
00:28:46o líder incontestado da Revolução Angolana,
00:28:49acabara de fugir de Lisboa, onde estava com residência fixa.
00:28:52Então, presidente de honra do MPLA, Neto irá substituir o presidente em exercício,
00:28:57Mário de Andrade, num processo que divide o movimento.
00:29:01Quando Agostinho Neto chega, portanto, a Leopoldo de Ville
00:29:04e ele entrega a presidência do MPLA,
00:29:07que tinha sido assumida até aí interinamente por Mário de Andrade
00:29:11e, sendo secretário-geral, o variado da Cruz,
00:29:15ninguém tem dúvidas no comitê diretor
00:29:19de que Agostinho Neto está ultrapassado
00:29:23e, sobretudo, que Agostinho Neto não é o homem para isso,
00:29:28não é o líder para esse MPLA que existia agora em Leopoldo de Ville.
00:29:33No início era um conflito de personalidades,
00:29:36foi entre Vriado da Cruz e Agostinho Neto.
00:29:41A concepção que me transmitiam os colegas, os companheiros que estavam no local,
00:29:52era que Vriado da Cruz centralizava o poder, a direção do movimento,
00:30:03nas suas mãos e terá, de certo modo, não combatido, mas deixado prosseguir a ideia
00:30:17que a Fenelá passava de que Agostinho Neto não teria fugido de Portugal,
00:30:23mas sido enviado pela PIDE para vir desfazer o movimento.
00:30:30Conflito de personalidades.
00:30:32Eles não se toleram.
00:30:34O Agostinho Neto queria centralizar, controlar o MPLA que lhe fugia.
00:30:40O Vriado da Cruz não achava que ele tivesse que controlar,
00:30:43porque ele não tinha sido o obreiro desse MPLA.
00:30:46E depois, choque ideológico, porque em 1962 dá-se o cisma no mundo marxista.
00:30:55Então, sinta-se em pró-chineses e pró-soviéticos.
00:31:01O Vriado da Cruz é pró-chinês, o Agostinho Neto é pró-soviético.
00:31:06O Vriado era mais ligado aos chineses, mas Agostinho Neto ainda não estava verdadeiramente,
00:31:19digamos, na área soviética, à qual, até ao fim dos seus dias, eu posso afirmá-lo,
00:31:29teve uma ligação direitática, talvez até estratégica.
00:31:36A situação tornou-se de tal maneira insustentável que o Mário de Andrade, o Gentil Viana, eu próprio,
00:31:45nós dizemos, já não há lugar para nós neste MPLA, demasiado centralizador, com o Agostinho Neto ditador,
00:31:54e, sobretudo, com o MPLA que se começa a definir com tendências para Moscouvo nitidamente.
00:32:02A guerra inscreve-se também no conflito entre as superpotências, e passa pelo Congo recém-independente,
00:32:08que aceita o MPLA, mas apoia sobretudo a UPA, cujas forças chegam a desfilar em Leopoldo de Viru.
00:32:14Apontado pela UPA como movimento de comunistas e de brancos, o MPLA perde terreno na disputa pela representação dos angolanos,
00:32:23lutam pela independência.
00:32:26A UPA fazia a sua propaganda nessa base.
00:32:30Esta gente, são os mestiços, são filhos dos brancos, como é que esses filhos dos brancos vão lutar contra os próprios brancos?
00:32:37Isto tudo é, estão aqui, é para sabotar a luta armada de libertação nacional.
00:32:42O movimento de libertação dos mestiços, essa era a primeira etiqueta que nos punha.
00:32:48Depois era o movimento dos intelectuais casados com brancas portuguesas.
00:32:54Algumas eram sobrinhas de Salazar, Salazar tinha muitas sobrinhas nessa altura.
00:32:58Quando surgiu o presidente Neto, ainda mais, a esposa é portuguesa,
00:33:02isso estimulava mais dizer como é que é possível um dirigente que casa com uma portuguesa
00:33:07vai lutar contra os seus sogros.
00:33:10Opondo-se ao MPLA e defendendo o seu espaço no Congo,
00:33:15a UPA procurava manter sob a sua influência uma base de apoio étnica
00:33:19desde sempre afeta ao movimento.
00:33:21Mais de 250 mil refugiados bacongos que viviam em grande miséria nas zonas fronteiriças.
00:33:27E que o MPLA tentava contactar através do seu organismo,
00:33:30Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados.
00:33:34Uma vez fomos até à fronteira.
00:33:36Três médicos, todos eles mestiços.
00:33:39Fomos lá para procurar ver se era possível instalar lá um posto,
00:33:44o nosso posto médico para assistência a essas populações.
00:33:48A população chegou, falamos, deixaram-nos falar, mas depois começaram os insultos,
00:33:57que eram os mulatos, filhos disto, filhos daquilo,
00:34:02que apareceu com armas e com grandes pedras para nos atirar e insultados pela própria população.
00:34:09E isso tivemos de sair, regressar, sem ter feito trabalho nenhum.
00:34:14Alguns dirigentes foram de opinião que, bom, os angolanos, portanto,
00:34:23brancos ou mestiços, que deviam aguardar, digamos, um momento mais oportuno para essa integração.
00:34:30Então, tomaram a decisão de, bom, já que é assim,
00:34:33para evitar que o MPLA tenha, se sofra prejuízos por causa disto,
00:34:39vamos nos retirar, vamos para os bastidores e à frente aparecerão só, principalmente, os negros.
00:34:48E alguns desses quadros, inclusive muitos, foram para a Angélia.
00:34:52Outros foram estudar, foram para as universidades.
00:34:55Nós tivemos alguns problemas, sim.
00:34:57Tanto que o próprio Presidente Neto travou a entrada dos verdadeiramente brancos,
00:35:03os autenticamente brancos angolanos, que quiseram participar.
00:35:07E o Presidente Neto mandou esperar.
00:35:11Então acabaram por se juntar todos em Algê.
00:35:15Eu, uma vez que apareci no escritório do MPLA,
00:35:18que era bem recebido pelos meus amigos, o Lucio Filar e outros, não é?
00:35:22Mas houve logo um militante que não conhecia, preto e que não quis falar comigo.
00:35:28Portanto, quer dizer, havia, de facto, uma atitude de desconfiança muito grande contra os brancos.
00:35:36Os brancos não tinham ali nenhuma hipótese, não é?
00:35:40O racismo dividia também o MPLA, cuja liderança era maioritariamente mestiça.
00:35:45Além de o separar da UPA.
00:35:47Adversários ideológicos, os dois movimentos tinham falhado uma tentativa de unidade.
00:35:51Oldan Roberto alia-se então ao PDA, um pequeno partido sediado também no Congo,
00:35:56e cria assim a FNLA.
00:35:59Pouco depois da formação da FNLA e sob os auspícios do Congo,
00:36:05Oldan Roberto constitui o GRAI, governo revolucionário angolano no exílio,
00:36:10no qual o MPLA recusa integrar-se, defendendo antes a criação de uma frente.
00:36:14Ficará de fora.
00:36:16Viva! Viva!
00:36:19Assim que o Presidente Neto chegou aqui em Chaça, houve essa vontade de aproximação,
00:36:24e falei-lhe aqui de uma delegação que foi saudá-lo, que foi visitá-lo.
00:36:29E depois a seguir houve uma carta do Presidente Neto, do Presidente Oldan Roberto,
00:36:34uma primeira carta da senhora que falava na necessidade imperiosa de aproximação,
00:36:40de conjugar esforços.
00:36:42E logo a seguir as relações agudizaram-se, não é?
00:36:45No princípio, o Oldan Roberto não queria, mas por tanta pressão começou a aceitar.
00:36:53Mas, quando aceita, era que o MPLA ia assim, sem mais sem menos, sem algumas condições.
00:37:01O Presidente Neto não aceitou, a direção do MPLA não aceitou,
00:37:04tínhamos que entrar, tínhamos que abolir o GRAI e formar uma frente única, não é?
00:37:11Numa segunda correspondência, o Neto já chamava o Oldan Roberto de tribalista,
00:37:16que não estava a lutar em Angola, e já o chamava agente dos americanos, agente da CIA,
00:37:21e por aí fora as coisas foram. Mas uma troca de acusações, não é?
00:37:25Também dizíamos que eles eram comunistas e tudo isso, e o fosso se foi, não é?
00:37:33Em 1963, a União Soviética estava quase a reconhecer o GRAI.
00:37:47Eu tive vários encontros com os diplomatas soviéticos nas Nações Unidas.
00:37:57Um deles chama-se o Sr. Federenko.
00:38:01Sabe quem que fez falar sobre isso? Foi o Cunhal, Álvar Cunhal.
00:38:06Ele deu um salto para Moscou para pedir coisas que não fizesse.
00:38:10A União Soviética estava quase a reconhecer o GRAI.
00:38:15Aqui, a voz de l'Angola Libre,
00:38:18émissão do governo révolutionário de l'Angola em exil, Jerae,
00:38:22destinada ao povo angolais en luta armada por sua independência e a integridade nacional,
00:38:26divulgando todos os mardis e vendredis, a partir de 20h30 até 21h,
00:38:30sobre as longas ondas habituelles, em português, francês, congo, quimbundo, quimbundo e quioque.
00:38:35Continuamos a vos dar um breve exposição sobre a guerra em Angola,
00:38:39que será seguido de um mensagem ao povo angolês.
00:38:42Exposição sobre a guerra em Angola.
00:38:47Os êxitos políticos e diplomáticos assentes em força militar projetam a FNLA-GRAI,
00:38:52que será reconhecida pela Organização de Unidade Africana.
00:38:55Em detrimento do MPLA, que fica isolado.
00:39:01A hostilidade entre os dois movimentos não se fica pela divergência política.
00:39:05Os guerrilheiros do Epla, exército do MPLA, e os do ELBA, exército da FNLA,
00:39:10confrontam-se com forças inimigas, nas matas angolanas.
00:39:14O primeiro grupo chegou às portas de Nambuangongo
00:39:18e Nambuangongo foi massacrado pela UPA.
00:39:24Desses dez elementos só se salvaram três.
00:39:29E isso marca, de facto, o início da luta fratricida,
00:39:34que vai depois marcar toda a luta de libertação de Angola,
00:39:39até depois da independência.
00:39:42Aquela fronteira do Congo era completamente controlada por nós.
00:39:45Antes de entrar, você tem que ter um cuidado militar.
00:39:48Qualquer pessoa que entra sem atenção é infiltrado.
00:39:52Quando houve tentativas de invasão do espaço militar da FNLA, sem prévio acordo, houve.
00:39:58Infelizmente, houveram alguns choques.
00:40:02É o caso de Olinda, Ferreira e outros.
00:40:07Esses tentavam passar, mas como a UPA controlava aquilo, ainda não passaram.
00:40:13Quando atravessavam ou entraram, caíam nas bases da UPA, então ali não havia outra maneira.
00:40:25O MPLA quis que deram um espaço, quis também provar o mundo que estava a lutar.
00:40:29Quer dizer, penetrou em zonas militares que eles desconheciam, que não dominavam.
00:40:35E aconteceram os tais confrontos.
00:40:38Mas não houve planos específicos para aniquilar as colunas do MPLA que penetravam no entorno do país.
00:40:44Nós não podemos permitir, numa zona de combate, pessoas deambularem assim.
00:40:51Qualquer pessoa que vai, não tendo condições, tendo um laissez-passez, uma autorização.
00:40:55Mas quando é uma infiltração, quando é uma apanha do quê, ele consegue como quê?
00:40:59Houve um pouco de tudo.
00:41:01Se a FNLA penetrou numa zona que era do MPLA, evidentemente, sem prévio conhecimento do MPLA,
00:41:06certamente que houve choques.
00:41:08Mas nós nunca...
00:41:10Aliás, estamos aqui hoje para falar a verdade, o MPLA não teve grandes áreas de guerrilha no Norte Angola.
00:41:17Não é mentira.
00:41:19Tirando uma bolsa que havia aqui na primeira região, nos demos,
00:41:23era uma bolsita, eram bolsas, não é?
00:41:25Não teve grandes espaços militares aqui no Norte Angola.
00:41:29A UPA tinha muita força lá.
00:41:32Tinha muita força, tinha muito soldado.
00:41:34Talvez, ao contar mesmo, ia ter militares preparados.
00:41:40E com a população, enfim, que aderiu.
00:41:43Então, a força que a UPA tinha lá era de tomar mesmo consideração.
00:41:50Bom, aí, por exemplo, no Norte, aí mesmo no MPPE, aquelas áreas todas,
00:41:57e mais naquela parte, até essas partes da UPA, nos demos, enfim...
00:42:03E Cazón Golunda também lá, havia...
00:42:06Isso tudo estava cheio de destacamentos da UPA.
00:42:10José Colundungo, chefe do Estado-Maior do ELNA, desertor do exército português em 1960,
00:42:17foi um dos 25 elementos da UPA treinados na Argélia,
00:42:20país que imediatamente reconheceu a FNLA Gray e lhe forneceu armas.
00:42:25Com apoios também da Nigéria, da Tunísia e do Congo, além de financiamentos da OUA,
00:42:30a FNLA dispunha de um forte contingente, onde não faltavam os mais jovens adolescentes.
00:42:42Sr. Ministro, qual é o seu jovem, Jean?
00:42:45Bem, o seu jovem, a partir de 14 anos, até 18 anos.
00:42:50Combien encontram a armée anglaise?
00:42:53Oh, a peu près 30 mil soldats armés.
00:42:58O seu jovem, qual é este ano?
00:43:01Sr. Ministro?
00:43:02Combien eles têm esse ano?
00:43:04Quanto eles têm 14 e 16 anos?
00:43:05Oh, no. muitos são muitos?
00:43:07Todos os que vocês estão aqui, estão a partir de 14 anos até 17, 17, 18 anos.
00:43:13Sr. Ministro, poderá me apresentar alguns de 14 anos, por exemplo?
00:43:15Sim, por que não?
00:43:21Bem, a partir daqui até lá, são esses jovens que têm 14 anos.
00:43:25Há alguns de vocês já mataram branco?
00:43:36Quem é que matou branco entre vocês?
00:43:40Já mataram.
00:43:41Você matou?
00:43:41Nós saímos atacar no Brasil.
00:43:43Ah, eles têm começado a partir do português.
00:43:47Depois de treinar em bases cedidas pelo Congo, como esta em Kinkuzo,
00:43:54os guerrilheiros da UPEF NALAP atravessavam a fronteira e lançavam ações no interior de Angola.
00:44:01Para contrariar a sua atuação, os militares portugueses implantaram em toda a região afetada
00:44:05um sistema de quadrícula, definindo a zona militar norte, comandada a partir de Luanda.
00:44:11Isto é, toda a área foi dividida em parcelas, defendidas por unidades organizadas em batalhões
00:44:16e em setores, servidos pela base aérea do Negaje.
00:44:22mereciam especial vigilância nesta malha, em que assentava a zona militar norte, as áreas
00:44:27de fronteira.
00:44:29O principal objetivo dos militares colocados nas unidades da quadrícula era travar a
00:44:34infiltração dos guerrilheiros, que tentando passar despercebidos, procuravam atingir as
00:44:38zonas situadas mais a sul.
00:44:40Havia um campo de aviação perto de Nokia, 15 quilómetros de Nokia, onde eu fiquei.
00:44:59A minha companhia era uma companhia que tinha que, enfim, de certa maneira, a minha missão
00:45:03era interditar a entrada de elementos, portanto, das FNLA e desses grupos.
00:45:09A minha companhia é dada de reforço ao Batalhão 345 em São Salvador do Congo.
00:45:13O Batalhão tinha uma missão de vigilância sobre a fronteira e de ações de contra-penetração,
00:45:19porque o reinvestimento logístico da FNLA passava exatamente numa das partes da nossa
00:45:26zona de ação.
00:45:28Eu fui para o segundo comandante no Batalhão, que estava na Mama Rosa, portanto, lá mesmo
00:45:32junto à fronteira norte, impedir a entrada e saída, a penetração através da fronteira.
00:45:39É claro que, devo dizer que não é fácil, não é fácil e, claro, seria muito difícil
00:45:45entrar num regimento fardado, formado, com o tambor à frente, a gente detecta a voz logo.
00:45:52Mas, infiltrações individuais, havia sempre...
00:45:56pequenos grupos, não é, que, pronto, passavam, normalmente escoltavam colunas de reabastecimento,
00:46:03portanto, levavam ao colo, às costas, emolições, comida, tudo, portanto, esses grupos tinham
00:46:12que passar o mais despercebidos possível por essa zona de fronteira.
00:46:16Encontrar gente no meio de quatro metros com um capim dessa altura não é fácil, mas
00:46:21nós sabíamos as linhas de infiltração e procurávamos detectá-los.
00:46:26De vez em quando detectávamos e apanhávamos, não é?
00:46:29Nós tínhamos sítios onde se passavam...
00:46:32onde eram sítios de passagem, evidentes, que eles tinham passado por ali.
00:46:35A gente montava umas armadilhas, que eram, ao fim e ao cabo, aquilo tinha uns...
00:46:38enfim, uns carreiros, como se diz cá, nos trilhos, como em tempo se dizia lá em África,
00:46:44em que nós, portanto, esticávamos uns fios, punhamos umas armadilhas de um lado e de outro,
00:46:47e nós andávamos atrás deles, sei lá, quase uma semana de patrulha e reconhecimento.
00:46:54E uma atividade tecnicamente muito importante, porque nas zonas de passagem nós lançávamos
00:47:00campos de minas, que normalmente nos serviam até e nos alertavam para nós podermos controlar
00:47:07o movimento das clandas logísticas.
00:47:09O esforço militar mais importante era a sul, portanto, tentando-se aproximar de Luanda,
00:47:13portanto, aquela zona do Tomboco, a zona onde antigamente ali ao pé também da Pedra Verde,
00:47:19essas zonas mais a sul, portanto, entre Luanda e o norte, é que eram as zonas de, portanto,
00:47:25de maior atividade.
00:47:27Nós colhemos para o dia de hoje, precisamente, uns objetivos que se querem estar localizados
00:47:33no coração, digamos assim, de Angola, ou ao nordeste da Matavala,
00:47:39onde tem os seus quartéis, pelo menos dois dos mais importantes capucilhas do inimigo
00:47:48em Angola, o senhor António Fernandes e o Penso da Glória, não sei se o Margoz
00:47:55vale a vida ou não.
00:47:56O José F. 84, o Esquadra F. 84, quem dirigirá o ataque?
00:48:02O Esquadra do PV2 irá também realizar a sua ação.
00:48:09O Coração, na verdade, da guerra eram os Demos, não é?
00:48:17Independentemente de haver aqui assim grandes movimentos também à volta do rio Ucua e da
00:48:21povoação do Ucua e logo a norte, no rio Loja, o Ampelá estava com uma aproximação mais
00:48:28junto à Luanda, não é?
00:48:29A Fenelá tinha por aqui assim, nos Demos também, e tinha aqui assim perto do Ucua,
00:48:36à sul do Ucua.
00:48:37Digamos que eles atuavam entre si em guerra e em operações, tanto ou mais, por vezes,
00:48:47do que aquilo que as nossas tropas lhe causavam a ele.
00:48:50A Força Aérea atuava em apoio do Exército e, por vezes, também em missões autónomas.
00:48:56Cada piloto estava incumbido de reconhecimentos visuais para a localização de atividades da
00:49:01guerrilha.
00:49:03Em zonas de mais difícil acesso, eram definidas áreas de intervenção livre, onde a aviação
00:49:07bombardeava-se em constrangimentos, bastando-lhe saber que não havia forças portuguesas no
00:49:12terreno.
00:49:13O normal eram bombas de 50 kg de fragmentação.
00:49:16poderia ir também às bombas de 200 kg ou 750 libras, não é?
00:49:21Usou-se napalm mais na fase inicial, não é?
00:49:24Depois não era muito normal o uso de napalm.
00:49:27Era mais normal o uso de napalm na altura das épocas secas, não é?
00:49:32O maior número de áreas de intervenção livre localizavam-se no norte de Angola.
00:49:36No norte?
00:49:36Na área dos Demos, portanto, da responsabilidade da base aeronave, e na área do Negais.
00:49:43Portanto, para os lados da Mocaba, enfim.
00:49:46A minha zona da ação era praticamente a Serra da Mocaba, extremamente extensa, e nós
00:49:53tínhamos que patrulhar aquilo intensamente.
00:49:55E percorri várias vezes, em vários sentidos, a Serra da Mocaba.
00:49:59Destruímos muitos acampamentos.
00:50:00Fizemos operações também na Serra do Luís, que era uma serra alcantilada, um drama,
00:50:15para conseguir subir, para conseguir descer da serra.
00:50:18Havia fortíssimos acampamentos de caralheiros.
00:50:22Destruímos alguns, e passávamos já dez dias, dez dias lá no alto da Serra.
00:50:29As relações que levávamos na Mocaba não chegavam para os dez dias, chegavam para quatro dias.
00:50:35E, portanto, tínhamos que receber reabastecimento aéreo, que era sempre uma dificuldade enorme,
00:50:38para no alto de uma serra, para conseguir que um avião em voo, nos lance sacos de trações.
00:50:44Aquilo ali era a zona MPLA.
00:50:46Os grupos do MPLA estavam muito bem armados.
00:50:50Estavam armados com o Jako Akapa, com a Kalashnikov,
00:50:54armados com metralhadoras de tipo DECT-RF,
00:50:58e criavam grupos auxiliares que armavam com a Mozino GAN,
00:51:06ou com o PPSH, ou com a Simonov.
00:51:10Estavam bem treinados, as tempos cada demoravam mais tempo.
00:51:16Isto não era do conhecimento de muita gente.
00:51:21Nós deixávamos algumas munições boas, verdadeiras, juntas, no chão, mas especiais.
00:51:30Não tinham pólvora como as outras, mas tinham sim trotil.
00:51:36Se por acaso fossem reaproveitadas pelo inimigo,
00:51:41ao dispararem uma bala de trotil, o efeito era diferente, não é?
00:51:45Daqueles que eles esperavam.
00:51:47Portanto, isso era uma coisa que fazíamos após uma emboscada.
00:51:57O inimigo, pá, já muito mais instruído,
00:52:00mais bem armado, pá, muito mais bem armado do que antes.
00:52:03Já tinham armas automáticas, inclusive.
00:52:05E utilizavam a mina, não é? Frequentemente, com grande frequência.
00:52:09Cada destacamento militar tentava encontrar a melhor solução para se defender das minas.
00:52:19Nós tínhamos um condutor que era marceneiro,
00:52:22com tábuas, fizeram, montaram um banco corrido à frente do para-choques da viatura.
00:52:35Nesse banco corrido,
00:52:38iam sentados dois homens,
00:52:41que iam praticamente à frente dos dois pneus da frente,
00:52:45e iam vigiando o chão.
00:52:53Havia um ilustre médico que tinha chegado à conclusão
00:52:56que as mortes com minas ocorriam
00:52:58porque as pessoas iam numa posição sentada,
00:53:01portanto, quando se dava o arrebentamento,
00:53:03havia pressões de todo lado,
00:53:05e, portanto, as pessoas morriam com o esmagamento dos órgãos internos.
00:53:09Ele explicou,
00:53:10bem, pá, olha, experimenta um dia,
00:53:13dá-me ideia que uma solução lógica é vocês,
00:53:15quando andarem ao pé das minas,
00:53:16não se sentem, andem em pé.
00:53:18Pus um varão, tal e qual como nos autocarros, não é?
00:53:23A base de sacarrado,
00:53:24e todos iam em pé.
00:53:26Rebentaram-me muitas minas.
00:53:27Este médico devem-lhe a vida a muita gente.
00:53:35Aqueles que eram lá enterrados,
00:53:37depois a gente dímos ao fornal,
00:53:39depois fazíamos o fornal, tal e qual,
00:53:41uma coisa como a gente faz aqui, um dos nós.
00:53:44E aquilo, por exemplo,
00:53:45que no meu tempo,
00:53:46aquilo que queria trazer para cá o filho,
00:53:48tinha que pagar,
00:53:49porque o Estado não apanha cá nenhum.
00:53:51Basta que morreu lá um da minha idade.
00:53:53O pai dele, daquele tempo,
00:53:55pagou 15 segundos para o trazer da Angola para cá.
00:53:58A guerra tinha já feito algumas centenas de martos
00:54:01entre os cerca de 60 mil soldados
00:54:03que tinham sido mobilizados para Angola
00:54:05até 1965.
00:54:07O recrutamento e a preparação
00:54:09tinham-se intensificado gradualmente
00:54:11e em todas as especialidades
00:54:13dos três ramos das Forças Armadas.
00:54:15Entretanto,
00:54:16era exigido agora um novo rigor
00:54:17nos critérios de apuramento
00:54:19para todo o serviço,
00:54:20de jovens que eram incorporados
00:54:21nas várias regiões do país
00:54:23e depois mobilizados para a África.
00:54:26Sobretudo para a Angola,
00:54:27onde, por exemplo,
00:54:28a Escola de Aplicação Militar
00:54:30aumenta o recrutamento
00:54:31de africanos e europeus.
00:54:32Situada na cidade de Nova Lisboa,
00:54:35a escola começa a promover anualmente
00:54:37duas ou três incorporações
00:54:39com jovens oriundos de todo o território.
00:54:42Deste modo,
00:54:43saem de Nova Lisboa todos os anos
00:54:44prontos para a guerra
00:54:45cerca de 3 mil soldados,
00:54:47sargentos e oficiais.
00:54:49O reforço não é apenas
00:54:52do aparelho militar,
00:54:53mas de todas as forças,
00:54:55nomeadamente a Polícia de Segurança Pública,
00:54:57destacada para as cidades.
00:55:00Em Luanda,
00:55:00o corpo da polícia
00:55:01recebe só de uma vez
00:55:02359 agentes,
00:55:05olhados pela população,
00:55:06sobretudo pelos de origem europeia,
00:55:08como a força capaz de consolidar
00:55:10a relativa tranquilidade
00:55:12que fora conseguida
00:55:13após um longo período
00:55:14de sobressaltos.
00:55:16Encontrei realmente
00:55:17um clima ainda de certo medo,
00:55:21havia restrições,
00:55:22não se podia,
00:55:23havia uma cintura de Luanda
00:55:27com um arame farpado
00:55:29em alguns locais,
00:55:33com uma tropa de segurança,
00:55:37com postos de segurança.
00:55:41Os acessos a Luanda
00:55:42só iam até certos sítios,
00:55:45depois eu não podia ir para a frente
00:55:47só com a escola,
00:55:47portanto,
00:55:48as viam as restrições.
00:55:50Para garantir o controle
00:55:51da população,
00:55:52a polícia de Luanda
00:55:52substitui o sistema de rusgas,
00:55:54usado em 1961
00:55:56nos moceques da capital,
00:55:57por uma vasta campanha
00:55:59de recenseamento.
00:56:01Depois de identificados
00:56:03e registados,
00:56:04os habitantes da cidade
00:56:05passavam a ser portadores
00:56:06de um certificado de residência.
00:56:08Limitavas assim
00:56:09a circulação de pessoas,
00:56:10numa medida que visava
00:56:12uma mais fácil detecção
00:56:13dos que estivessem envolvidos
00:56:15com os movimentos rebeldes.
00:56:18Manter a subversão
00:56:19fora das fronteiras da cidade,
00:56:21tal como estava já a ser mantida
00:56:22fora das fronteiras do território,
00:56:25ou circunscrita
00:56:25a algumas áreas do norte.
00:56:29Na sua missão,
00:56:30as ações das Forças Armadas
00:56:32continuavam a ser secundadas
00:56:33pelos civis,
00:56:34nomeadamente pelos que se tinham
00:56:36organizado em grupos
00:56:37de voluntários,
00:56:38corpos criados logo a seguir
00:56:40a março de 1961
00:56:41e que atuavam sob as ordens
00:56:43dos Comandos Militares.
00:56:44Nós só queremos simplesmente
00:57:06desenvolver que aqui é Portugal
00:57:09e que não há discriminação das raças.
00:57:10Pretos, brancos,
00:57:11todas as qualidades,
00:57:12todos aqui têm o seu lugar
00:57:13para trabalharem bem à vontade.
00:57:16Angola que é Portugal,
00:57:17portanto, nós não diferençamos
00:57:19não diferenço qualquer raça,
00:57:23somos todos irmãos.
00:57:25Não penso nada
00:57:26porque não está
00:57:27ao corrente dos factos.
00:57:29O que você acha
00:57:30da situação na norte de Angola?
00:57:33A situação é boa.
00:57:38Já estou lá.
00:57:41Estou no norte de Angola.
00:57:45No Zaire.
00:57:46Agora estou cá,
00:57:47mas anteriormente,
00:57:48há 15 dias,
00:57:49estava lá e volto para lá
00:57:49à segunda-feira.
00:57:53Eu fui chefe de redação
00:57:54do Jornal do Congo
00:57:55em 1962.
00:57:57Eu fui para esse jornal
00:57:58numa altura em que ele,
00:58:01digamos,
00:58:03fazia quadros de honra.
00:58:04Quadros de honra dos heróis
00:58:05e quase dos de honra
00:58:06dos anti-heróis.
00:58:09Denunciava publicamente
00:58:10as pessoas que vinham embora,
00:58:12como eram os elementos da UFA,
00:58:15que era a União dos Fugitivos de Angola.
00:58:17Quem vai embora é um covarde,
00:58:18os bons, os valentes,
00:58:20são os que ficam.
00:58:21Independentemente da maior
00:58:28ou menor presença da tropa
00:58:29em cada zona,
00:58:30os brancos,
00:58:31os colónios em geral,
00:58:32homens e mulheres,
00:58:33assumiam eles próprios
00:58:34a defesa das fazendas.
00:58:36Muitas dessas fazendas
00:58:37tinham sido destruídas
00:58:39por ocasião dos massacres da UPA.
00:58:41O caso desta,
00:58:42já reconstruída dois anos depois
00:58:43e de novo a produzir café.
00:58:45Embora marcados
00:58:48pela dolorosa experiência
00:58:49de 1961,
00:58:50os colónios
00:58:51mostravam-se agora
00:58:52convencidos
00:58:53de que, passado o pior,
00:58:54os portugueses
00:58:55nunca poderiam ser expulsos
00:58:56de Angola.
00:58:57Visionam o futuro
00:58:59de soldados colónios
00:59:00e colónios militares
00:59:02que façam de Angola
00:59:03a prova viva e fecunda
00:59:05do poder criador
00:59:06dos portugueses.
00:59:08O governo
00:59:08encerra a ideia
00:59:09de que os soldados
00:59:10poderiam vir a reforçar
00:59:11a presença portuguesa
00:59:13se depois de cumprir
00:59:14o serviço militar
00:59:14se radicassem
00:59:16no território
00:59:16com as famílias.
00:59:18E com o mesmo intuito
00:59:19o Ministério do Ultramar
00:59:20chegará a promover
00:59:20a imigração
00:59:21de algumas centenas
00:59:22de novos colonos.
00:59:24Uma parte deles
00:59:25familiares de portugueses
00:59:26já radicados
00:59:27ou em comissão
00:59:27e que tensionavam ficar.
00:59:30Tem alguém em Angola já?
00:59:31Tenho um filho.
00:59:32Vai ter com ele?
00:59:33Sim senhor.
00:59:33Vai sozinho?
00:59:35Vou tomar duas filhas.
00:59:36O seu marido há quanto tempo
00:59:36foi para Angola?
00:59:37Há dois anos.
00:59:38O que é que ele está a fazer lá?
00:59:39Com a polícia
00:59:40e o senhor não se pergunta.
00:59:41Muito bem.
00:59:41Vai com os seus dois filhos?
00:59:42Bom senhor.
00:59:44Quanto anos está em Angola?
00:59:46Quarenta.
00:59:47Quarenta.
00:59:48Se um dia
00:59:50a rebelião
00:59:52forçou-se a fazer
00:59:54uma guerra
00:59:54ainda mais forte
00:59:55você decidiu
00:59:56de ficar aqui
00:59:57ou de voltar ao Portugal?
01:00:00Sabe?
01:00:01Eu nunca pensei
01:00:02em fugir.
01:00:04Se houver
01:00:05de facto
01:00:06terrorismo
01:00:06mais sério
01:00:07eu não fumo.
01:00:09Eu vou morrer aqui.
01:00:09é que os rebeles
01:00:11já se contatavam
01:00:12para vos pedir
01:00:13de pagar
01:00:13um pouco
01:00:14ou se não
01:00:15eles risquiam
01:00:16de brulhar
01:00:17ou de
01:00:17cober
01:00:17o seu café?
01:00:18Não.
01:00:20Nunca.
01:00:20Não.
01:00:21Nós a tropa deste lado
01:00:22quando chegávamos
01:00:23na fazenda
01:00:23ainda questionávamos
01:00:25o homem da fazenda
01:00:27se tem visto alguém
01:00:28se costuma vir
01:00:30cá buscar
01:00:30a turma
01:00:30buscar comida
01:00:32se ter contatos
01:00:33não sei o que é.
01:00:34Essa situação
01:00:35era difícil.
01:00:36o fazendeiro
01:00:38olhava por nós
01:00:39ele tinha que dizer
01:00:40não.
01:00:42E ao contrário
01:00:43também
01:00:43eu acho
01:00:44o fazendeiro
01:00:44tinha uma situação
01:00:45dedicada
01:00:47nesse aspecto.
01:00:48Lembro-me
01:00:49perfeitamente
01:00:49um senhor
01:00:50que havia
01:00:50no Quites
01:00:52foi uma das zonas
01:00:53mais dramaticamente
01:00:55atingidas
01:00:55por aquela matança
01:00:57do 15 de março
01:00:59e esse senhor
01:01:01sempre que via
01:01:02uma coluna militar
01:01:03fugia
01:01:04porque diz
01:01:05que está mais
01:01:05em segurança
01:01:06se for sozinho
01:01:07do que se tiver
01:01:08uma coluna militar.
01:01:09Ora, o que é que isto
01:01:09significa?
01:01:10Significa também
01:01:11que os turistas
01:01:13entre aspas
01:01:14atacavam mais facilmente
01:01:15uma coluna militar
01:01:16do que um civil
01:01:16que fosse num jipe
01:01:17qualquer
01:01:18fora e fora.
01:01:19Foi chamado
01:01:20à polícia política
01:01:21porque ele chegou
01:01:22a ser suspeito
01:01:22de ter qualquer
01:01:24entendimento especial
01:01:25ou que lhes pagasse
01:01:26um imposto
01:01:27por exemplo
01:01:27chegou a haver
01:01:28uma altura
01:01:29em que isso
01:01:29passou a ser
01:01:31digamos
01:01:31uma forma de segurança.
01:01:33As zonas difíceis
01:01:35como que esse fazendeiro
01:01:36havia de sobreviver
01:01:38talvez
01:01:39ou tinha que aguardar
01:01:40de um lado
01:01:41ou do outro
01:01:42para sobreviver.
01:01:44Muitos isso aconteceu
01:01:45porque ele tinha que
01:01:46proteger
01:01:46os trabalhadores
01:01:49e se não o fizerem
01:01:51venham mesmo
01:01:52lhe matar
01:01:52eles matam
01:01:53não perdoam
01:01:54chegam
01:01:55matam
01:01:55o homem da fazenda
01:01:56sem dúvida
01:01:57isso é se não
01:01:58matar a toda a gente.
01:01:59nós viemos a saber
01:02:00e eu pude ver isso
01:02:02após a independência
01:02:03e mesmo antes
01:02:05antes mas fora
01:02:07após a independência
01:02:08e Angola
01:02:08que alguns grandes fazendeiros
01:02:10começaram a financiar
01:02:12a FNA
01:02:12a dar dinheiro
01:02:15para a FNA
01:02:15para que as suas fazendas
01:02:17não fossem atacadas.
01:02:19Sobreviver a uma guerra
01:02:20que previam prolongada
01:02:22ou pelo contrário
01:02:23acreditar numa vitória rápida
01:02:25da guerrilha
01:02:25como parecia ser convicção
01:02:27e não apenas propaganda
01:02:28da FNA
01:02:29L.A.
01:02:30Combien de temps pensez-vous
01:02:31que la guerra en Angola
01:02:32va durer encore?
01:02:34Oh, je ne pense pas
01:02:35que la guerre
01:02:35durer encore longtemps
01:02:36vous savez
01:02:37si ce que moi
01:02:39je pense
01:02:39ne sais pas exactement
01:02:40mais je pense que
01:02:41va durer plus longtemps
01:02:42Angolan
01:02:48neste momento
01:02:49mais cruciante
01:02:50da nossa história
01:02:51precisamente
01:02:53no momento
01:02:54em que
01:02:55Salazar
01:02:56definiu
01:02:57a sua situação
01:02:58a sua posição
01:02:59de déspota
01:03:01nós
01:03:02nesta altura
01:03:04daremos
01:03:05precisamente
01:03:06a resposta
01:03:07que o Salazar
01:03:08precisa
01:03:09Angola
01:03:11é dos angolanos
01:03:12As inventivas
01:03:14da FNA
01:03:14lançadas num campo
01:03:15de treino do Congo
01:03:16pretendem responder
01:03:17a um discurso pronunciado
01:03:18por Salazar
01:03:19pouco antes
01:03:20o mesmo que
01:03:21em Lisboa
01:03:22lhe garante uma homenagem
01:03:23das forças de segurança
01:03:24portuguesas
01:03:25representando as corporações
01:03:27militares e militarizadas
01:03:28desde as forças armadas
01:03:30às polícias
01:03:30do colégio militar
01:03:32à legião portuguesa
01:03:33cerca de 1500 elementos
01:03:34vão a São Bento
01:03:35saudar Salazar
01:03:36pelo seu discurso
01:03:37de 12 de agosto
01:03:38e são por ele
01:03:39cumprimentados
01:03:40um a um
01:03:41Salazar
01:03:43definirá a sua política
01:03:44ultramarina
01:03:45Portugal é uma nação
01:03:46africana
01:03:47os angolanos
01:03:47são portugueses
01:03:48de Angola
01:03:49para este discurso
01:03:51em que explui
01:03:51qualquer evolução
01:03:52para soluções
01:03:53autonómicas
01:03:53o chefe do governo
01:03:54não exige apenas
01:03:56o apoio personalizado
01:03:57dos comandos
01:03:58das forças de segurança
01:03:59prestado
01:04:00em demorada homenagem
01:04:01pretende também
01:04:03um telebiscito popular
01:04:04quatro dias depois
01:04:07Salazar está por todo o lado
01:04:08na Baixa de Lisboa
01:04:09com ele
01:04:10as principais forças sociais
01:04:12e os meios de comunicação
01:04:13mobilizando o povo
01:04:14para uma manifestação
01:04:15que se pretende nacional
01:04:16as ideias do discurso
01:04:19duas semanas antes
01:04:20repetem-se em panfletos
01:04:21expostos nas montas
01:04:23do comércio
01:04:23e colados nas paredes
01:04:25os manifestantes
01:04:27chegam por todos os meios
01:04:28e de todas as partes
01:04:29da então chamada
01:04:30metrópole
01:04:31e também das colónias
01:04:33a cidade
01:04:35configura a definição
01:04:36do mundo português
01:04:36que Salazar
01:04:37anunciou no discurso
01:04:38que precisamente
01:04:39a manifestação
01:04:40pretende agora apoiar
01:04:41uma capital
01:04:42um governo
01:04:43uma política
01:04:45são aos milhares
01:04:48as pessoas
01:04:49que convergem
01:04:49para a praça do comércio
01:04:50podem alguns portugueses
01:04:52divergir
01:04:53quanto a muitos aspectos
01:04:54da condução
01:04:55dos negócios públicos
01:04:56admitimos-no perfeitamente
01:04:59e não é de estranhar
01:05:00que assim aconteça
01:05:01pois divergências
01:05:02de critério
01:05:03e de opiniões
01:05:03existem por todo o lado
01:05:05são de todos os tempos
01:05:06o que não acreditamos
01:05:08é que esses mesmos
01:05:10portugueses
01:05:10discordem
01:05:11de que se defenda
01:05:12aquilo que é nosso
01:05:13terra e alma
01:05:14da parte
01:05:15neste momento
01:05:17a soma
01:05:20a uma das varandas
01:05:22do Ministério do Exército
01:05:24do Correio do Passo
01:05:25o Presidente do Conselho
01:05:27Sr. Professor Doutor
01:05:28que emocionado
01:05:31recebe esta aclamação
01:05:33de milhares e milhares
01:05:35de portugueses
01:05:35concentrados
01:05:37não apenas
01:05:37aqui no Correio do Passo
01:05:39como
01:05:40na Rua Augusta
01:05:42na Rua de Ouro
01:05:42no Recio
01:05:43na Rua de Liberdade
01:05:44enfim diremos
01:05:45em grande parte
01:05:46da cidade de Lisboa
01:05:47mas é Portugal
01:05:49que aqui está presente
01:05:50aclamando
01:05:51neste momento
01:05:52o Sr. Presidente do Conselho
01:05:55era uma grande praça
01:05:58ah no balcão
01:05:59lá em cima
01:06:00todos aqueles
01:06:01membros do governo
01:06:02e Salazar
01:06:03estava dentro
01:06:04entre aquelas pessoas
01:06:06eu vi na distância
01:06:08porque eu
01:06:09havia milhares
01:06:11e milhares
01:06:11de pessoas
01:06:12eu vi aquelas pessoas
01:06:14falando
01:06:15porque era
01:06:17situação em Angola
01:06:19apoiado pelos Estados Unidos
01:06:22e falar contra
01:06:23Estados Unidos
01:06:24e depois
01:06:25toda aquela gente
01:06:26
01:06:26quem se habituou
01:06:30à luta
01:06:30em terras africanas
01:06:32quem ali viveu
01:06:33e vive horas de combate
01:06:35que são serviço
01:06:36da pátria
01:06:36não pode
01:06:38nem sabe usar
01:06:39outra linguagem
01:06:40perante o chefe
01:06:41do governo
01:06:41que não seja
01:06:43a linguagem
01:06:43crua da verdade
01:06:44reta e firme
01:06:46como a ponta das linhas
01:06:47vem até
01:06:53bom
01:06:53até esta capital
01:06:55da Lusitinidade
01:06:56o negro
01:06:57que é tão português
01:06:58como qualquer outro
01:06:59sem preconceitos
01:07:00de cores
01:07:01ou raças
01:07:02que Deus guarde
01:07:14e abençoe
01:07:15a nação portuguesa
01:07:17que Deus vos guarde
01:07:18e abençoe
01:07:19o senhor presidente
01:07:20eu era lá
01:07:35com um amigo
01:07:36de Angola
01:07:37no meio
01:07:37daquela multidão
01:07:39com os meus
01:07:40dois crianças
01:07:42duas crianças
01:07:43o rapaz
01:07:44e a menina
01:07:44eu esteve
01:07:48cheia de medo
01:07:49então eu disse
01:07:51vamos sair daqui
01:07:52anónima
01:07:54entre a multidão
01:07:55que enchia a praça
01:07:55a americana
01:07:56Janet
01:07:57não aplaudia
01:07:58Salazar
01:07:58casada com
01:07:59Eduardo Mondelano
01:08:00lutava já então
01:08:01pela independência
01:08:02de Moçambique
01:08:02onde exatamente
01:08:03um ano depois
01:08:04se abria
01:08:05a terceira frente armada
01:08:06contra a presença
01:08:07portuguesa em África
01:08:08diante de tudo isto
01:08:11que é belo
01:08:12e grande
01:08:13e único
01:08:14não temos só o dever
01:08:16de merecer os mortos
01:08:18temos também
01:08:19o dever
01:08:20de ser orgulhosos
01:08:22dos vivos
01:08:38nunca mais
01:08:50caiu naquela
01:08:52ideia
01:08:55it's a fallacy
01:08:57uma ideia
01:08:58que seria possível
01:09:00para com este governo
01:09:02negociar alguma coisa
01:09:04como os amicãner
01:09:05impossível
01:09:08que é
01:09:36Aplausos
01:10:06Aplausos

Recomendado