- anteontem
O mais bem sucedido caso de luta coletiva pelos direitos da mulher no Brasil.
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DiversãoTranscrição
00:00:00Viva a diferença, direitos e paz!
00:00:03Viva a diferença, direitos e paz!
00:00:07Viva a diferença, direitos e paz!
00:00:10A história dos direitos das mulheres, ela vai caminhando muito lentamente.
00:00:30A mulher, ao casar-se, ela perdia estatura jurídica, ela perdia direitos, porque ela passava a ser subordinada ao marido.
00:00:52Quando a mulher se casava, o dinheiro dela, a herança dela, era gerida por ele.
00:01:00Bom, eu acho que em termos de reivindicação não conseguimos nada.
00:01:08Se tu cometeres aborto, crime tu cometerás.
00:01:10E nós pusemos uma faixa escrita assim, nosso corpo nos pertence.
00:01:15Eu esperava que lembrassem da mulher hoje.
00:01:17Não, não.
00:01:19Nós queríamos que fosse uma lei que cria o Conselho Nacional, nós estarmos advogando por uma causa e nos tornando uma força política.
00:01:29Era um grupo muito interessante de mulheres.
00:01:34Tinha uma parlamentar, que era a Benedita da Silva.
00:01:39É provável que 86 seja lembrado como um ano da mulher.
00:01:43E nunca se votou tanto em mulher como agora.
00:01:45Eu mesma voto em duas.
00:01:47Não tinha banheiro para mulheres no plenário da Câmara.
00:02:01Porque os homens se julgavam donos do mundo por terem pau.
00:02:08Ou a gente começa a brigar por aquilo que nos une ou nós estamos ferradas.
00:02:13Nós passamos a frequentar os corredores do Congresso Nacional diariamente.
00:02:20E nós escutamos eles dizerem assim, e lá vem o lobby do batom.
00:02:25Eles gozando que o batom era a nossa arma.
00:02:28Se pintar, se arrumar, aparecer, nha-nha-nha.
00:02:31Declaram encerrar os trabalhos da Assembleia Nacional.
00:02:38A gente usava essa expressão.
00:02:43Levanta o doutor Ulisses da mesa e faz o mesmo gesto.
00:02:48E a Benedita!
00:02:50Aí estava o lobby.
00:02:54Ficou de dentinho.
00:02:56Quem compreender que nós, em plena ditadura militar,
00:03:24as liberdades estavam cerceadas no Brasil.
00:03:29Essa manifestação, essa busca por uma agenda das mulheres estava bastante dificultada.
00:03:36A gente tinha dificuldade, porque nós ainda éramos, nessa época, dependentes do marido.
00:03:42As mulheres não poderiam viajar sem autorização dele.
00:03:46As mulheres não poderiam trabalhar fora de casa sem autorização do marido.
00:03:50As mulheres não tinham declaração de independência, de importo de renda.
00:03:54A violência contra as mulheres era um assunto privado.
00:03:59Fora, quer dizer, uma questão cultural muito impregnada na sociedade brasileira.
00:04:05Do lugar da mulher, do lugar do homem nessa sociedade.
00:04:08Mas a gente não anseia, a gente sabia que qualquer mudança, qualquer conquista, não se daria na ditadura.
00:04:18Mais dois exilados desembarcaram agora à noite aqui no...
00:04:21Vários movimentos pela aristia, amigos e parentes foram recebendo também.
00:04:25O país em 1970 e enviado para a...
00:04:28Eu pretendo ver os amigos, pretendo trabalhar.
00:04:31Gente que eu nunca pensei ver mais.
00:04:33Em 1979 é um ano muito importante que é a anistia.
00:04:42A arena política brasileira fica muito mais complexa e muito mais interessante.
00:04:50Em 1982 você tem as primeiras eleições que vão trazer para Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais,
00:05:08três estados fundamentais, candidatos da oposição.
00:05:12Então nós temos aí, nesse momento, uma virada.
00:05:17Qual é a virada?
00:05:18É perceber que era necessário ocupar espaços dentro do Estado, dentro do aparelho de Estado.
00:05:26Não apenas estarmos fora denunciando, mas podermos entrar nas políticas públicas.
00:05:33Então esse foi já um momento nosso de mobilização.
00:05:36De tal maneira, quando os novos governadores foram eleitos, nós tínhamos uma interlocução com esses governadores.
00:05:43E nós vamos a uma reunião com o Tancredo Neves, que a Ruth Escobar organiza um almoço.
00:06:06O Tancredo Neves era o governador de Minas e seria possivelmente o presidente indicado, né?
00:06:15Pelas eleições ainda indiretas a ocupar o governo federal.
00:06:20E lá ele faz um discurso prometendo que se eleito fosse, ele criaria esse organismo da maior importância que cuidaria dos direitos das mulheres.
00:06:32Já tinha essa percepção corretíssima de que não dá só para reclamar, é preciso fazer.
00:06:40As imagens do plenário do Congresso Nacional, minutos antes do início da escolha do próximo presidente da República.
00:06:47Primeiro, a deputada Beth Mendes de São Paulo. Qual é o seu voto hoje?
00:06:51Tancredo Neves, sem dúvida nenhuma, porque é o começo do nosso caminho democrático.
00:06:56Mais alguns minutos e nós vamos ter a previsão exata que vai ser o resultado do colégio eleitoral.
00:07:03Os rojões já estão estourando. Faltam mais um voto.
00:07:05O Brasil tem o presidente civil, Tancredo Neves.
00:07:12Tancredo!
00:07:14Isso é o Brasil novo!
00:07:17Lamento informar que o excelentíssimo senhor presidente da República, Tancredo de Almeida Neves,
00:07:24faleceu esta noite, no Instituto do Coração, às 10 horas e 23 minutos.
00:07:30São brasileiras e brasileiros, porque o discurso do Sarney era feito ali no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
00:07:49Então, brasileiros e brasileiras, foi a gente que esteve a primeira vez.
00:07:54Aí ele nunca mais abandonou, porque ficou bom, né?
00:07:59Brasileira e brasileiros, perdem para cumprir e cumprir...
00:08:07Tancredo faleceu, foi o Sarney que honrou o compromisso do Tancredo,
00:08:15mesmo porque eu acho que o Sarney assumiu e, naquele momento, era tão frágil, né?
00:08:20Que ele precisava, de uma certa forma, honrar vários compromissos, inclusive na composição do governo, etc.
00:08:28Mas o Sarney pensou, para essa governabilidade, eu vou ter que trazer muita gente, né?
00:08:35Com pensamento avançado, com pensamento mais à esquerda, mais do campo democrático e tal.
00:08:43E as mulheres continuaram fazendo pressão com ele.
00:08:46Então, nós temos ali que o Conselho vai funcionar como um grande farol, entendeu?
00:08:50Que vai iluminando esses escuros da sociedade, entendeu?
00:08:52Que estão sem resposta.
00:08:53E no que você joga na luz em cima, você vê que essa discriminação que existe que é violenta.
00:08:57Alguma coisa tem que ser feita.
00:08:58Ruti era um trato.
00:09:01Ele dizia, não, nós temos que falar com o Lícius, nós temos que conversar sobre isso.
00:09:04A respeito dessa situação de nós, mulheres, as coisas têm que acontecer dessa forma.
00:09:09Aquela coisa muito incentivadora, muito brigona também, né?
00:09:15Mas muito incentivadora.
00:09:17Ela teve um papel muito importante na construção do Conselho.
00:09:22Ela arrancou o Conselho.
00:09:25A Ruti era uma mulher muito guerreira, aquela portuguesa retada, assim.
00:09:30Ela chegou ao Sarney e falou, olha só, se você não fizer o Conselho conforme o Tancredo
00:09:37prometeu que criaria, eu vou botar uma mulher...
00:09:39Aí ela veio com tudo.
00:09:41Eu vou botar uma mulherada aqui em Brasília, você não vai conseguir governar.
00:09:45As mulheres vão estar todos os dias na sua porta.
00:09:47Aí o Conselho ficou numa situação, tá bem ali, mas eu não sei, né?
00:09:52Já tá tudo combinado, se tá tudo combinado eu vou levar adiante, né?
00:09:55O Constituinte merece uma atenção especial, porque pela Constituinte vão passar realmente
00:10:12todas as questões que discriminam a mulher, desde a questão da legislação, a questão
00:10:15trabalhista, a própria questão de mudança da imagem da mulher, a questão cultural.
00:10:19Quem planta, né, na verdade, no cerrado, no planalto central, essa estrutura poderosa,
00:10:30a gente deve muito ao papel que a Ruti Cobá desempenhou.
00:10:34Porque ela não tinha medo, tinha muita garra e ela partia mesmo pra briga, né?
00:10:41Tem uma revolução dentro de mim, né?
00:10:44Uma revolucionária.
00:10:46Ela tinha esse temperamento, mas isso era necessário, engraçado, né?
00:10:52Isso era necessário naquela época.
00:10:54Então, muito mais urgente do que a participação na Constituinte, não seria o cumprimento do
00:10:58Código Penal, na sua opinião?
00:11:00Eu acho que pra botar alguns cidadãos na cadeia é verdade.
00:11:03Agora, eu acho que se nós tivermos mais mulheres na política, talvez não seja tão
00:11:07necessário levar tão a risco ao Código Penal.
00:11:10Inicialmente, seria um ministério da mulher.
00:11:13Acontece que a Ruti Cobá não poderia assumir.
00:11:17Ela, como portuguesa, não podia ser ministra.
00:11:20Eu não sei se foi só isso.
00:11:22Eu acho que, naquele momento histórico, o poder, o establishment patriarcal, não estava
00:11:29preparado pra nomear um ministério das mulheres, né?
00:11:34Que o conselho tinha um nome de conselho, mas era muito mais do que um conselho.
00:11:39Ele era um ministério.
00:11:41Ele tinha assessorias várias, departamentos vários, ele tinha orçamento próprio.
00:11:50Ele tinha toda uma vida própria de ministério.
00:11:55Só que, se falasse ministério da mulher, naquele tempo, ele morria antes da hora, né?
00:12:01Aí foi pensado fundação, pensado...
00:12:04Bom, enfim, o arranjo estrutural e político capaz de ter à sua frente uma mulher nascida
00:12:14em Portugal, porque ela era brasileiríssima, a Ruti, mas nascida em Portugal, era esse negócio
00:12:21chamado Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
00:12:24Depois de 21 anos de ditadura militar, com os militares no poder, né?
00:12:30Só editando decretos e decretos e decretos, nós queríamos que fosse uma lei do Congresso
00:12:36Nacional.
00:12:37E assim foi.
00:12:38O conselho é a expressão dessa postura de aceitar participar do Estado, mesmo quando
00:12:49o Estado não era nosso, quando o Estado estava dominado pelos homens, mas que a gente ia
00:12:53tentar furar o bloqueio.
00:12:55Quem não tem cão, caça com gato.
00:12:56Quando a gente negociou com o Tancreda, a gente negociou dinheiro.
00:13:11Esta é a questão mó.
00:13:13Você não pode administrar nada se você não tiver orçamento, gente.
00:13:17Se você não tem orçamento, você fica à margem dos políticos.
00:13:21Então você tem que botar uma placa assim.
00:13:22Sem dinheiro não tem administração.
00:13:26Além de conselheiras bastante comprometidas com a causa, com a agenda feminista, a gente
00:13:34tinha uma equipe.
00:13:35Porque o conselho era um conselho representativo.
00:13:37Então você tinha as conselheiras como representantes de vários estados e você tinha um corpo técnico
00:13:44administrativo.
00:13:46Tinha uma parlamentar, que era a Benedita da Silva.
00:13:49Aí você tinha, por exemplo, na área das artes, aquelas que tinham uma sensibilidade.
00:13:54Toma Tizuka e a Mazaque.
00:13:56Aí você tinha na área da economia uma Conceição Tavares, Ruth Cardoso, Carmen Barroso.
00:14:03Então todas essas mulheres eram, além da academia, além de escritoras, etc., mas elas
00:14:11eram ativistas feministas.
00:14:12Nós queremos que esse conselho seja formado com mulheres que tenham um passado e um presente
00:14:17na luta das mulheres.
00:14:19Sueli Carneiro, minha companheira, amiga.
00:14:23Sueli foi um expoente do feminismo.
00:14:25Sueli criou uma organização muito importante, que é o Guelé 10, Instituto da Mulher Negra.
00:14:31Para nós, mulheres não negras, foi também um aprendizado do que as mulheres negras colocavam
00:14:42e que talvez, naquele momento, a gente não estivesse com uma lupa tão focada na questão
00:14:48racial, né?
00:14:50Ney, Ney desapareceu, mas já...
00:14:53Ah, está indo lá para o meio das pessoas.
00:14:54Lélia Gonzalez é mineira.
00:14:57Veja você.
00:14:58Ele vive dizendo dos homens, dos mineiros, dos mineiros.
00:15:01Olha uma mineira ilustráima aqui.
00:15:04Gente, eu gostaria de apresentar a vocês a Lélia Gonzalez, que é uma das nossas mais
00:15:08brilhantes antropólogas, era professora de antropologia na PUC do Rio de Janeiro.
00:15:13A Lélia era como uma intelectual, ela era uma formadora de opinião e ela era também
00:15:21uma construtora de narrativa e ela era necessária e importante quando poucas mulheres negras
00:15:35tinham uma voz.
00:15:37O conceito de negro é um conceito muito mais político e muito mais racial, nós iríamos
00:15:42assim, do que de cor de pele.
00:15:44Em termos de Brasil, quatrocentão, por exemplo, você vai buscar, tem sempre negro lá na formação
00:15:52das grandes famílias.
00:15:53Então é por aí que a gente afirma que a gente é maioria assim.
00:15:56E você estava dizendo que o negro brasileiro ganha menos que o branco.
00:16:01A mulher negra ganha muito menos, a mulher então ainda tem a condição de mulher que
00:16:07é um agravante, não é isso?
00:16:08A Lélia González foi uma pessoa muito importante na minha vida, viu?
00:16:18política.
00:16:19Uma mulher com uma capacidade como a Lélia, intelectual, mulher bem formada, sabe?
00:16:29Mas que se tornou minha assessora.
00:16:33Para mim era uma demonstração de grandeza dela, muito grande.
00:16:39Quem benedita diante de Lélia González com toda aquela sua história, com toda a sua formação,
00:16:46e muito defensora da causa negra, com muito comprimiço, defensora das mulheres.
00:17:07No espelho aqui sou eu mesmo.
00:17:09Ficou direitinho.
00:17:12Minha mãe era umbandista, tinha um terreiro, minha mãe era parteira, meu pai esteve algum
00:17:23tempo fora, desapareceu, ela juntou os filhos todos de Leopoldina e veio para o Rio de Janeiro
00:17:32para tentar uma vida melhor.
00:17:34No Rio de Janeiro, ela criou a gente da sua forma, do seu modo, sempre fazendo com que
00:17:44a gente tivesse muita dignidade.
00:17:47Na verdade, minha mãe teve 15 filhos e nenhuma de nós, nenhum de nós, sabe?
00:17:54Temos até hoje a garra, a determinação que a minha mãe teve enquanto mulher.
00:18:01O ser mulher é uma coisa muito importante.
00:18:05Desde que você assuma essa feminilidade, você tem avanço.
00:18:09E descobri isso muito cedo, que a força da mulher é que é a grande força.
00:18:14Então nós sentimos isso daí.
00:18:16Eu até dizia, todo mundo parece filho da mãe, ninguém é filho do pai, a mãe tem que
00:18:21levar para a escola, a mãe tem que carregar água, a mãe tem que lavar roupa, a mãe tem que
00:18:24cuidar da comida.
00:18:25Se a gente não estiver organizado, vai ser difícil.
00:18:28Foi aí que eu comecei a entender que era preciso estar organizada e fomos à luta.
00:18:34no princípio eu não me atrevia a manifestar meus pensamentos, mas só no princípio.
00:18:49a gente não me atrevia.
00:18:50Depois eu fui em frente, engatei uma primeira marcha e acelerei.
00:19:01Achei no fundo de uma gaveta e não mandei lavar para demonstrar a antiguidade.
00:19:13tudo voltou à minha memória e foi uma emoção.
00:19:20E como era a sua participação?
00:19:24Ah, eu me sentia um macaco em loja de louças, porque as participantes eram de diversos partidos
00:19:36e elas tinham um jargão próprio.
00:19:39Eu não conhecia nada, eu era uma feminista independente.
00:19:45Fui feminista desde criancinha, embora não soubesse o que significava feminismo.
00:19:54Mas eu era muito independente e sempre fui muito independente.
00:19:58Até uma filha sozinha eu fiz.
00:20:03Eu me lembro que Fernando Gabeira, quando saíamos uma tarde do Jornal do Brasil,
00:20:13porque eu dava sempre carona a ele porque eu tinha a Volkswagen,
00:20:18me perguntou, você já leu o segundo sexo?
00:20:28Não. Então vá comprar e leia.
00:20:32E foi o começo de meu feminismo com o nome de feminismo.
00:20:40Simone de Beauvoir me abriu caminhos para me declarar feminista.
00:20:48Porque a mulher não elegia, havia um artifício.
00:20:52A mulher votava, mas não era com voto próprio.
00:20:54Ela votava com um papelzinho dobrado na mão.
00:20:57O voto que era dado a ela pelo homem da família, o marido, o irmão, o pai.
00:21:01Era um grupo muito interessante de mulheres.
00:21:04A Ruth esteve lá por cinco meses, acredito, de agosto a dezembro, por aí.
00:21:10Ela saiu porque ela foi concorrer a deputada estadual.
00:21:14E eu fui então indicada pelas conselheiras para assumir a presidência do conselho.
00:21:21Bem, eu sou uma menina de Belo Horizonte.
00:21:30Meu pai era médico e minha mãe, ela fez a escola normal.
00:21:36E eu tive uma infância entre o que se esperava de uma menina que estudava no colégio Sion,
00:21:42de Freiras, etc. e tal, e uma família muito liberal.
00:21:46Essa presença minha, sempre muito atuante como ativista no espaço público,
00:21:55é claro que eram batalhas cotidianas, mas meus filhos estão aí.
00:22:01Sobreviveram muito a uma mãe ativista, feminista.
00:22:07Eu tenho três filhos, tenho sete netos e netas.
00:22:11Tenho meu companheiro chileno que atravessou todos esses momentos da minha vida.
00:22:20Ao apontar a nossa ausência, ao indicar a nossa ausência,
00:22:25nós desvendamos a invisibilidade no sentido de que ela não é natural.
00:22:30Essa invisibilidade, ela é criada através de um processo político que nos afasta
00:22:37e que nos leva a que nós mesmas nos afastemos das esferas de decisão de poder.
00:22:43No dia 1º de fevereiro de 87, quando os constituintes entrarem aqui neste prédio,
00:22:47o Brasil pode ter uma surpresa.
00:22:49As mulheres, que hoje tem apenas oito representantes, sete na Câmara e uma no Senado,
00:22:54podem ser na constituinte pelo menos 15.
00:22:56E num cálculo mais otimista, até 20 representantes.
00:22:59Nós estamos nos organizando para que tenham outras mulheres revezando nessa luta
00:23:03e a gente possa conseguir realmente o respeito total aos nossos direitos, sabe?
00:23:07Ia ter eleições para eleger os deputados constituintes, em 86.
00:23:12O Conselho Nacional foi criado em 85.
00:23:15O debate está aberto.
00:23:17Nós, mulheres, vamos ter que influir nesse texto constitucional.
00:23:21E a gente era um órgão que tinha poder dentro da esplanada, porque a gente disputava espaço de televisão com outros órgãos.
00:23:30Enquanto os pesos e as medidas forem diferentes para homens e mulheres, nenhuma constituição será equilibrada.
00:23:39Constituinte, para valer, tem que ter direitos da mulher.
00:23:44Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
00:23:48E nós fomos a todos os estados, em articulação com os movimentos locais, com assembleias legislativas, para dizer, o momento é esse.
00:24:02Precisamos, então, estar atentas em quem vamos votar, ter presente de que vamos ter que atuar fortemente a partir da eleição desse Congresso Constituinte,
00:24:18para poder retirar a mulher brasileira da categoria de segunda, cidadã de segunda categoria que éramos até então.
00:24:27O casamento, a mulher, ela tinha uma posição de subalternidade no casamento.
00:24:38E o que isso quer dizer, subalternidade no casamento?
00:24:42Quer dizer que o homem era, por lei, o chefe da sociedade conjugal.
00:24:47Essa ideia da obediência da mulher ao homem, ela é, digamos assim, um solo fértil para legitimar a violência.
00:25:08A violência, seja psicológica, seja física, seja sexual, do homem sobre a mulher em relações maritais.
00:25:21Grande parte da violência doméstica, ela ocorre com uma chamada violência de correção.
00:25:29Eu estou te batendo para te castigar porque você não obedeceu.
00:25:33Essa hierarquia estabelecida nesse artigo do Código Civil, no que diz respeito à família, ela pautava a discriminação em todas as outras normas.
00:25:46O homem que fixava o domicílio, então, vamos dizer, os dois trabalhavam, mas ele foi mandado para o Amazonas, ela tinha que largar o emprego para seguir a família.
00:25:57Se ela estivesse trabalhando, mas ele achasse que o trabalho dela estava interferindo negativamente nas tarefas, sei lá, familiares, cabia a ela deixar o emprego.
00:26:10O Código Civil brasileiro tutelou as mulheres casadas.
00:26:28Essa questão jurídica, eu entendo, e acho que as minhas companheiras também, pautou o ativismo daqueles anos.
00:26:42Primeiro, nós não tínhamos ideia nenhuma de organização.
00:26:56Nós éramos um grupo de mulheres que queríamos refletir sobre nós mesmas.
00:27:00Então, começaram os chamados grupos de reflexão feminista.
00:27:04Fazíamos encontros que eram, ao mesmo tempo, afetivos e de criação de uma solidariedade, de uma identidade comum.
00:27:12E, ao mesmo tempo, tecendo diversas estratégias de luta.
00:27:17Eram mulheres mais ou menos da mesma idade, umas mais novas, outras um pouco mais velhas.
00:27:22Mas a gente queria refletir sobre a nossa condição, a nossa situação de mulheres.
00:27:26O tabu da sexualidade, as mulheres não falavam sobre isso.
00:27:30Nós somos a geração da pílula. A pílula é de 1960.
00:27:35Até 1960, as mulheres não sabiam como separar a sexualidade da maternidade, gente.
00:27:49Tinha duas lutas que eram extremamente pesadas, da virada dos anos 70 pros anos 80,
00:27:55que era a luta pelo direito ao aborto e violência contra a mulher.
00:28:02Começa com o assassinato da Angela Diniz, quer dizer, o feminicídio.
00:28:06O slogan, quem ama não mata, é da missa de sétimo dia da Heloísa Malestero,
00:28:11que era uma empresária mineira que foi assassinada pelo marido friamente.
00:28:18A Globo respondeu com dois seriados, quem ama não mata e o seriado Malu Mulher.
00:28:24Um homem é o dono de sua casa.
00:28:27Que vocês não tem ideia do significado do quem ama não mata.
00:28:31Me deixa ir, Jorge!
00:28:33Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher.
00:28:42O pior é que ainda tem gente que pensa assim.
00:28:44O que aumenta ainda mais a violência.
00:28:46Basta ver o número de mulheres, mulheres espancadas, que procuram as delegacias femininas.
00:28:51Vamos acabar com a violência, vamos acabar com o silêncio que encobre a violência.
00:28:56Nós, mulheres e homens, podemos encontrar uma maneira generosa de conviver.
00:29:02Eu vi no Sagon da BI um cartaz enorme assim,
00:29:13Seminário sobre o Comportamento da Mulher Brasileira.
00:29:17O título era meio bobo, porque a gente estava em ditadura, né?
00:29:20O seminário era sobre o papel e o comportamento da mulher na sociedade brasileira.
00:29:25Ali eu conheci Carmen da Silva, que estava lá.
00:29:29As minhas amigas, que hoje são minhas grandes amigas, Leila Linhares,
00:29:34Jaqueline Pitangui, Branca Moreira Alves, Marisca Ribeiro.
00:29:41A partir da ABI, desse grande evento na ABI,
00:29:45É que nós criamos a primeira organização feminista brasileira institucional,
00:29:52que é o centro da mulher brasileira.
00:29:55E um dos primeiros trabalhos que nós fizemos foi passar em revista a legislação.
00:30:00Lemos o Código Civil todo, destacando todas as discriminações que havia contra as mulheres.
00:30:06Então, quando a gente chega no processo constituinte,
00:30:10nós vínhamos já com uma demanda muito amadurecida em relação aos direitos civis,
00:30:16a direitos políticos, a participação política, a direitos trabalhistas.
00:30:22A Carta das Mulheres aos Constituintes, ela já vinha sendo gestada desde 1975.
00:30:2818 de março vai ser um dia diferente.
00:30:32Compareça você também às 17 horas à Assembleia Legislativa do seu Estado
00:30:37e participe da entrega da Carta das Mulheres para a nova Constituição.
00:30:41Dia 18, às 17 horas, com o peso da nossa União, vamos equilibrar essa balança.
00:30:48Viva a diferença! Com direitos iguais.
00:30:51Eu, como coordenadora, percorria os estados, fazia as conferências
00:30:59e eu pedia, ao final, que aquele grupo ali presente
00:31:03que mandassem para o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
00:31:08as suas reivindicações, mandasse por carta.
00:31:12Para essas mulheres, esta é a hora de acabar com a discriminação.
00:31:16Elas querem que a mãe de todas as leis, a Constituição,
00:31:19também possa ser chamada de palavra de mulher.
00:31:23Com toda essa força, elas não querem mais ser consideradas
00:31:26cidadãs de segunda categoria.
00:31:28O calor, quase insuportável.
00:31:30Mesmo assim, na mira da Câmara, as ideias brotaram.
00:31:34A Carta das Mulheres Brasileiras à Constituinte
00:31:38foi um trabalho muito intenso, porque as lideranças feministas
00:31:45de cada capital pediram às mulheres que dissessem
00:31:51o que elas queriam que constasse na Constituinte,
00:31:56na nova Constituição.
00:31:58Deve ser explicitado na nossa Constituição que o crime,
00:32:04que a discriminação racial é um crime a ser punido
00:32:07pelo Código Civil.
00:32:09Assim, passei um ano viajando e recebendo aquelas cartas.
00:32:17Viai carta de tudo quanto foi lugar.
00:32:20Então, o que acontecia?
00:32:21As demandas que chegavam ao Conselho eram demandas
00:32:24eram demandas as mais amplas possíveis.
00:32:26Essas demandas precisavam ser transformadas em artigos de lei.
00:32:31Que ela tenha direito à terra também,
00:32:33mesmo aquelas que os maridos já morreram por causa de violência,
00:32:38mesmo aquelas que o marido for embora porque não tem onde trabalhar,
00:32:42vão para os garimpos e lá morrem,
00:32:44mas que elas também tenham direito à terra para trabalhar
00:32:46e sustentar os seus filhos.
00:32:48Você vê que ela fala de saúde, ela fala de educação,
00:32:51ela fala de tudo, entendeu?
00:32:54Aliás, os direitos das mulheres são transversais
00:32:57a todos os outros assuntos.
00:32:59A gente faz um grande encontro nacional
00:33:01e lá foi aprovada a Carta das Brasileiras.
00:33:06Essas e mais 55 sugestões foram aprovadas.
00:33:09Passaram a ser a Carta da Mulher na Constituinte
00:33:12e vão ser espalhadas por todo o país.
00:33:15No final, a comemoração.
00:33:17Essa carta também teve um sentido simbólico.
00:33:29Ela foi entregue ao presidente da Assembleia Nacional Constituinte,
00:33:45ao Ulisses Guimarães.
00:33:47Então, essa carta não foi simplesmente uma carta protocolada
00:33:51numa secretaria do Congresso Nacional.
00:33:54Aplausos
00:33:56Podem ter certeza que nós, as constituintes desta casa, lutaremos, batalharemos
00:34:05para introduzir os itens que a luta das mulheres fez chegar a esta casa,
00:34:11à Constituição, nas várias comissões, nos vários itens.
00:34:16Saberemos honrar a luta de vocês.
00:34:19Neste momento, nós estamos pleiteando apenas que sejamos ouvidas, assistidas.
00:34:30Estamos pedindo o reconhecimento da cidadania.
00:34:33Somos as legítimas representantes daquelas que estão no anonimato hoje,
00:34:40mas que contribuíram consideravelmente para que os senhores pudessem aqui estar sentados nessas cadeiras.
00:34:48Foi uma conquista das mulheres, sim.
00:34:51Foi uma luta ferrenha, foi.
00:34:53E nós vamos continuar lutando, nós vamos continuar brigando e assumindo o nosso espaço de igualdade.
00:35:00A carta tem como remetente vários nomes de mulheres que, na verdade, vão expressar muitas das brasileiras que estiveram envolvidas nesse processo.
00:35:17Essa letrinha aqui é da Iudete, viu?
00:35:23Importante salientar que não são só nomes sofisticados, profundo, porque ela foi feita a muitas vozes.
00:35:35Ela foi feita a muitas mãos. Ela foi feita a partir de muitas realidades.
00:35:40Ela foi feita a partir de realidades mais confortáveis, mas ela foi feita também a partir de realidades muito duras, de muita desigualdade.
00:35:49Eu acho importantíssimo que a mulher na rua comece a mostrar que o corpo inteiro tem força.
00:36:07Que a gente não pode mais se olhar como fotografia três por quatro.
00:36:11É importante que a gente faça uma política onde a gente é vida, onde a gente inteiro coloca a nossa cara.
00:36:18O feminismo foi uma luta revolucionária, porque mexia com questões que até então não tinham sido abordadas aqui no Brasil.
00:36:29O feminismo entrou por dentro da família. Foi discutir o comportamento das mulheres.
00:36:34Então, era uma coisa que não era fácil você se assumir como feminista.
00:36:40O feminismo, naquele momento, era mal visto. Temia-se que afastasse os homens. Afastava os homens incorretos.
00:36:51E aproximava os homens ideais. Se é que existem homens ideais.
00:36:58Os militares achavam que aquilo não era importante. Era coisa de mulher. E os comunistas e os comunas também tinham raiva da gente.
00:37:07Porque diziam que a gente dividia a luta de classe. Tu achas que era tranquilo? A esquerda também não aceitava não.
00:37:12Agora, com essa mobilização popular, nós acreditamos que nós mulheres vamos escrever uma nova página na nossa vida no Brasil.
00:37:22E a nossa atuação incomodou não só os conservadores, como também incomodou aqueles que se consideravam progressistas.
00:37:29Um dos episódios mais marcantes foi quando a Beth Frieda, uma feminista norte-americana, de grande importância, livros escritos,
00:37:38Beth Frieda veio ao Brasil e o jornal Pasquim, a única coisa que conseguiu dizer sobre a Beth Frieda é que ela era muito feia.
00:37:49Então, essa coisa das feministas serem feias, das feministas serem mal amadas, das feministas serem sapatonas.
00:37:57E é interessante como é que as coisas se repetem. Quando a Judith Butler veio ao Brasil, ela também foi agredida.
00:38:04Então, quer dizer, ou seja, as décadas passam, mas o machismo, a misoginia continua muito forte, muito forte.
00:38:13Música
00:38:15Música
00:38:16Música
00:38:17Música
00:38:42O feminismo e a violência cometida, ela é cometida sem dúvida nenhuma, mas ela tem cor, ela tem classe, ela não tem só gênero.
00:38:56O meu corpo me pertence, pura e simplesmente, porque dependendo da classe social, o seu corpo não te pertence.
00:39:02Dependendo da cor da sua pele, também o seu corpo não te pertence.
00:39:10Então, se lutar contra essas coisas, essas crueldades que acontecem, sou feminista, sim.
00:39:17Sem fazer qualquer elogio exagerado, mas eu tenho absoluta certeza que esta década demonstrou que a mulher amadureceu nos seus propósitos e se constitui numa força política extraordinária.
00:39:34Na realidade, os feminismos que vão explodir no Brasil, é uma luta que nunca morreu.
00:39:40Ela ficou feita o fogo de bulturo.
00:39:43Que vai queimando devagar por baixo.
00:39:48Música
00:39:49Música
00:39:53Música
00:39:57Eu acho que o meu compromisso com o texto constitucional é trazer a justiça para dentro dele.
00:40:02Isso é um trabalho sério.
00:40:04E o povo espera que nós encaremos este trabalho com essa seriedade.
00:40:09Eu acredito muito na força da mulher.
00:40:11É o problema da mulher trabalhadora que não tem onde deixar o seu filho.
00:40:16E eu estou hoje representando o anseio dessas mulheres.
00:40:22Triste de nós, se ela não ganhar, para dar uma palavra pela gente.
00:40:26Porque se ela ganhar, nós estamos eleitos.
00:40:29Porque se ela não ganhar, a derrota está feita.
00:40:31Quando nós chegamos lá, nós éramos 26 parlamentares de várias regiões do Brasil.
00:40:40Os compromissos partidários eram diferentes.
00:40:44Mas no momento em que nós começamos a falar das dificuldades das mulheres brasileiras,
00:40:53era impossível você não abraçar aquela luta depois de tudo que nos foi mostrado,
00:41:01depois de tudo que nos foi, assim, impulsionado a ver como missão naquele momento.
00:41:10Aconteceram coisas incríveis ali.
00:41:13As pessoas pensam que isso não é nada, mas é muita coisa.
00:41:16Não tinha banheiro para mulheres no plenário da Câmara.
00:41:22O que isso significa na relação do poder?
00:41:25Às vezes as pessoas não se dão conta.
00:41:27Quer dizer, ali não foi um espaço preparado para as mulheres irem lá.
00:41:32O negócio é para macho homem e nada mais.
00:41:36Quando nós fomos exigir e pedir a Ulisses Guimarães que providenciasse um banheiro para nós,
00:41:43surgiu então essa primeira polêmica com eles.
00:41:46A polêmica era no buchicho, como se diz, no disse, me disse baixinho.
00:41:52Elas dizem que querem direitos iguais e agora elas querem o privilégio de reivindicar um banheiro para elas.
00:41:59Olha, o privilégio querem o direito.
00:42:02Isso fez o grande primeiro mote para unir a bancada feminina.
00:42:07Ou a gente começa a brigar por aquilo que nos une ou nós estamos ferradas.
00:42:12E foi por aí.
00:42:13Excelentíssimos senhores ministros do Supremo Tribunal Federal.
00:42:26Excelentíssimos senhores ministros presidentes dos tribunais superiores.
00:42:32Excelentíssimo senhor decano do corpo diplomático.
00:42:37Excelentíssimos senhores embaixadores acreditados junto ao governo brasileiro.
00:42:43Excelentíssimos senhores governadores eleitos.
00:42:47Excelentíssimos senhores oficiais generais.
00:42:51Senhores constituintes.
00:42:53Instala-se hoje a Assembleia Nacional Constituinte.
00:42:58A bancada feminina na Constituinte está apresentando nove emendas ao atual projeto de constituição.
00:43:10As propostas foram feitas com a participação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
00:43:15e pretendem garantir as atuais conquistas e lutar por outros avanços.
00:43:19Diariamente tinha uma comissão das mulheres, das funcionárias do CNDM, de nós que trabalhávamos no CNDM,
00:43:28íamos para o Congresso Nacional para acompanhar os debates em cada comissão, em cada subcomissão,
00:43:36conversar com parlamentares.
00:43:38Outras estavam viajando fazendo debates nos estados.
00:43:41Outras estavam telefonando para criar estratégias.
00:43:44E nós ali então trabalhávamos em articulação com o movimento da sociedade civil,
00:43:50acompanhando diretamente tudo que era discutido no Congresso,
00:43:54acionando os grupos, como eu já disse, de interesse mais concreto naquele tema
00:44:01que estava sendo discutido, acompanhando o tempo todo.
00:44:04Você não tinha internet.
00:44:06Mimiógrafo aqui era a divulgação dos materiais.
00:44:11E carta, carta, carta.
00:44:14Pensa bem, telegrama.
00:44:16Mulheres de várias partes do país voltaram a se reunir.
00:44:19Elas acham que ainda há muito o que conquistar.
00:44:22A questão da licença maternidade estendida por 120 dias.
00:44:25A questão de que as presidiárias terão o direito de amamentar os seus filhos.
00:44:29E a gente ia muito pra lá, pra lá, pra lá.
00:44:31E entrava numa sala, entrava na outra, conversava com um deputado, conversava com outra deputada.
00:44:35Eles deviam achar a gente insuportável.
00:44:38Um dia nós estávamos chegando e tinha três ou quatro deputados vindo no mesmo corredor
00:44:43e nós escutamos eles dizerem assim, e lá vem o lobby do batom.
00:44:50Quer dizer, eles gozando que o batom era a nossa arma.
00:44:53Então a gente queria se pintar, se arrumar, parecer, nha-nha-nha, as bonequinhas, né?
00:45:00Vamos fazer uma carta, vamos encaminhar ao doutor Ulisses Guimarães, vamos denunciar isso.
00:45:07E nessa discussão, faz a carta, não faz a carta, a gente disse, mas esse que é um nome potente é, hein?
00:45:14A Chuma foi uma das que teve a ideia de dizer, vamos pegar isso, vamos fazer a nossa arma, vamos reverter essa situação.
00:45:20Eu acho que a gente deveria fazer o contrário.
00:45:23A gente deveria assumir esse nome e dar uma força política pra esse nome.
00:45:32A boca, a boca que fala, a boca que é uma boca política, a boca que articula, né? Demandas, né? A voz, né? A voz, né? A voz das mulheres.
00:45:48Num encontro hoje com o presidente da Constituinte, Ulisses Guimarães, representantes de movimentos feministas elogiaram as decisões já aprovadas em favor da mulher e da família.
00:45:59Olha eu aqui.
00:46:06A mulher chegou aqui e as projeções eram, esta é filha de ex-presidente da república, esta é a musa da Constituinte, esta é bonita, esta é feia, esta é velha, esta é moça.
00:46:14Enfim, a mulher era um objeto que era de curiosidade, de riso e algumas vezes até, vou lhe dizer, um objeto assim, um pouco ansioso, fútil da Assembleia Constituinte.
00:46:26Nós somos, sim, do lobby do batom e vocês têm que nos enfrentar.
00:46:29Não estamos aqui pra fazer o que esses homens estão pensando, que é desfilar, nos mostrar e somos umas idiotinhas úteis passeando por aqui. Nós estamos aqui pra brigar.
00:46:41Na quinta-feira nós vamos fazer uma reunião com o relator Bernardo Cabral, tentando demonstrar a ele a coesão e a força da bancada feminina, que está subscrevendo todas essas emendas.
00:46:52Então, evidentemente, se isso é uma luta da bancada de mulheres nos trabalhos constitucionais, ele vai ter que nos ouvir e ouvir com o ouvido de quem realmente terá interesse em ser isso no seu relatório constitucional.
00:47:05Isso era uma luta insana, era uma briga diuturna, a gente varava noites discutindo, eu passei três meses sem vir em casa.
00:47:15A gente era genuinamente feminista, mas a gente sabia que tinha, a gente tinha um manejo, a gente tinha um, digamos assim, um jogo de cintura pra falar com eles, porque senão não conseguia nada, entendeu?
00:47:31E nós, por conta dos próprios movimentos, movimentos negros, movimento das mulheres, da favela, de tudo, entendia que aquele momento da constituinte era um momento pra que as representações populares, no meu caso, considerada representação popular, tivesse lá pra discutir a constituição brasileira.
00:47:51Cada um com a sua mensagem e com uma proposta de emenda popular.
00:48:01Olha que coisa linda, extraordinária, tinha segmentos de todas as classes sociais.
00:48:23Eram donas de casa e representantes de movimentos populares de todo o Brasil, que fizeram um ato público para entregar propostas de emendas populares à constituinte.
00:48:38E a gente, por exemplo, se você estava discutindo uma questão que era de interesse das empregadas domésticas, você ia com as associações de empregadas domésticas.
00:48:47Mulheres rurais, nós íamos com as mulheres rurais.
00:48:50Como o deputado Ulisses Guimarães disse desde o início, essa é a constituinte do povo e nós também somos povo e nós vamos procurar estar lá dentro.
00:48:59Parece que já é a semana que vem que vai ser votado o destaque da deputada Benedita da Silva.
00:49:05Diz que a esperança é a última que morre, né?
00:49:08Como é que a senhora se sente nesse momento, quer dizer, participando aí de um momento histórico como esse?
00:49:13Como todas as coisas que têm acontecido comigo neste congresso, é a primeira vez em que estava presidindo a sessão, é a primeira vez em que uma deputada federal negra é eleita e é também a primeira vez em que uma mulher preside uma constituinte.
00:49:30Quando eu me sentei naquela mesa, Benedita da Silva, do Chapéu Mangueira, que era mulher negra, filha da dona Ovidia, e eu sentada ali, eu não enxerguei ninguém naquele plenário a não ser uma mulher simples, com um pano amarrado na cabeça, do jeito que minha mãe gostava de amarrar.
00:49:50E naquele momento eu tive tanta vontade que ela estivesse viva.
00:49:59Essa é uma parte minha da constituinte, vocês sabiam, que a minha mãe foi lavadeira do Juscelino.
00:50:07Eu entregava a roupa na casa do Juscelino, no Rio de Janeiro, na rua Gustavo Sampaio.
00:50:13Então, anos depois, nunca tinha passado para a cabeça que um dia eu fosse chegar em Brasília, constituinte junto com a Márcia.
00:50:23Márcia Kubitschek, filha do Juscelino.
00:50:28Aí eu, muito orgulhosa, cheguei para ela.
00:50:32A minha mãe lavou roupa para o seu pai.
00:50:37Queremos proclamar a nossa abolição.
00:50:41Não é ódio, nem rancor.
00:50:45Apenas um grito de liberdade.
00:50:53Senhoras e senhores, falando ao Brasil, declaro promulgada.
00:50:59A matriz onde se ergue a constituição brasileira são os direitos dos cidadãos e das cidadãs.
00:51:19São os direitos humanos sobre a qual se ergue as responsabilidades do Estado.
00:51:24Quando as outras constituições e a constituição militar era o contrário.
00:51:28Essa constituição falava primeiro da figura da pessoa, entendeu?
00:51:35Homem e mulher.
00:51:37Na verdade, quando você lutava para que o texto constitucional dissesse com todas as letras,
00:51:44todos são iguais perante a lei, não servia para nós.
00:51:48Para nós só servia se homens e mulheres são iguais perante a lei.
00:51:52Então, quando a gente está falando de mulheres, nós estávamos falando, claro,
00:51:56da multiplicidade, da diversidade que somos enquanto mulheres.
00:52:01Eu sei que hoje isso não contempla mais, mas naquela época, escrever no texto constitucional
00:52:07homens e mulheres têm direitos iguais, óbvio que era um avanço imenso.
00:52:14Foi um longo debate, minha gente.
00:52:16Porque hoje você lê esse negócio e fala, não é nada.
00:52:18Isso tem que ser um longo debate, entendeu?
00:52:20Porque todos nós, mas todos não somos nós.
00:52:24A Chuma ligou para mim de noite e falou assim, tem que dar um jeito de botar alguma coisa
00:52:36sobre a violência doméstica, de um jeito que eles não possam encrencar, porque se encrencar
00:52:42acabou, a gente não bota mais nada.
00:52:44Era uma frase, é uma frase que ela ficou igualzinha, não mudaram nada, passou, tipo
00:52:49assim, passou.
00:52:50Cabe ao Estado coibir a violência intrafamiliar.
00:52:54É isso que abriu o caminho para a Lei Maria da Penha.
00:53:09E também essa coisa de filho bastardo, né?
00:53:12Acabou.
00:53:20Com a nossa Constituição, você não precisa mais de uma certidão de casamento para ser
00:53:30instituído como família.
00:53:32Isso vai ser muito importante depois para o casamento homoafetivo, para a união homoafetiva.
00:53:37Uma das questões é a questão da orientação sexual, né?
00:53:50Que era uma reivindicação do movimento de lésbicas e de gays do brasileiro, naquela
00:53:58época chamava lésbicas e gays.
00:54:00E essa foi uma questão que não foi vitoriosa.
00:54:03A questão dos direitos iguais das trabalhadoras domésticas, a gente conseguiu avançar um
00:54:07pouquinho na Constituição.
00:54:10A deputada defende a licença maternidade, hora extra e jornada de trabalho para os empregados
00:54:15domésticos.
00:54:16Seria desumano não garantir às empregadas domésticas o que está se garantindo aos trabalhadores
00:54:22como um todo.
00:54:23Às vezes nós damos dois passos para trás, mas é evidente que estamos dando oito para
00:54:31frente.
00:54:31Achamos que a questão do aborto é uma questão de responsabilidade ética da mulher, então
00:54:37cabe a ela responder pela sua decisão.
00:54:40A igreja é radical e frontalmente contra o aborto.
00:54:44Se nós não conseguimos incluir a descriminalização, nós também conseguimos impedir que forças religiosas
00:54:52incluíssem a total criminalização do aborto.
00:54:56Foram debatidas várias emendas.
00:54:58A mais polêmica ainda é a que trata do aborto.
00:55:01Eu acho que esse tema de aborto não deve figurar na Constituinte.
00:55:05isso deve ser jogado depois para a lei ordinária, em que a população tem a condição de
00:55:10utilizar mais e de colocar.
00:55:11E quando nós lutamos pela licença paternidade?
00:55:25Veja, isso na década de 80 era muito revolucionário.
00:55:31chegamos aí nessa nossa demanda pela licença paternidade que nós conseguimos a sermos até
00:55:37ridicularizadas.
00:55:39Eles que no começo tinham muita... um certo antagonismo em nos ver como força política, começaram a ver a bancada do batom como uma força necessária até para aprovação daquilo que eles queriam.
00:56:04O nome do batom funcionou, mas funcionou demais, mas demais.
00:56:12É uma pena que não se propague todo esse texto constitucional, é uma pena que não se propague o valor como documento que a gente conseguiu redigir.
00:56:29Eu tenho 120 emendas aprovadas na íntegra minha naquele texto, quer dizer, aquele texto tem... tem Ana Maria em 120 coisazinhas, entendeu?
00:56:40Que isso pra mim foi o maior momento da minha vida, eu saber que eu consegui, enquanto mulher, enquanto cidadã, botar meu jamegão lá, dar a minha alma lá pra tentar fazer um Brasil melhor.
00:56:58É o segundo pacto social que o Brasil fez, que é esse que o governo atual tá tentando destruir.
00:57:05Eu, pessoalmente, acho que o que há de melhor na nossa Constituição como garantia do sistema democrático e do Estado democrático de direitos está em risco.
00:57:16E estamos vivendo um período de retrocesso, eu tenho que dizer isso, em relação aos direitos humanos.
00:57:22Então nós estamos precisando, novamente, bem redundante, novamente, de novo, outra vez, recompor esse universo.
00:57:32E podemos, né, pra que a gente retome novamente, tenha o protagonismo, nesse momento, reviver o lobby do batom é muito importante.
00:57:45O grande valor do lobby do batom é ter se transformado numa força política e numa voz nacional.
00:57:53Mas numa voz, não de alguém esperto, mas vozes de muitas mulheres. Vozes, vozes e vozes de muitas mulheres.
00:58:04Maria, Ana, Luana, Parlo, Raimunda, Vera, Sônia, Carla, Francisca, Patrícia, Marcia, Simone, Eliana, Marisa, Cecília, Regina, três pontos.
00:58:18Nós, mulheres brasileiras.
00:58:23Aprenda que a política é boca no trombone. Aprendam.
00:58:33Hoje, Dia Internacional da Mulher, as constituintes comemoram a data mostrando que, politicamente, as mulheres são iguais aos homens e lutam lado a lado por um Brasil melhor.
00:58:51Mas é preciso que cada mulher brasileira, cada cidadão tenha cópia dessa nova constituição para que lute, para que esta lei falha na prática, na vida.
00:59:15O povo opina.
00:59:17Só dois meses para ficar com a criança e é muito pouco para ficar com a criança.
00:59:22A minha fase já passou a não ter mais filho, né? Mas eu já passei essa fase, então ela necessita.
00:59:27Vai ser o maior problema para as próprias gestantes.
00:59:30Por quê?
00:59:31Vamos começar a perder emprego.
00:59:33Três meses é pouco. Eu senti isso na minha casa. Minha mulher já teve três crianças, três meses é pouquíssimo.
00:59:39O aleitamento materno é até seis meses, a gente vai ter uma licença até quatro meses.
00:59:43Eu sou contra o aborto, porque quanto mais se legaliza o aborto, mais oportunidade dá as pessoas acharem que podem fazer e irresponsavelmente engravidarem.
00:59:54O aborto tem que ser legalizado, né? E a decisão cabe a cada pessoa, a cada mulher com consciência de cada um.
01:00:02Eu acho que o aborto só deve ser feito se houver necessidade.
01:00:06Na realidade, o aborto acontece, né? Como uma prática generalizada.
01:00:12Quer dizer, esse aborto que é uma coisa de ser um lugar escondido.
01:00:17Então, eu acho que seria regularizar, tornar menos penosa essa situação.
01:00:22E quase dois milhões de mulheres morrem anualmente em consequência de abortos mal feitos.
01:00:29No Brasil, o aborto é uma realidade.
01:00:31Segundo dados da Organização das Nações Unidas, aqui são feitos 10% dos abortos do mundo.
01:00:37Um recorde pouco confortável.
01:00:39O Código Penal considera o aborto um crime.
01:00:42Quem o praticar pode ser condenado até a três anos de prisão.
01:00:46Apesar da lei, os números da ONU mostram que 50% das mulheres que engravidam por ano no país fazem aborto.
01:00:54Música
01:01:04Do Peter McDade
01:01:16Apesar da lei.
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