- anteontem
O documentário retrata a Segunda Onda Feminista no Brasil, com destaque para os anos de 1975 a 1985, período instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a Década Internacional da Mulher. Na obra, são evocados fatos e acontecimentos, como a participação das mulheres nas organizações políticas de esquerda e na luta armada contra o regime militar.
Categoria
😹
DiversãoTranscrição
00:00A primeira vez que uma menina ouve uma frase do tipo
00:06você não pode fazer isso porque você é menina,
00:10ela, dali em diante, tem duas escolhas.
00:14Aceitar, dado como natural,
00:18é realmente, eu não posso fazer isso porque eu sou menina,
00:21então eu vou fazer outra coisa.
00:23Ou perguntar por quê?
00:26Por que eu não posso fazer isso porque eu sou menina?
00:29E por que eu, sendo menina, só posso fazer aquilo?
00:59Nós tivemos aquilo que é chamado da primeira onda feminista,
01:07que na verdade foi a luta pelo acesso à educação,
01:10pela educação de qualidade e pelo direito de sermos cidadãs.
01:14Até 1932 as mulheres não eram consideradas cidadãs no Brasil.
01:18Você vai ter depois a ditadura Vargas,
01:21depois você tem um período de democracia no Brasil muito curto
01:25e vamos ter de novo o golpe militar de 64.
01:30Quando veio o golpe de 64, eu era tesoureira da União dos Estudantes da Paraíba,
01:36estava ligada ao Partido Comunista,
01:39então já lutava pelo ideário que você poderia chamar de esquerda,
01:44mas eu sabia que nós éramos uma exceção.
01:47Em Campina Grande havia muito poucas meninas e moças que se envolviam com política.
01:54No Jornal do Partido, era um jornal chamado Novos Rumos,
01:56havia uma única mulher que escrevia no jornal.
01:59Em todo jornal só tinha uma cronista, chamada Zuleika Lambert.
02:03E eu tinha assim uma admiração,
02:06poxa, tem uma mulher que escreve.
02:08E tinha uma outra pernambucana lá em Recife,
02:10que trabalhava no governo Arraes,
02:12Liana Aureliano,
02:14que falava na rádio.
02:16Era pleno governo Arraes,
02:17era a efervescência pela reforma agrária.
02:19Em Campina Grande tinha uma advogada que fazia a luta,
02:22que defendia as ligas camponesas,
02:24Ofélia Murim.
02:25Então, essas mulheres,
02:27elas são todas mais velhas que eu.
02:29Então, elas foram um pouco o espelho
02:32de que havia uma possibilidade.
02:34E eu não queria a vida das mulheres da minha terra.
02:37Eu queria trabalhar,
02:39ganhar o meu sustento
02:40e ser dona do meu nariz.
02:42Desde criança,
02:43eu tinha um incômodo
02:44com o lugar da minha existência no mundo,
02:48que era o lugar das mulheres.
02:50Eu vivia em uma cidade muito pequena,
02:52no interior,
02:53onde estava muito explicitado
02:56o lugar onde as mulheres deveriam estar.
02:59Qual era o papel esperado das mulheres nessa época,
03:02onde eu era uma jovem adolescente?
03:05Primeiro, nós ainda não éramos cidadãs por inteiro.
03:08Segundo, era esperado das mulheres.
03:11Com algumas exceções, elas estudavam,
03:14senão não precisava, não era necessário.
03:16O necessário era saber cozinhar bem,
03:19saber receber,
03:22ser bem educada,
03:23saber cuidar da família,
03:25saber ser uma ótima administradora do lar.
03:28Então, as mulheres eram preparadas para servir.
03:34Servir primeiro ao seu companheiro,
03:36o seu marido,
03:37o seu dono,
03:38depois servir aos seus filhos,
03:40servir às pessoas da casa.
03:41Não tinha representação das mulheres
03:43no mundo da política.
03:45Quer dizer,
03:46isso era quase como naturalizado
03:48que a nós cabia primeiro obedecer aos pais,
03:52ao pai,
03:53e depois obedecer aos companheiros.
03:56E que a sua vida estava atrelada,
03:59o seu sucesso,
04:00a sua existência,
04:02estava muito atrelada
04:03na sua capacidade de conquistar
04:06aquele que vai te acompanhar
04:09para o resto da vida,
04:10desde que você muito bem se comporta.
04:13Por ser mulher,
04:14era proibida de algumas coisas
04:16que os meus irmãos podiam e eu não.
04:18O meu pai proibia,
04:19não,
04:19seus irmãos podem,
04:21mas você não pode.
04:22Esse era comum nas famílias,
04:23as mulheres não poderem
04:25chegar em casa tarde,
04:26dormir fora.
04:27O homem podia transar,
04:29era comum,
04:29antes do casamento,
04:30a mulher tinha que casar virgem.
04:32A pílula tinha chegado naquela ocasião
04:34ao Brasil,
04:35tinha que se fazer escondido.
04:37As famílias não sabiam
04:39que a moça,
04:40a mulher,
04:40a jovem,
04:41tomava pílula.
04:42Tinha que fazer tudo escondido.
04:43Era clandestino.
04:45Sou sétima filha
04:46e fui educada
04:47para ser dona de casa,
04:49para ser,
04:50inclusive,
04:50na minha casa,
04:52meus pais com pouca instrução.
04:54E meu pai dizia,
04:56você não precisa estudar,
04:57você vai casar.
04:59Para que você precisa estudar?
05:01Mas minha mãe não,
05:02sempre nos estimulando
05:03e estimulando as filhas,
05:04as mulheres especialmente,
05:06a terem uma carreira,
05:07a terem uma profissão,
05:08a poderem se satisfazer,
05:10ter uma vida mais plena
05:11e não só ficar,
05:13circunscrita ao ambiente doméstico
05:16como ela própria
05:17teve que ser assim.
05:19Então, acho que desde pequena
05:21eu tinha essa visão
05:22de que poderíamos alçar voos e tudo.
05:25A segunda onda do feminismo no mundo
05:29surge em meados dos anos 60.
05:32O movimento hippie,
05:33revolução sexual,
05:34é meio esse o mar.
05:35A gente pode recuar um pouquinho,
05:37trabalhar a Simone de Beauvoir
05:39como a autora mestra,
05:41que puxa toda a discussão
05:43sobre o feminino
05:44ser uma construção.
05:45e aí o livro da Beauvoir
05:47é do final dos anos 40, 49,
05:50mas vai ecoar realmente
05:52no final dos anos 50,
05:54início dos anos 60.
05:55Os anos 60 foram os anos
05:57de contestação,
05:59de uma maneira geral.
06:00E as mulheres
06:00emergiram nos seus movimentos
06:03daí,
06:04para os seus direitos.
06:05Então, foi o movimento negro,
06:07das chamadas minorias hoje,
06:09o movimento das mulheres
06:10e depois dos homossexuais.
06:12Começou a partir daí
06:14a mini saia,
06:15a pílula anticoncepcional.
06:18Como foi importante a pílula,
06:20para a liberdade da mulher
06:21ter a sua sexualidade,
06:23transar e poder escolher
06:26o momento de ter filho.
06:27Eu sou dos anos 60,
06:28fui estudante nos anos 60.
06:31E todas as minhas colegas
06:33de faculdade
06:34foram influenciadas fortemente
06:35pelo movimento feminista,
06:37porque as nossas mães
06:39já estavam,
06:41americanas,
06:43já estavam naquela situação
06:44onde elas pensavam,
06:46mas se eu tivesse tido
06:47oportunidade,
06:48o que teria acontecido comigo?
06:50E a minha mãe,
06:51de fato,
06:51foi das poucas
06:52que conseguiu se realizar
06:54profissionalmente,
06:55apesar de ter começado
06:56muito tarde.
06:57Mas muitas mães
06:58das minhas colegas
06:59eram pessoas muito inteligentes
07:01e formadas
07:02que não conseguiram.
07:04E então,
07:05nossa geração
07:06entendeu isso,
07:07que nós tínhamos oportunidades
07:09que poucas mulheres
07:12tinham tido antes.
07:13E isso não se deixou
07:15feminista sem estudo.
07:17Eu estudei
07:17pouquíssimo feminismo,
07:19mas eu me considerava
07:20feminista por herança.
07:21Sou filha de feminista.
07:23Essa segunda onda,
07:24ela está presa
07:25aos anos 60.
07:26Eu morei na França
07:28e eu estava em 68
07:29na França.
07:30Meu filho mais velho
07:31nasceu no dia
07:33da última barricada
07:34de Toulouse.
07:34Eu estava na cidade
07:35de Toulouse,
07:36meu marido fazia doutorado,
07:37eu também,
07:38mas eu não consegui
07:39defender a tese.
07:40Como se diz agora,
07:41me rolei
07:42com a maternidade
07:43e com as dificuldades
07:45inerentes
07:46a essa questão.
07:48E esse movimento
07:50da revolta estudantil
07:52dos anos 68
07:53está junto
07:54com a guerra
07:54do Vietnã.
07:56Quer dizer,
07:56houve uma explosão
07:58nos campos universitários
07:59norte-americanos
08:00e as mulheres
08:01tinham aumentado
08:02o contingente feminino
08:04com mais educação.
08:05E isso
08:06tinha criado
08:07o que nós chamamos
08:09dessa segunda onda,
08:10que não é mais
08:11a luta pelo direito
08:12ao voto.
08:13E agora
08:13era uma luta
08:14em que dizia
08:15nosso corpo
08:15nos pertence,
08:16o privado
08:17é político.
08:19E essas questões
08:20tinham se explodido
08:22desde 1968
08:23no mundo europeu
08:25e norte-americano
08:27e de certa forma
08:28ele reflete
08:28se aqui também
08:29chega aqui.
08:31Só que aqui
08:31nós estamos vivendo
08:32uma ditadura,
08:33é o AI-5.
08:34Sua Excelência,
08:34o senhor presidente
08:35da República
08:36reuniu hoje
08:37o Conselho
08:39de Segurança Nacional
08:40para que fosse adotada
08:42uma relevante decisão.
08:47Preservar
08:48e salvaguardar
08:49defender
08:51os ideais
08:52da Revolução
08:52de Março
08:53de 1964.
08:55E é assim
08:56que sua Excelência
08:58o senhor presidente
08:58da República
08:59após ter ouvido
09:01os membros
09:03do Conselho
09:03de Segurança
09:04Nacional
09:05resolveu
09:06baixar
09:08um ato
09:09institucional
09:10que tem
09:12como finalidade
09:13fundamental
09:14preservar
09:16a Revolução
09:17de Março
09:17de 1964
09:19a fim
09:20de que possamos
09:21saneando
09:23esse clima
09:24de intranquilidade
09:25que gera
09:28a desconfiança
09:30ou desconforto
09:32e procura
09:34de qualquer forma
09:34atingir o regime
09:36que precisamos
09:37defender
09:38baixar
09:39um ato
09:40institucional.
09:42Este ato
09:43institucional
09:43dá
09:45ao governo
09:46da República
09:46os meios
09:48necessários
09:49e os instrumentos
09:50legais
09:51adequados
09:52para
09:53assegurando
09:54a ordem
09:55e a tranquilidade
09:56realizar
09:57os propósitos
09:59e os fins
10:00da Revolução
10:02de Março
10:02de 1964.
10:04Na minha perspectiva
10:12as primeiras feministas
10:14da segunda onda
10:15brasileira
10:15são as mulheres
10:16que foram
10:16para a luta armada
10:17que vão estar fazendo
10:19um questionamento
10:20muito profundo
10:21dos papéis de gênero
10:22ao entrarem
10:23na arena pública
10:24política
10:24pegando em armas.
10:26Quando elas entram
10:27na luta armada
10:28elas estão ali
10:28na minha perspectiva
10:30sendo absolutamente
10:31feministas
10:32porque estão fazendo
10:33um questionamento
10:34extremamente profundo
10:35dos papéis
10:37tradicionais
10:38de gênero
10:39mas a esquerda
10:40também tem
10:41o seu moralismo.
10:42Eu militei
10:43aqui no Brasil
10:44na época
10:45da ditadura
10:46entre 68
10:48e 71
10:49quando
10:49fui
10:50me asilar
10:52na França
10:53e nessa época
10:54eu militava
10:55numa organização
10:56clandestina
10:56porque todas
10:57as organizações
10:57eram clandestinas
10:58fora a arena
10:59na época
11:00e nessa época
11:02as organizações
11:04políticas
11:05de esquerda
11:06todas
11:07não tinham
11:08nenhuma
11:09perspectiva
11:10feminista
11:11então nós
11:12não tínhamos
11:13mesmo
11:13nenhuma
11:14ideia
11:15de que
11:16deveríamos
11:17poder
11:18enquanto mulheres
11:19ter uma proposta
11:21própria
11:22e eu me lembro
11:24que na época
11:24por exemplo
11:25diziam
11:26para nós mulheres
11:27que nós não podíamos
11:28ficar grávidas
11:29porque um bebê
11:31ia ser um risco
11:32muito grande
11:33em relação
11:33à repressão
11:34porque poderia
11:35ser muito mais fácil
11:36para a repressão
11:37localizar
11:38um casal clandestino
11:40uma mulher clandestina
11:41com um filho
11:41do que se não tivesse
11:43sem filhos
11:44é mais fácil
11:45você se proteger
11:46da repressão
11:47os companheiros
11:48dos partidos
11:49políticos
11:50de esquerda
11:51não viam
11:52com muito bons olhos
11:53a gente não
11:53diziam que a gente
11:54não
11:54que aquilo era
11:55a divisão
11:56do movimento
11:56de classe
11:57nos ambientes
11:58de esquerda
11:59se falava
11:59primeiro você tem
12:00que garantir
12:01a democracia
12:02no país
12:02como um todo
12:03você tem que garantir
12:04condições melhores
12:06para a sociedade
12:07como um todo
12:08e depois discutir
12:09essas questões
12:10como essas questões
12:10da mulher
12:11que seriam
12:12então consideradas
12:13questões
12:14secundárias
12:15nós enfrentávamos
12:16problemas de machismo
12:17em todos os setores
12:18em relação
12:19a militância política
12:21existia também
12:22nós éramos consideradas
12:23como assim
12:24mais frágeis
12:25então teríamos
12:26que ser protegidas
12:28coitadinha
12:29e tem que ter
12:30um certo cuidado
12:30com a mulher
12:31com a companheira
12:32se ela for torturada
12:34ela pode abrir
12:35ele falava
12:35companheira
12:36cuidado
12:37se você for presa
12:39na primeiro choque
12:39você vai abrir tudo
12:40e às vezes
12:41ele que na primeiro choque
12:42não aguentava
12:43a questão da tortura
12:45é uma questão
12:45tão inumana
12:46que você pode
12:47ter um comportamento
12:48de fraqueza
12:49não porque você
12:50seja fraco
12:50mas porque
12:51o seu limite humano
12:52tortura é inumano
12:54então tanto homem
12:55como tanto mulher
12:56pode não aguentar
12:56e falar
12:57e muitas vezes
12:58mulheres foram
12:59até mais fortes
13:00então a companheira
13:01era aquela coisa
13:02de se você
13:03não tivesse
13:03uma personalidade
13:05assim para se impor
13:06você era tida
13:07como inferior
13:08como coitadinha
13:09no cárcere
13:10na prisão política
13:12a mulher
13:13ela era
13:15incrivelmente
13:16discriminada
13:17e se para o homem
13:20já era um terror
13:21imagina para a mulher
13:22humilhada
13:23na ficha
13:24já vinha assim
13:25nome
13:26filiação
13:28organização
13:29a que pertencia
13:29a ficha
13:30que nós mal chegávamos
13:31na prisão
13:31tínhamos que preencher
13:33e amantes
13:35quantos amantes
13:37quais era o nome
13:37dos amantes
13:38não era assim
13:39marido
13:40ou companheiro
13:40ou namorado
13:41não
13:41e era no plural
13:42né
13:43eu me lembro
13:44de falar assim
13:45eu não tinha
13:45eu não tenho amantes
13:46eu tenho um namorado
13:48que era o José Benedito
13:49de Freitas
13:49o Bené
13:50que estava preso também
13:51eu falei
13:52eu tenho um namorado
13:54né
13:54mas eles diziam
13:55é amante
13:56e quantos amantes
13:57você tem
13:58e ainda dizia
13:59não
13:59você tem mais de um
14:00era normal
14:01o assédio sexual
14:02a primeira coisa
14:04que se fazia
14:04é mandar você tirar roupa
14:06tanto homens
14:06como mulheres
14:07agora imagina
14:08uma mulher nua
14:10chegavam
14:11passavam
14:12aí gostosa
14:13e aí
14:13vai falar ou não vai
14:15te dava logo
14:16os choques
14:17eram nos seios
14:18na vagina
14:19né
14:19e agora
14:20tá gostando
14:21tá gozando
14:22tá tendo prazer
14:23era esse tipo de tortura
14:25eu cheguei da Europa
14:26não é com o AI-5
14:27é o período mais
14:29fechado
14:30do regime político
14:32brasileiro
14:32vai levar um tempinho
14:34quer dizer
14:34a segunda onda
14:35vai chegar no Brasil
14:36quando
14:36por pressão
14:38das mulheres
14:39europeias
14:40e americanas
14:42a ONU
14:43se rende
14:44a essa questão
14:45e convoca
14:46a primeira conferência
14:47da mulher
14:47que foi na cidade do México
14:48os governos militares
14:51que era o general
14:51Geisel
14:52como não queriam
14:53fazer papelão
14:55fizeram uma delegação
14:56imagina
14:57quem foi
14:58que eles convidaram
14:59pra ser a chefe
15:00da delegação brasileira
15:01a Berta Lutz
15:02um dos maiores nomes
15:05produzidos pela sociedade
15:06brasileira
15:07do século XX
15:07a Berta Lutz
15:09era uma senhora
15:09já idosa
15:10tava até meio aduentada
15:12mas ela foi
15:13ela era uma mulher
15:14de muita fibra
15:15foi pro México
15:16pra conferência
15:17a chefeana
15:18a delegação brasileira
15:20do Itamaraty
15:21então
15:21o fato do Brasil
15:24ter mandado a delegação
15:25de mulheres
15:26para a conferência
15:28do México
15:28ensejou
15:29que esse grupo
15:30de cariocas
15:31Marisca Ribeiro
15:32Branca Moreira Alves
15:33Comba Marques Porto
15:35Jaqueline Pitangui
15:36Leila Linhares
15:38Moema Toscano
15:39Rosemarie Muraro
15:41foram as artífices
15:43dessa explosão
15:44que acontece
15:45em 1975
15:47aqui
15:47e que depois disso
15:49é a consolidação
15:50da segunda onda
15:51o marco
15:52oficial
15:53considerado
15:54da segunda onda
15:55do movimento
15:55no Brasil
15:56é o congresso
15:57de 75
15:58a ONU decreta
15:59o ano de 1975
16:00como ano internacional
16:01das mulheres
16:02e aí as feministas
16:04que já estavam
16:05se articulando
16:06um pouco
16:06essas mulheres
16:07que vinham
16:07do exílio
16:08já estavam
16:10se articulando
16:11nos grupos
16:11de reflexão
16:13descobrem
16:13que essa
16:14é uma boa oportunidade
16:15para vir a público
16:17e aí organizam
16:18esse congresso
16:19para articular
16:20publicamente
16:21as feministas
16:21que já estavam
16:22começando
16:23a se reunir
16:24para ler
16:24bibliografia feminista
16:26importada
16:26da Europa
16:27dos Estados Unidos
16:28e para fazer
16:29o que se chamava
16:30serem as linhas
16:31da vida
16:32uma mulher
16:33começava a falar
16:34sobre
16:34menstruação
16:36aborto
16:37coisas do gênero
16:38e aí a outra
16:39se identificava
16:40e falava
16:41eram pequenos grupos
16:42no momento
16:43em que a
16:44perseguição
16:45a guerrilha
16:46estava no auge
16:47a tortura
16:47estava no auge
16:48em 1975
16:49a ONU
16:51as Nações Unidas
16:52acataram
16:54e resolveu
16:55declarar
16:56como o ano
16:57internacional
16:57das mulheres
16:58aí com esse
16:59manto
17:00de ser um ano
17:00internacional
17:01das mulheres
17:02decretado
17:03pelas Nações Unidas
17:04as brasileiras
17:06aquelas mais
17:07radicais
17:09com a manguinha
17:10de fora
17:10pensaram uma estratégia
17:11muito bem sucedida
17:12quer dizer
17:12ou seja
17:13buscaram
17:14parcerias
17:15com instituições
17:17no Brasil
17:18com espaço
17:19legislativo
17:20com a Associação
17:21Brasileira
17:22de Imprensa
17:23etc
17:23para promover
17:25um seminário
17:25porque nós estávamos
17:26aqui no Brasil
17:27sobre ditadura militar
17:28então qualquer
17:29reunião
17:30com mais de cinco
17:32podia ser um
17:33atentado
17:34contra a ditadura
17:35está certo
17:36quer dizer
17:36havia obviamente
17:37uma possibilidade
17:39de repressão
17:40então
17:41precisava pensar
17:42uma estratégia
17:42então as mulheres
17:43pensaram
17:44as feministas
17:45ou ainda nem
17:46se nomeavam
17:47como feministas
17:48pensaram
17:49uma estratégia
17:50de fazer
17:50seminário
17:51aproveitando
17:52a década
17:52da mulher
17:53decretada
17:54pelas Nações Unidas
17:55para discutir
17:56o papel
17:57das mulheres
17:58na sociedade
17:59brasileira
17:59obviamente
18:00que isso
18:01muito timidamente
18:02com muito cuidado
18:03para não sofrerem
18:05represálios
18:06na da ditadura
18:08no Brasil
18:08mas eu acho
18:09que dali
18:10tem uma semente
18:12ou então
18:13pelo menos
18:13a horta
18:14foi cavocada
18:16e começa a brotar
18:19aquilo que tinha
18:20sido deixado
18:21pela primeira onda
18:22feminista
18:23quando houve
18:23a semana
18:24da mulher
18:25na ABI
18:26em 1975
18:28porque o Brasil
18:29ia participar
18:30da conferência
18:31da ONU
18:32a primeira conferência
18:33da ONU
18:34e um grupo
18:36de mulheres
18:36do Rio de Janeiro
18:37tiveram a ideia
18:39de fazer um seminário
18:41com o patrocínio
18:43da ONU
18:44aí você não tinha
18:45problema com os militares
18:47e todo mundo
18:48foi para lá
18:49foi uma retubante
18:51a conferência
18:52tinha
18:52a ABI
18:53ficou lotada
18:54mas o que mais
18:56me chamou a atenção
18:57foi que
18:57naquela época
18:58um dos jornais
18:59que tinha uma grande
19:00circulação no Brasil
19:01era o Jornal do Brasil
19:02a manchete
19:04do Jornal do Brasil
19:05era
19:05Celso Furtado
19:07diz
19:08que a revolução
19:09das mulheres
19:10é a coisa mais importante
19:11da segunda metade
19:12do século XX
19:13e eu caí
19:14eu fiquei
19:15estarecida
19:16nós tínhamos botado
19:17400 mulheres
19:18tinha tido um debate
19:19caloroso
19:20fundou-se
19:21um grupo
19:22feminista
19:23no Rio de Janeiro
19:24e a manchete
19:25do jornal
19:26era o único homem
19:27que tinha falado
19:28na conferência
19:30quer dizer
19:30claro que era
19:31o Celso Furtado
19:32porque o Celso Furtado
19:33era casado
19:34com a feminista
19:35então ele era simpático
19:36a ideia e tal
19:37e ele realmente
19:38disse isso
19:39era manchete
19:40mas o homem
19:41é quem era manchete
19:42aí eu falei
19:43não tem jeito
19:44a gente tem que
19:45permanecer
19:46na luta
19:48para criar
19:48uma identidade
19:50para que a sociedade
19:51nos reconheça
19:51como alguém
19:52que não é só
19:53mãe
19:54e cuida da casa
19:55e dos homens
19:57surge do primeiro congresso
19:59o Centro da Mulher Brasileira
20:01que é considerada
20:02a primeira ONG feminista
20:03do país
20:04com feministas históricas
20:05como a Rosemarie Morales
20:06e surgem os jornais
20:09o Brasil Mulher
20:09e o Nós Mulheres
20:10organizados
20:12com o objetivo
20:14de fazer
20:15essa divulgação
20:16dos ideários
20:17do ideário
20:18do movimento
20:19que era
20:19a partir de impressos
20:21a gente tinha um grupo
20:35de colegas
20:37do meu marido
20:37que eram todos
20:38que vinham do Ita
20:39e nós fazíamos
20:40umas reuniões
20:41e as mulheres
20:42eram muito caladas
20:43então por conta
20:45dessa efervescência
20:47tive a ideia
20:47de organizar um grupo
20:49com elas
20:50com essas minhas amigas
20:52pessoais
20:52mas que tinham
20:53algumas
20:54tinham mais envolvimento
20:55político
20:55mais que outras
20:56para estudar
20:57e aí a gente começou
20:58o livro que eu escolhi
21:00e elas toparam
21:02foi o livro da Safiote
21:04era a tese de doutorado
21:06da Safiote
21:06que foi defendida
21:07em 67 na USP
21:09que era sobre a questão
21:10feminina
21:11sobre as mulheres
21:12e aí essa leitura
21:14do livro da Safiote
21:15nos levou
21:16o grupo todo
21:18o Centro da Mulher Brasileira
21:20que tinha sido
21:20acabado de ser fundado
21:22existia o Centro da Mulher Brasileira
21:23no Rio de Janeiro
21:24mas existia também
21:26o Centro da Mulher Brasileira
21:27em São Paulo
21:28tinha objetivos
21:30muito comuns
21:31mas eles tinham
21:32autonomia completa
21:34um e outro
21:34o primeiro livro
21:35que me deram para ler
21:36foi um livro
21:37do Engels
21:38sobre
21:39família
21:40propriedade
21:42e Estado
21:43se não me engano
21:44é esse livro
21:45que é uma bíblia
21:46do Engels
21:46mas a gente lia
21:48naquela época
21:48lia Simone de Beauvoir
21:49Simone de Beauvoir
21:50estava no auge
21:52e até porque
21:53também
21:54o feminismo
21:55no Brasil
21:56da segunda onda
21:57conta muito
21:58com as brasileiras
22:00que estavam exiladas
22:01na Europa
22:02especialmente
22:02exiladas na França
22:04então elas
22:05estavam voltando
22:06era a época também
22:07da luta
22:08pela anistia
22:09pelo retorno
22:10e aí com isso
22:12também trouxeram
22:13na bagagem
22:14um pouco da influência
22:15do chamado
22:17feminismo francês
22:18da época
22:19do qual
22:19a Simone de Beauvoir
22:21era uma referência
22:22em 1975
22:24eu vi a rara
22:27oportunidade
22:28de começar
22:29um trabalho
22:30político
22:31firme
22:32e consequente
22:32foi o ano
22:34internacional
22:34da mulher
22:35que foi organizado
22:36pela ONU
22:37eles tinham
22:38como bandeiras
22:39igualdade
22:41desenvolvimento
22:42e paz
22:43e nós levantamos
22:44a bandeira
22:45da anistia
22:45como uma bandeira
22:47de paz
22:47eu participei
22:49de um movimento
22:50feminino
22:50pela anistia
22:51porque eu tinha
22:51um namorado
22:52que estava preso
22:53depois foi exilado
22:55e tive um irmão
22:56preso político
22:57então foi muito importante
22:59o movimento das mulheres
23:00o papel das mulheres
23:00foi fundamental
23:01como mães
23:03esposas
23:04de presos políticos
23:06exilados
23:07você tem a TFP
23:09a marcha das mulheres
23:10pela família
23:10mas também na anistia
23:13teve mulheres
23:15que usaram
23:16o estereótipo
23:17da mãe
23:17para uma ação política
23:19eu acho interessante
23:20em nome da mãe
23:21você pode chorar
23:22a morte de um filho
23:23e gritar
23:24que a ditadura
23:25é violenta
23:26assassina
23:27e etc
23:27enquanto mãe
23:28enquanto cidadã
23:30você não podia fazer isso
23:31então eu acho
23:32que teve essa operação
23:33que foi uma operação
23:34muito bonita
23:35de uso
23:35de apropriação política
23:37da categoria mãe
23:39que deu uma voz
23:40a mais
23:40a mulher ali
23:41como resistência
23:43a sagrada figura
23:45da mãe
23:46que tem que enterrar
23:47seu filho
23:48sabe
23:49que é um estereótipo
23:50assim
23:51muito belo
23:52junto com dor
23:53com a natureza
23:54da mulher
23:55todas as coisas
23:56que a gente
23:57não quer valorizar
23:58foram valorizadas
24:00de uma maneira
24:00extraordinariamente
24:02política
24:03e criativa
24:04naquele momento
24:06eu me lembro
24:12de eu ir até Brasília
24:14lutar por anistia ampla
24:15geral e irrestrita
24:17em 1979
24:18e nós
24:20do movimento feminino
24:21pela anistia
24:21estávamos na vanguarda
24:22desse movimento
24:23pela anistia
24:24chegou o dia
24:25de encaminhar
24:26ao congresso
24:27o projeto
24:29de lei
24:30de anistia
24:30anistia foi carregada
24:43pelas mães
24:43pelas mulheres
24:44todo o movimento
24:46de anistia
24:47em nome do filho
24:48e da mãe
24:49a segunda onda
24:50está muito colada
24:51num feminismo
24:52de resistência
24:53à ditadura
24:53é anistia política
24:55abertura política
24:56mas também
24:57é a privatização
24:58do pessoal
24:59a ideia
24:59de que o pessoal
25:00é político
25:01esse talvez
25:02seja o lema
25:02mais importante
25:03da segunda onda
25:04era uma luta
25:05em que dizia
25:06nosso corpo
25:06nos pertence
25:07portanto
25:08privado é político
25:09a violência
25:10ainda não aparecia
25:11com muita força
25:12embora
25:14a violência
25:15e o direito
25:16de interromper
25:17uma gravidez
25:17indesejada
25:18era dos dois
25:19grandes motos
25:20que vai unir
25:22as mulheres
25:22no mundo inteiro
25:23dizia assim
25:24o pessoal
25:25é político
25:25abrir uma tampa
25:27a ideia era
25:27sair do sistema
25:28mudar a vida
25:29mudar as relações
25:30familiares
25:31mudar o casamento
25:32mudar a educação
25:33mudar enfim
25:34a festa e a praia
25:36eram arenas
25:37de discussão
25:37de transformação social
25:39de transformação
25:40do corpo
25:41de transformação
25:42do desejo
25:43de várias coisas
25:44que a gente não tinha
25:44na bandeira política
25:46mas tinha na bandeira
25:47da cultura
25:48da contracultura
25:48naquele momento
25:49todo mundo fazia análise
25:50não sei quanto
25:51onde é que arranjava
25:52tanto dinheiro
25:52para fazer análise
25:53análise não é como
25:54agora não
25:55era cinco vezes
25:55por semana
25:56era uma atitude
25:58que era importante
26:00politicamente
26:00a ideia era essa
26:02abrir os horizontes
26:03e abrir as fronteiras
26:04do pessoal
26:05enquanto política
26:06e um pouco isso
26:08claro que eu me separei
26:09nessa época
26:09claro que
26:10quer dizer
26:11claro que tudo aconteceu
26:12nessa época
26:13quer dizer
26:13nas nossas vidas
26:14no final da década
26:15de 70
26:16como resultado
26:18inclusive
26:19das propostas
26:20que saiam
26:21dos congressos
26:22da mulher paulista
26:23que foram
26:24estratégias
26:25muito bem sucedidas
26:27nós tivemos
26:28três grandes congressos
26:30em todo o ano
26:32no mês de março
26:33sempre
26:33para lembrar
26:35o 8 de março
26:36para atualizar
26:38a nossa agenda
26:39feminista
26:39e etc
26:40o tema da violência
26:42contra a mulher
26:42vai entrar
26:43com força
26:43na agenda
26:44e as organizações
26:47que existiam
26:48em São Paulo
26:48neste momento
26:49resolveram
26:51sentar
26:52e dizer
26:52esse é um tema
26:53da maior importância
26:55precisa
26:55pensar uma estratégia
26:57e não tem porquê
26:58uma organização
26:59que fazia parte
27:00nessa época
27:00do Centro da Mulher Brasileira
27:02não tinha porquê
27:02uma única organização
27:04pensar isso
27:05vamos sentar juntas
27:07e pensar uma estratégia
27:08então juntaram-se
27:09as organizações paulistas
27:11da época feminista
27:12e com isso
27:13pensou-se em criar
27:15um espaço
27:16onde pudéssemos
27:17acolher as mulheres
27:18vítimas de violência
27:20que tinham
27:21muita dificuldade
27:22de fazer a denúncia
27:24numa delegacia
27:25de polícia
27:26até porque
27:27já sabiam
27:28desta cultura
27:30machista existente
27:31onde o que
27:32que acontecia
27:33a mulher
27:33ao chegar
27:34para denunciar
27:35logo o delegado
27:36dizia
27:36não minha senhora
27:37é só tratar
27:38o seu companheiro
27:40bem hoje à noite
27:41faça um agrado
27:42para ele
27:43que tudo voltará
27:44ao normal
27:45então era considerado
27:46um crime
27:48de
27:48sem muita importância
27:51era considerado
27:52em primeiríssimo lugar
27:54preservar
27:55entre aspas
27:56a família
27:57não importa
27:58a que custo
27:58e com isso
28:00as mulheres
28:00se sentiam
28:01responsabilizadas
28:03pela violência
28:04que sofriam
28:05com isso
28:05vai nascer
28:06a ideia
28:07de se criar
28:07o SOS Mulher
28:09o que que era
28:10o SOS Mulher
28:12que vai nascer
28:12em 1980
28:13era um espaço
28:15de atendimento
28:16às mulheres
28:17vítimas de violência
28:18onde elas poderiam
28:19vir
28:20conversar
28:21contar
28:22falar da sua angústia
28:24da sua tristeza
28:25e elas
28:26decidiam
28:27se queriam fazer
28:28o registro
28:30uma ocorrência
28:31da violência
28:32sofrida ou não
28:33e nós tínhamos
28:34também
28:35nesse grupo
28:36de atendimento
28:38no SOS
28:39nós tínhamos
28:40também
28:40advogadas
28:42um grupo enorme
28:43de advogadas
28:45que acompanhavam
28:46os casos
28:47que assessoravam
28:48as mulheres
28:49tudo isso
28:50gratuitamente
28:51tudo isso
28:52em nome
28:53de enfrentar
28:55essa tragédia
28:56que na verdade
28:58recaia sobre
28:59as mulheres
29:00e seus filhos
29:01então é assim
29:02que vai nascer
29:03o primeiro SOS
29:03quer dizer
29:04isso chama
29:05atenção
29:05enormemente
29:07da mídia
29:07ele vai provocar
29:09reação
29:10no Brasil inteiro
29:11vai nascer
29:12SOS
29:12em várias partes
29:13do Brasil
29:14como uma estratégia
29:16de acolhimento
29:16um lugar
29:17onde as mulheres
29:18não serão julgadas
29:20onde um lugar
29:21ninguém vai dizer
29:22que ela está inventando
29:23que ela é uma histérica
29:25que ela deve voltar
29:26para casa
29:26é um lugar
29:27na verdade
29:27de acolhimento
29:28de reflexão
29:30e de compreensão
29:32de que estruturalmente
29:34vamos dizer
29:34baseado
29:36no patriarcado
29:37na verdade
29:38como é que
29:39isso
29:40vai ser construído
29:42e como é que
29:44nós teremos
29:44que reagir
29:45contra as violências
29:47e em especial
29:48ainda que estava
29:49em voga no Brasil
29:50os chamados
29:51crimes de honra
29:53que eram
29:54os assassinatos
29:55de mulheres
29:55em nome
29:56da honra
29:57do assassino
29:59é uma coisa
30:01bem bárbara
30:02que nós
30:02vivimos nesse momento
30:04e daí
30:04obviamente
30:05vai ter muitas
30:06consequências
30:07porque
30:07depois do SOS
30:09você vai ter
30:09centro de orientação
30:11jurídica e psicológica
30:12para as mulheres
30:13vai nascer aí
30:14a proposta
30:15de se criar
30:16delegacias
30:17especializadas
30:18de atendimento
30:19às mulheres
30:20vai nascer aí
30:21casas-abrigos
30:23que são aquelas mulheres
30:24que estão
30:25ameaçadas
30:25de morte
30:26vai nascer aí
30:27espaços
30:29de profissionalização
30:30para as mulheres
30:30para que elas
30:31possam sair
30:32deste lugar
30:33de violência
30:35onde ela tem
30:35uma dependência
30:36econômica
30:37do marido
30:38onde talvez
30:39ela não tenha
30:39trabalhado
30:40onde ela talvez
30:41não tenha
30:41uma profissão
30:42que possa sair
30:43desse círculo
30:45de barbárie
30:46é daí que você
30:48vai ter depois
30:49o centro de atendimento
30:51às mulheres
30:51em situação
30:52de violência
30:53é daí que você
30:54vai ter depois
30:55a lei Maria da Penha
30:56e é daí
30:57depois que você
30:58tem hoje
30:58as casas
30:59da mulher brasileira
31:00quer dizer
31:00ou seja
31:01cada vez mais
31:03se busca
31:04políticas públicas
31:06e também
31:06estratégias
31:07na sociedade civil
31:08para enfrentar
31:10essa tragédia
31:11que as mulheres
31:13brasileiras
31:13vivem ainda hoje
31:15infelizmente
31:16a publicação
31:38de A Mística Feminina
31:39da Beth Frieda
31:39acho que ela foi
31:40bastante importante
31:41para o movimento
31:42feminista norte-americano
31:44e a Simone de Beauvoir
31:46com seu livro
31:46Segundo Sexo
31:48foi muito decisiva
31:49para o feminismo europeu
31:51eu acho que no Brasil
31:53a gente lia
31:54esses livros
31:56tinham essas referências
31:58mas não foram
31:59tão fortes
32:00quanto fora do Brasil
32:01agora também
32:02o que a gente teve
32:03é que muitas
32:04das mulheres
32:05que foram
32:06as líderes
32:07do movimento feminista
32:08no Brasil
32:08são mulheres
32:09que saíram
32:10exiladas
32:11por motivos
32:13políticos
32:14de repressão
32:16à esquerda
32:17muitas dessas
32:18muitas pessoas
32:19que fizeram
32:19tanto Brasil Mulher
32:20quanto Nós Mulheres
32:22eram mulheres
32:23que tinham sido
32:23exiladas na França
32:25onde tiveram
32:26bastante contato
32:27com as ideias
32:28da Simone de Beauvoir
32:29e bastante contato
32:31com os movimentos feministas
32:32que eram bastante fortes
32:34na realidade
32:35eu não era feminista
32:36aqui no Brasil
32:36e na França
32:37quando cheguei na França
32:38eu tive contato
32:39com organizações
32:40políticas
32:41como a Liga Comunista
32:42Revolucionária
32:43que é uma organização
32:44francesa
32:45de extrema esquerda
32:46onde haviam
32:48mulheres
32:49grupos de mulheres
32:50que trabalhavam
32:52entre elas
32:52sobre as suas
32:53reivindicações
32:54a sua opressão
32:55enquanto mulheres
32:56etc
32:56então havia
32:57grupos feministas
32:59e feministas
32:59no interior
33:00da organização
33:02tanto que haviam
33:03por exemplo
33:03mulheres que diziam
33:05que elas eram
33:05o pseudônimo
33:07tinha que ter
33:07o nome de guerra
33:08e elas usavam
33:09como nome de guerra
33:09por exemplo
33:10Kolontai
33:11que é o nome
33:11de uma mulher
33:12da Rússia Revolucionária
33:14da Rússia
33:14de depois de 17
33:16então eu acho
33:18que aí
33:18eu tive uma
33:20influência
33:21digamos
33:22política
33:22de ideias
33:24feministas
33:24dentro de uma organização
33:25política
33:26que não era
33:27brasileira
33:27e que se preocupava
33:29com questões
33:29do feminismo
33:30essa coisa
33:31essa coisa
33:31de a gente
33:32se descobrir
33:32feminista
33:33no exterior
33:33parece que é
33:35quase a regra
33:36porque
33:37a oposição
33:38estava muito ligada
33:39à igreja
33:40a oposição
33:40ao golpe
33:41e você não ia
33:42comprometer
33:43uma relação
33:45que a pauta
33:46era o corpo
33:47o aborto
33:47a pauta desse momento
33:49você não ia comprometer
33:50uma relação
33:51com a igreja
33:52que era um dos poucos
33:53polos de resistência
33:55política
33:55progressista
33:57por pautas
33:59que ela não aceitaria
34:01então foi um pouquinho
34:02odiado
34:02esse momento
34:03no Brasil
34:04que aliás
34:05eu acho que
34:06só vem retomado
34:07mesmo
34:07com força total
34:08hoje
34:09a pauta do corpo
34:10do aborto
34:11ele é tardio
34:12no Brasil
34:13legaliza
34:14o corpo é nosso
34:16é nossa escolha
34:19é pela vida
34:21das mulheres
34:22legaliza
34:24o corpo é nosso
34:27é nossa escolha
34:30é pela vida
34:32das mulheres
34:33a gente defendia
34:35o direito ao trabalho
34:37defendia
34:37inclusive na minha área
34:39que era a literatura
34:40a representação
34:41era muito discutida
34:42a mulher no mercado literário
34:44isso era muito discutido
34:46tudo
34:46mas
34:47você segurava
34:49a pauta do corpo
34:50tranquilamente
34:51só podia ter o direito
34:52reprodutivo
34:53e a saúde da mulher
34:54mas há questões
34:55que conflitam
34:56com a igreja
34:57ficou segurado
34:59um pouquinho
34:59era delicado
35:02discutir direitos
35:03sexuais e reprodutivos
35:04a discussão
35:05vinha muito
35:05porque as mulheres
35:06traziam
35:07mas mesmo assim
35:08era uma discussão
35:09difícil de ser feita
35:10por conta das questões
35:11internas da igreja
35:12mas o aliado
35:14naquele momento
35:15o único aliado
35:16possível
35:16institucionalmente
35:17falando
35:18era a igreja católica
35:19então na verdade
35:20as feministas
35:22fazem essa aliança
35:23inclusive
35:23porque as igrejas
35:24eram locais
35:25para que elas
35:27se reunissem
35:27com mulheres
35:28das periferias
35:29entendeu
35:29a igreja funcionou
35:30muito como um elo
35:31entre as feministas
35:33de classe média
35:33e as mulheres
35:34das periferias
35:35crescia
35:36na periferia
35:38muitas organizações
35:40de mulheres
35:41umas que assumiam
35:42como feministas
35:43outras que não
35:44se assumiam
35:45como feministas
35:45e essas organizações
35:47que lutavam
35:48pela existência
35:49por escola
35:50para seus filhos
35:51por creche
35:53contra a carestia
35:54por uma saúde
35:55de qualidade
35:56por acesso
35:57pelo menos
35:58à saúde
35:58contra a violência
36:00quer dizer
36:00esses grupos
36:01que embora
36:03não assumissem
36:04a identidade feminista
36:05eles atuavam
36:06numa agenda
36:06que era
36:07do agenda feminista
36:08e esses grupos
36:09eles eram recheados
36:11de mulheres negras
36:12tinha muitas
36:13mulheres negras
36:13as mulheres negras
36:14foram chegando
36:15foram se organizando
36:16foram dando tom
36:18e foram
36:19pintando de uma outra cor
36:21esse feminismo
36:22que vinha sim
36:23muito na mão
36:25de mulheres
36:26com privilégio
36:27e portanto
36:28falando de igualdade
36:30falando de transformar
36:32a sociedade
36:32mas
36:34não incorporando
36:35tudo aquilo
36:36que faz com que
36:38a desigualdade
36:39permaneça
36:40as mulheres
36:40brancas burguesas
36:42que fundaram
36:43o movimento feminista
36:44nunca deram crédito
36:45ao aprendizado
36:45que tiveram
36:46com a luta
36:46das outras mulheres
36:47porque as mulheres
36:47próprias
36:48oito de março
36:49o dia internacional
36:50da mulher
36:51fala de uma luta
36:51de mulheres
36:52muito antes
36:53do feminismo
36:53ter surgido
36:54o fato dessas
36:55diferenças
36:55entre as mulheres
36:56não aparecer
36:57dá margem
36:59a uma crítica
37:01importante
37:02das mulheres negras
37:04ao movimento
37:05feminista
37:05de mulheres brancas
37:07reivindicando
37:07alguma coisa
37:08que parecia ser
37:10igualdade
37:11em relação aos homens
37:12mas ignorava
37:13as diferenças
37:14entre as mulheres
37:15essa crítica
37:16foi feita
37:16desde o primeiro momento
37:18nos Estados Unidos
37:20aqui
37:20na França
37:22na Alemanha
37:22em todo lugar
37:23de negras e brancas
37:24conviviam no mesmo território
37:26e via uma situação
37:27o feminismo
37:28das mulheres brancas
37:30burguesas
37:31com uma corrente
37:31forte
37:32que de fato
37:33influenciou
37:34o ocidente inteiro
37:35falava
37:36de um ponto de vista
37:37muito individual
37:38se é que se pode dizer
37:39de um grupo bem pequeno
37:40de mulheres do mundo
37:41não só da diáspora
37:42não só do ocidente
37:43mas ganhou muito espaço
37:46porque eram mulheres
37:46apesar de discriminadas
37:49pelo patriarcado
37:50mulheres privilegiadas
37:51brancas
37:52burguesas
37:52morando na Europa
37:54ou nas grandes cidades
37:55das Américas
37:57eu fiz esse batismo
37:58feminista
37:59nos Estados Unidos
37:59onde ser feminista
38:01era um status
38:03malegal
38:03então eu voltei
38:05falando essa palavra
38:06levei logo
38:06vários sinões
38:08mas eu mantive
38:09um pouco ela
38:10e não senti desconforto
38:12por causa disso
38:12eu estava americanizada
38:14eu acho
38:14mas no Brasil
38:15sempre foi muito difícil
38:17o feminismo
38:18era um rótulo
38:19que incomodava
38:21muito as outras pessoas
38:23então era um rótulo
38:24que em vez de aproximar
38:26a gente
38:27da sociedade
38:27como um todo
38:28e dos homens
38:29e tudo
38:30às vezes até reforçava
38:32um estranhamento
38:35e daí um distanciamento
38:36você tinha
38:37pessoas
38:38que
38:39mulheres
38:39que iam mais
38:40por uma estratégia
38:41do confronto
38:42e tinha outras
38:44que iam por uma estratégia
38:46do diálogo
38:47do trazer à luz
38:48as questões
38:49me lembro bem
38:50que um dos títulos
38:51do jornal Mulherio
38:52era assim
38:53os surdos falam
38:55as mudas
38:56os surdos
38:57eram os homens
38:58que não ouviam
39:00o que as mulheres
39:00queriam dizer
39:01e as mudas
39:02eram as mulheres
39:03que
39:03naquele momento
39:04uma pesquisa
39:05que se mostrou
39:06que apesar
39:08disso que se diz
39:09que mulher
39:10fala muito
39:11não
39:11mulher fala
39:12muito menos
39:13do que o homem
39:14esse muito
39:15é uma avaliação
39:17subjetiva
39:18baseada
39:19assim
39:20bom
39:20eu não quero ouvir
39:21nada de você
39:22se você já fala
39:23um pouquinho
39:24que seja
39:24eu já acho muito
39:25então por isso
39:26que a gente brincou
39:27com títulos
39:28surdos
39:28falam as mudas
39:30a primeira coisa
39:32que tem nesse ponto
39:32é que o discurso
39:33conservador
39:34foi muito competente
39:35em estigmatizar
39:38o termo feminista
39:39como uma coisa negativa
39:40você pode lembrar
39:41de frases
39:42por exemplo
39:43quando a própria
39:44Rosemarie Murado
39:45trouxe a Beth Friedan
39:47ao Brasil
39:47nos anos 70
39:50no começo dos anos 70
39:51homens de esquerda
39:53progressistas
39:54do Pasquim
39:55lutando contra a ditadura
39:58receberam a
40:00a Rose
40:00e a Beth Friedan
40:01da pior forma possível
40:03a ponto de
40:04haver uma frase
40:06que dizia
40:06o único movimento
40:07de mulheres
40:08que eu respeito
40:10é o dos quadris
40:11mas isso
40:13não foi dito
40:14pelo Bolsonaro
40:15isso foi dito
40:17por gente
40:17por homens
40:19supostamente
40:20progressistas
40:21ou de esquerda
40:23ou que defendiam
40:24bandeiras
40:25com as quais
40:25era possível
40:27se identificar
40:27que era o fim
40:28da ditadura
40:29a volta da democracia
40:30etc
40:31eu me lembro
40:32de um comentário
40:34acho que no
40:34jornal Pasquim
40:35que era o mesmo jornal
40:37que podia estampar
40:38a Leila Diniz
40:39dessa forma
40:40e numa entrevista
40:42histórica
40:43que a Leila Diniz
40:43deu
40:44que ela falou
40:44tanto palavrão
40:45seriam só estrelinhas
40:47na entrevista
40:49que ela deu
40:49nesse mesmo jornal
40:51um jornalista
40:52se dá o direito
40:53de escrever
40:53assim
40:54essa senhora
40:55Beth Friedman
40:56veio para o Brasil
40:57para advogar
40:58a liberação
40:59das mulheres
41:00por mim
41:01ela está liberada
41:02tipo assim
41:03com uma mulher
41:04tão feia
41:04eu não vou querer nada
41:06um comentário
41:07totalmente jocoso
41:08e desrespeitoso
41:10acho que quando o feminismo
41:12ressurge na década de 70
41:15e começa a ter visibilidade
41:17nós vamos ter uma reação
41:19também na mídia
41:19assim como a reação
41:20da sociedade
41:21obviamente que a imprensa
41:23traduz muito aquilo
41:24que a sociedade
41:25está pautando
41:27você vai ter
41:29por exemplo
41:30jornais
41:31criticando as mulheres
41:32criticando o feminismo
41:34dizendo que são mulheres
41:35que estão estabelecendo
41:36uma guerra
41:37entre o sexo
41:38umas mulheres
41:39que querem ocupar
41:40o lugar dos homens
41:41então faziam
41:42muita charge
41:44faziam um humor
41:46muito desrespeitoso
41:48faziam uma propaganda
41:50contrária ao feminismo
41:52então fomos chamadas
41:53de mal amadas
41:54fomos chamadas
41:56de mulheres mal humoradas
41:58fomos chamadas
41:59daquelas que queriam
42:00destruir as famílias
42:01então nós tivemos
42:02também que enfrentar
42:04a reação
42:05daqueles que não queriam
42:07obviamente
42:08perder nenhuma vírgula
42:10do poder
42:11e da sua autoridade
42:12total
42:13sobre metade
42:15a outra parcela
42:15da população
42:16que eram as mulheres
42:17então eu acho que
42:19a segunda onda feminista
42:20com todas as dificuldades
42:22ela teve muitas conquistas
42:24e é importante
42:25a gente não esqueceu
42:26quanto vale a pena
42:28lutar e resistir
42:29por exemplo
42:30a lei maria da pé
42:31conquistamos o país
42:32que é o programa
42:33de atenção integral
42:34à saúde das mulheres
42:35que é um dos programas
42:36mais contundentes
42:39mais inovadores
42:40de pensar
42:41a saúde
42:42na sua integralidade
42:44as mulheres conquistaram
42:46inclusive o seu direito
42:47de ir e vir
42:48quer dizer
42:48as mulheres conquistaram
42:49o direito
42:49de terem
42:50CPF
42:51porque nós somos
42:52da década
42:53onde a declaração
42:55do imposto de renda
42:55era feita pelos maridos
42:57a minha transferência
42:58se eu quisesse
42:59transferir de trabalho
43:00só poderia se mudar
43:02de cidade
43:02com autorização
43:03do marido
43:04abrir conta bancária
43:05com autorização
43:06dos maridos
43:07então outra questão
43:08de uma conquista
43:08também importante
43:10para lembrar
43:11a licença maternidade
43:12de 120 dias
43:13a licença paternidade
43:15o direito
43:17das trabalhadoras
43:18domésticas
43:18a questão
43:19que o racismo
43:20é crime
43:22então eu acho
43:23que pautar
43:25essas discussões
43:26foi um avanço
43:27numa sociedade
43:27que estava
43:28calada diante disso
43:30importante falar
43:31da lei do divórcio
43:32que em 1979
43:34trouxe
43:36mais liberdade
43:37para as mulheres
43:38porque sem dúvida
43:40mulheres que ficaram
43:41vão oprimidas
43:42com medo
43:42de se libertar
43:43do casamento
43:44de um casamento opressor
43:46tantos casos
43:47de mulheres
43:47que apanhavam
43:48de homens
43:48e a lei do divórcio
43:50foi importante
43:51para essa libertação
43:52então foram conquistas
43:54vindo
43:54e conquistas
43:55com as leis
43:56trabalhistas
43:57conquistas
43:58com a constituição
44:00a constituição
44:01de 1988
44:02no papel
44:03ela foi muito avançada
44:04a campanha
44:05que foi feita
44:07era
44:08constituinte
44:09para valer
44:09tem que ter
44:10palavra de mulher
44:11organizada
44:13por um conselho
44:14nacional dos direitos
44:15da mulher
44:16que foi
44:16uma negociação
44:17das feministas
44:19que estavam
44:20engajadas
44:21em partido político
44:22com o então
44:23candidato
44:24Tancredo Neves
44:25e esse acordo
44:27foi cumprido
44:28pelo que vai ser
44:30o presidente
44:30Sarney
44:31eu acho que
44:31a nossa luta
44:33de todo mundo
44:34que se envolveu
44:35em algum momento
44:36com expressar
44:38a condição feminina
44:39através da imprensa
44:40da imprensa escrita
44:42de rádio
44:43de TV
44:44hoje a gente vê
44:45um protagonismo
44:46feminino
44:47que era absolutamente
44:48impensável
44:49na década de 70
44:51na década de 80
44:52acho que o legado
44:54principal foi esse
44:55temos uma voz
44:56queremos que essa voz
44:57seja ouvida
44:58e nós temos
44:59coisas importantes
45:00para dizer
45:01e coisas que podem
45:02melhorar
45:03não só a vida
45:04da gente
45:04mas podem melhorar
45:05o mundo
45:06acho que
45:06a gente quer trazer
45:07isso
45:08à tona
45:09e conquistar
45:11a luz do sol
45:12para poder falar isso
45:14conquistar
45:14os espaços públicos
45:16os espaços da mídia
45:17não ficar lá
45:18confinadas
45:19a um lugar
45:20à beira de um fogão
45:22ou seja
45:23hoje a gente vê
45:24uma das palavras
45:25de ordem
45:26o lugar da mulher
45:27é onde ela quiser estar
45:29somos todos
45:31filhas
45:32de nossos momentos
45:33então a minha geração
45:35teve esse impacto
45:37das nossas mães
45:38do primeiro pensamento
45:40sobre divisão
45:41de tarefa em casa
45:42isso foi dessa época
45:43dos anos 60 para 70
45:44eu me sentia
45:45muito à sombra
45:47de meus irmãos
45:48que me influenciaram muito
45:50então era uma participação
45:53que eu vinha ao longo do tempo
45:54tendo consciência
45:55de que
45:56eu era importante
45:58também
45:59a minha luta
46:00era importante
46:01mas isso daí
46:02me deixava
46:03um pouco
46:03incomodada
46:05de eu me sentir
46:07a irmãzinha
46:08a igualzinha
46:09agora eu tenho consciência
46:11de que eu não era
46:12só a irmãzinha
46:13eu era Fátima
46:15na época
46:16eu tinha o codinome
46:16de Márcia
46:17e que tinha
46:19uma luta específica
46:21ali
46:21nossa luta
46:22que englobava
46:24a questão das mulheres
46:25porque era a luta
46:26por direitos
46:27de uma maneira geral
46:28e o direito das mulheres
46:29estava incluída
46:30acho que a gente
46:31vem dessa geração
46:32que ocupou as ruas
46:33que ocupou as praças
46:35que reivindicou
46:36um novo jeito
46:37de viver
46:38um novo jeito
46:40da liberdade
46:41um novo jeito
46:42de vestir
46:43então acho que nós
46:44fomos muito beneficiárias
46:46nós
46:47a sociedade
46:47toda
46:48no Brasil
46:48e no mundo
46:49beneficiárias
46:50dessa proposta
46:53de fazer política
46:55de um jeito
46:56mais afetuoso
46:57fazer política
46:59de um jeito
46:59mais harmônico
47:00fazer política
47:02reivindicando
47:03a paz
47:04fazer política
47:05propondo a liberdade
47:07o direito
47:08de ir e vir
47:09a autonomia
47:10das pessoas
47:11eu acho que foi
47:12uma época
47:13de muita energia
47:15de muita utopia
47:16e eu acho que a utopia
47:18no sentido
47:19muito saudável
47:20existe uma luz
47:21no final do túnel
47:22existia uma primavera
47:24anunciando
47:25e aí eu acho que
47:26nós somos filhas
47:28nós somos
47:29dessa geração
47:30aí do movimento
47:32hippie
47:33que aconteceu
47:34no mundo inteiro
47:35é a geração
47:36de 70
47:36é esta geração
47:37que é a minha
47:38que vai fazer
47:39a diferença
47:40porque nós vamos
47:41massivamente
47:42pro ensino superior
47:43e as mulheres
47:44brasileiras
47:45que começaram
47:46o século 20
47:47analfabetas
47:4980% das mulheres
47:50brasileiras
47:50eram analfabetas
47:52na virada
47:53do século 19
47:54para o 20
47:55nós vamos terminar
47:56o século 20
47:57mais alfabetizada
47:58que os homens
47:59um ano a mais
48:00que eles
48:00mas isso é
48:01um fato
48:02significativo
48:03porque o Estado
48:04brasileiro
48:05nunca fez
48:06força
48:06para educar
48:07ninguém
48:08nem homem
48:09nem mulher
48:09mas sobretudo
48:10as mulheres
48:11eram relegadas
48:12a um papel
48:13extremamente secundário
48:15na sociedade
48:15então aquela geração
48:17de 1970
48:19que é essa geração
48:20vai fazer a diferença
48:22eu sou de uma geração
48:23que passou
48:25a vida estudantil
48:26oprimida
48:27sem poder fazer
48:28movimento estudantil
48:29grêmio
48:30ou o que seja
48:30porque a ditadura
48:31não deixava
48:32na hora que eu entro
48:33para a universidade
48:34que coincide
48:35com o momento
48:35da abertura política
48:37pós-anistia
48:38e que estamos
48:39então todos
48:40tentando reconstruir
48:42a ideia
48:42de direitos civis
48:43como assim
48:45eu estou lutando
48:46por direitos civis
48:47mas tem direitos
48:48que eu não tenho
48:50porque eu sou mulher
48:51isso se coloca
48:53como um paradoxo
48:54para mim
48:54a partir daí
48:55porque até então
48:57eu tinha
48:58certamente
48:59escutado
49:00essa frase
49:01você não pode fazer isso
49:03porque você é menina
49:04dezenas
49:07centenas
49:07e milhões de vezes
49:09e é claro
49:09que eu não escutei
49:10essa frase
49:10assim
49:11ah da minha mãe
49:12ah do meu pai
49:13escutei essa frase
49:14do mundo
49:15todo mundo
49:16dizia isso
49:17a escola dizia
49:18em casa dizia
49:20a rua dizia
49:21todo mundo dizia
49:22essa frase
49:23e eu
49:24absolutamente
49:25engajada
49:27na retomada
49:29de uma vida
49:29democrática
49:30não conseguia entender
49:32e aí
49:33eu fui
49:34pensando
49:36em
49:37como é que eu ia
49:37achar um jeito
49:38de fazer
49:40aquilo que eu queria
49:41mesmo sendo menina
49:42e isso
49:43é uma forma
49:44de ser feminista
49:44o feminismo
49:46para mim
49:46é a gente
49:47não se sentir
49:48diminuída
49:49pelo fato
49:50de ser mulher
49:51é a gente
49:52assumir
49:53com as dores
49:54que cada um tem
49:56com as delícias
49:57que cada uma tem
49:58a sua condição
49:59de mulher
50:01né
50:01eu acho que
50:02sem subserviência
50:04agora também
50:05sem a pretensão
50:07de imposição
50:08mas com altivez
50:10com dignidade
50:11pra mim é isso
50:12e essa coisa
50:13que se desenrola
50:14muito dentro
50:15do cotidiano
50:16pra você poder
50:18exercer isso
50:19sem culpa
50:21sem
50:22sem drama
50:23e exercer
50:25com plenitude
50:26o seu ser
50:27no mundo
50:28eu acho que
50:29o legado
50:29do feminismo
50:30é o legado
50:31de luta
50:32é o legado
50:33de tomada
50:33de consciência
50:34cada vez maior
50:35de que a mulher
50:36tem força
50:37de que as mulheres
50:39fazem a história
50:40as mulheres
50:41ao longo da história
50:43elas tiveram
50:43papel importantíssimo
50:45nós mulheres
50:45tivemos papel
50:46importantíssimo
50:47e eu descobri
50:49que eu não era
50:50só igualzinha
50:51eu não era
50:51só irmãzinha
50:52mas eu fui
50:53a Fátima
50:54ativista
50:55política
50:56que ao longo
50:57do tempo
50:57foi amadurecendo
50:59e se descobrindo
51:00como uma mulher
51:01aguerrida
51:02para a gente
51:17o pessoal
51:18era político
51:19que era
51:20foi a grande
51:20descoberta
51:21da minha geração
51:22e agora
51:23para as meninas
51:24o político
51:25é pessoal
51:25você faz
51:26da sua pessoa
51:27uma política
51:28é uma demanda
51:29pessoal
51:30a plataforma
51:30é o seu corpo
51:32é a sua cara
51:33é o seu black bloc
51:34é o seu enfim
51:35é como você está
51:36se apresentando
51:37como pessoa
51:38e é como pessoa
51:38que você faz a demanda
51:40tanto que se você olhar
51:41as demandas
51:42são milhares
51:43elas agora
51:44elas realmente
51:45se fazem
51:45elas ficam peladas
51:47pronto
51:47elas fazem uma coisa
51:49de uma tal
51:50contundência
51:51que você ouve
51:53a escuta
51:53ampliou loucamente
51:55ecoa o feminismo
51:57de hoje
51:57em outras praças
51:59que não as nossas
52:00das mulheres
52:01e esse feminismo novo
52:03ele tem uma vitalidade
52:04uma criatividade
52:05ele foi ao ponto
52:06que eu me lembro
52:06de eu fazer
52:07eu queria
52:08é que os estudos feministas
52:10tivessem um lugar
52:11no futuro
52:12dentro daquela faculdade
52:13eu queria que a causa
52:14feminista
52:15se resolvesse
52:17mas eu estava sempre
52:18pensando depois
52:19essas meninas já chegam
52:21com esse direito
52:22garantido
52:23eu não vejo nenhuma
52:25delas lutar
52:25para conseguir uma coisa
52:26elas já tem
52:27elas estão reclamando
52:28porque estão transgredindo
52:29e assim
52:30eu estou amando
52:31com essas meninas
52:32isso é muito lindo
52:33tudo isso
52:34elas estão
52:34que estão
52:49eu não vejo
52:51eu não vejo
52:52eu não vejo
Recomendado
29:17
|
A Seguir
9:43
52:18
15:00
51:59
1:55
46:03
0:38
24:55
1:20:50
1:01:21