- 28/06/2025
Autora de biografia sobre médico da Alemanha nazista, que morreu no Brasil, explica por que figura de Mengele gerou tanta busca, mesmo anos após sua morte.
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NotíciasTranscrição
00:00Olá, você assinante da Cursoé, bem-vindos a mais um Cursoé Entrevistas.
00:11E hoje nós vamos falar sobre uma das figuras mais célebres do nazismo
00:15e sua relação um tanto quanto intrínseca com o Brasil.
00:20Nós estamos falando do médico Joseph Mengele
00:23e da nova obra que trata sobre a biografia dessa figura
00:28e principalmente seus anos finais no Brasil.
00:31E hoje presencialmente aqui nos estúdios da Cursoé
00:33nós vamos receber a jornalista e autora do livro Baviera Tropical,
00:39Bettina Anton.
00:40Bettina, muito obrigado pela sua presença aqui hoje.
00:44Obrigada por vocês terem me convidado.
00:47Bettina, primeiramente parabéns pelo livro que foi lançado recentemente pela editora Todavia.
00:52O título é Baviera Tropical e o subtítulo é A História de Joseph Mengele.
00:58Mengele.
00:59Aqui no Brasil a gente fala Mengele, na Alemanha é Mengele,
01:02mas eu prefiro adotar o jeito brasileiro mesmo, Mengele.
01:05Era uma dúvida que eu tinha que tirar antes de começar.
01:08Tá ótimo.
01:09A história de Joseph Mengele, o médico nazista mais procurado no mundo,
01:12que viveu quase 20 anos no Brasil sem nunca ser pego.
01:16E acho que é com base nessa parte final que é sobre o Brasil
01:22que eu queria começar a nossa conversa.
01:23Bettina, por que a figura dele é ainda tão atraente até os dias de hoje?
01:30E isso se dá exclusivamente por ele ter sido membro do nazismo ou não?
01:36Então, tem um interesse muito grande pelo Mengele ainda hoje em dia.
01:41Aqui no Brasil eu estou vendo que tem muito interesse.
01:44E também em outros países.
01:46Tanto é que esse livro vai ser publicado em mais oito países a partir do ano que vem.
01:50Então, a gente percebe que essa é uma história, apesar do Mengele ter morrido em 1979
01:57e o esqueleto dele ter sido descoberto aqui no Brasil em 1985,
02:03ainda tem muito interesse sobre ele.
02:06E eu acho que são vários motivos.
02:09O primeiro é que ele foi uma figura, um dos nazistas mais procurados do mundo,
02:15o médico nazista mais procurado do mundo, com certeza.
02:18E ele ficou 34 anos em fuga, desses 34, 18 aqui no Brasil.
02:24Então, assim, essa questão dele ter ficado tanto tempo em fuga,
02:28nunca ter sido pego e ter morrido nas férias aqui em Bertioga,
02:32é uma coisa que chama muita atenção, que as pessoas tentam entender por que isso aconteceu.
02:36E a outra coisa que atrai a atenção das pessoas, que eu percebo,
02:41é a quantidade de vítimas em diversos países que ele deixou.
02:47Ele ficou conhecido por fazer experiências médicas com gêmeos, principalmente,
02:54porque ele estudava genética e, na época, o estudo com gêmeos
02:57era a parte mais avançada da genética, o estudo com gêmeos.
03:02E ele fez esses estudos em larga escala em Auschwitz.
03:07E também porque ele foi um dos médicos nazistas que mais mandaram pessoas
03:10para a Câmara de Gás em Auschwitz.
03:13Excelente.
03:15Eu queria que você falasse um pouco sobre a produção desse livro.
03:18Você chegou a entrar em contato com pessoas que tiveram contato com ele.
03:23Pela leitura, a gente consegue depender que você teve acesso a cartas,
03:27teve acesso a correspondências.
03:30Mas eu queria que você falasse um pouco sobre as pessoas que você entrevistou
03:33que tiveram contato com o Mengele.
03:36E que tipo de memórias eles trazem dessa figura?
03:41Bom, acho que uma figura central aí é a Liselotte Bossert,
03:45que é uma austríaca, que foi a pessoa que enterrou o Mengele
03:50com nome falso aqui no Brasil, no cemitério do Imbu.
03:53E ela, por uma coincidência, e esse na verdade é o motivo
03:57que despertou meu interesse por esse assunto,
04:00a Liselotte foi minha professora na escola.
04:02E quando eu tinha seis anos, ela era minha professora
04:07numa escola alemã, que eu estudava, sou de origem alemã,
04:10ela simplesmente desapareceu.
04:13E todos os professores, os pais começaram a falar do nome Mengele,
04:18eu não entendia, obviamente que eu não entendia o que estava acontecendo,
04:22mas a gente sabia que tinha um ribulício muito grande.
04:25Foi uma emissora americana fazer matéria com as crianças na escola,
04:29todos os pais comentavam sobre isso, meus próprios pais comentavam.
04:33E eu via muitas matérias na televisão também, no Fantástico,
04:37apareciam matérias sobre o Mengele e tudo mais.
04:40Então eu sempre tinha essa figura meio macabra, meio do mal,
04:44e eu não sabia exatamente o que ele tinha feito
04:47e o que a minha professora tinha feito.
04:49Então depois já, como jornalista, depois de 20 anos como jornalista,
04:54e eu tenho uma formação em história também,
04:56então tenho muito interesse na parte histórica.
04:59Eu fiquei com muita vontade de descobrir mais
05:01o que tinha acontecido realmente,
05:04quem que tinha protegido, como protegeu,
05:07quais foram as experiências que ele fez,
05:10o que ele fez em Auschwitz, afinal.
05:11Então a primeira pessoa-chave que eu tinha que encontrar
05:15era a Liselette Bossert.
05:17E por sorte ela estava viva,
05:21porque ela sumiu de todos os radares
05:23depois do grande escândalo
05:25que foi a descoberta do corpo do Mengele
05:27aqui no Brasil em 1985.
05:30Na internet a gente não encontra nada sobre ela
05:33depois de 1985.
05:35Todos os sites falam muito dela,
05:37mas nesse ano,
05:39e depois ela desaparece,
05:41aparece uma coisa aqui e outra ali nos arquivos de jornal,
05:44quando ela foi julgada,
05:46porque ela chegou a ser julgada
05:48por ter apresentado documentos falsos
05:51no enterro do Mengele,
05:52mas ela acabou não sendo punida,
05:54como ninguém que abrigou o Mengele no Brasil.
05:58Então a Liselotte foi a primeira pessoa,
06:01essa minha ex-professora,
06:02foi a primeira pessoa que eu quis procurar,
06:06e eu acho que era a pessoa que mais poderia me dar informações,
06:10porque o círculo que abrigou o Mengele aqui no Brasil,
06:14que protegeu ele mesmo,
06:17era um círculo pequeno,
06:18muito pequeno.
06:20Era a Liselotte, o marido dela, o Wolfram,
06:22e o Wolfram já tinha falecido.
06:24Tinha o casal de húngaros,
06:26que é a família Stammer,
06:27que também já tinham falecido.
06:29E um amigo que foi o primeiro a receber o Mengele aqui no Brasil,
06:32o Wolfram Gerrard,
06:33que inclusive foi com esse nome que ele morreu,
06:36ele tinha morrido já em 1978.
06:39Então dos adultos que tinham dado proteção para ele aqui,
06:43de maneira mais próxima,
06:45a Liselotte era uma figura central.
06:47Então foi por isso que eu fui falar com ela
06:49e procurei ela em primeiro lugar,
06:53das pessoas do convívio aqui no Brasil.
06:56Entendi.
06:57Você falou um pouco sobre esse círculo de apoio
07:01que o Mengele tinha no Brasil
07:05até o momento da sua morte.
07:07E eu queria que você falasse um pouco
07:08sobre o que ela quer dizer
07:10em relação à persistência do nazismo
07:13dentro do Brasil.
07:14Então é possível chamar essas pessoas de nazistas
07:17ou elas eram apenas apoiadores de uma pessoa?
07:23Como que você enxerga?
07:24Eu acho que não dá para generalizar.
07:27Tem uns que eram camaradas mesmo do Mengele,
07:29que esses sim eram nazistas.
07:32Por exemplo, Wolfgang Goethe era muito nazista.
07:35E foi ele que recebeu essa incumbência
07:37de proteger o Mengele aqui no Brasil
07:39de um piloto da Força Aérea do Hitler,
07:42mais condecorado, que ele chama Rudel.
07:45Ele morava em Buenos Aires
07:47e ali eles tinham uma congregação de nazistas.
07:51Todo mundo se conhecia.
07:53Só que o Mengele tinha morado em Buenos Aires
07:56vários anos e aí que ele conheceu esse ex-piloto
07:59da Força Aérea do Hitler.
08:01Só que em 1959, teve uma ordem de prisão
08:05contra o Mengele lá na Alemanha.
08:06E o Mengele tinha medo que a Argentina
08:08extraditasse ele para a Alemanha.
08:10Então o que ele fez?
08:11O Rudel, ele tinha muitos relacionamentos
08:14também no Paraguai.
08:15Então o Mengele foi para o Paraguai
08:17e lá no Paraguai ele conseguiu a cidadania paraguaia.
08:20Com essa cidadania paraguaia,
08:21ele não poderia ser extraditado para a Alemanha.
08:23Então ele estava tranquilo.
08:25Acontece que em 1960,
08:28teve mais uma novidade aí
08:30para esses nazistas que viviam em Buenos Aires,
08:33que foi o caso Eichmann.
08:35O Adolf Eichmann,
08:36que era um burocrata do nazismo,
08:39que teve uma participação muito grande no Holocausto,
08:43porque foi ele que organizou
08:44todos os transportes de judeus
08:47para os campos de extermínio na Polônia.
08:50Ele era o burocrata que organizava esses transportes.
08:53Se eles não tivessem...
08:54Imagina o trabalho de logística,
08:55que não era mandar judeus
08:58de toda a Europa para a Polônia.
09:02Então, assim, essa foi a função do Eichmann.
09:04E o Eichmann morava em Buenos Aires
09:07e ele foi sequestrado pelo Mossad
09:09e levado para Jerusalém
09:11e lá ele foi julgado pelos crimes
09:12que ele cometeu durante o nazismo,
09:15durante o Holocausto.
09:17Quando o Mengele percebe
09:19que ele não tinha que ter medo
09:21só de ser extraditado para a Alemanha,
09:24mas que ele viu que tinha a possibilidade
09:25também de ser sequestrado pelo Mossad,
09:27como aconteceu com o Eichmann,
09:29ele vem para o Brasil.
09:31E quem passa a dica para ele
09:32de vir para o Brasil é o Rudel,
09:34esse mesmo piloto.
09:36E o Rudel...
09:37O Mengele não veio para o Brasil
09:39na louca sem conhecer ninguém,
09:41ele veio com um contato.
09:42E esse contato era o Wolfgang Gerhardt,
09:46um nazista de carteirinha
09:47que topou para ele,
09:49era uma honra,
09:50dar uma proteção
09:51para um dos maiores nazistas ainda vivos.
09:55Você falou um pouco
09:56sobre a questão da Argentina,
09:58mesmo o Adolf Eichmann,
09:59ele foi preso na periferia de Buenos Aires
10:02e até, obviamente, não hoje,
10:06porque já são quase 80 anos,
10:08mas durante muito tempo
10:09se entendia que a Argentina
10:13era uma espécie de refúgio
10:16a um certo grupo de nazistas.
10:19Eu queria que você falasse um pouco
10:20de como era essa questão na Argentina,
10:25se era realmente um refúgio,
10:27se era mais fácil,
10:29se era mais...
10:30Ou se havia algum tipo de omissão,
10:33não só do governo da Argentina,
10:35mas dos outros governos
10:36aqui da América do Sul,
10:37para que tantos nazistas acabassem
10:39escolhendo aqui como um refúgio.
10:42Bom, eu acho que tem vários fatores aí, tá?
10:45Em primeiro lugar,
10:45eu acho que os nazistas
10:46tinham interesse de vir para a América do Sul
10:49e para ficar o mais longe possível da Europa,
10:51porque eles podiam ser extraditados
10:55para os países onde eles cometeram crimes,
10:57como, por exemplo, a Polônia,
10:58e lá eles poderiam ser julgados.
11:00Então, estando aqui na América do Sul,
11:01já seria mais difícil.
11:02Mas, além disso,
11:06a vinda deles para cá foi facilitada.
11:09E uma das pessoas,
11:10um dos governos que facilitaram essa vinda
11:13foi o do Perón.
11:16O Perón facilitou a vinda dos nazistas.
11:20Inclusive, tem um autor argentino,
11:23o Kigoen,
11:24que ele escreveu,
11:26já escreveu dois livros sobre isso.
11:28Um deles é a verdadeira Odessa,
11:30que Odessa era uma entidade mítica
11:34que diziam que existia no pós-guerra,
11:36que era para ajudar os oficiais da SS.
11:39Então, já ficou comprovado
11:40que essa entidade,
11:43dessa maneira como foi imaginada,
11:45ela não existiu.
11:46Então, o Kigoen,
11:47ele escreveu esse livro
11:48A Verdadeira Odessa,
11:49que ele pesquisou em arquivos
11:51da própria Argentina,
11:52em arquivos da Europa,
11:54ele mostra como o Perón
11:55facilitou a entrada de nazistas
11:57na Argentina.
12:00E eu mesma,
12:00para a pesquisa desse livro,
12:02eu fui para lá,
12:02para Buenos Aires,
12:03tem uma cidade bem colada em Buenos Aires
12:05que se chama Vicente Lopes,
12:07que é um subúrbio de Buenos Aires,
12:09na verdade,
12:10onde tem casas maravilhosas,
12:11bem grandes, espaçosas.
12:13E ali a gente vai passeando
12:15pelos endereços
12:16e a gente percebe
12:17que as casas dos nazistas
12:18eram muito próximas
12:19umas das outras.
12:20Então, até no livro
12:22tem uma foto, duas,
12:25de um casarão
12:26de um desses simpatizantes
12:31do nazismo
12:32que recebia os nazistas.
12:35Por exemplo,
12:36o Bengeli conheceu
12:38o Eichmann em Buenos Aires,
12:39eles não eram próximos,
12:40mas ele conheceu
12:41o Eichmann em Buenos Aires,
12:43conheceu o Rudel em Buenos Aires,
12:45conheceu o William Sassen,
12:47que é um jornalista
12:48que participou da SS
12:49e foi o jornalista responsável
12:52por pegar todos os depoimentos
12:53do Eichmann
12:55e que depois foram publicados
12:57na revista Life.
12:58Então, assim,
12:59tinha uma cena de nazismo
13:02muito forte na Argentina
13:03no pós-guerra,
13:05não em Buenos Aires em si,
13:07mas em Vicente Lopes,
13:09que é esse subúrbio,
13:10que era um subúrbio muito tranquilo,
13:12onde tinham muitos imigrantes alemães
13:14e também britânicos,
13:15e que eles viviam ali
13:18um próximo do outro.
13:19Quando o Eichmann foi pego,
13:22daí tudo mudou,
13:23porque daí esse grupo
13:24se dispersou um pouco
13:25e as pessoas não tinham
13:27mais tanta confiança
13:29de ficar ali.
13:32E agora, voltando um pouco
13:34ao tema central do Mengeli,
13:39eu queria que você falasse um pouco
13:40sobre a morte dele.
13:42A morte dele ocorre em 1979,
13:45você já citou durante as férias dele
13:47em Bertioga.
13:48Sim.
13:49Supostamente cercado de amigos ali,
13:52ele morre afogado.
13:54Assim, mas essa é a versão oficial.
13:57Você, você...
13:58As suas investigações levaram
14:00a algum outro tipo de conclusão?
14:03Ou a morte dele foi mesmo
14:06por afogamento?
14:07Eu acredito que foi mesmo
14:08por afogamento.
14:09Inclusive, você mencionou mais cedo
14:11de algumas cartas
14:13que eu encontrei do Mengeli
14:14que estavam arquivadas
14:16na Polícia Federal.
14:18Tinham dezenas de arquivos
14:22ali na Polícia,
14:23mais de 80 arquivos
14:24na Polícia Federal
14:25com as cartas
14:26que o Mengeli recebeu
14:27e que ele enviou também,
14:29que foram apreendidas em 1985,
14:32quando esse caso
14:33foi investigado aqui no Brasil.
14:34E uma das cartas
14:36muito interessantes
14:37é o Mengeli contando
14:39como ele estava,
14:40como estava o estado
14:40de espírito dele
14:41justamente um pouco
14:42antes de ir para Bertioga
14:44e por que ele vai para Bertioga.
14:46Ele estava bastante deprimido
14:47nessa época,
14:48no final do ano,
14:49de 1978, mais ou menos,
14:51porque esse melhor amigo dele
14:53tinha acabado de morrer
14:55na Áustria,
14:57o Wolfgang Gerhardt,
14:58e os outros amigos,
15:00o casal de austríacos
15:02da família Bossert,
15:04alugou uma casa em Bertioga
15:05como alugava todo ano
15:06no verão
15:07e resolveu convidar
15:09o Mengeli para ir.
15:10Ele estava um pouco reticente
15:12em relação a essa viagem,
15:15mas ele topa
15:17e ele acaba indo
15:18e o curioso é que ele vai
15:19de ônibus até lá,
15:20era uma viagem longuíssima,
15:21não existia ainda
15:22todas as estradas que tem hoje,
15:24os acessos,
15:25os acessos eram por balsa,
15:26então você podia demorar horas
15:29para chegar até lá,
15:30às vezes,
15:30seis horas de viagem
15:32para Bertioga,
15:34quem é aqui de São Paulo
15:35sabe que é uma viagem
15:36muito mais curta,
15:37acho que uma hora e meia
15:38você está lá hoje em dia
15:39com o seu carro.
15:40Então, assim,
15:41eu também fiquei imaginando
15:42como era na época,
15:43final da década de 70,
15:44para ele chegar lá,
15:45um senhor já de 67 anos,
15:48então ele estava
15:49nesse estado de espírito
15:50e essa carta conta isso,
15:51e no final da carta
15:52ele fala,
15:53ah, eu espero que o tempo
15:54esteja bom
15:55e que eu consiga
15:56ficar mais dias lá,
15:58mesmo depois que os meus amigos
15:59forem embora,
16:00que eu consiga ficar mais dias
16:01em Bertioga.
16:03Então, assim,
16:04eu acho que ele tinha planos
16:05de continuar lá
16:06aproveitando a praia.
16:08O livro descreve bem a cena
16:10de como ele se afogou,
16:12com base em todos os depoimentos
16:14que foram prestados
16:16para a Polícia Federal,
16:17e eu tive acesso ao inquérito
16:19da Polícia Federal,
16:20e então é muito curioso,
16:23porque eu tenho um depoimento
16:25de todo mundo
16:26que estava ali na cena,
16:27dos salva-vidas,
16:29da Liselotte,
16:29do filho da Liselotte,
16:31da filha, não,
16:32ela não prestou depoimento,
16:33mas o filho prestou depoimento,
16:35o Wolfram prestou depoimento,
16:37e eu também,
16:38como eu sou de comunidade alemã,
16:41eu tive acesso também
16:43a pessoas que,
16:44por coincidência,
16:45estavam na praia naquele dia,
16:48e que só anos depois
16:49perceberam que elas presenciaram
16:52a morte do Mengele,
16:53então também me contaram ali,
16:56que estavam ali,
16:57que me contaram um pouco
16:58do clima,
16:59do que tinha acontecido,
17:00e realmente,
17:01o que aconteceu
17:03foi que ele estava nadando,
17:05ele teve um mal súbito,
17:07provavelmente ele sofreu um AVC,
17:09e ele acabou afogando,
17:10porque ele não conseguiu
17:11sair da água,
17:12o marido da Liselotte
17:13tentou salvar o Mengele,
17:15e tentou com tanta vontade,
17:18que até ele mesmo
17:19quase se afogou,
17:21tanto é que ele teve que ir
17:22para o pronto-socorro
17:23quando o Mengele morreu,
17:26e por isso que foi a Liselotte
17:27que enterrou ele
17:28com nome falso,
17:29porque ela se viu sozinha ali
17:30com o corpo do homem
17:32que era o nazista
17:33mais procurado do mundo
17:34naquele momento,
17:35e ela tinha que tomar
17:36uma decisão,
17:37continuava mantendo a mentira
17:39que ele era o Wolfgang Gerhardt,
17:41ou falava a verdade
17:42naquela hora,
17:42olha,
17:43morreu o Mengele,
17:44e o que ela escolheu
17:46foi manter
17:47essa versão
17:48de que era o Wolfgang Gerhardt.
17:51Depois da morte dele,
17:53em 1979,
17:55aí se passam seis anos
17:56de busca sobre o...
18:00A busca continuou,
18:01porque obviamente
18:02as pessoas não sabem
18:03que ele morreu,
18:04e você explica
18:05com bastante pormenor
18:07num capítulo mais
18:08já ao final do livro,
18:10mas eu queria que você
18:10explicasse um pouco
18:11do porquê que havia
18:13tanto ímpeto ainda
18:15na busca dele,
18:15era esse ímpeto
18:17atrás da busca
18:18do nazista
18:19mais procurado do mundo,
18:20ela se estendia
18:21a outros nomes
18:22ou não?
18:23Era uma coisa
18:24muito específica
18:26do Mengele,
18:28naquele momento.
18:28Então,
18:29naquele momento
18:30era muito específico
18:31do Mengele,
18:31por isso que ele virou
18:32um dos nazistas
18:34mais procurados
18:35do mundo,
18:36e eu,
18:36o médico nazista
18:37mais procurado
18:37do mundo.
18:38Por que que ele foi,
18:40do meu ponto de vista,
18:41por que que ele foi
18:42encontrado
18:43só em 1985,
18:45ou por que que ele
18:46foi encontrado
18:46em 1985?
18:47porque nesse ano
18:50a libertação
18:52de Auschwitz
18:53completou exatamente
18:5340 anos,
18:55e os gêmeos,
18:56as vítimas do Mengele
18:58tiveram um papel
18:58muito importante
18:59de ativismo,
19:01então uma das gêmeas
19:02que era romena,
19:04mas que morava
19:05nos Estados Unidos,
19:06ela,
19:07a que chama
19:07Eva Moses-Core,
19:09ela tinha uma
19:11irmã gêmea
19:11chamada Miriam,
19:12e a irmã dela
19:13sofria grandes
19:14problemas no rim,
19:16e os médicos
19:17não sabiam
19:18o que que ela tinha,
19:19ela já tinha
19:20feito todo tipo
19:21de tratamento
19:21e o rim dela
19:22era atrofiado
19:23como se fosse
19:24de uma menina
19:25de 10 anos,
19:26exatamente a idade
19:27que ela tinha
19:27em Auschwitz
19:28quando ela passou
19:29pelos experimentos
19:30do Mengele,
19:31e os médicos
19:31falavam pra ela
19:32assim,
19:33pra você se tratar
19:34a gente precisa saber
19:35o que foi feito
19:36com você,
19:38e eles não tinham
19:39nenhuma documentação,
19:41então a Eva
19:42pensou,
19:43bom,
19:44se a gente encontrar
19:44outros gêmeos
19:45que passaram
19:46pelas mesmas
19:48experiências
19:49que a gente,
19:50talvez a gente
19:50descubra alguma coisa
19:52do que aconteceu
19:53com a gente,
19:54porque antes disso
19:56os gêmeos
19:56não eram articulados,
19:58as vítimas
19:59do Mengele
19:59não eram articuladas,
20:01elas eram dispersas,
20:03então a Eva,
20:05a Miriam
20:05e outros gêmeos
20:06tiveram esse
20:07grande mérito
20:08de juntar
20:09todas as vítimas,
20:10a primeira tentativa
20:10foi fazer uma marcha
20:12em Auschwitz
20:12em 1985,
20:14no dia 27,
20:14que é o dia,
20:15a data da libertação,
20:18só que nessa marcha
20:19foram poucas pessoas,
20:21mas logo em seguida,
20:22em fevereiro,
20:23teve um julgamento
20:24em Jerusalém
20:25em que eles julgaram
20:26o Mengele
20:27num julgamento
20:29fictício,
20:30que em inglês
20:31eles chamaram de
20:32mock trial,
20:33que era um julgamento
20:34sem a presença
20:35do Mengele,
20:35porque ninguém sabia
20:36onde ele estava,
20:37e nesse julgamento
20:40eles conseguiram
20:40reunir 80 vítimas
20:41e testemunhas,
20:43testemunhas,
20:44por exemplo,
20:44médicos que trabalharam
20:45junto com ele,
20:47e a partir desses
20:48depoimentos
20:49de 80 pessoas,
20:51isso teve uma
20:53repercussão
20:54mundial
20:55e causou
20:56uma comoção,
20:57a partir daí
20:58o governo americano
20:59determinou
21:00pelo Departamento
21:01de Justiça
21:02americano
21:02que ia aumentar
21:03as investigações,
21:05ia ter uma força-tarefa
21:06para achar o Mengele
21:07juntamente com
21:08o governo do Israel
21:09e o governo da Alemanha,
21:11e em maio
21:12de 1985
21:14a polícia alemã
21:16consegue
21:17a pista
21:18definitiva
21:18que levava
21:19ao endereço
21:20de quem?
21:21Da minha professora,
21:22da Liselotte Bossert,
21:23aqui no Brooklyn,
21:24levava até a casa dela,
21:26então quando a polícia
21:27alemã
21:27contacta a polícia
21:28brasileira,
21:29na época
21:30quem estava à frente
21:30aqui da Polícia Federal
21:32em São Paulo
21:32era o Romeu Tuma,
21:34eles ainda não tinham
21:34certeza se o Mengele
21:35estava vivo ou morto,
21:36e já fazia seis anos
21:38que ele tinha morrido.
21:40E por fim,
21:42Betina,
21:43eu queria que você
21:44fizesse uma reflexão aqui,
21:47a gente no Brasil
21:49tende a dividir
21:52a história do Mengele
21:53em duas,
21:53não só a questão
21:55humanitária,
21:57o envolvimento dele
21:58em um dos regimes
22:00totalitários
22:01mais macabros
22:03de todos os tempos,
22:04e a participação macabra dele
22:05nesse regime
22:06muito significativa,
22:08mas também
22:09essa questão,
22:10digamos um tanto
22:11quanto pitoresca,
22:12que é o fato dele
22:13ter vivido
22:14entre nós
22:15como uma pessoa
22:16dita normal,
22:19um paulistano,
22:20porque ele morava
22:21em São Paulo,
22:22antes de se mudar
22:23para a Bertioga,
22:24ou antes de ir
22:25para a Bertioga
22:26passar as férias.
22:28E eu queria que você,
22:30com base na sua pesquisa,
22:31com base nesses anos
22:32de envolvimento com o tema,
22:34eu queria que você
22:35nos explicasse
22:37se na sua visão
22:38essas duas questões,
22:41a questão curiosa
22:43e a questão histórica
22:44do Mengele,
22:45no Brasil elas acabam
22:47de ser simbilizadas,
22:49a figura do Mengele
22:50ela não tem o...
22:53ela não é pensada
22:54com a seriedade
22:55que deveria.
22:57Se eu acho
22:57que ela não é pensada
22:58com a seriedade...
22:59Até por conta
23:01dessa questão
23:02mais curiosa,
23:03do fato de ele
23:04ter vivido no Brasil,
23:05eu digo
23:06por experiência própria,
23:07até hoje,
23:09pouco antes
23:10de começar
23:11a estudar o livro,
23:12a figura do Mengele
23:14para mim
23:14era mais ligada
23:15a essa figura curiosa
23:16de um médico nazista
23:17que morou no Brasil
23:18do que a figura
23:21do médico nazista.
23:22Então, assim,
23:23eu não sei se para você
23:24na sociedade brasileira
23:26há uma certa dificuldade
23:28de se lidar
23:30com a figura histórica
23:31do nazista
23:33justamente pelo fato
23:35de ter uma circunstância
23:37tão curiosa quanto essa.
23:38Eu acho que falta
23:39conhecimento
23:40de saber
23:40o que o Mengele fez
23:42exatamente,
23:43o que era Auschwitz,
23:45o que era medicina
23:46no Terceiro Reich
23:47e todas essas
23:48eram questões
23:49que eu mesma
23:49tinha curiosidade antes.
23:51Então, eu procurei
23:52me aprofundar
23:53nessas questões,
23:54inclusive me envolver
23:55com pesquisadores
23:56na Alemanha
23:57e em Auschwitz também,
23:59na Polônia também,
24:01para saber
24:02o que ele tinha feito
24:03exatamente
24:04de experimentos
24:05e para que
24:06foram feitos
24:07esses experimentos.
24:09E eu,
24:09o tempo todo,
24:10se você for perceber
24:11num livro,
24:12o Mengele é muito chamado
24:13de anjo da morte.
24:15Eu procurei evitar
24:16usar esse termo
24:17por quê?
24:17Porque eu acho
24:18que a gente
24:18esbarra num sensacionalismo
24:20e tudo que eu quis
24:22evitar
24:22era o sensacionalismo.
24:23Eu queria
24:24mais informação.
24:25Eu queria que,
24:26eu queria que,
24:28eu queria
24:28eu primeiro entender
24:29e queria que as pessoas
24:30entendessem também
24:31qual que era
24:32essa motivação
24:33dessa medicina
24:34no Terceiro Reich.
24:35O Mengele foi
24:36o único médico
24:37que fez experimentos.
24:39Por que que ele
24:40ficou tão famoso
24:41de uma forma macabra?
24:43Então,
24:43essas foram
24:44todas as questões
24:45que eu procurei
24:46explicar
24:46e procurei
24:47explicar as origens.
24:49E a gente vê,
24:50em primeiro lugar,
24:51que existia um,
24:52existia uma pesquisa
24:54aí,
24:54médica,
24:55que foi conduzida
24:56durante a Segunda Guerra
24:57e o Mengele,
24:59ele ficou tão famoso
25:01porque ele tinha,
25:04ele tinha,
25:05assim,
25:06uma,
25:06ele fez muitas pesquisas
25:08em diversas áreas
25:10e que acabaram
25:11não tendo nem pé
25:12nem cabeça.
25:13Ele,
25:13ele era muito ganancioso,
25:15ele queria,
25:15ele queria ter um alto cargo
25:17na academia
25:18depois que acabasse a guerra.
25:20Então,
25:20ele queria aproveitar
25:21o que ele chamava
25:22de material humano
25:23em Auschwitz
25:24para poder pesquisar
25:26o máximo possível.
25:27E ele acabava fazendo
25:29coisas que não tinham
25:30o menor sentido,
25:32entendeu?
25:32Então,
25:32isso,
25:33isso eu acho que é uma coisa
25:34que a gente sabe pouco
25:35aqui no Brasil
25:36e que por isso
25:37que valeu muito a pena
25:38pesquisar
25:39e poder explicar
25:40em mais detalhes.
25:41E também a questão
25:42do racismo
25:43durante o Terceiro Reich,
25:45que é um elemento
25:47fundamental do nazismo.
25:49Essa questão racista
25:50a toda a medicina
25:52e todo o trabalho
25:53do Mengele
25:54era baseado nisso.
25:56Excelente.
25:58Queria novamente
25:59agradecer
25:59a presença
26:00da jornalista
26:02e autora
26:03do livro
26:03Baviera Tropical,
26:04Bettina Anton,
26:06livro lançado em 2023
26:07pela editora Todavia,
26:09Lembrando,
26:09Baviera Tropical,
26:11a história de Joseph Mengele,
26:12o médico nazista
26:13mais procurado do mundo
26:14que viveu quase 20 anos
26:15no Brasil
26:16sem nunca ser pego.
26:18Muito obrigado, Bettina,
26:19pela sua presença.
26:20Até uma próxima conversa.
26:22Obrigada você, Gui.
26:23Esse foi o Curzoa Entrevistas.
26:25Nós voltamos
26:26na semana que vem.
26:27Até lá.
26:28Legenda por Sônia Ruberti
26:40Obrigado.
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