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Correspondente de guerras, o jornalista fala sobre suas experiências no front.

Assista à conversa completa: https://youtu.be/8EVS62Ur4fE

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Transcrição
00:00Bom, o Lorival trabalha como jornalista e ele também já escreveu vários livros.
00:05Um livro sobre o Talibã, um livro sobre o jornalismo, né?
00:10E esse livro aqui também, que é um livro sobre o medo.
00:15Ele usa um pouco a experiência dele nesses conflitos
00:20para trazer lições para quem não vai para a guerra, né?
00:25Quem precisa encarar o medo em situações civis também, né?
00:28Também, principalmente.
00:31Vamos lá, Otega, quer começar?
00:32Vamos, vamos. Eu queria aproveitar o gancho do livro do Lorival
00:36para falar um pouco do começo da carreira dele como correspondente de guerra,
00:41cobrindo conflitos.
00:42O site do Lorival, que vocês podem...
00:45Sugiro que vocês procurem na internet, porque é muito interessante,
00:49tem bastante conteúdo interessante.
00:52Tem reportagens que ele fez em Belfast, em 94.
00:56Ele foi entrevistar o Yasser Arafat, líder palestino em Túnis, dois anos antes.
01:02Em 94, ele foi para Belfast, a capital da Irlanda do Norte,
01:05cobriu os conflitos de lá, que se resolveriam quatro anos depois
01:08dos chamados acordos da Sexta-feira Santa.
01:11Então, eu queria saber de você, Lorival,
01:13essa foi a sua primeira cobertura internacional de conflito.
01:16Como foi?
01:17Como você se preparou?
01:18Como você driblou o eventual medo que senti?
01:22E o que encontrou de inesperado por lá?
01:25Certo.
01:25Eu estava baseado em Londres naquela época.
01:27Eu trabalhava na BBC e era stringer,
01:29ou seja, correspondente freelancer, do Estadão.
01:32E esse material eu fiz para o Estadão.
01:34Então, morando em Londres, eu tinha muita familiaridade com o conflito.
01:38Era a época em que Londres não tinha lata de lixo
01:40por causa dos atentados terroristas.
01:45Só que, para mim, a questão mais difícil,
01:49e que foi quando...
01:51Bom, eu já tinha um contato com isso no conflito árabe-israelense,
01:55que era a questão de a religião ser uma marca que leva ao conflito.
02:03A religião identifica as pessoas.
02:06É claro que, no caso árabe-israelense,
02:08tem uma questão étnica também, que é a língua e tal.
02:11Agora, o meu desafio na Irlanda do Norte
02:15era entender como dois grupos cristãos,
02:18e ambos falando a mesma língua...
02:22Com as mesmas tradições, no caso da Irlanda do Norte,
02:25da República da Irlanda, né?
02:26É, poderiam se matar.
02:31E aí foi que eu aprendi isso,
02:34que, na verdade, a questão não era a religião.
02:37Eu me lembro de um padre católico na igreja.
02:42Eu fui falar com padres católicos e com pastores protestantes,
02:46para questionar o conteúdo religioso do conflito.
02:49E aí ele me falou...
02:52Quando...
02:53Da forma como aconteceu, as it happened, né?
02:56Quem estava aqui era católico,
02:59e quem invadiu era protestante.
03:02Então é apenas uma marca, né?
03:03Assim, não tem a ver com religião.
03:06E aí eu...
03:07Essa foi uma reflexão que passou a me acompanhar muito
03:10nas minhas coberturas,
03:12que na minha geração, na nossa geração, né?
03:15As guerras foram muito guerras relacionadas com o sectarismo religioso, né?
03:21No Líbano, enfim, no mundo árabe e muçulmano,
03:27na própria Europa, bom, na Geórgia, né?
03:31Nos Balcãs, no Kosovo...
03:33Em todos os lugares era um elemento religioso.
03:35Era uma marca diferenciadora de identidade e tal, né?
03:38E aí eu passei a me interessar muito por religião.
03:44Estudei muito, muito, muito a religião
03:46para poder ir buscar os símbolos
03:49que levavam a essas diferenciações.
03:52E você é uma pessoa religiosa?
03:54Às vezes você está no perigo lá e faz uma rezinha?
03:58Não, eu não acredito em Deus,
04:00o que é uma desvantagem enorme, né?
04:02Porque eu não acredito numa vida posterior,
04:06numa recompensa posterior, né?
04:08Mas quando você está lá com o Talibã
04:11e eles te perguntam isso, o que você responde?
04:14É, então, isso é muito duro.
04:18Porque eu comecei falando que eu não acreditava em Deus
04:23e isso foi muito complicado.
04:25Porque nessas sociedades, e acho que até na nossa, talvez,
04:29as pessoas não confiam em quem não acredita em Deus.
04:32É como se a pessoa não fosse honesta, né?
04:34Nos Estados Unidos, 29% dos americanos se declaram ateus
04:40e só 1% dos congressistas são ateus.
04:46Aqui também, né?
04:47Se um candidato a presidente se declarasse ateu,
04:50meio que seria uma sentença de morte política para ele,
04:52eu acho, muito difícil.
04:54É.
04:54Então, eu digo que eu não tenho uma religião,
04:57mas que eu fui educado como um cristão,
04:59o que é verdade.
05:00E eu lembro uma vez...
05:01Você não mente, mas você omite, né?
05:03É, não preciso jogar na cara, né?
05:08Mas uma vez, viajando com um líder religioso líbio,
05:12durante a Primavera Árabe,
05:14um líder religioso que se tornaria um dos responsáveis
05:16pela islamização daquele processo e tal,
05:19ele...
05:20Durante a viagem, eu aproveitei para perguntar muitas coisas
05:23sobre o Islã, né?
05:24E aí ele falou assim,
05:26você já sabe muito sobre o Islã,
05:29é melhor você se converter,
05:30senão you'll be in trouble,
05:32quando você morrer, né?
05:33Porque se você já sabe, teve contato,
05:36então você não tem desculpa para não se converter, né?
05:39Você vai...
05:40Tipo, você vai para o inferno, né?
05:42Você não terá nenhuma chance.
05:44É, Lelival, um pedaço, um trecho do seu livro,
05:49você fala sobre o medo,
05:50e aí você diz que os momentos que você mais sente medo,
05:54é quando você está no avião e durante a noite, né?
05:57Isso, isso.
05:58É, por quê?
05:59Isso, isso é muito importante para entender esse livro
06:02e os passos que eu,
06:03os sete passos que eu proponho para lidar com o medo.
06:06Porque quando eu comecei a dar palestras
06:09sobre coberturas de guerra,
06:11isso há 20 anos,
06:13as pessoas perguntavam,
06:14mas você não tem medo?
06:16Eu falava, tenho, né?
06:18Ué, então por que você volta?
06:20Ah, aí elas me respondiam,
06:22eu já sei, você gosta da adrenalina,
06:24e de jeito nenhum,
06:25não gosto de jeito nenhum de sentir medo, né?
06:29Então eu mesmo comecei a me investigar,
06:31me perguntar,
06:32ué, por que eu gosto de cobrir guerra
06:34se eu não gosto de sentir medo,
06:36e se eu sinto muito medo, né?
06:39E aí a primeira coisa que eu comecei a observar foi isso,
06:42quer dizer,
06:42que eu sinto mais medo
06:45quando eu não estou cobrindo a guerra,
06:48quando eu estou indo para a cobertura,
06:49que eu estou lendo sobre a guerra,
06:51e que aí é a minha imaginação que trabalha,
06:54e o meu conteúdo interno,
06:57e durante a noite também, né?
07:00Por exemplo, no Líbano,
07:02eu fui sob bombardeio para o sul,
07:06lá para Mar Geum,
07:07que era a 10 quilômetros da fronteira de Israel,
07:11onde estava havendo bombardeio,
07:12com um líder religioso,
07:16que hoje até mora em São Paulo,
07:18e ele ia rezando, né?
07:21E um avião nos acompanhando,
07:23um avião israelense,
07:24provavelmente checando que carro era aquele e tal,
07:26nenhum carro na estrada,
07:28só nós, né?
07:28E eles foram, então,
07:31bombardeando, assim,
07:33mísseis pequenos,
07:34assim,
07:34iam pontuando para a gente ir devagar,
07:37lançando mísseis na frente da gente,
07:39de forma muito precisa,
07:41não para nos atingir,
07:42mas pegava fogo na encosta,
07:44para intimidar, né?
07:44Para a gente ir devagar enquanto ele checava,
07:47essa é a minha hipótese.
07:49E aí, chegando lá,
07:51fiz toda a apuração durante o dia,
07:53sob bombardeio,
07:54e aí, quando a noite chegou,
07:57que eu fui à casa do Sheik,
08:00estava toda já,
08:02as janelas todas sem,
08:05não tinha mais as janelas, né?
08:06Todos caíram com as esquadrias, assim,
08:08intactas pelo impacto das bombas.
08:11Ele estava do lado do bosque
08:13de onde o Hezbollah disparava os foguetes para Israel, né?
08:16E aí, durante a noite, eu escutava,
08:18então, o avião dando a volta,
08:20decolando Israel, dando a volta
08:22e vindo nos bombardear, né?
08:25E aí, eu...
08:26E era que nem uma máquina de costura elétrica, assim,
08:30é tuf, tuf, tuf, tuf, tuf,
08:32muito regular, assim, tuf,
08:33e a cada tuf, bum, né?
08:35Era um míssil que explodia.
08:37E eu me senti muito pequeno, assim,
08:39me senti que nem uma formiga, assim,
08:41e pensei,
08:42esse piloto que está lá em cima,
08:44ele não sabe que eu existo,
08:45nem sabe quem eu sou, né?
08:47E se ele apertar o botão um segundo antes
08:49ou um segundo depois,
08:51disso é que depende se eu vou voltar
08:52a ver meus filhos ou não.
08:54E eu falei,
08:56e ele vai voltar com a sensação do dever cumprido
08:59para a base dele,
08:59independentemente do que aconteceu comigo, né?
09:02Não comigo, mas com os meus filhos.
09:06E aí, eu pensava,
09:07eu sou um irresponsável,
09:09eu não devia estar aqui,
09:10eu tenho filhos, né?
09:11Eu sou a única pessoa aqui
09:12que veio por opção, né?
09:14Então, no dia seguinte,
09:17voltou, voltei a trabalhar
09:19sobre o bombardeio
09:21e não senti mais esse medo todo, né?
09:24Quando as bombas caem muito perto,
09:26a gente se assusta.
09:27Mas aí, eu percebi,
09:29e com muitas outras histórias
09:31que foram acontecendo,
09:33ao longo de décadas,
09:34eu fui observando, então,
09:36que,
09:36para eu entender por que
09:40que, como eu lido com o medo,
09:42e como todos nós podemos lidar com o medo,
09:44o fio condutor é sair do meu mundo interno, né?
09:50E a realidade da guerra é tão forte
09:53e a tarefa de cobrir a guerra
09:56é tão mobilizadora
09:58que eu me esqueço de mim mesmo.
10:00Eu ia dizer isso.
10:01O trabalho,
10:02a necessidade de trabalhar
10:03e de cobrir a guerra
10:04e de reportar
10:05passa com que você se esqueça
10:06dos meus dramas internos, né?
10:10Então, aquela coisa da imaginação,
10:12eu digo que a imaginação
10:13é um fermento do medo, né?
10:15Porque aí você mistura
10:17com as suas fantasias, né?
10:18E outra coisa muito forte
10:21que nos tira de nós
10:23é a empatia,
10:24a compaixão, né?
10:25Se pensar no outro,
10:26se preocupar com o outro, né?
10:29Na Síria, na guerra,
10:30eu fui o único jornalista
10:32que acompanhou uma missão da ONU
10:34e pude entrar numa área
10:35onde eu já tinha entrado
10:36com funcionários do governo sírio,
10:38que ninguém tinha vindo conversar comigo.
10:40Mas eu estava com uma câmera ligada
10:42e com capacetes brancos da ONU,
10:45só cinco capacetes brancos.
10:46E aí, com aquela câmera ligada,
10:48as pessoas vinham falar,
10:50me contar as histórias, né?
10:52E no meio, contando histórias horríveis
10:55de guerra e tal, e de ódio, né?
10:58E no meio daquilo,
10:59uma mulher falou assim,
11:00espero que você volte
11:04são e salvo para o seu país, né?
11:06E aí eu percebi que na dor dela,
11:10no momento em que ela olhava para mim
11:12e pensava em mim, né?
11:15Aquilo provavelmente aliviava a dor dela.
11:18E essa mesma coisa acontece comigo.
11:20Eu estou ouvindo as pessoas,
11:22eu também me esqueço da minha dor,
11:24do meu diálogo interno, né?
11:26Do meu monólogo,
11:27que é sempre muito doloroso, né?
11:29Que todos nós carregamos.
11:31Então, eu descobri essas coisas
11:33que a empatia e o interesse pelo outro
11:35e pelo mundo nos faz esquecer.
11:38E quando eu ainda estava,
11:40nada disso era consciente para mim,
11:42nas palestras,
11:43eu comecei a responder
11:44de forma totalmente inconsciente
11:46a essa pergunta, assim,
11:48porque é uma oportunidade
11:50de eu me esquecer de mim mesmo.
11:52E aí eu pensava,
11:53eu ouvia essa resposta e pensava,
11:55pô, deve ser horrível ser eu mesmo.
11:57E de fato é.
11:59Quando eu estou muito investido em mim mesmo,
12:03dando muita importância para mim mesmo,
12:05minha vida é muito pobre
12:06e eu sofro, né?
12:08Então, é uma oportunidade
12:09de me esquecer de mim mesmo.
12:11Era para isso que eu cubro guerras,
12:13para me esquecer de mim.
12:15Você teve momentos em guerras
12:17que você parou o seu trabalho
12:19para ajudar alguém
12:20que pedia ajuda, alguma coisa assim?
12:22Não.
12:23Eu nem sequer no terremoto do Haiti.
12:29Talvez não tenha havido
12:30uma situação em que a minha ajuda
12:34fosse realmente crucial,
12:36se só tivesse eu para ajudar, né?
12:38Sempre havia outras pessoas
12:40que podiam cumprir essa função, né?
12:44Mas muitas pessoas morreram do meu lado
12:48e que poderia ter sido eu, né?
12:51Mas eu sempre fiquei no meu papel de jornalista
12:54e com certeza isso me ajudou também
12:58a lidar com o medo.
12:59porque, e aí falando do Haiti,
13:02que não é uma guerra,
13:03mas foi uma cobertura muito impactante,
13:05corpos espalhados pelo chão
13:07quando a gente chegou lá.
13:10E eu estava...
13:12Aí teve o segundo terremoto, né?
13:14O abalo secundário.
13:17E eu estava ouvindo rádio
13:19junto com o fotógrafo Johnny Roriz
13:21e o nosso intérprete no carro
13:23e fazendo anotações do noticiário,
13:27saber onde tinha sido o epicentro
13:28do segundo abalo,
13:29coisa assim.
13:30E aí terminou o noticiário
13:32e começou a tocar uma música,
13:34uma música clássica.
13:36E aí eu desliguei o rádio e falei
13:39eu não posso ouvir música
13:40porque senão eu me humanizo.
13:42E também foi uma outra coisa
13:43que eu ouvi eu falando, né?
13:45Eu ouvi aquela pessoa.
13:46Ah, então eu me desumanizo, né?
13:49E de fato, quer dizer,
13:50não tem como você fazer uma cobertura dessas
13:54no seu lugar de humano, né?
13:57Você é apenas o repórter.
13:58Se você se deixa levar,
14:00você não faz a cobertura, né?
14:01É.
14:02E você também acaba assumindo um dos lados.
14:11Música
14:20E aí

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