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Pessoas com problemas de saúde mental no Benin têm de lidar não apenas com a falta de diagnóstico e de remédios, mas também com os preconceitos das religiões africanas, particularmente do vodu. "A religião do vodu vê o paciente de saúde mental como alguém possuído pelo mal. As famílias então prendem os pacientes com doença mental nas pernas no pescoço e deixam eles presos no quintal das suas casas, amarrados em árvores. Eles tomam chuva, não tomam água. Alguns não são alimentados ou morrem", diz o cirurgião pediátrico José Lucio Martins Machado. Ele participou do podcast Latitude desta semana com Rodrigo Dias Nunes, ginecologista e obstetra. Os dois integram a Inspirali, uma rede de gestores de cursos de medicina de catorze universidades brasileiras. A Inspirali já organizou cinco viagens para a Amazônia brasileira. A primeira para o Benin ocorreu este ano.
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Transcrição
00:00A saúde mental no Benin, nós temos aí, entre nós, as psicoses, a esquizofrenia, as neuroses,
00:08que são todas hoje consideradas patologias, doenças tratáveis.
00:13Elas têm remédios, elas têm medicamentos.
00:16Só que lá no Benin, as famílias não têm dinheiro para comprar esses medicamentos
00:21para tratamento da loucura.
00:22E, além disso, você tem a religião do voodoo, que é a religião primordial do país,
00:31e que enxerga o paciente com doença mental como um indivíduo possuído pelo mal,
00:37espiritualmente possuído.
00:39Então, o que resta as famílias fazerem?
00:42O que elas faziam ali, e algumas ainda o fazem?
00:46Elas prendem concorrentes os pacientes com doença mental,
00:52nas pernas, no pescoço, e deixam eles presos no quintal das suas casas,
00:58amarrados em árvores.
01:00Por lá, muitas vezes, tomando chuva, tomando pouca água,
01:04muitos não são alimentados, ou morrem,
01:07ou as próprias correntes formam escaras profundas na pele dessas pessoas,
01:12que acabam infectando, e eles morrendo por outras razões envolvendo a infecção.
01:17É muito triste.
01:19E aí, o que nós descobrimos?
01:20Nós descobrimos uma pessoa muito importante,
01:22que estava, inclusive, responsável por abrigar a nossa expedição lá,
01:26que é um senhor preto, baixinho, simples de tudo, chamado Gregoire.
01:33O Gregoire é um indivíduo que ganhou algum dinheiro
01:39através de oficinas mecânicas.
01:42Ele era mecânico.
01:43Chegou a ter seis oficinas mecânicas entre o Togo, Benin e o sul da Nigéria.
01:51E o Gregoire, pelas questões da inconstância econômica,
01:56ele acabou falindo há anos atrás.
02:00Tentou suicídio.
02:01Foi acolhido por um dos padres da igreja local e que viu no Gregoire uma liderança e uma vontade de ter um propósito diferente de vida.
02:14E o Gregoire colocou para o padre esse incômodo que ele gostaria de contribuir para resolver esse problema das pessoas acorrentadas.
02:22Ele teve apoio da igreja, inicialmente, depois das comunidades locais.
02:28E o Gregoire, junto com a sua caminhonete, ele ia de casa em casa,
02:32pegando essas pessoas acorrentadas, rompendo a corrente dessas pessoas
02:37e levando para galpões que se transformaram em verdadeiros sanatórios,
02:42que passaram a receber recursos dos políticos locais, da igreja,
02:47de comunidades e das próprias famílias que tinham os pacientes mantidos nesses sanatórios.
02:53O Gregoire se transformou em uma referência.
02:56E só para você ter uma ideia, as pessoas que cuidaram do nosso alojamento,
03:01o motorista, o cozinheiro, as pessoas carregadas da limpeza,
03:06eram pessoas que tinham camisetas colocadas como amigos do Gregoire,
03:10porque eram pessoas que tinham se recuperado do problema da saúde mental
03:14através do tratamento que o Gregoire tinha conseguido colocar.
03:18E o Gregoire nos contava, inclusive, o seguinte.
03:21Ele falou, olha, como eu consegui juntar seis sanatórios com mais de 300 pacientes,
03:29eu utilizei essa arma como ameaça aos políticos,
03:33no sentido deles me darem recursos para manter esses sanatórios.
03:37Caso contrário, eu soltaria os doentes mentais na rua de novo,
03:40o que seria um grande problema para todo mundo.
03:43Então, ele conseguiu gerar um ciclo virtuoso de arrecadação de recursos
03:49para manter e tirar essas pessoas dessa situação de absoluta miserabilidade.
03:57E não só um trabalho educativo,
04:00porque ele fez também com que os religiosos do voodoo
04:04passassem a encarar a doença mental como doença,
04:10a ser tratável, e não como uma possessão do mal.
04:13Essa foi uma das histórias muito marcantes.
04:16Nós tivemos oportunidade de visitar esses sanatórios.
04:20As pessoas eram extremamente carentes.
04:23Elas vinham no entorno nosso, nos abraçavam, nos beijavam.
04:27Nós trabalhamos com elas através de musicoterapia,
04:31dança, elas eram extremamente afetivas e carentes.
04:36As condições de higiene ainda precárias.
04:40O Gregoire, apesar dos recursos, ainda eram parcos.
04:44E lembrou-nos muito os tempos dos anos 80 no Brasil,
04:49os sanatórios, o Juquiri, a Barbacena,
04:53que eram locais que hoje não existem mais no Brasil.
04:55E que eles estão ainda, mesmo com esses sanatórios,
05:00há 50 anos atrasados, por exemplo,
05:02do tratamento da saúde mental em países de primeiro mundo
05:05e países em desenvolvimento como o nosso.
05:07Mas já foi um passo importante,
05:10um passo a mais para a construção da civilidade naquele país.
05:13E o Gregoire é uma pessoa que foi muito marcante
05:16para nós nessa visita.
05:17Obrigado.
05:25Legenda Adriana Zanotto

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