No Visão Crítica, Gabriela Zancaner, Bruno Sales e Acacio Miranda analisam se a conduta de Jair Bolsonaro no STF foi estratégica ou desastrosa. Avaliam o bom humor do ex-presidente diante de Alexandre de Moraes, seu rival político, e as “escorregadas” durante o depoimento. Os especialistas também comentam o uso de instrumentos jurídicos de autodefesa.
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NotíciasTranscrição
00:00Passaria agora a doutora Gabriela Zancaner.
00:03Vamos passar o personagem principal, claro, dos oito.
00:06Alguns são coadjuvantes, mas tem o ator principal.
00:10Na verdade, lembrando aí um livro conhecido,
00:14é a Sociedade do Espetáculo que nós vemos.
00:16E acaba sendo, queiramos ou não, não é que os juízes, os ministros,
00:19que eu prefiro a expressão juiz, mas são chamados de ministros
00:22a partir da Constituição de 34, que em 91 eram juízes,
00:26mas acaba virando um certo espetáculo.
00:30O clima foi um clima ameno, ainda bem, um clima tranquilo.
00:34Alguns imaginavam, ou prometiam, até vai ter conflito e tal.
00:38Mas em relação ao ex-presidente da República, Jair Bolsonaro,
00:42cinco crimes são imputados ao ex-presidente.
00:46O que a senhora analisaria?
00:50A forma como o seu defensor foi levado ao doutor Celso Bilardo,
00:54que é o principal defensor, mas não é o único, do ex-presidente,
00:57e a forma como o ex-presidente se comportou assim.
01:01É assim uma análise.
01:03Será que o encaminhamento correto foi esse mesmo?
01:06Aquele momento em que ele faz a referência,
01:08convidando o presidente da audiência,
01:13o ministro relator a ser vice da sua chapa,
01:17lembrando que o réu não sabe que ele é inelegível,
01:20por oito anos, e quem era presidente do Tribunal Supremo Eleitoral
01:24no momento da energibilidade do ex-presidente da República
01:28era justamente o ministro Alexandre Moraes, que era o presidente.
01:30Então, é a impressão que dá como se vivesse uma realidade paralela.
01:34Causou, para mim, muita estranheza,
01:36aquele momento que foi levado como se fosse um momento de humor.
01:39Mas, no geral, as suas observações sobre o depoimento
01:43e a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro.
01:47Eu achei bastante interessante.
01:50O que eu queria lembrar um pouco,
01:53porque eu acho que ficou para todo mundo esse sentimento de estranheza
01:57que o professor Marco Antônio está contando aqui,
02:01eu acho que não foi só para ele essa questão.
02:04Mas eu queria lembrar um fato
02:05que foi razoavelmente parecido
02:09e que mostra realmente como as instituições
02:12elas devem se comportar com relação aos réus.
02:15Eu acho que se a gente observar a nossa Constituição,
02:18a gente vai ver que a nossa Constituição,
02:20ela é uma Constituição, como o próprio professor disse,
02:22é uma Constituição cidadã.
02:25E se é uma Constituição cidadã,
02:27precisa ter uma interlocução entre a autoridade e o acusado
02:31que seja uma interlocução cordial.
02:35A pessoa está lá, como o doutor Bruno muito bem lembrou,
02:38a pessoa está lá para ter o seu momento diante da corte.
02:43Então eu queria lembrar um pouquinho
02:45um momento que a gente teve na Lava Jato,
02:47inclusive, que foi algo que já foi trazido aqui pelos meus colegas,
02:51que foi o momento em que o ex-juiz que foi atualmente aposentado,
02:55Marcelo Bretas, interrogou o ex-presidente Lula.
02:58E a gente também teve momentos naquele interrogatório
03:02em que foram momentos de bastante descontração.
03:04inclusive, o juiz Marcelo Bretas, à época,
03:08ele falou que tinha votado em Lula,
03:11que tinha participado de comícios de Lula,
03:15que foi a direta já vestido com roupas do PT.
03:19Então, portanto, não me surpreende nada o Alexandre de Moraes
03:21ter tratado o Jair Bolsonaro com bastante cordialidade.
03:26Achei que era isso que se espera,
03:29é realmente isso que se espera de um juiz de Suprema Corte,
03:33de alguém que está interrogando um réu,
03:34uma pessoa que já está em uma posição de vulnerabilidade.
03:37Com relação à estratégia de defesa,
03:40eu acredito que o Bolsonaro começou muito bem
03:43no seu interrogatório.
03:46Ele, enfim, jogou o foco muito para as políticas
03:52que ele desenhou no governo dele,
03:54que são, fez uma, louvou o seu governo,
04:00trouxe boas impressões no seu governo,
04:04trouxe dados, enfim,
04:06mas ele acabou escorregando, a meu ver.
04:09E talvez isso não tenha sido algo que a defesa
04:15tenha ficado muito contente.
04:16Eu acho que em determinado momento,
04:18meus colegas também devem se lembrar dessa passagem,
04:21foi uma pergunta que o Procurador-Geral da República
04:27fez para Bolsonaro,
04:29e Bolsonaro admitiu que ele estava efetivamente
04:32cogitando o golpe de Estado.
04:35Então ele falou, não, a gente pensou no golpe de Estado,
04:38mas depois viu-se que não tinha apoio,
04:40que não tinha clima,
04:41a gente pensou em tomar medidas,
04:43não falou no golpe de Estado,
04:44mas tomar medidas que seriam medidas
04:48contra a eleição que tinha sido levada a cabo,
04:54contra, para mudar o resultado das eleições
04:57e continuar no governo,
04:59mas depois viu que, enfim,
05:00isso não prosperaria,
05:04porque a gente tinha parte dos militares,
05:06principalmente a aeronáutica e o exército,
05:09que não estavam apoiando o Bolsonaro.
05:11Isso foi algo que me chamou bastante a atenção,
05:15porque eu acho que houve aí
05:18uma certa confissão implícita do Bolsonaro
05:21com relação a esses atos.
05:23O doutor Bruno colocou muito bem
05:24que são atos mais...
05:27que acho que já levaram à execução
05:30mesmo de um golpe de Estado.
05:32Doutor Bruno,
05:34antes só lembrar que no dia 7 de setembro de 2021,
05:38aqui na Avenida Paulista,
05:42o então presidente Jair Bolsonaro
05:44chamou o ministro de Alisson de Moraes de canalha.
05:47Vamos só lembrar,
05:48e disse que não cumpriria as suas decisões.
05:51Isso no dia 7 de setembro,
05:52à tarde,
05:53cerca de 16 horas,
05:55aqui na Avenida Paulista.
05:56Voltou um pouco atrás,
05:57dois dias depois,
05:58com um pequeno texto
06:00que teria sido inspirado
06:01pelo ex-presidente da República,
06:03Michel Temer,
06:03mas foi a afirmação que ele fez aqui.
06:06Mas vamos lá.
06:07Doutor Bruno,
06:08como é que é
06:09as suas considerações
06:10sobre a questão do Bolsonaro como réu,
06:14a sua autodefesa
06:16e depois a ação também
06:17do doutor Celso Pilar
06:19e da sua equipe nesse dia?
06:22Acho que nesse momento de descontração
06:24me lembrou bastante
06:26uma peça grega.
06:29Nas peças gregas,
06:31a gente sempre tinha um momento de tensão
06:32que ele vai culminar na catarse
06:35e se for um drama
06:36é no momento da tragédia,
06:39da queda,
06:39da lágrima
06:40e se for uma farsa,
06:42vai ser no humor.
06:44E ali era exatamente o que a gente vê,
06:45era um momento de tensão
06:46que culminou
06:47em uma grande gargalhada,
06:49em algo que a gente não esperava,
06:51mas com um gesto simbólico
06:53do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.
06:55Ao chamar o ministro Alexandre de Moraes
06:58para ser seu vice,
07:00ele estava dando uma mensagem,
07:01eu estarei nas urnas
07:02em 2026.
07:05De alguma forma...
07:06De que forma se ele elegeu?
07:07De alguma forma eu estarei lá.
07:10Essa forma não importa tanto
07:12nesse momento
07:13para o seu eleitorado.
07:15O que importa é que o eleitorado dele
07:17continue imaginando
07:18que ele estará lá.
07:19Embora a gente saiba que juridicamente
07:21é cada vez mais improvável.
07:24No entanto, a gente sabe que também existem,
07:27a gente fala muito da anistia,
07:29do projeto de anistia,
07:31mas eu mesmo escrevi um artigo sobre isso,
07:34de que não existe um projeto da anistia.
07:36São oito projetos de lei
07:37apensados,
07:40com ideias das mais diversas.
07:43Existe ali a anistia à multa,
07:45que foi aplicada ao PL,
07:46por litigância de má fé.
07:49Existem anistias
07:50para frente e para trás,
07:53anistias que pegam
07:55uma alta cúpula.
07:56um único projeto
07:58é que está falando do pessoal
08:00lá do oito de janeiro.
08:02A maioria está falando da alta cúpula,
08:03mas existem projetos
08:04que também querem anistiar
08:06eventuais ilícitos eleitorais,
08:09o que permitiria
08:11que Bolsonaro estivesse eximido
08:14de uma pena da justiça eleitoral,
08:16uma sanção da justiça eleitoral.
08:18Então, ele dá esse recado
08:20de que eu estarei lá,
08:22eu estarei concorrendo.
08:24Então, eu acho que esse é um momento
08:26bastante importante e simbólico.
08:29Porque o ex-presidente
08:30começa o interrogatório dele
08:32fazendo um grande arrasoado político
08:35do seu governo.
08:38Ele dá dados,
08:39ele fala de rodovias
08:40que ele entregou,
08:41ele fala de obras que ele fez,
08:43ele fala que fez a transposição
08:46do Rio São Francisco,
08:47que essa eu acho que é uma obra
08:50que todo presidente da República
08:52deve ter um dever oculto aí
08:53de dizer que fez,
08:55que todos acabam dizendo
08:57que participaram disso.
08:58E claro, uma obra monumental
08:59de muito tempo, né?
09:01Então, que já é pensada,
09:03inclusive, muito antes
09:05da nossa nova República.
09:09Então, ele está ali
09:10fazendo algumas sinalizações.
09:13E isso acaba sendo um pouco ambíguo,
09:15porque quando ele vai
09:16para a parte jurídica,
09:17ele tem que sacrificar
09:18a parte política.
09:19E aí, quando ele chama
09:22os apoiadores dele
09:23de amalucados,
09:25quando ele diz que...
09:26quando ele pede desculpa,
09:29quando ele diz que foi
09:30a roubo retórico
09:31o que ele estava fazendo.
09:33Então, a gente sempre vê ali
09:34aquela dicotomia entre
09:36a minha defesa jurídica
09:38me atrapalha muito politicamente,
09:41porque politicamente
09:42eu preciso demonstrar força,
09:45eu preciso demonstrar contrariedade,
09:47eu preciso demonstrar deslegitimidade
09:49àquela pessoa que vai me julgar.
09:52Mas juridicamente,
09:53tudo isso me coloca
09:55praticamente dentro da cadeia.
09:59Então, é essa ambiguidade
10:01que eu vi ali
10:01e que deixa os advogados
10:03numa situação muito complicada, né?
10:06Deixa os advogados ali
10:07numa situação muito difícil,
10:10mas que hábilmente vão
10:11pegando esses pedaços
10:14de informação
10:14e ir trazendo elementos
10:16importantes para a defesa.
10:17Eu acho que o ponto essencial
10:18da defesa do Bolsonaro,
10:21que aí é realmente
10:23muito bem feita
10:24pelo professor Paulo Amador Bueno
10:26e pelo professor Villargi,
10:28é quando eles vão pegar
10:29aquele ponto específico,
10:31que é uma carta na manga
10:32que parece que eles têm,
10:33que saiu hoje na Veja,
10:35um ponto específico
10:36na arguição de Mauro Cid.
10:38Quer dizer, você usou uma conta
10:39de Instagram
10:41em nome de Gabriela,
10:43algum número lá
10:44que não me lembro,
10:45para falar com alguém
10:46e o Mauro Cid diz não.
10:48E, segundo a reportagem
10:50da revista Veja,
10:52existia sim essa conta
10:53e essa conta foi usada
10:54para falar com pessoas
10:56da interlocução
10:58do ex-presidente da República.
10:59É claro,
10:59precisa entender agora.
11:01Foi mesmo Mauro Cid?
11:03Existe cadeia de custódia
11:04dessas mensagens?
11:06Isso foi periciado?
11:08A gente consegue realmente
11:09comprovar que isso foi
11:11do Mauro Cid
11:11e depois pensar
11:12se tudo isso for comprovado,
11:14quais serão as consequências?
11:16Isso anula a delação
11:19do Mauro Cid?
11:21E anula em que sentido?
11:23Ele perde os benefícios?
11:26E sim, ele pode perder
11:27os benefícios da colaboração.
11:28Mas e a prova
11:29que ele já produziu?
11:30Essa prova perde o efeito?
11:33E isso precisa ser analisado também.
11:35A princípio,
11:36uma resposta jurídica direta,
11:37a princípio não.
11:38A princípio,
11:40ele pode perder os benefícios,
11:42mas o valor probatório
11:43do que ele traz,
11:45ele só vai terminar
11:47se dentro do processo
11:48entender que ele realmente mentiu
11:50e que aquilo não faz sentido.
11:52Mas dentro desse processo
11:53que é muito grande,
11:54desculpa,
11:55já passo a palavra,
11:56eu também tenho
11:57uma convicção aqui
11:58analisando tudo
11:59de que a delação
12:01do Mauro Cid,
12:02os depoimentos dele
12:03são fungíveis.
12:04Porque o que a Polícia Federal
12:06já havia encontrado
12:07de informação
12:07independentemente
12:10do Mauro Cid
12:10era muito mais robusto
12:13do que o que ele próprio falava.
12:16É importante lembrar
12:17que ele quase perde
12:18a colaboração dele
12:19porque a Polícia Federal
12:20já sabia mais
12:22do que ele estava contando.
12:24Ele estava contando,
12:25a Polícia Federal
12:25estava ouvindo
12:26e estava falando,
12:27olha,
12:28eu sei que você não está
12:29falando a verdade.
12:31Eu sei que você não está
12:31falando a verdade
12:32porque eu tenho
12:32mensagens
12:34suas trocadas
12:35com fulano de tal
12:36e fulano de tal
12:37que você estava realmente
12:38fazendo isso.
12:40Por isso que
12:41essa é uma carta
12:42muito importante,
12:45mas que talvez
12:45não seja decisiva.
12:46doutora Cássio...