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NotíciasTranscrição
00:00O presidente eleito da Argentina, Javier Milley, anunciou que vai estar fazendo duas viagens internacionais antes de tomar posse dia 10 de dezembro.
00:12Uma é para os Estados Unidos e a outra é para Israel.
00:16O que é interessante é que o Milley disse que essas viagens vão ter uma conotação mais espiritual.
00:21E a suspeita é que nos Estados Unidos ele esteja indo para se encontrar não com o Joe Biden, o presidente americano, mas sim com o seu rival político, que é Donald Trump.
00:36Alexandre, se isso se confirmar, não é muito estranho um presidente eleito da Argentina ir lá e não falar com o presidente?
00:44É o tempo que a gente está vivendo. A Argentina elegeu um meme, o Javier Milley é o que pega conselhos com cachorro morto por um médium, o professor de Kamasutra, sexo tântrico, enfim.
01:05Ele é um meme, um sujeito que berra, que tem aqueles cabelos.
01:08Ele me lembra muito o Beppe Grillo, que é aquele comediante italiano que fundou o movimento Cinco Estrelas há quase 20 anos.
01:15E eu vejo que muito desse movimento populista, antissistema, seja de direita ou de esquerda,
01:22eu acho que as caixinhas de direita ou de esquerda não encaixam bem nesse populismo antissistema, vamos chamar assim.
01:30Aí sim eu acho que dá para utilizar, porque você tem críticos ao chamado sistema de todos os lados, na extrema esquerda, na extrema direita, enfim.
01:40Então o Beppe Grillo, esse italiano que criou, era um comediante que criou esse movimento Cinco Estrelas,
01:49e uma das coisas que ele fez foi criar um dia, aí eu abro de baixo calão aqui, mas seria, como é que eu poderia dizer aqui de uma maneira educada,
02:02no meio-dia da Casa das Pessoas, vamos usar as três letras TNC.
02:09Ele criou esse movimento, que era um dia na Itália, que todo mundo mostra o dedão, aquele dedão para o sistema.
02:19Sério? TNC aterístico.
02:20Oi?
02:22TNC aterístico, é isso?
02:25É, exatamente. E italiano, acho que a gente pode falar em italiano, né?
02:29Em italiano é Vaffanculo.
02:31Então, ele criou o dia do Vaffanculo, que entrou nessa do Beppe Grillo, mostrava o dedão médio nas ruas,
02:47nessas reuniões que ele fazia em praça pública e tal.
02:51Isso pegou, foi considerado muito engraçado, muito divertido, os italianos adoraram isso e pegou.
02:56De certa forma, o Millet segue essa tradição, porque a campanha dele foi um grande dedão médio.
03:04Foi um dedão médio e um Vaffanculo, mas aí em castelhano, não em italiano, para o...
03:12Tanto que ele, quando ele falava liberdade, ele falava liberdade, caralho!
03:16Enfim, acho que isso...
03:17Era esse grande mote dele, bordão de campanha, né?
03:23E muito adaptado a esse tempo atual das redes sociais, onde a análise até, vamos dizer, sociológica que eu faço disso,
03:34é que muita gente, com razão até, tem muita desconfiança das classes políticas, das elites, do chamado...
03:44Então, quando aparece um político grosseiro, tosco, que fala palavrão,
03:51isso, em algum lugar na mente das pessoas, é confundido com a autenticidade.
03:57As pessoas acham, ah, esse aí fala o que tem que falar, esse aí fala a verdade, entendeu?
04:02E muitas vezes é tão ou mais safado do que os seus inimigos, mas é um pouco a linguagem do mundo atual.
04:11O sujeito chega xingando, falando palavrão, comendo farofa, deixando cair na camisa e tal.
04:18Aí, muita gente, lamentavelmente, confunde isso com sinceridade, autenticidade, gente como a gente.
04:26E aí cai no chamado identitarismo, as pessoas se identificam, porque a política identitária,
04:33que muitos desses populistas, inclusive, são contra, né?
04:36E falam muito mal dos woke e tal, mas eles também fazem, de certa forma, uma política identitária.
04:42Quando eles criam esses personagens grossescos, mal educados, que tentam sempre, com bordões,
04:50dar soluções simples e erradas para problemas complexos, essas pessoas também, de certa forma,
04:56estão saindo de uma discussão, vamos dizer, racional, propositiva, do debate democrático
05:02e caindo no identitarismo de dizer, olha, vota nesse personagem, porque eu sou parecido com você,
05:10a gente se identifica.
05:12Você também não está com raiva?
05:14Você também na conversa, na família, com os amigos, no boteco?
05:17Então eu também xingo.
05:19Então a gente se identifica.
05:21A sua dor é minha dor.
05:23A sua raiva é minha raiva.
05:25E você apela a esses instintos do eleitor.
05:30Então o Milene está fazendo isso e seguindo a cartilha do Steve Bannon,
05:34seguindo a cartilha populista que a gente tem visto nos últimos anos
05:38e vai acabar fazendo o que Bolsonaro fez, o que o próprio Donald Trump fez,
05:44apesar de que o Trump, só para concluir, o Trump, quando foi a hora, ele xingou o Macron abraçando,
05:52ele xingava o Kim Jong-un lá da Coreia do Norte, foi lá encontrar com ele, abraçou, tirou foto.
05:59Então eu acho que dessa turma toda, o Trump é o que usa isso como uma estratégia de negociação.
06:06Ele se vende como um livro chamado The Art of the Deal, A Arte da Negociação.
06:10Então ele faz isso um pouco como um jogo.
06:14E eu acho que muitos de seus seguidores não entenderam bem isso.
06:17Então eles xingam, xingando mesmo, queimando pontes e destruindo caminhos de negociação e rotas de pobreza.
06:24E é problema para os seus países.
06:27Achei muito interessante isso que você trouxe, de comparar esses líderes populistas.
06:33Esse traço, então, de meio rústico, meio grotesco, de usar palavrão,
06:41isso como um sinal de autenticidade e uma ligação direta com os eleitores deles.
06:49Isso a gente vê, então, tanto no Milley e a gente vê isso no Trump.
06:54Mas aí também tem uns outros traços que também são comuns aos dois.
06:59E eu selecionei um trechinho do discurso do Milley depois de sair vitorioso na eleição de domingo na Argentina.
07:10Matheus, você pode tocar o vídeo aí, por favor?
07:12Os resultados deste modelo estão à vista de todos.
07:19De ser o país mais rico do mundo, hoje somos 130.
07:23A metade dos argentinos são pobres e o 10% é indigente.
07:29Basta do modelo empobrecedor da classe.
07:32Hoje vamos abraçar o modelo da liberdade para voltar a ser uma potência mundial.
07:37Quer dizer, o Trump, aliás, quando o Milley ganha, o Trump fala, né?
07:45Você vai mudar o seu país e realmente tornar a Argentina grande novamente, né?
07:51Mas, enfim, tem esse traço também dos líderes populistas, que é essa nostalgia, né?
07:57De um passado glorioso, né?
07:59Vocês apelam para duas coisas.
08:03Apelam para essa parte sentimental, né?
08:06De outros tempos e tal.
08:08Mas eles têm um ponto, tá?
08:10Eu não quero que eu seja totalmente desprovido de algum mérito, né?
08:14Você tem um apelo às chamadas vítimas.
08:19Esse processo que chega aí até 30 anos, que vem desde o fim da Guerra Fria,
08:23onde houve uma desindustrialização muito pesada do Ocidente.
08:28Muitos, centenas de milhares ou milhões de empregos foram encerrados.
08:34Empregos tradicionais de classe média, empregos industriais, eles foram sendo encerrados.
08:42Tanto que tem um termo que é muito pejorativo, que se usa nos Estados Unidos,
08:47que é o cinturão da perrugem, né?
08:49O Rusty Belt, que seriam ali o Michigan, a Pensilvânia, Ohio,
08:54vários estados ali daquele centrão, que eram muito industriais
08:58e que muitas dessas fábricas fecharam.
09:01Esses empregos foram acabando e foram sendo reabertos na Ásia, basicamente, né?
09:07Com mão de obra mais barata e tal.
09:08E junto com isso, um processo de imigração em massa, de fronteiras abertas,
09:14onde essa classe média industrial, ela com uma diminuição drástica de empregos
09:24e esses poucos empregos que sobraram, eles tinham que disputar com o imigrante legal
09:28que topava fazer o trabalho que ele fazia por um terço, um quinto do preço.
09:34Então, você tem muita gente com raiva, você tem muita gente brava, né?
09:38E muita gente foi deixada para trás nessa onda de globalização
09:43que deu muito dinheiro para aquela turma de Davos,
09:46mas, em geral, para a população, muita gente ficou para trás.
09:50Então, há um apelo a essas pessoas que foram realmente, isso é fato,
09:55essas pessoas foram esquecidas, essas pessoas foram tratadas como
09:58ah, esse é o Homer Simpson, esse cara que está reclamando,
10:02ele é só um cara que ficou para trás, que se dane, azar o problema dele,
10:06só que esse cara vota, esse cara se recusou a morrer,
10:09esse cara se recusou a ser apagado das estatísticas,
10:13não só ele, como as cidades deles, algumas cidades se transformaram
10:18em cidades fantasmas.
10:19Você tem bons documentários sobre o streaming,
10:22mostrando algumas cidades que acabaram ficando depalperadas
10:27em função desse projeto.
10:29E essas pessoas apelam, esses políticos chamados populistas,
10:32apelam também muito nesse discurso de vamos fazer nosso país grande de novo.
10:38E é verdade que a Argentina foi muito rica já.
10:40A Argentina já teve muito dinheiro há 100 anos atrás.
10:43Tanto que a gente brinca que o Brasil diz que é o país do futuro
10:46e a Argentina diz que é o país do passado.
10:48A Argentina é um povo do tango, do saudosismo,
10:52dos nossos grandes tempos.
10:53A Argentina realmente teve essa época de ouro,
10:58onde ela até, em termos de renda per capita, rivalizava com os Estados Unidos,
11:02com a Europa.
11:03Era um país muito sofisticado.
11:05Buenos Aires já foi muito próxima, em termos de arquitetura,
11:10hábitos e dinheiro, a capitais europeias.
11:14Então, a gente entende o apelo.
11:15Agora, ele vai entregar?
11:17Aí é outro ponto.
11:19Entendeu?
11:20Ele vai conseguir trazer uma bonança econômica?
11:26Ele é um economista de formação, um economista liberal.
11:28Eu acho que ninguém tem dúvida que a Argentina precisa de um choque liberal na economia.
11:33Não há dúvida.
11:34A Argentina é controlada pelo peronismo,
11:37que é o que se chama de peronismo,
11:40que é o nome que veio do Juan Perón,
11:43daquele líder lá dos anos 40, 50, morrendo nos anos 70.
11:46Mas o que sobrou do peronismo é o sindicalismo.
11:51Os sindicatos argentinos são muito fortes,
11:54mandam muito, controlam o que hoje chamam-se desses políticos peronistas.
12:01E há uma resistência muito grande na criação de políticas liberalizantes
12:06que a Argentina claramente precisa.
12:09E a economia da Argentina está numa espiral decadente, absurda.
12:14140% de inflação.
12:17Esse ano o peso perdeu 40% do valor.
12:20Você tem aí uma degradação.
12:22Você tem 40% dos argentinos na pobreza.
12:25Então, assim, você tem uma degradação do quadro social muito grande,
12:28muito em função da economia.
12:30Então, se o Javier Milley deixar de ser um meme,
12:34parar com a malucação,
12:35realmente conseguir usar um pouco da experiência que ele teve como deputado
12:38para negociar com o Congresso,
12:41conseguir passar pautas mais liberais para a economia,
12:44a Argentina pode acabar até se beneficiando.
12:48E além desse desafio econômico que é gigantesco,
12:52tem isso que você falou do sindicalismo,
12:54que na Argentina tem aquela história
12:56de que você só consegue governar a Argentina se for peronista.
13:00Porque se você não é peronista,
13:02os peronistas dos sindicatos não vão deixar você governar.
13:05Vamos ver aí como é que o Milley vai se sair.
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