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  • 22/06/2025
Carla Madeira é o exemplo mais bem-sucedido da atual geração de autores que decidiu permanecer em Belo Horizonte. Seu “Tudo é rio” vendeu mais de 1,1 milhão de exemplares (somando todos os formatos). O romance “Véspera” será adaptado para o formato de série pela Max.

“Nunca pensei em sair de Belo Horizonte”, ela diz. “Até porque eu tenho meus filhos, minha casa, minha agência [a Lápis Raro], toda a minha vida aqui, afirma.

Em entrevista ao Estado de Minas, Carla contou sobre a relação de Belo Horizonte com a sua obra e respondeu se considera ou não a cidade como "capital dos livros".

Esta entrevista faz parte da série especial "BH: Capital dos Livros", publicada pelo EM. Confira a reportagem completa no site: em.com.br/especiais

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Transcrição
00:00Publicidade faz parte da minha história como escritora, porque eu tive um treino muito grande na criação publicitária,
00:09sempre fui uma pessoa que vim do texto da redação, fui professora universitária, fui professora na Federal de redação publicitária.
00:18A publicidade faz muito parte desse processo.
00:21Agora, essa minha relação com a linguagem artística é que eu acho que é anterior à publicidade.
00:28Desde muito nova eu tive uma relação muito forte com linguagens, música, pintura, esse tipo de coisa que eu fiz desde muito nova,
00:39desde nove anos, principalmente na música, eu aprendi um instrumento, cantava, gostava muito de cantar.
00:47E essas linguagens, quando eu estava na publicidade, eram muito usadas, mas a publicidade não é arte.
00:56Você tem que dominar uma série de linguagens artísticas, texto, fazer filmes, contar histórias,
01:04mas você tem uma coisa muito, um objetivo mercadológico muito claro por trás.
01:10Então não tem espaço para subjetividade.
01:14Essa subjetividade que a arte é um espaço nobre, fundamental para a gente trabalhar essa subjetividade,
01:24essa expressão de alguma coisa que é particular, que é sua, que às vezes tem uma dose grande de inconsciente.
01:32Publicidade, a gente não trabalha por aí.
01:35Então começou a me fazer falta e eu comecei a fazer uns exercícios de criação soltos, artísticos,
01:43sem preocupar muito se seria um livro ou um conto ou uma história que eu estava contando,
01:50ou uma investigação de sonoridade, de linguagem, de jeito de contar.
01:56Uma prosódia mesmo ali, fui atrás daquilo.
01:59E foi quando Tudo é Rio começou a ser escrito.
02:02Eu lancei Tudo é Rio em 2014.
02:05Eu tinha ficado 14 anos mais ou menos parada.
02:09E imagino que isso tenha sido em 98, por aí que eu comecei, em 97.
02:16Porque depois, quando eu comecei esse exercício, era uma outra história.
02:21É uma história que até faz parte de Tudo é Rio, a história das Marias, de Francisca e tal.
02:28Um trechinho lá de Tudo é Rio.
02:30Mas eu estava, na verdade, escrevendo essa história.
02:33Comecei a escrever a história de Lucie meio como um afastamento.
02:38Depois eu ia pensar como eu ia juntar essas coisas.
02:42E quando escrevi a cena central de Tudo é Rio, que é uma cena muito violenta,
02:48eu fiquei paralisada por 14 anos.
02:51Não consegui continuar.
02:53Então, eu fiquei de mais ou menos 99 até 2013, ou 98, até mais ou menos 2012,
03:05sem escrever.
03:09Eu voltei ao livro.
03:10Aí eu escrevi em oito meses.
03:13Acho que foi em 2012.
03:14Aí depois teve todo o processo de amigos lerem, etc.
03:18E depois que eu publiquei.
03:20Então, eu lancei em 2014.
03:23Era uma pessoa bem alheia, assim, a cena editorial, vamos colocar assim, né?
03:29E também, quando estava escrevendo, eu não tinha pretensão de que eu publicaria ou não publicaria.
03:35Eu não estava pensando nisso.
03:36Quando esse livro ficou pronto, foi muito catártico mesmo, porque eu escrevi em oito meses.
03:41Foi um jorro.
03:41Porque, na verdade, eu tinha ficado 14 anos com aquilo fermentando, né?
03:46Sendo escrito, né?
03:48Embora eu não escrevesse, aquilo estava sendo escrito.
03:51Quando eu terminei, dei para algumas pessoas, comecei a ter um retorno muito forte das pessoas.
04:00Assim, Carvalho, você tem que publicar isso.
04:02Você tem um livro na mão.
04:04Isso é um livro, assim.
04:07Eu, será?
04:07Ah, mas fiquei um pouco assim.
04:10E eu tinha agência, eu tinha facilidade de fazer um projeto editorial ali.
04:15Eu comecei a fazer um projeto editorial e procurei o Alencar da Quixote, assim.
04:20Foi sugestão de alguns amigos.
04:22O que você procura Alencar?
04:23Alencar é um cara legal, é um grande leitor, um grande editor.
04:29A Quixote, uma livraria que eu adoro.
04:32Na época, era assim, a livraria que eu gostava de ir e tal.
04:37Eu falei, ah, vou procurar o Alencar.
04:40E levei o livro para Alencar.
04:42Alencar conta que recebeu o livro meio assim, né?
04:45Muita gente entrega o livro e tal.
04:47E quando ele leu, ele ficou muito impactado.
04:50Sabe?
04:51E ele falou, não, isso aqui vamos fazer.
04:54Fiz o projeto gráfico, fiz a impressão.
04:57Eram 700 exemplares e o Alencar entrou como editor e como para cuidar da distribuição.
05:06E assim a gente começou.
05:07E aí foi só acontecendo, assim, sabe?
05:12Começou com 700, depois a gente fez mil, depois a gente fez 2 mil, depois a gente fez 3 mil.
05:17Enquanto eu fiquei na Quixote, a gente vendeu 10 mil exemplares de Tudo é Rio,
05:21que é uma coisa bastante significativa, assim, especialmente para uma editora pequena e tal.
05:27E lancei lá também A Natureza da Mordida.
05:30E a gente chegou a vender 4 mil exemplares da Natureza da Mordida também.
05:34Aí a Record me procurou porque o livro, ele tinha uma demanda já no Brasil inteiro.
05:41A Marta Medeiros fez uma matéria muito incrível sobre o livro, na coluna dela, no Ela, na revista Ela, do Globo.
05:50Muita gente do Brasil inteiro procurando esse livro.
05:53A gente não conseguia ter uma capilaridade.
05:57Então foi quando a Record me procurou.
06:00E aí eu decidi ir por causa dessa capacidade de entregar o livro e tal,
06:07de distribuir, de fazer uma impressão mais robusta em termos de quantidade e tal.
06:13E o livro aconteceu, né?
06:15Eu acho que o Brasil está vivendo, no geral, um momento bacana de valorização da nossa literatura.
06:22E eu acho que isso está acontecendo em todo lugar.
06:25Eu acho que em Belo Horizonte está acontecendo.
06:28Eu vejo que muitas pessoas estão publicando.
06:31Às vezes partem, como eu, de publicações em que elas têm uma coparticipação inicial,
06:38um pouco independentes.
06:40Fazer esse esforço independente inicial para a coisa também acontecer.
06:44E eu acho que a gente tem os movimentos de valorização que estão acontecendo da literatura.
06:49Então, muitos clubes de livro, muitas conversas.
06:53Eu participei de vários clubes de livro em Belo Horizonte.
06:56Muita curadoria, curadores, pessoas que estão ali lendo e recomendando livros.
07:02Ou sempre o papo do Afonso Bosco, Letra em Sena do José Eduardo, Gonçalves.
07:07Então, assim, eu acho que colocar essa dinâmica entre quem publica e quem lê quando ela é favorecida,
07:15quando existe essa troca, quando existe essa coisa de eu li um livro, eu recomendo,
07:20eu faço a minha lista de leituras, eu participo de um clube de livro,
07:25eu chamo um grupo de amigos para discutir.
07:27E aí tem vários clubes de livros que vêm, desde aqueles que têm um curador,
07:32até aqueles que são amigos, que fizeram uma coisa mais espontânea e que se encontram.
07:37Mas é impressionante como eles estão realmente cumprindo uma pauta, uma agenda de leituras.
07:43Eu acho que isso tudo tem provocado uma conversa maior, um entusiasmo maior,
07:51em relação à literatura que é feita no Brasil, de uma maneira geral,
07:56em Belo Horizonte, dentro aí dessa visão local também.
08:03É engraçado que as minhas histórias, assim, tirando tudo é Rio,
08:06que é uma coisa muito sem lugar, sem tempo, sem época definida,
08:12os outros três livros, as histórias se passam em BH.
08:15Eu teria muita dificuldade de escrever,
08:17mesmo que eu não seja uma autora de descrições,
08:20eu não descrevo, não fico descrevendo muita coisa fisicamente,
08:25mas elas são muito importantes para mim enquanto eu estou fazendo.
08:30Então, por exemplo, tem uma rua em BH, que sai ali da Bandeirantes,
08:34que é onde B.A., minha personagem da Natureza da Mordida, morava.
08:38Eu não dou informações sobre essa rua, as pessoas não sabem exatamente.
08:43Mas, para mim, é tão importante esse lugar para eu entender os movimentos dela,
08:48como que ela caminha, onde que ela vai, como que ela entra em casa.
08:52São coisas que, na mim, quando estou pensando e imaginando aquela personagem dentro da história,
08:59eu sinto um pouco de necessidade de conhecer esse lugar onde eles estão.
09:04Então, eu, por exemplo, não conseguiria fazer um livro sobre uma cidade
09:08que eu não conheço sobre uma...
09:11Sabe, aquilo ali não me...
09:14Eu sempre tenho a sensação de estar blefando ou de estar, não sei,
09:21eu não me sinto com competência mesmo para imaginar uma intimidade num lugar,
09:27com um lugar, com um jeito de se movimentar de um lugar onde eu não tenho essa vivência.
09:33Eu não tenho vontade de morar em outro lugar.
09:35Pode mudar, pode mudar, mas hoje eu não tenho vontade de morar em outro lugar.
09:41Eu também tenho meus filhos, tenho a casa que eu moro, que eu gosto, gosto de morar nela.
09:50E acho que hoje a gente tem tanta facilidade para viajar, para ir para os lugares.
09:57Embora você tenha o perrengue de avião, de não sei o quê, é muito fácil.
10:02Uma hora você está lá, o Rio de Janeiro e São Paulo são bem pertinho.
10:06Agora eu tenho vontade de ficar um pouco mais solta.
10:09Então, posso ir para o Rio ficar um tempo maior, posso ir para São Paulo ficar um tempo maior,
10:14porque eu gosto desses lugares.
10:15Posso ir para o Nordeste ficar um tempo maior, para o Sul.
10:18Mesmo aqui, para o lado de cá, agora que eu...
10:22Nessa passagem minha pela Europa, é bom ficar aqui também um tempo.
10:27Sabe, eu acho que isso é rico, assim, de encontros e de trocas e de vivências, assim,
10:37de coisas que você vê e que eu acho que tudo isso é um pouco matéria-prima de quem escreve, né?
10:43Essa vivência, assim, de outros lugares, outras pessoas, outras sonoridades.
10:49Acho que isso tudo acrescenta muito.
10:52Tchau, tchau.

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