No Só Vale a Verdade, Marco Antonio Villa entrevista Maílson da Nóbrega para analisar o histórico da indústria brasileira. O ex-ministro explica os fatores que levaram à estagnação do setor, discute se há um real processo de desindustrialização e aponta os desafios para retomar a competitividade e o crescimento econômico no país.
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00:00Deixa eu aproveitar e colocar uma questão para o senhor.
00:03Nós tivemos um longo período de crescimento no Brasil,
00:06grosso modo, entre 1930 e 1980.
00:09O Brasil cresceu muito, provavelmente seja no mundo ocidental,
00:12um dos ou o que mais cresceu.
00:15E, em parte, esse crescimento também teve, em certo momento,
00:18o papel da indústria.
00:19A indústria foi um elemento motor desse desenvolvimento.
00:22Tivemos um grande deslocamento populacional,
00:24nordeste e sudeste, aqui em São Paulo, por exemplo,
00:26ele é produto disso.
00:27E a indústria, ela liderou um momento de desenvolvimento no Brasil.
00:33Se a gente olhasse a participação em certo momento da indústria no PIB
00:36e nas exportações, era muito significativo.
00:39Porém, nos últimos tempos, e não é só nesse governo anterior,
00:43mas é um processo, por exemplo, que está presente nesse século,
00:46já nesse século XXI, a diminuição da indústria,
00:49sua participação no PIB e nas exportações.
00:51Grosso modo, num processo de desindustrialização.
00:55O que aconteceu conosco em relação a isso?
00:57Olha, em primeiro lugar, deixa eu ir um pouco atrás.
01:00Sim.
01:01O que aconteceu no Brasil é um processo comum em vários países do mundo,
01:08inclusive os Estados Unidos.
01:10Ou seja, numa primeira fase, há uma migração campo-cidade
01:16que gera ganhos expressivos de produtividade.
01:20E como a gente sabe, a produtividade é o principal fator de geração de riqueza de um país.
01:26Não é o gasto, como diz o PT, nem gasto é vida, como dizia a presidente Dilma.
01:32Tem um economista americano, o Prêmio Nobel da Economia, Paul Krugman,
01:36ele tem uma frase exemplar disso aí.
01:38Ele diz, a produtividade não é tudo na economia, é quase tudo.
01:43Então, esse ganho de produtividade acontece porque as pessoas saem do campo
01:47para trabalhar em ambientes organizados, hora para entrar, hora para sair, treinamento,
01:51eles se tornam muito mais produtivos.
01:53Segundo lugar, começa um processo de industrialização e isso gera uma importação de máquinas e equipamentos
02:00que trazem embutidos neles tecnologias.
02:04Então, isso gera mais produtividade.
02:07E aí, começa a crescer, o país sai da pobreza para um país de renda média.
02:12Só que o segundo passo para chegar à riqueza, a ser um país rico, tem que ser pela inovação.
02:19Aí precisa ter educação de qualidade, ambiente macroeconômico que favoreça a assunção de risco pelo empresariado,
02:27regras estáveis, um conjunto de condições, segurança jurídica, que gera um incentivo para a inovação.
02:37O Brasil é um dos muitos países do mundo que pararam nesse estágio intermediário.
02:43O Brasil atingiu a posição de país de renda média nesse período, volta de 1980, no década de 1980, e parou.
02:54A produtividade estagnou.
02:56Hoje só tem o agronegócio para valer gerando produtividade, basicamente a agropecuária.
03:02A indústria, um pouquinho aqui, o serviço cresce muito pouco.
03:06E a indústria tem até queda de produtividade.
03:09Então, a saída não é a industrialização.
03:14Realmente houve uma desindustrialização, mas o processo de desindustrialização é o normal.
03:21Todos os países passam a ter serviços como participação crescente no processo econômico, na atividade econômica.
03:30Por exemplo, nos Estados Unidos, 90% da economia vem de serviços, serviços de alta tecnologia, 8% da agricultura, desculpa, 8% da indústria, só 8% da indústria americana.
03:47E é um país rico porque ele tem uma capacidade de geração de serviços de alta tecnologia.
03:53Então, não há como pensar, como diz o presidente Trump, que uma reindustrialização dos Estados Unidos, ou como se pensa aqui no Brasil.
04:02Eu acho que não é por aí.
04:05O Brasil tem que caminhar para uma economia de serviços.
04:09E, claro, tem que ter a indústria.
04:11Mas nós aqui ainda estamos pensando em estima indústria como a gente pensava nos anos 50, que é protecionismo, incentivo fiscal.
04:22E esse é um modelo de política industrial que foi abandonado por muitos países.
04:26Nós estamos insistindo nisso porque os lobbies são muito fortes.
04:31O incentivo fiscal é aceito, entendido pela teoria econômica como a proteção a uma indústria nascente.
04:40Em inglês é infant industry, ou seja, a indústria infantil.
04:45Nós temos uma indústria automobilística aqui que começou nos anos 50, está com mais de 70 anos, já é uma idosa e está precisando da muleta do governo com incentivo fiscal.
04:56Você vê a quantidade de incentivo fiscal que tem no país.
05:00Eu vi os valores, eu faço um parênteses, ministro, que eu fiquei assustado.
05:04Porque antigamente, tempos atrás falavam em 300 bi.
05:08Agora falam em 800 bi de renúncia fiscal.
05:11A União, fora os estados e os municípios.
05:15Mas é um valor fabuloso.
05:16Como é que se explica isso, ministro?
05:18Força de lobby, visão de governo.
05:21Então, este governo que está aí, ele acha que é por aí.
05:24É uma coisa interessante.
05:25O governo está falando mal do gasto tributário.
05:28Você vê, ele criou vários gastos tributários.
05:31Quando estava antes no poder e agora.
05:33Então, eu acho que nós temos que repensar tudo isso no Brasil.
05:39Tirar essa ideia de que é possível fazer uma grande reindustrialização para a indústria voltar a ser 25% do PIB.
05:46Não tem como fazer esse retrocesso.
05:48Claro que essa desindustrialização aconteceu antes do que deveria acontecer.
05:54A desindustrialização precoce.
05:57Mas eu acho que o futuro está em criar o ambiente para a atração de capitais.
06:06O incentivo para a indústria.
06:09E os exemplos estão aí.
06:10Coreia, China, Japão, etc.
06:12A política industrial tem que exigir da indústria que ela se lance à exportação.
06:23Se você vê, ter tempo para acabar, você tem que ter um sentido com tempo para pagar.
06:29E tem que ter avaliação permanente.
06:31Será que esse incentivo ainda está produzindo resultado?
06:34Ou é mero desperdício por força dos interesses que vão ao Congresso e conseguem, ou no governo, a prorrogação ou até a ampliação disso tudo?
06:43Então, isso é fruto do modo de pensar que nós temos no Brasil.
06:48De certa forma, e da força dos nobres.
06:50Então, as reformas que a gente tratou aqui, elas podem criar esse ambiente.
06:58E o Brasil precisa passar, além de tudo, por uma maior abertura da sua economia.
07:02Expor a indústria, no nível que ela está hoje, mais e mais a competição internacional.
07:09Lutar para que façamos parte das cadeias mundiais de suprimento, que é uma oportunidade que a gente perdeu.
07:15Com a economia fechada como é a nossa, era muito difícil fazer parte dessas cadeias mundiais de suprimento.
07:21O grande beneficiário disso são a China, agora a Índia, e o beneficiário dos seus resultados é a sociedade americana.
07:34Ao contrário do que diz o presidente Trump, a sociedade americana ganhou muito com esse sistema.
07:39Porque isso barateou o preço dos produtos, a produtividade aumentou.
07:46Hoje, por exemplo, o iPhone custa menos da metade do que custaria se fosse produzido nos Estados Unidos.
07:54Então, o consumidor americano, ele teve acesso a bens de consumo de alta qualidade e preço reduzido.
08:04O presidente Trump quer voltar ao passado para piorar isso.
08:10Ou seja, o iPhone dobrado de preço.
08:12Ele quer isso.
08:14Eu vou perguntar uma questão ao senhor ministro.
08:16Uma vez, conversando com o ministro Alice Paulinelli, só para lembrar quem nos acompanha,
08:21ele foi ministro da Agricultura do Quinquênio Ernesto Geisel, foi em 1974, em 1979.
08:27Ele estava dizendo, a Embrapa tinha sido criada ainda na época do ministro Cirne Lima, no governo anterior.
08:35Mas aí o grande salto da Embrapa é no momento em que o Alice Paulinelli é ministro da Agricultura.
08:39E ele fez uma coisa, ele estava dizendo, revolucionária.
08:41Foram abrir lá um, para ver quantos mestres que tinham na área, encontraram quatro, cinco mestres que tinham no Brasil.
08:48Ele falou, não, agora vamos fazer um programa imenso, colocar todo mundo para o exterior, se formar mestre e doutores.
08:54E a Embrapa fez uma revolução aqui no Brasil, e até hoje, é extremamente importante.
09:00Essa revolução do agronegócio deve muito, não só, claro, mas muito à Embrapa.
09:05Deve também o Instituto Agronômico de Campinas, as faculdades muito tradicionais, Minas, São Paulo, na área de agronomia, etc.
09:12Mas a Embrapa teve um papel fundamental.
09:14Em sumo, o que o ministro fez, Alice Paulinelli, foi o que, pensando agora,
09:18mas nós não precisamos, claro que não no campo de mestres e doutores,
09:22mas no campo do cidadão que está na escola, a cidadã, qualificar a força de trabalho,
09:28como é possível nós pensarmos numa revolução no setor de serviços, por exemplo,
09:33com uma parte considerada da população, são alfabetos funcionais.
09:37Eles têm dificuldade de ler, de escrever e de compreensão de um texto.
09:41As quatro operações, as mais simples possíveis, eles têm dificuldade.
09:45Como é que nós podemos dar esse salto?
09:47O senhor lembra que é o momento histórico, agora o desenvolvimento do capitalismo,
09:51não é mais aquele processo de industrialização clássico que vem desde o final do século XVIII com mudança,
09:55quando nós temos uma baixa qualificação da força de trabalho e um sistema educacional
09:59que está muito distante de dar condições, não só para a economia, para qualificar a força de trabalho,
10:05mas dar cidadania àquele rapaz, àquele adolescente, àquela moça que quer crescer.
10:12Quer dizer, como é que é possível você ser cidadão se você não sabe ler e escrever,
10:18compreender um texto, compreender um discurso eleitoral?
10:20Como é que fica isso?
10:21Ora, se você me permite, eu vou comentar um pouquinho sobre a Embrapa que eu vim nascer.
10:25Sim.
10:25E eu estava no governo e participei de alguns grupos que sugeriram diretrizes para a Embrapa atuar em área de creto rural,
10:34uma série de coisas, não é?
10:35Você sabe que nos anos 50, a literatura econômica dizia que a agricultura tropical não tinha futuro.
10:44As terras eram pobres, os agricultores eram despreparados, não é?
10:48E, portanto, ia ser uma pobreza geral, não é?
10:50Aí, aqui e lá apareciam um café, uma cadeira de açúcar, mais uma agricultura complexa, ampla, etc., produtiva.
10:59Isso não existe, era coisa de país de clima temperado, não é?
11:02E a Embrapa fez uma revolução criando a tecnologia, a agricultura tropical de alta tecnologia, de alta produtividade.
11:13E, relembrando o ministro Paulo Ineli, que eu conheci pessoalmente, não é?
11:18Entre o 73 da criação da Embrapa e o período do Paulo Ineli, foram 2 mil engenheiros, agrônomos e veterinários fazer dotar e mestrado do período.
11:30Foram essas pessoas que chegaram e fizeram essa revolução, não é certo?
11:35Agora, como é que a gente faz?
11:37Mas eu acho que tem que fazer uma revisão muito profunda da educação.
11:41A educação brasileira, você tem razão, é de baixa qualidade.
11:44Nós temos muitas universidades aí que formam pessoas que não encontram mercado para...
11:51Porque os cursos são pobres, de baixa qualidade, tem claras exceções, não é?
11:57Nós temos três grandes universidades aqui no estado de São Paulo, tem boas universidades públicas no outro estado.
12:06Universidades privadas como Fundação Getúlio Vargas, PUC, em várias capitais, não é?
12:13Mas nós temos que encontrar uma maneira de melhorar a qualidade da educação.
12:20Eu acho que, ao contrário do que pensam as corporações, não é gastar.
12:25Por exemplo, a lei de diretrizes educacionais estabeleceu que a meta é gastar 10% do PIB em educação.
12:37Isso é uma barbaridade.
12:39Para você ter uma ideia, os países ricos gastam, em média, 5,8% do PIB em educação.
12:46O Brasil gasta 6,3% e está na rabeira dos testes de PISA, nas avaliações do órgão da ONU.
12:55Nós estamos lá no número 70, 50, está certo?
12:59Não é o gasto.
13:00O Brasil gasta hoje, proporcionalmente, uma vez e meia o que gasta a China em educação.
13:06E a China é um êxito, porque é um grande êxito da educação.
13:11A China tem, atualmente, 1 milhão e 100 mil estudantes fazendo mestrado e doutorado no exterior.
13:18E uma das negociações que eles fizeram agora com os Estados Unidos foi de eliminar qualquer restrição
13:24à ida de estudantes chineses para Harvard, Princeton, para Columbia, etc.
13:30E os americanos aceitaram isso, porque eles precisam fazer um acordo.
13:34Então, outra coisa que eu acho importante é criar incentivos.
13:38Incentivo é fundamental para a atividade humana.
13:43Você tem que ter um incentivo para assumir riscos, para gerir.
13:51Diferentemente do comunismo, que não tinha incentivo, era o Estado que dizia tudo.
13:56Num sistema capitalista como o nosso, tudo funciona a base de incentivos.
14:00E um incentivo importante para a educação é remunerar melhor os professores que são mais bem sucedidos
14:06na formação de seus alunos, ter o bônus.
14:10Aqui no Brasil, a corporação da educação resiste, é contra, porque isso é uma coisa capitalista na educação.
14:17E não é.
14:18É uma questão de geração do incentivo adequado para que os mestres se dediquem mais a formar os seus alunos.
14:28E não como é aqui.
14:29Mesmo em São Paulo, que é um bom exemplo da educação, a quantidade de dias por ano que o professor falta aqui em São Paulo
14:35é uma coisa absurda, como você sabe.
14:37Então, precisa de uma revolução nesse particular.