O episódio de estreia do programa da Jovem Pan Em Off já começou batendo a cabeça de todos os tipos com a participação do guitarrista da banda Sepultura, Andreas Kisser. O músico falou tudo sobre os desafios da pandemia, ressaltando a resiliência e força de vontade da população, ao relacionar o período com o diagnóstico e a consequente batalha contra o câncer da sua esposa, Patricia.
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00:00Agora você comentou que numa entrevista que já faz um tempo, porque era uma entrevista que eu assisti, que você deu logo após a pandemia e que eu achei muito interessante você ter dito, a gente conversou isso rapidamente nos bastidores aqui, mas aqui a gente traz o bastidor pra você ouvir, que a pandemia te mostrou que você podia ter rotina, que era uma coisa que você não estava acostumado a ter ou era uma rotina tão caótica, que não tinha cara de rotina,
00:29mas que também você se descobriu pai, filho, esposo, outros papéis, que normalmente eu acho que os homens já estão tão identificados com o trabalho, com a vida profissional, que é comum, independente de tudo, é comum até pro homem ter menos espaço em outras áreas da vida, ele se desenvolve menos talvez como pai, como outras coisas, porque ele é muito identificado com o trabalho.
00:57E aí você falou, eu me descobri, né, um pouco mais na pandemia, porque foi forçado a ter uma rotina e ser pai, e ser...
01:04E foi uma coisa também...
01:05O que você se viu? O que você viu no espelho? Quem que você conheceu, né, além do depois de parar de beber, que você falou que foi uma descoberta?
01:12O trabalho de beber foi no dia 1º de março de 2020, né, alguns dias antes da pandemia acontecer, a gente estava se preparando para ir para os Estados Unidos numa turnê, o disco quadra tinha acabado de sair, já tinha feito divulgação, a turnê estava pronta e dois dias antes da gente viajar, o mundo fechou, né.
01:29Ah, daqui três meses volta, aí depois daqui três meses volta, e a gente se readaptou, reinventou a banda, né, ficamos em casa, fizemos um evento que chamava Sepul Quarta, toda quarta-feira a gente tinha contato com fã, a gente tinha um Q&A, né, pergunta e resposta, e a gente fazia uma performance da música do Sepultura em casa mesmo, montava um clipe, né, e fazia isso.
01:50Isso salvou a banda, né, de tanto, de continuar trabalhando, principalmente mentalmente, né, de manter ocupado, e a cada quarta-feira era um trabalho fazer aquilo e tudo, saiu um disco, inclusive, disso, né, com todas as performances que a gente fez, e depois veio o diagnóstico de câncer da Patrícia, em janeiro de 2021, todo o processo, eu agradeci demais estar em casa, meu, a pandemia foi fundamental para eu passar esse processo do lado dela, sabe, de todo o processo de quimioterapia, as cirurgias que foram brutais,
02:19e o processo todo de dor e de foco, foi um processo muito doloroso, mas muito lindo também, sabe, de eu estar do lado dela nos momentos mais difíceis da nossa vida, né, em 2022 já comecei a voltar a tocar e etc, e ela deu uma piorada, e eu tive que sair da torneia de Sepultura para voltar, para ficar os últimos momentos com ela, e...
02:45Quanto tempo durou essa...
02:46Foi um ano e meio, desde o diagnóstico até o falecimento, né?
02:49E a gente estava aí, em pandemia, tudo fechado?
02:52Em 2021, né, fechado da maneira brasileira, né?
02:55Fechado, abria, fechava, abria, fechava.
02:56Eu ia e vinha e não sei o quê, mas a gente, eu tive esse processo de ficar com ela, né, e com os meus filhos e com a... e me redescobri também, sem o álcool, né, de passar por um processo mais brutal da minha vida, se eu tivesse o álcool como opção, teria sido um horror, né, que eu não estaria encarando nada, eu teria só amortecendo situações onde eu ia perder a oportunidade de aprender algo, sabe?
03:24De viver, de não ter medo da morte, de não ter medo da situação, de não se sentir uma vítima, mas agradecer que tudo acontece por um motivo, sabe?
03:33Tudo acontece para que você possa realmente evoluir.
03:36Se a vida tem algum sentido, é um processo evolutivo, é um processo de educação, processo de autoconhecimento, né?
03:42E quando você olha para dentro, você realmente inspira o universo, você inspira as pessoas ao lado, sem uma retórica política ou tentar convencer ninguém.
03:51Cada um vai mudar de dentro para fora, né?
03:53E é uma experiência que aconteceu comigo, né, de mudar hábitos, de mudar conceitos e passar por esse processo, encarar a morte de frente.
04:02E aí, você me corrija se eu estiver errada, você foi o primeiro a dar o passo ali, de abrir a conversa sobre a finitude, inclusive, dessa história brilhante que vocês fizeram com Sepultura.
04:15Sem dúvida.
04:15E você acha que isso interferiu nesse processo?
04:18Sem dúvida, sem dúvida. E de uma maneira muito positiva, sabe?
04:23A morte da Patrícia, se eu já admirava a minha esposa na vida, na morte, puta, não tem nem adjetivo.
04:28Ela foi uma pessoa gigante, mano, sabe? Que não se apegou a nenhuma superstição, ela não tinha nenhuma máscara.
04:34Até o último momento, ela foi ela, preocupada com os outros, ó, não esquece de pagar a conta, tal, não sei o quê, ia e vinha, não sei o quê.
04:41E eu lá, assim, totalmente despreparado como cidadão brasileiro, para falar com o hospital, para falar com o médico,
04:47aprender um monte de coisa sobre o cuidado paliativo, saber que nem 10% dos hospitais brasileiros tinha equipe de paliativo.
04:53Aquilo me causou uma revolta, mano. Por que que eu não posso falar de eutanásia? Cadê a eutanásia na minha possibilidade?
05:00A morte assistida, né? Recentemente a gente teve o Antônio Cícero, que teve que sair do Brasil para exercer um direito de escolha.
05:07Direito de morrer com dignidade.
05:08Um direito de escolha com dignidade. Por que que o brasileiro tem que sair do país para fazer isso?
05:13Nós temos totais condições tecnológicas e intelectuais para fazer isso aqui.
05:18E aí, as pessoas têm muito medo de, sabe, de desmontar certos estereótipos que elas mesmas se colocam.
05:24E de falar sobre o assunto. Você sabe que eu mesma sou uma pessoa, eu sempre evitei...
05:28A minha mãe é engenheira e é formada também em Direito e essa sempre foi uma conversa.
05:32Ela fez o... Quando ela fez o segundo curso de Direito, que eu também me formei em Direito, além de publicidade,
05:38ela fez um trabalho sobre o direito de morrer com dignidade.
05:40Era sobre eutanásia.
05:43E eu evitava muito falar sobre esse assunto com ela.
05:46Sempre foi um assunto doído, porque a gente não quer encarar a morte de frente.
05:51E eu acho que estudando você, a sua história e te ouvindo, eu acho também que a gente vai mudando um pouco a perspectiva.
05:58E a gente estava conversando no camarim um pouco sobre isso.
06:01Porque falar de morte também é falar de vida em algum sentido, de renascer.
06:04Sem dúvida.
06:05E eu vou querer entender o final desse ciclo do Sepultura e esse renascimento que você está vivendo.
06:11Sem dúvida.
06:12Eu acho que é um privilégio, sabe, de poder terminar uma carreira de 41 anos.
06:18Vão ser 42, né, até o final de 2026, que a gente pretende fazer essa turnê.
06:23De uma maneira consciente, em paz com a gente mesmo.
06:26A gente não está brigando.
06:27A gente se ama e se respeita como amigos dentro da banda.
06:30A equipe do Sepultura, muito bem conectada.
06:33Tem muita banda que sai em turnê aí e os caras não se falam, né?
06:37Se odeiam, inclusive, e estão para pagar conta.
06:41Enfim, eu acho que já passei por esse processo algumas vezes.
06:45É terrível você estar longe da família, longe do seu país.
06:48E ainda lá, brigando e se sentindo miserável na turnê.
06:54E, pô, para mim, eu acho que eu respeito a cada um.
06:58Eu lembro sempre na garagem, sonhando em ser um músico.
07:02E eu sempre sou muito agradecido de ter esse privilégio de tocar e conhecer meus ídolos e fazer aquilo que eu amo, né?
07:11Então é isso, acho que ser agradecido sempre.
07:13Eu queria que você me contasse um pouco mais dessa turnê que vocês estão fazendo,
07:18que começou em 2024, passa por 2025 e deve ir até 26.
07:22Isso.
07:23Mas que é uma despedida.
07:24Exato.
07:25É uma despedida, um farewell tour, né?
07:28Como falam no exterior.
07:31E uma turnê de celebração.
07:33Tem sido espetacular.
07:35Momentos incríveis.
07:36A gente está gravando também toda essa turnê para lançar um disco ao vivo, né?
07:41Que vão ser 40 músicas em 40 cidades diferentes pelo mundo.
07:45Então a gente está gravando todos os shows.
07:47Depois a gente vai organizar tudo isso e vai lançar em vinil.
07:50Um lance muito especial, com muita foto e tudo, para realmente celebrar essa despedida.
07:57E a gente vai parar.
07:58Se vai ser por algum tempo ou se vai ser para sempre, isso é relevante agora, sabe?
08:02Também não estou muito certo do que eu vou fazer depois.
08:04Existem várias possibilidades.
08:07Aliás, eu já tenho algumas coisas paralelas ao Sepultura,
08:09como o programa de rádio que eu tenho com o Johan, meu filho,
08:11Pegadas de Andreas Kisser, na 89FM.
08:14Eu também tenho o De La Tierra, que é um grupo latino,
08:17que eu faço metal em português e espanhol.
08:20Enfim, e espaço para o Mãe Trícia, né?
08:22Que eu criei em relação ao assunto morte.
08:26E o Patifest, né?
08:27Conta um pouquinho o que é o Mãe Trícia.
08:28Depois de tudo aquilo que eu passei com a Patícia,
08:30eu criei o movimento Mãe Trícia,
08:32que é uma página no Instagram, na verdade,
08:34mas que quer estimular o assunto morte, né?
08:37Para a gente falar em sociedade, para falar entre família e tudo,
08:40e discutir esses assuntos que são um tabu, né?
08:43Que ainda tem muito preconceito.
08:45E organizar o Patifest também, né?
08:47O Patifest é um festival que homenageia a Patrícia também.
08:51E toda arrecadação vai para a favela compassiva,
08:53que leva o cuidado paliativo nas favelas da Rocinha e do Vidigal,
08:57no Rio de Janeiro, e aqui em Heliópolis, em São Paulo também.