00:00Ministro, o senhor tocou nessa parte do histórico e eu até já vou indicar aqui para quem gosta do assunto, quem gosta do tema, quem gosta de economia, eu tenho uma pergunta para o senhor que é o impacto disso no bolso do investidor brasileiro, mas a gente vai chegar lá no finalzinho,
00:22é porque, se não eu estico muito aqui, porque o senhor sabe que por mim eu ficaria conversando aqui ad eternum, né? Obrigado. Mas o senhor idealizou aí um documentário que foi ao ar mais ou menos em 2013, se não me falha a memória, junto com a Luísa Souto Maior, que tinha como título O Brasil Deu Certo e Agora.
00:44E eu destaquei uma frase, eu estava assistindo esse documentário novamente, é um documentário extremamente bom, é um excelente documentário para quem quer entender aí as origens e tudo o que aconteceu no Brasil economicamente até aquele período ali.
01:02Mas o senhor fala que o risco do Brasil na época era perder oportunidades, é crescer pouco. E aí tem essa sabedoria popular aí que é o Brasil não perde oportunidade de perder oportunidades, né?
01:19É uma frase do Roberto Campos.
01:20Exato. Perfeito, obrigado. E aí o que eu queria que a gente pensasse um pouquinho aqui, logo em seguida, depois do documentário, a gente tem o impeachment da Dilma, a gente entra numa das maiores crises que a gente teve aí, recentes pelo menos, econômicas.
01:36Eu queria saber se a gente, quais são os riscos que a gente corre hoje e se há, como a gente antecipar um pouco disso, no sentido que eu digo assim, a gente vai começar a ver sinais aparecendo.
01:53Eu não imagino que a gente volte aí para aquela inflação, aquela pressão inflacionária desmedida que a gente tinha nos anos 80, inclusive quando o senhor foi ministro da Fazenda,
02:03teve que lidar com esse tipo de problema, que acabou desembocando no confisco da Zélia, nos anos seguintes aí aos que o senhor ocupou o Ministério da Fazenda, e até a gente chegar na ideia do plano real que trouxe um pouco de estabilidade e um pouco mais de planejamento, né?
02:33Então, o que eu queria era saber o seguinte, bom, perdemos oportunidades, ainda estamos dando, e para quem não assistiu o documentário, o fato de dar certo, gente, não é que as coisas acabaram,
02:44a gente deu certo, sim, a gente melhorou nos últimos anos, e aí contando de 1.500 para cá.
02:52A gente deu certo, mas e agora, e agora, né? Como diria o Dorico Paraguaçu, que é o grande filósofo e idealizador deste morning call,
03:03vamos deixar o para trásmente e vamos para frentemente, né? O que a gente pode esperar e quais são os indícios de que as coisas podem estar indo para o lado errado,
03:13que a gente deve ficar de olho, principalmente aí no que diz respeito ao investidor e à economia brasileira como um todo, né?
03:19Olha, primeiro, deixa eu te dizer, a experiência mostrou, a realidade mostrou que essa ideia de que o Brasil deu certo,
03:30que era, como você viu o documentário, todos os entrevistados afirmaram isso, todos, né?
03:36Exatamente.
03:36O Brasil deu certo, que era uma época de otimismo no mundo, o mundo estava dando certo, né?
03:42A China tinha surgido, né? Como potência nascente, a oferta de mão de obra ampla, preparada, barata, digamos assim,
03:54deu origem ao surgimento das redes mundiais de suprimento, né?
03:59Que com a tecnologia digital passaram a poder ser geridas, né?
04:03Você tem o caso simbólico do iPhone, o iPhone, como a gente sabe,
04:07a Apple cuida apenas do projeto e do marketing, né? Do iPhone.
04:13O resto é tudo produzido fora dos Estados Unidos.
04:16Uma parte na Alemanha, uma parte na Coreia do Sul, mas o grosso é na China.
04:20E com isso o iPhone custa hoje menos da metade do que custaria se fosse produzido nos Estados Unidos.
04:26Tudo isso gerou um ganho gigantesco de produtividade,
04:30e as duas primeiras décadas desse século foram décadas de otimismo.
04:34Por exemplo, o Francis Fukuyama, aquele sociólogo, cientista político americano,
04:39escreveu um livro, O Fim da História, ou seja, o mundo está tão certo, acabou o comunismo,
04:46todo mundo vai ser economia de mercado e democracia, a África vai ficar rica,
04:51a América do Sul vai ficar rica, esse era o ambiente.
04:53A revista de Economist embarcou nessa onda em relação ao Brasil.
04:57A capa dela, de 2009, se não me engano, né?
05:01É o Cristo Redentor subindo como foguete lá do Cocovado, né?
05:05E tudo isso tinha uma origem básica, que era o fim do risco de uma terceira guerra mundial.
05:12E a tecnologia digital que permitia essas cadeias longas, né?
05:15Tudo isso está sendo revisto.
05:17Então, eu acho, a tua pergunta é, o que esperar, não é?
05:21Eu acho que é, dificilmente a gente vai evitar um encontro de contas, um encontro com a realidade que surgiu da Constituição de 88.
05:35A Constituição de 88, os parlamentares tinham na cabeça uma ideia à força, acabar ou reduzir a desigualdade e a pobreza.
05:47Tudo bem.
05:47Como é que eles fizeram isso? Aumentando o gasto.
05:50Gasto mais para aposentado, gasto mais para funcionário público, gasto mais para os pobres até de maneira justificada, né?
05:58E o Brasil hoje gasta, em programas sociais, 25% do PIB, quando você computa todos os casos dos estados, municípios e do governo federal.
06:09Isso é tanto quanto gastar a Alemanha em termos proporcionais, tá certo?
06:13Então, o que que fez a China?
06:17A China tirou da pobreza, numa geração, 800 milhões de pessoas, como?
06:23Com políticas pró-mercado.
06:26Ou seja, atração de investimento, incentivo à inovação e assim por diante, tá certo?
06:32Então, como é que a gente acomodou isso?
06:36Eu estava lá no Ministério da Fazenda, quando tivemos o primeiro orçamento pós-constituição de 88.
06:41E a gente chegou, olha, não vai, não, é difícil, porque a gente, naquela época, transferia não 50%, mas algo como 47% do imposto de renda.
06:53A gente vai ter que criar um tributo que não seja partilhado com os estados e municípios, né?
06:59Foi na minha época que criou a contribuição social sobre o lucro líquido, que é o imposto de renda disfarçado, certo?
07:05Então, desculpa estar contando toda essa história, só para você ter o contexto.
07:08Nós fomos acomodando.
07:11No primeiro momento, quem resolveu o problema foi a inflação.
07:16Você corroía o valor das aposentadorias, pensões e salários do setor público.
07:22Isso, aquela gigantesca elevação de gastos cabia no orçamento.
07:29Aí veio o plano real, acabou esse instrumento.
07:31Esse instrumento.
07:32Aí, qual foi o recurso?
07:35Tributação.
07:36Vamos tributar mais.
07:37Aumentar a alíquota e assim por diante.
07:39Chegou no limite 36%, 37%.
07:41A gente já tinha uma carga tributária parecida com a da Alemanha, sem sermos a Alemanha.
07:46O Congresso rejeitou a renovação da CPMF e a carga tributária acabou para 32%.
07:51O que aconteceu?
07:52Continuou a mesma coisa.
07:53Como financiando com dívida.
07:56Então, nesse período da Constituição de 88 até 2015, quando veio o teto de gasto de 2016,
08:04o gasto federal crescia, o gasto primário, 6% acima da inflação.
08:12E a economia crescia 2,5% anualmente acima da inflação.
08:15Estava na cara que não ia dar certo.
08:17Então, eu digo, esse que é o drama do Brasil.
08:23Sem atacar essa questão.
08:26Que nós fomos adiando, adiando, adiando.
08:29Agora chegou a hora da verdade.
08:31Nós vamos ter que atacar.
08:32Ou atacamos depois de uma grande crise,
08:35ou atacamos pelo exercício de uma liderança transformadora,
08:39que poderia ser o Lula.
08:40Só que ele está dando sinais que ele não é essa liderança transformadora.
08:47Ele está dando sinais que ele tem a ideia lá da Constituição de 88.
08:51Que agora é dinheiro para os pobres.
08:53Então, nada contra dar dinheiro para os pobres.
08:57Mas...
08:57E o PT, como você sabe, é mestre em criar slogan, é frase.
09:02Ele criou aquela coisa, era a herança maldita do Fernando Henrique.
09:06Agora ele está dizendo, tem que pôr o pobre no orçamento.
09:10Como assim, carapada?
09:11O pobre está no orçamento desde o governo Sarney.
09:14E nunca saiu.
09:15O Sarney criou o primeiro programa de dar um litro de leite a 10 milhões de crianças pobres.
09:20É o primeiro programa de transferência de renda da era democrática recente do país.
09:24O Fernando Henrique criou aquelas vários programas,
09:27Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Bolsa Gás e assim por diante.
09:32E criou o benefício de prestação continuada.
09:35O Lula pegou todos esses programas do Fernando Henrique, de transferência de renda,
09:39transformando o Bolsa Família.
09:40O Bolsonaro aumentou os gastos, então o pobre não saiu do orçamento.
09:44Mas para a pessoa mal informada ou não familiarizada com esses temas,
09:49acha que é mesmo.
09:50Se aumentou a pobreza, é porque o pobre saiu do orçamento.
09:53Não saiu do orçamento.
09:55Então essas ideias ainda têm que ser arquivadas
09:58e enfrentar para valer a dura realidade de uma situação fiscal que pode se tornar sustentável.
10:06Esse é o desafio.
10:07E se vier, nós caminharemos para uma situação que os economistas chamam de dominância fiscal,
10:13em que a crise fiscal e a insuficiente de estabilidade domina as expectativas,
10:21gera a fuga de capitais, gera a depreciação cambial,
10:25gera a queda de confiança e por aí afora.
10:26E nesse caso, Rodrigo, tem várias experiências no mundo conhecidas,
10:31o Banco Central, mesmo independente,
10:33ele perde a capacidade de assegurar a estabilidade da moeda,
10:37porque ele percebe que se ele aumentar a taxa Selic,
10:40a situação fiscal piora e, portanto, a situação fica complicada.
10:44Nesse caso, a inflação foge do controle.
10:47Esse é um risco que nós estamos correndo,
10:49que derivaria, como tem dito o Marcos Mendes,
10:52um respeitado economista que entende o setor público,
10:56nós podemos estar caminhando para uma crise de dívida pública no Brasil.