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"Não temos uma formação cívica consistente", diz Schuler | ENTREVISTA COM D'AVILA
Jovem Pan News
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18/06/2025
Fernando Schuler, cientista político, avalia a quebra da 'disciplina intelectual' da juventude diante dos novos dilemas sociais e democráticos.
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00:00
Eu queria que você desse um pouco a sua impressão dos jovens,
00:04
porque me parece que essa acomodação e não fazer o freio de arrumação
00:09
parte muito mais de uma elite que está acomodada
00:12
e já viu isso acontecer várias vezes na história,
00:14
e se adaptou e acomodou e não tem tanto essa preocupação.
00:20
Mas eu vejo uma juventude hoje com um grau maior,
00:24
talvez de espírito cívico, de engajamento político,
00:27
de se interessar pelas coisas públicas,
00:30
existe uma diapasão entre esta juventude e uma elite mais acomodada?
00:38
Olha, eu gostaria de ser mais otimista sobre isso, Felipe.
00:43
A minha impressão é que a nossa educação, de maneira geral,
00:47
ela é frágil sobre isso.
00:50
Eu acho que nós não temos uma formação cívica consistente,
00:54
como não temos em matemática e portuguesa e outras disciplinas,
00:57
especialmente nas escolas das redes públicas.
01:00
E aqui eu sempre digo, quando eu falo, eu sou professor e eu sou solidário com os professores,
01:04
não é um problema dos professores,
01:06
porque é um problema de sistema, de modelos, dos incentivos.
01:10
E acho muito difícil de fazer isso.
01:12
Eu trabalho com ética, pensamento crítico,
01:15
então exige toda uma técnica de você formar, de você exercitar isso.
01:20
Isso é uma grande tradução, por exemplo, você simular situações de debate político,
01:28
você exigir qualidade na argumentação, pensamento lógico,
01:33
você, por exemplo, trabalhar os temas de liberdade de expressão,
01:37
a literatura clássica sobre essa temática toda.
01:41
Por exemplo, seria fantástico se ler John Milton,
01:43
pode ser até numa tradução mais simplificada,
01:45
se ler o John Stuart Mill, entender o que é a primeira emenda,
01:50
o que são essas tradições,
01:51
e a tradição brasileira, vamos dizer assim,
01:55
o Brasil tem, bem ou mal, uma tradição democrática recente,
02:00
mas importante.
02:01
Eu acho que, eu, por exemplo, meus alunos,
02:03
claro que eu dou aula na faculdade, é diferente,
02:05
mas eu esse ano, por exemplo,
02:07
aliás, já de alguns anos,
02:09
eu peço pra eles lerem quatro livros.
02:11
A biografia do José Bonifácio,
02:13
a biografia do Joaquim Nabuco, da Ângela Alonso,
02:19
peço pra eles lerem o Mauá,
02:22
e peço pra eles lerem o Chateau, do Fernando Moraes.
02:26
São três livros,
02:28
e são quatro livros de quatro grandes personagens,
02:32
em situações diferentes, em momentos diferentes,
02:34
retratando especialmente esses dois personagens,
02:37
Bonifácio e Nabuco,
02:38
e pra entender um pouquinho a formação,
02:41
e diria mais especialmente ainda o Nabuco,
02:43
que foi um homem que, no século XIX,
02:48
foi um intelectual inquieto com esse tema,
02:52
um tema institucional brasileiro,
02:54
com o atraso brasileiro,
02:56
com a desconexão brasileira com o mundo,
02:59
enfim, aquele livro,
03:01
o Escravismo Brasileiro,
03:02
fantástico,
03:04
um dos primeiros componentes de sociologia,
03:04
sociologia, eu diria assim,
03:06
o abolicionismo,
03:07
o abolicionismo,
03:08
enfim, eu acho que,
03:11
o abolicionismo, desculpa, eu me troquei aqui,
03:13
o abolicionismo,
03:14
e acho que,
03:16
é assim,
03:16
falta essa educação cívica no Brasil,
03:18
não é?
03:18
E eu diria assim,
03:20
eu trouxe,
03:21
eu sou do Fronteiras do Pensamento,
03:22
como deve saber,
03:23
a gente convidou o Jonathan Haidt,
03:25
o Jonathan Haidt escreveu um livro,
03:27
que pra mim é muito impactante,
03:29
que é Essa Geração Ansiosa,
03:30
onde ele fala do efeito,
03:32
é o efeito da quebra da disciplina intelectual,
03:37
da tensão,
03:38
da dispersão provocada pelas mídias sociais,
03:41
como a juventude está muito ligada
03:42
ao TikTok,
03:44
às mídias,
03:44
às social mídias,
03:45
e assim por diante,
03:46
vai se perdendo a cultura,
03:48
de uma leitura mais longa,
03:50
de uma argumentação mais complexa,
03:53
certo?
03:53
A ideia de ficar passando vídeos,
03:55
e comunicando,
03:57
e aquela linguagem abreviada,
03:59
e o reino da imagem,
04:00
tudo aquilo,
04:01
aquelas injeções de dopamina,
04:03
que se chama,
04:04
de prazer rápido e meio vazio,
04:06
que gera angústia no final,
04:08
porque você não tem nada no final,
04:10
isso me preocupa muito,
04:11
então assim,
04:11
eu tenho dificuldade,
04:13
o que eu acho,
04:15
é que esses temas precisam ser discutidos,
04:18
realmente,
04:18
e eu acho que com professores,
04:21
com o meio intelectual,
04:22
com a mídia,
04:23
ou seja,
04:23
criar uma cultura de direitos,
04:25
uma cultura liberal,
04:26
democrática no Brasil,
04:27
que não é nem de esquerda,
04:29
nem de direita,
04:29
a gente tem que aprender
04:31
a diferenciar as coisas,
04:32
existe uma coisa chamada
04:34
as regras do jogo,
04:35
elas servem,
04:36
por vezes você vai ter governos
04:38
mais sociais democráticos,
04:39
mais de esquerda,
04:40
você vai ter governos mais liberais,
04:43
isso faz parte do jogo,
04:44
mas tem uma base de direitos,
04:46
que é um patrimônio comum,
04:48
a todos,
04:49
aí entra a liberdade de expressão,
04:51
por exemplo,
04:52
não é à toa que,
04:52
historicamente,
04:53
quem defendeu a primeira emenda
04:56
nos Estados Unidos,
04:57
foi a American Union Civil Liberties,
04:59
American Civil Liberty Union,
05:02
ACLU,
05:04
que era, em grande medida,
05:06
feita por advogados de esquerda,
05:09
progressive,
05:09
e judeus,
05:10
que defenderam,
05:11
inclusive,
05:11
um sujeito chamado
05:13
Clarice Bradenburg,
05:14
em 69,
05:15
que era um líder da Kuklus Klan,
05:16
exatamente,
05:17
e eu sempre fui encantado
05:19
com esse episódio,
05:20
porque quem defendeu
05:21
foi uma jovem negra,
05:23
progressive,
05:24
esquerda,
05:25
e passaram,
05:26
ela está viva até hoje,
05:27
ela foi membro do Congresso americano,
05:29
há muito tempo,
05:30
democrata,
05:31
militante,
05:31
pelos direitos civis,
05:32
etc,
05:33
e perguntavam,
05:34
a vida inteira perguntavam,
05:35
por que você fez isso?
05:38
E ela dizia,
05:38
eu fiz isso e faria de novo,
05:40
porque,
05:41
ao defender os direitos de alguém,
05:42
que, obviamente,
05:43
era a negação de tudo
05:45
que eu pensava,
05:45
eu estou defendendo os meus direitos,
05:47
estou defendendo os nossos direitos,
05:48
porque os direitos são os mesmos,
05:51
e essa cultura,
05:52
parece que nos falta um pouco,
05:54
essa capacidade de separar,
05:57
que é aquela velha frase do Rui,
05:59
então,
06:01
enfim.
06:02
Mas sabe que,
06:03
tem um ponto interessante que você traz,
06:04
esses contrapontos com a cultura norte-americana,
06:08
que a cultura,
06:09
desde os founding fathers,
06:10
era o seguinte,
06:11
o que está na lei,
06:14
é o que limita o poder do governo,
06:16
o resto é o poder da sociedade,
06:18
nós parece,
06:19
nós no Brasil,
06:20
parece que é inverso isso,
06:22
fica um pouquinho de liberdade para as pessoas,
06:24
mas está tudo no Estado,
06:26
aliás,
06:26
como é o tamanho da nossa Constituição,
06:27
como você bem disse,
06:28
ela regulamenta,
06:30
ela quase tudo,
06:31
ela legisla sobre absolutamente qualquer aspecto da vida,
06:35
então,
06:35
na verdade,
06:36
é pouca liberdade para o indivíduo,
06:38
e muito poder para o Estado,
06:40
e lá era o oposto,
06:41
sempre foi o oposto,
06:42
agora não dá para repetir isso,
06:44
porque agora está começando a entrar num campo minado lá também,
06:47
mas a ideia é de que o governo tem o poder limitado,
06:50
e o maior poder e responsabilidade está na mão do indivíduo.
06:53
Olha,
06:54
eu acho uma transição,
06:56
de fato,
06:57
agora acho que os Estados Unidos vive uma turbulência,
06:59
essa exasperação,
07:01
a polarização,
07:03
as novas identidades,
07:05
elas foram mudando isso,
07:07
para um lado e para o outro,
07:08
para um lado e para o outro,
07:09
a liberdade de pensamento,
07:11
é interessante isso,
07:12
ela é minada nas universidades americanas,
07:15
em função da World Culture,
07:16
etc.,
07:17
safe space,
07:19
e outras,
07:21
então,
07:21
e mais agora,
07:22
o próprio governo americano,
07:24
então,
07:24
vamos analisar as redes sociais,
07:25
para ver se o sujeito pode entrar ou não pode entrar,
07:28
qual é o critério para fazer isso funcionar,
07:31
imagina,
07:31
isso é uma cultura,
07:33
então,
07:34
você vai agora,
07:35
bom,
07:35
Harvard não tem uma adequada divisão
07:38
entre conservadores e liberais,
07:41
então,
07:41
precisa o governo agora,
07:43
nomear uma comissão,
07:44
para saber como é que vai ser a distribuição ideológica,
07:46
os professores,
07:48
então,
07:49
isso tudo,
07:50
é um sintoma do mal estar contemporâneo da democracia,
07:54
mesmo numa grande democracia,
07:56
como a democracia americana,
07:58
mas nos seus fundamentos históricos,
08:00
eu concordo inteiramente contigo,
08:02
por exemplo,
08:02
quando o Madison fundamenta a primeira emenda,
08:05
muito tempo depois,
08:06
ele diz,
08:06
olha,
08:06
a liberdade de expressão não é um direito,
08:08
dado pelo Estado,
08:10
é um direito inerente aos indivíduos,
08:14
é um direito que não é,
08:15
ele não é uma concessão,
08:17
inclusive faz extinção com a common law inglesa,
08:19
na Inglaterra você tinha,
08:21
do parlamento,
08:23
ele concede,
08:24
ou o parlamento chancela,
08:26
esses direitos,
08:26
não,
08:26
nos Estados Unidos é diferente,
08:27
aqui é uma república,
08:29
as pessoas têm direito,
08:30
o parlamento não legislará,
08:31
a primeira emenda é negativa,
08:32
não fará legislações restringindo a liberdade de expressão,
08:38
certo?
08:39
Então,
08:39
é um direito negativo,
08:40
liberdade negativa,
08:41
assim,
08:42
o direito é das pessoas,
08:43
isso,
08:44
quando o Alex Tochevilli fez aquela famosa viagem,
08:47
maravilhosa,
08:48
o livro que,
08:49
aliás,
08:49
recomendo,
08:49
outro livro que deveria estar no currículo,
08:51
que é a democracia na América,
08:53
ele diz,
08:54
olha,
08:54
o que me encantou lá foi essa vida associativa,
08:57
a democracia americana não se dá no grande palco federal,
09:01
se dá nas comunidades,
09:03
as pessoas,
09:04
as associações,
09:05
nas comunidades,
09:05
elas se reúnem para resolver problemas,
09:08
elas tomam iniciativa,
09:10
você precisa construir a escola,
09:11
fazer a igreja,
09:12
fazer,
09:12
claro que era uma vida mais simples,
09:14
mas,
09:15
esse sentido americano,
09:17
isso foi se perdendo,
09:18
não é?
09:19
Se você,
09:20
dizer,
09:21
por exemplo,
09:23
recentemente,
09:23
jogando boliche sozinho,
09:26
bullying alone,
09:28
que a ideia foi se perdendo um pouquinho da cultura cívica,
09:31
muito a função da tecnologia,
09:33
talvez das megalópolis,
09:37
da vida urbana,
09:39
depois já entra a internet,
09:41
mas mesmo com a televisão,
09:43
ele tem N fatores sociológicos,
09:45
é bem complexo,
09:46
que foram levando a uma certa perda de cultura,
09:50
pública,
09:51
mas eu acho que essa é a grande tradição,
09:53
o Brasil não tem essa tradição,
09:55
o que que nós temos?
09:57
Nós temos uma tradição interessante,
09:58
nós fizemos uma transição democrática,
10:00
na minha opinião,
10:00
muito robusta,
10:01
acho que nós criamos um certo consenso em torno do Estado de Direito,
10:07
nós tivemos muito tempo,
10:08
pelo menos a ilusão de que nós tínhamos uma democracia inclusiva,
10:11
onde você teve,
10:13
então nós tivemos,
10:14
por isso que eu percebi como em 2018,
10:17
as coisas mudaram no Brasil,
10:19
eu me lembro que eu escrevi um artigo,
10:20
porque eu levei xingão de tudo que é lado,
10:22
mas é a minha vocação essa,
10:25
eu me lembro que eu disse,
10:25
olha, os sociais democráticos comandaram o país
10:28
durante o governo Fernando Henrique,
10:30
ótimo,
10:30
a esquerda comandou durante 13 anos,
10:33
durante o Lula, Dilma,
10:34
ok,
10:35
agora a direita vai comandar,
10:37
então, ok,
10:38
se o cara de direita ele gosta,
10:40
se o cara de esquerda ele não gosta,
10:41
se o cara de direita ele não gosta,
10:42
isso é democracia,
10:44
você gosta, não gosta,
10:45
mas você faz a oposição,
10:48
faz a crítica,
10:49
mas você entende que é assim.
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