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  • 25/06/2025
O historiador e professor associado do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) Felipe Loureiro comenta no podcast Latitude a Guerra na Ucrânia, iniciada pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, em 24 de fevereiro.

Em entrevista aos jornalistas Duda Teixeira e Rogério Ortega, Loureiro fala dos motivos que podem ter levado Putin a deflagrar a guerra, suas consequências e a maneira como a direita e a esquerda do Brasil se posicionaram em relação à invasão.

Para ele, a reconfiguração das relações entre Estados Unidos e Rússia não pode ser considerada uma nova Guerra Fria, uma vez que não há uma disputa entre duas visões de mundo completamente distintas e os países são mais interdependentes uns dos outros.

Loureiro acaba de lançar o livro Linha Vermelha: a Guerra da Ucrânia e as relações internacionais no século XXI. O historiador organizou a obra e também escreveu dois capítulos. A editora é a da Unicamp.
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Transcrição
00:00Olá a todos, eu sou o Duda Teixeira e esse é o quinto número do nosso podcast Latitude.
00:22Toda terça-feira, sempre às nove da noite, nós vamos comentar e analisar as principais
00:27notícias do mundo e também da diplomacia brasileira. O tema hoje é Ucrânia, o título
00:35do programa Ucrânia, a linha vermelha de Putin, que é inspirada nesse livro que eu estou
00:41aqui com ele e para falar sobre ele a gente trouxe aqui o organizador do livro, que é
00:48o Felipe Loureiro, Felipe que é historiador e pesquisador e professor associado do Instituto
00:56de Relações Internacionais da USP e coordenador do Observatório da Democracia no Mundo, o
01:02Odeque. Para entrevistar o Felipe, eu tenho aqui o Ortega, o Ortega que escreve as colunas
01:10do Rui Goiaba na Cruzoé e que é o criador do bordão do programa Latitude. Vamos lá.
01:17Latitude, um podcast para situar você no mundo. Boa noite Felipe, boa noite Duda.
01:22Boa noite, sejam bem-vindos vocês dois.
01:24Boa noite.
01:24Bom, a gente começa o programa falando de um assunto quente que aconteceu ontem, que
01:30foi um anúncio que veio lá do Kremlin. Ortega, você pode explicar melhor?
01:35Explico. Ontem, segunda-feira, dia 12, o Vladimir Putin, o presidente, ou como alguns preferem
01:42chamar, líder autocrata russo, ele deixou de dar sua entrevista coletiva de fim de ano
01:48pela primeira vez em 10 anos, se não me engano, pela primeira vez desde 2012. E não houve
01:54muita justificativa oficial para isso por parte do Kremlin. O porta-voz do Putin, que é o Dmitry
02:00Peskov, falou, se manifestou ontem, disse apenas uma coisa muito genérica como, ah, ele não vai dar a entrevista
02:06neste ano, mas os jornalistas podem fazer perguntas a ele em outras ocasiões e tal. Sendo que no ano passado, antes da invasão da Ucrânia, que aconteceu em 24 de fevereiro do ano passado, no final de 2021, desculpe, a invasão aconteceu em 24 de fevereiro deste ano.
02:26No final do ano passado, o Putin teve uma entrevista coletiva de 4 horas. Então, o hábito dele não só é dar a entrevista coletiva, como falar muito.
02:36E todo mundo leu essa suspensão da coletiva tradicional como um indicativo de que as coisas não vão bem no fronte ucraniano para o Putin.
02:47Sobretudo depois da retomada de Kerson, que é uma das principais cidades tomadas pelo exército russo e que foi retomada pelas forças ucranianas agora em novembro.
02:56E eu queria que o Felipe, antes de a gente entrar no livro específico dele, que ele comentasse com a gente se ele acha isso também, se ele vê como um sinal de que as coisas não andam muito bem internamente no Kremlin,
03:08ou se ele acha que há algum outro motivo para a suspensão.
03:11Em primeiro lugar, eu queria agradecer muito a participação no podcast Latitude, agradecer a você, Rogério, ao Duda e a todos os telespectadores que nos assistem.
03:23Na realidade, a gente está falando, sim, de algo bastante significativo.
03:27Porque antes mesmo de 2012, quando a gente olha o primeiro mandato do Putin, quando ele acende ao poder lá de 2000 até 2008,
03:34e aí ele vai ser substituído pelo Medef por quatro anos, sendo o primeiro-ministro dele,
03:39o Putin praticamente todos os anos fez essa coletiva de final de ano, que é uma oportunidade, como você disse, horas de entrevistas.
03:48E ela é significativa porque normalmente o Kremlin dá um certo espaço para jornalistas internacionais e jornalistas de meios de comunicação
03:57que não estão totalmente alinhados ao Kremlin em si.
04:02Então, ali é o momento em que o Putin demonstra a sua capacidade de articulação sobre os diversos temas domésticos e internacionais que envolvem a Rússia.
04:12O fato de ele ter cancelado mostra que, provavelmente, o Kremlin está preocupado com algum tipo de pergunta, digamos, mais difícil,
04:20algum comentário, sobretudo envolvendo esforço de guerra,
04:23a questão da mobilização parcial, que ele decretou alguns meses atrás, que teve muitas repercussões negativas na sociedade, vários tipos de problemas.
04:34A convocação dos reservistas.
04:36Exatamente, a convocação dos reservistas.
04:38Então, me parece que havia, sim, um temor de que a entrevista pudesse sair do controle e daí o cancelamento.
04:44Agora, é interessante que, contraditoriamente, ele aumentou a sua presença na mídia nas últimas semanas.
04:51Ou seja, a entrevista foi cancelada, mas tudo que envolve participação mais controlada da figura do Putin,
04:58a gente teve um crescimento bastante significativo.
05:01E ele falando sobre temas diversos, inclusive falou sobre zoológico, no Ocidente, que os animais são mortos na frente das crianças.
05:10Então, batendo muito na tecla de que, digamos, o Ocidente não permitiria um respeito à sensibilidade das pessoas e da família, etc.
05:19Então, ele discutiu temas diversos, mas sempre em um ambiente controlado.
05:23Coisa que essa coletiva, que era uma coletiva longa, obviamente, meios tradicionais e pró-Kremlin estariam presentes,
05:32mas também haveria a possibilidade de alguma pergunta sair do controle e parece que ele não está disposto a assumir esse risco.
05:38E como é que você vê a situação da guerra?
05:41É uma guerra perdida já ou o Putin ainda pode conseguir dar uma volta por cima e levar melhor na Ucrânia?
05:49No curto prazo, todos os indicadores mostram que a situação da guerra, uma situação para a Rússia, não é nada simples.
05:56Ou seja, mesmo com a mobilização dos reservistas parcial que foi feita, ainda precisa muito tempo para a Rússia conseguir construir capacidade de ataque
06:05para, por exemplo, recuperar os territórios perdidos nos meses anteriores.
06:10Agora, se a gente for pensar no médio prazo, resistindo a esse momento e pensando no ano que vem, é muito difícil a gente fazer um prognóstico.
06:18O momento da guerra está mais favorável para os ucranianos do que para os russos.
06:23Os russos estão claramente cavando trincheira, estão construindo condições para se defender dos territórios que eles ocupam
06:30e estão utilizando táticas que, do ponto de vista do direito internacional, são muito complicadas,
06:36que é atacar infraestrutura energética, infraestrutura de transportes, ainda num contexto em que o inverno está começando,
06:43ou seja, dificultar em populações civis acesso à água, acesso à eletricidade,
06:48a questão do aquecimento dessas pessoas e dessas famílias durante o inverno.
06:55Então, a situação no curto, médio prazo é uma situação difícil para a Rússia,
06:59mas isso não significa que ela não tenha condições mais para frente de recuperar capacidade de combate
07:05e reverter alguma coisa nesse conflito.
07:07Eu queria aproveitar, Duda, justamente com isso que o Felipe está falando,
07:12para entrar um pouco no assunto do próprio livro.
07:16A gente estava comentando aqui, antes de virmos gravar,
07:19que é uma coisa muito corajosa e um pouco arriscada, como o próprio livro reconhece,
07:26fazer uma coletânea de ensaios variados, plurais, sobre a invasão da Ucrânia, quente,
07:31enquanto o conflito está se desenrolando, enquanto você tem uma noção do que pode acontecer agora no curto prazo,
07:37mas não tem muita ideia de para onde vai no futuro.
07:40Você diz aqui em um trecho que coisas que a gente hoje toma,
07:45com vários de hoje tomam como muito significativas, podem não ser no longo prazo e vice-versa.
07:50Outras coisas em que a gente não está prestando muita atenção,
07:54de repente, tomam uma dimensão enorme decorrida um certo tempo.
07:58Eu queria que você contasse um pouco para a gente como foi o processo de organizar esse livro,
08:03de convidar as pessoas, porque há especialistas de opiniões, às vezes, muito divergentes,
08:08de procedências muito diversas, e como foi o processo de escrever,
08:16tentar dar ao leitor uma clareza sobre os antecedentes e os diversos pontos que explicam,
08:25ajudam a gente a entender essa guerra, com a guerra rolando,
08:27com ela se desenvolvendo, se desenrolando para um caminho que a gente não sabe ao certo onde vai dar.
08:33Quando a editora da Unicamp me honrou com o convite, eram as preocupações principais.
08:39Ou seja, quando você analisa um processo tão complexo, multifacetado, como esse,
08:44no momento em que ele está acontecendo, como você disse,
08:47você pode acabar assumindo conclusões que mais para frente não são nada significativas,
08:51e deixar de olhar para coisas que, posteriormente, vão ter um impacto muito grande.
08:55Além disso, a nossa própria proximidade com o objeto dificulta um pouco a nossa capacidade
09:02de ser minimamente imparcial perante esse objeto.
09:05A guerra anima paixões, inclusive, é muito difícil você acabar, em determinado contexto,
09:12não assumindo, mesmo que do ponto de vista normativo,
09:15mas assumindo algum tipo de posição sobre o próprio conflito.
09:18Então, quando a editora fez o convite, a preocupação mais importante era a pluralidade teórico-metodológica,
09:26ou seja, permitir ao leitor e à leitora que consigam enxergar coisas diferentes,
09:31a partir dos olhares e narrativas distintas dos próprios autores e autoras,
09:36necessariamente trazer pessoas de universidades diferentes, o mais heterogêneo possível, no Brasil.
09:42Então, a gente tem gente do Nordeste, do Sul, aqui do Sudeste, enfim, do Centro-Oeste,
09:49o mais diverso possível dentro do Brasil e também do exterior.
09:52Tem especialistas de Portugal, especialistas ucranianos, especialistas em Ucrânia e Rússia nos Estados Unidos.
10:00E aí, o trabalho de se pensar nos temas foi um trabalho difícil,
10:04porque a gente teve três, quatro meses para escrever tudo.
10:07Então, a gente sentou e basicamente refletiu, óbvio, que eu, como organizador, liderei esse processo,
10:13no que parecia para a gente ser o fundamental.
10:15Então, no mínimo, localizar o leitor e a leitora com relação aos antecedentes,
10:19pensar um pouco a história da identidade russa-ucraniana,
10:22pensar a relação entre Rússia, Estados Unidos e OTAN,
10:25os momentos iniciais pré-conflito, porque esse é um conflito que vem desde 2014,
10:30ele não nasceu em 2022,
10:33a Rússia invadiu a península da Crimeia, que pertencia à Ucrânia, lá em 2014,
10:37depois pensar um pouco o quão multifacetado em si é o conflito,
10:42olhar a história mesmo das operações militares,
10:45a questão do direito humanitário internacional, crimes de guerra,
10:48a questão dos alimentos, que é um tema-chave que a guerra causou,
10:52ou seja, o preço dos alimentos, oferta, a questão energética,
10:58a questão da guerra e o sul global, como é que países do sul global se posicionaram,
11:03tem um capítulo sobre Brasil, tem um capítulo que olha para a África na Assembleia Geral da ONU,
11:08e aí por fim, que era o mais difícil, que a editora também pediu,
11:11para pensar perspectivas de médio e longo prazo,
11:13aí tem um capítulo focado em economia, um outro em segurança internacional,
11:17e eu tento trabalhar um pouco com a ideia da relação Estados Unidos e Rússia
11:22à luz da experiência da Guerra Fria.
11:23Então, é uma experiência dificílima, mas ao mesmo tempo,
11:28ainda mais pensando num país e numa sociedade como a brasileira,
11:31tendo em vista, se a gente está correto,
11:34que essa guerra representa uma linha vermelha para o sistema internacional,
11:37um divisor de águas importante para o sistema internacional,
11:41nós, enquanto sociedade, e o Brasil, do ponto de vista da sua inserção no sistema internacional,
11:48tem que saber ler o que está acontecendo,
11:49e tem que saber minimamente navegar nessas águas cada vez mais difíceis
11:54que o sistema internacional parece nos ofertar.
11:56Então, daí, apesar da dificuldade, o desafio foi aceito.
12:00Espero que ele tenha sido minimamente bem entregue.
12:03Bom, Felipe Loureiro, você que escreveu esse livro, então,
12:06Linha Vermelha, sobre a Ucrânia,
12:08e disse aqui para a gente que foi difícil fazer essa análise
12:11de um processo multifacetado, complexo, que está acontecendo, né?
12:15A pergunta para você é, por que raios o Putin tomou essa iniciativa de ir lá e invadir a Ucrânia?
12:23Alguma explicação, depois de tudo isso que você ajudou a organizar?
12:28Vou pegar duas contribuições que estão no livro para responder a tua pergunta,
12:33e as duas contribuições, elas seguem algum caminho um pouco diferente.
12:36Então, a contribuição do Paul Danieri, que é um professor da Universidade de Califórnia,
12:40e a contribuição do Taras Kuzio, que é um acadêmico ucraniano da Universidade de Kiev.
12:45O Taras, por exemplo, dá, coloca uma responsabilidade muito grande na figura do Putin,
12:50do ponto de vista decisório, para a entrada no conflito.
12:54E aí, um mindset conspiracionista, uma perspectiva que, de fato,
12:59desqualifica completamente a identidade nacional ucraniana, né?
13:04Então, ele realmente entende o Putin como uma figura mais responsável.
13:08O Paul Danieri, e eu tendo a me alinhar um pouco mais nessa perspectiva,
13:11entende que o Putin, sim, ele tem uma noção ultranacionalista sobre o que representa a Rússia, né?
13:18Entende que a Ucrânia faz parte intrínseca da Rússia,
13:23e uma aproximação da Ucrânia com países do Ocidente representaria uma ameaça nacional à Rússia,
13:28particularmente a OTAN, mas o Putin, ele é muito maior, né?
13:32Ou seja, o que o Putin pense, como o Putin age, é muito mais estruturante na sociedade,
13:37especialmente no alto escalão político e militar da Rússia, do que a gente pode imaginar, né?
13:42Então, mesmo figuras que são de oposição ao Putin, como o Alexei Navalny, por exemplo,
13:46que está preso, chegou a dar declarações, né?
13:49No sentido de que a Ucrânia e a Rússia fazem a mesma parte de nação, né?
13:53São a mesma nação, constituem a mesma nação.
13:56Então, dentro da sociedade russa, especialmente na alta cúpula política e militar da Rússia,
14:01realmente há uma concepção de que a Ucrânia é uma parte intrínseca da Rússia,
14:06particularmente algumas regiões da Ucrânia, como, por exemplo, a Península da Crimeia,
14:10que tem um papel muito grande no imaginário, né?
14:13Nessa geografia imaginada da Rússia.
14:15E aí você me pergunta, por que, então, tomar a decisão da invasão?
14:19Entendendo essa perspectiva do Putin como alguém que é representativo
14:23e que não simplesmente é o único que toma e que possui essas posições,
14:28a partir do momento em que você enxerga que algo intrínseco ao seu Estado e à sua identidade nacional
14:34corre o risco de se separar irremediavelmente de você, né?
14:39Você estaria disposto a assumir riscos que, normalmente, você não assumiria, né?
14:44Então, o Paul Janieri, no capítulo dele, ele vai contando como, desde 2014,
14:49com a queda do Yanukovych, que é um presidente da Ucrânia que era mais pró-Rússia,
14:54eu não gosto muito dessa expressão, porque, apesar de ele ter posições que poderiam ser mais alinhadas à Rússia,
14:59ele também faz gestos à União Europeia durante a gestão dele,
15:03mas, desde a queda do Yanukovych em 2014, a gente percebe uma Ucrânia cada vez mais se aproximando do Ocidente
15:12em questões estratégicas.
15:13A Rússia invade a Ucrânia na Crimeia, apoia os separatistas no Dombás,
15:18nas duas províncias que ficam mais ali ao leste,
15:21mas ela vai perdendo o controle do restante do país.
15:24E essa sensação de que ela estava perdendo irremediavelmente a Ucrânia,
15:30na visão do Danieri, e eu acho que essa é uma hipótese interessante,
15:33é difícil a gente aferir isso, porque o Kremlin tem um secretismo muito grande,
15:38difícil aferir isso agora, mas é uma hipótese que eu acho que é interessante
15:42para ser verificada posteriormente.
15:44Essa sensação de uma perda irremediável levou a assumir riscos
15:49que, numa situação, digamos, normal, o Putin e a elite política e militar russa não teriam assumido.
15:54A gente comentou isso um pouco antes de entrar,
15:57que a invasão da Crimeia em 2014 tem que ser entendida como fruto,
16:04como consequência da queda do Yanukovych,
16:07que era, na época, visto como um presidente pró-Rússia, da Ucrânia,
16:11mas que deu para trás na hora de assinar um acordo de cooperação econômica com a União Europeia.
16:16Enfim, ele estava interessado em fazer esse acordo e a pressão russa fez com que ele desistisse
16:21e isso desencadeou os protestos, que a gente chama de Euromaidan hoje,
16:25que levaram à queda dele depois das eleições do Petro Poroshenko,
16:29que foi o antecessor do Zelensky.
16:33Mas, enfim, na época do Yanukovych,
16:37parecia que o Kremlin, de alguma forma, se contentava com um presidente
16:42em que eles pudessem influir ali, de modo mais ou menos decisivo,
16:48a não se aproximar tanto do Ocidente.
16:51E a coisa evoluiu de uma tal forma que o que o, claramente,
16:55pelo menos para a gente que vê daqui,
16:57o que o Putin quer agora é botar um Lukashenko em Kiev,
17:00botar um, como o Lukashenko, o ditador de Belarus,
17:04que é um aliado fidelíssimo do Putin,
17:08é basicamente um fantoche da Rússia e ele quer colocar,
17:12tirar o Zelensky do poder e colocar alguém absolutamente fiel a Moscou também.
17:17Então, a impressão que eu tenho é que um Yanukovych agora não bastaria.
17:21Você vai ver se é alguém mais...
17:23O problema é que não me parece que ele tem condições hoje
17:28de sonhar com uma figura que seja um títere na Ucrânia
17:34que seja completamente dominado por Moscou.
17:36Muito possivelmente, esse era o objetivo no início do conflito.
17:41Uma mudança de regime de Kiev, tanto é que o discurso...
17:44E ele se acreditava que isso talvez fosse possível.
17:46Eu diria que essa cúpula, essa alta cúpula política militar russa
17:50entendia a desnazificação, que era esse termo utilizado comumente,
17:55como, digamos, o símbolo para cortar a cabeça da elite política de Kiev
18:01e reconstruir essa elite política com um grupo absolutamente...
18:05Aí sim, pró-Rússia, até o último fio de cabelo.
18:08Na medida em que a guerra evoluiu para algo muito mais complicado,
18:12a Batalha de Kiev foi...
18:14A Rússia sofreu uma derrota muito significativa na chamada Batalha de Kiev
18:17e teve que reposicionar suas forças, focando única e exclusivamente no Dombáss.
18:22E mesmo agora, vem sofrendo derrotas importantes, derrotas do Nordeste,
18:27que foi desocupado por tropas ucranianas na região da província de Kharkiv
18:32e, como você citou anteriormente, o caso de Kherson,
18:35que foi retomada, que era a única capital provincial que estava nas mãos dos russos
18:40e agora a Ucrânia está, pelo menos aí há uma especulação,
18:45existe a possibilidade dos ucranianos ameaçarem algo que é absolutamente estratégico
18:49para a Rússia nesse conflito, que é essa ponte terrestre
18:52entre o território russo e a Península da Crimeia.
18:54Lembrando que não há uma confirmação oficial,
18:57mas tudo indica que a Ucrânia esteve envolvida no atentado,
19:02na ponte que liga a Rússia à Península da Crimeia,
19:05a ponte ainda está passando por obras,
19:07ela funciona, mas ela não funciona com capacidade plena.
19:10Se a Ucrânia, por exemplo, nessa ofensiva que se desenvolve,
19:14que agora está mais ou menos parada,
19:16mas nada indica que ela de fato vai continuar parada por meses.
19:20Acho que há uma expectativa das tropas ucranianas de continuar.
19:24Se existe uma ameaça a essa ponte terrestre entre Rússia e Crimeia,
19:29a situação da Rússia na guerra vai ficar muito difícil.
19:31Tudo isso estou te dizendo que, apesar do sonho poder ter sido um Lukashenko,
19:35hoje a situação é mais complicada,
19:37que é um pouco a resposta que eu dava para o Duda anteriormente.
19:39A situação da guerra para a Rússia no curto e médio prazo não é muito boa,
19:43mas é óbvio que, caso esses reservistas de fato consigam ser integrados,
19:50treinados, equipados e a Rússia consiga respirar,
19:53a gente pode ter uma reversão no conflito.
19:55Mas no curto e médio prazo esse sonho de um Lukashenko está muito distante.
19:58Sim, sim.
19:59Tá.
19:59Felipe, bom, o Putin, uma das coisas que ele usa para justificar essa invasão é falar da OTAN
20:08e no final a gente vê que a OTAN fica fortalecida,
20:12os Estados Unidos entram ali super ajudando os ucranianos
20:15e aí você muda um pouco também essa relação Rússia e Estados Unidos.
20:22Você tem um capítulo no livro que é sobre a nova Guerra Fria,
20:26se isso é uma guerra fria ou não.
20:28A gente está tendo uma Guerra Fria 2.0 com essa guerra na Ucrânia ou não?
20:35A resposta do capítulo é não.
20:38Ou seja, se a gente for olhar a Guerra Fria e entender a Guerra Fria como um embate
20:42entre dois projetos de modernidade, que eram dois projetos antagônicos,
20:48uma modernidade baseada em economia de mercado
20:50e uma modernidade baseada em uma economia planificada, coletivista,
20:55um tipo de sistema internacional capaz de incitar corações e mentes
21:02a levar pessoas a literalmente dedicar suas vidas para colocar em prática
21:07esse tipo de sociedade, esse tipo de modernização que estava em embate uma com a outra
21:11e ao mesmo tempo uma União Soviética que possui uma capacidade de projeção de poder global
21:17em que, pese o fato, no continente americano, essa projeção de poder ser mais limitada.
21:23Mas a União Soviética tinha uma capacidade de projeção de poder muito significativa durante a Guerra Fria.
21:29Colocando todos esses elementos em curso, a gente percebe que o acirramento das tensões
21:33entre Estados Unidos e Rússia, ele não representa, pelo menos até então,
21:38não parece representar um embate entre dois grandes sistemas de mundo.
21:42Pelo contrário, você tem figuras dentro da política norte-americana
21:46e que são figuras muito influentes que advogam uma visão de mundo
21:50que é bastante próxima à visão do Putin.
21:53Coisa que seria impensável durante a Guerra Fria.
21:56Você ter, por exemplo, um presidente, um candidato a presidente do Partido Comunista
22:01nos Estados Unidos com uma chance real de vitória.
22:05Se a gente for olhar a visão de mundo do Trump e do trumpismo,
22:07tem muitas relações com que o Putin advoga em termos de neoconservadorismo, família.
22:12Então, não me parece que é um grande embate de valores e modernidade,
22:15em termos de diferentes tipos de modernidade.
22:18A capacidade da Rússia de projeção global de poder, ela realmente diminuiu muito,
22:23em que pese o fato da Rússia claramente tentar isso e venha ampliando sua presença na África,
22:28mesmo na América Latina, tendo contatos com Venezuela, com Cuba, etc.
22:33Mas é uma capacidade muito diminuída.
22:35E tem um outro elemento que o capítulo discute, que é até que ponto,
22:40e há muitos analistas que levantam essa hipótese,
22:42essa nova Guerra Fria é uma Guerra Fria que seria um triângulo.
22:45Ou seja, os Estados Unidos e a China e a Rússia sendo, digamos, esse novo bloco.
22:50E aí um dos pontos que eu argumento no capítulo é que é fundamental entender
22:55o quão imbricados são as economias e as finanças do norte global ocidental rico
23:01com a China, leste asiático.
23:03Tem muito investimento de um em outro, do norte global na China e vice-versa,
23:08para se configurar uma situação que era de Estados Unidos e União Soviética na Guerra Fria
23:12em termos de investimento em cada um.
23:14Exato. O que não significa que algum tipo de desvinculação não possa e não esteja acontecendo.
23:19Ou seja, a gente vê um discurso de ambos os lados,
23:23tanto do lado da China quanto do lado norte-americano e aliados,
23:27de segurança alimentar, de segurança energética, segurança tecnológica.
23:32Isso significa o quê, na realidade?
23:34Significa eu ter esse tipo de produto, esse tipo de tecnologia, essa oferta, digamos assim,
23:39em áreas que são seguras ao ponto de eu ter clareza que qualquer tipo de tensão internacional
23:45não haverá disrupção na minha oferta de alimentos, na minha oferta energética,
23:49na minha oferta de tecnologias absolutamente estratégicas.
23:52Isso pode e talvez, e muitos apostam, que levará a algum tipo de, digamos,
23:59de maior separação entre essas economias.
24:02Agora, pensar no grau de separação que a gente teve durante a Guerra Fria,
24:06com a União Soviética e o Bloco Soviético, com um percentual de comércio,
24:10interação financeira muito pequena com o Ocidente, é dificílimo.
24:14E se isso, de fato, evoluir, aí a gente está falando de uma crise econômica gravíssima, né?
24:18Porque é um tipo de separação que vai doer muito, né?
24:23Para ambas as partes.
24:24É a disrupção mesmo, né?
24:26Completamente.
24:26O que não significa que a relação entre Estados Unidos e Rússia não seja uma relação que está evoluindo,
24:31e mesmo Estados Unidos e China, para uma crescente tensão, né?
24:35Que é um pouco como o capítulo argumenta no final, que é uma rivalidade estratégica, e isso é grave.
24:41De você ter duas potências nucleares, no caso, Estados Unidos e Rússia,
24:44que estão se enxergando como a sua principal ameaça, uma das principais ameaças à sua segurança nacional.
24:52E são duas potências nucleares, né?
24:54Essa é uma outra linha vermelha que essa guerra cruzou.
24:57A liderança russa, particularmente o Putin, mas não só o Putin,
25:02o Medevdev, que foi o presidente russo e que hoje está como vice do Conselho de Segurança Nacional da Rússia,
25:09usa também um linguajar irresponsável no que se refere à possibilidade de empregar armas nucleares.
25:17É uma linha vermelha gravíssima, né?
25:19Ou seja, desde o final da Guerra Fria, que a gente não tem alta cúpula política de superpotência
25:25dizendo na possibilidade de uso de armas nucleares.
25:28Lembra um pouco a crise dos mísseis em Cuba, né?
25:30A gente pensava que eu estivesse livre disso nos últimos 30 anos.
25:35Isso é assustador, né?
25:37Então, essa rivalidade estratégica entre potências nucleares,
25:41isso não significa uma Guerra Fria, mas não significa que é algo que a gente tem que ficar tranquilo também.
25:46Porque não é um mundo, digamos, que do ponto de vista dos desafios que nós temos,
25:51de mudança climática, questão de alimentação, pobreza, desigualdade no sul global,
25:57não é um mundo que a gente gostaria de ter, né?
25:59Os países que são potências nucleares enxergando um ao outro como uma ameaça existencial.
26:04E aí você pode ter crises em que as coisas podem sair do controle.
26:08É a gravidade desse momento que eu acho que é fundamental passar para o telespectador,
26:13para a telespectadora, o quão a gente está falando de um conflito,
26:17que não é porque está acontecendo na Europa que ele é importante,
26:19mas é o fato de você ter uma potência nuclear num território,
26:23que é um território europeu, que é no caso na Ucrânia,
26:25que é muito próximo a territórios de países que formam a aliança militar norte-americana na Europa,
26:32que é a Organização para o Tratado do Atlântico Norte.
26:35Um tipo de transbordamento desse conflito, a gente está falando de um conflito direto entre Estados Unidos e Rússia.
26:40E é algo que eu tenho até muita dificuldade, o De Rogério, de elaborar.
26:45O que seria um conflito entre Estados Unidos e Rússia no século XXI?
26:50É algo inimaginável como a coisa pode escalar.
26:52A gente teve recentemente um caso de um ataque que chegou no território polonês,
26:59e que inicialmente atribuiu-se à Rússia, e depois verificou-se,
27:04apesar da Ucrânia não ter admitido isso, que era uma defesa de míssil ucraniano contra mísseis russos.
27:09E se tivesse sido um míssil russo que tivesse atacado a Polônia?
27:13A Polônia faz parte da OTAN. Como é que a OTAN responderia?
27:16Então, é um contexto realmente muito grave.
27:19Não é uma guerra fria, mas essa rivalidade estratégica que essa guerra da Ucrânia exemplifica de maneira perfeita,
27:25eu diria, ela é muito grave para o sistema internacional.
27:29Eu vejo que o Putin pode aprontar e ficar muito próximo de realmente causar uma crise maior.
27:36Mas uma disrupção ou uma perda de controle vista pelo Partido Comunista da China,
27:44que morre de medo de alguma coisa, que tem uma revolução e acaba tirando o Partido Comunista do poder,
27:52acho que explica um pouco a reação que a China teve.
27:56Que no começo foi uma coisa meio ambígua, mas que não chegou a dar em momento algum apoio aos russos.
28:05Porque, puxa, você interrompe as cadeias de fornecimento de alimento, ou tem uma guerra maior com arma nuclear.
28:13Puxa, a China está constantemente, a gente vê isso também esses dias, com esse medo de que realmente tenha protesto, tenha manifestação.
28:22Então, eu acho que, no fim, isso de terem três grandes impérios, ou forças,
28:30isso acabou ajudando a conter um pouco a situação.
28:34Eu queria fazer um comentário a esse seu, Duda.
28:37Na atitude passada, a gente falou um pouco de China, com o Rodrigo Natal, que é estrategista-chefe aqui da INVE,
28:44e a gente comentava o quanto protestos, por outras razões, protestos contra as medidas restritivas,
28:52contra a Covid, por exemplo, podem virar um protesto político muito facilmente, de uma hora para outra.
28:58As pessoas estão insatisfeitas com a política.
29:00A política está na garganta ali, né?
29:02Qualquer coisinha.
29:03Ou outra restritiva da Covid, isso vira um abaixo Xi Jinping e de uma forma muito fácil.
29:07Então, é compreensível que o regime chinês tenha esse tipo de preocupação.
29:14Se a gente for observar, um dos capítulos do livro discute exatamente China e a guerra da Ucrânia,
29:19que é escrito pelo Maurício Santoro, que é professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
29:23E ele argumenta, e me parece que ele está correto no argumento dele,
29:26que a guerra para a China não é algo interessante em vários aspectos.
29:31Ou seja, se a gente for pensar, por exemplo, o quanto a China vem se aproximando,
29:36nas últimas duas décadas, de países europeus fundamentais,
29:39vídeo caso da Alemanha, a forma como a União Europeia, e particularmente a OTAN,
29:44ela se unificou nesse conflito, acho que é fundamental a gente lembrar,
29:48quatro anos atrás, a gente estava discutindo uma crise existencial da OTAN,
29:53do Trump dizendo que a OTAN não funcionava para nada,
29:57o Macron falando que a OTAN estava em morte cerebral, quatro anos atrás, cinco anos atrás.
30:03E hoje a OTAN está extremamente unida com a possibilidade que deve se concretizar
30:09da entrada de Suécia, Finlândia, ampliando gastos militares,
30:13com a própria Alemanha se comprometendo em ampliar significativamente seus gastos militares.
30:18Então isso empurrou a Europa para os braços dos Estados Unidos.
30:22A própria disrupção na questão alimentar, energética, cria problemas para a China, sem sombra de dúvida.
30:28E o próprio tema de Taiwan, querendo ou não, a forma como a Rússia atuou com relação à Ucrânia
30:35acendeu um alerta vermelho para outros países que são próximos à China,
30:41da possibilidade da própria China de fato utilizar via militar para tentar recuperar Taiwan.
30:46Então hoje mesmo a notícia de que o Japão, o Japão que tem uma política de defesa pacifista
30:53desde o pós-segunda guerra mundial, oficializou um pedido de compra de mísseis de longo alcance
30:58junto ao governo norte-americano.
31:00Mísseis que só a Grã-Bretanha possui, que o Japão provavelmente vai adquirir.
31:05Então isso envolveu também uma remilitarização crescente do Sudeste Asiático, do Indo-Pacífico,
31:11que para a China também não é interessante.
31:13Só para fechar, me parece, e você tem razão, esse livro a gente terminou de escrever em julho, agosto.
31:20Então houve aí alguns meses que a guerra continuou, infelizmente a guerra continua,
31:24e que a gente não teve como mexer nos capítulos.
31:27E eu acho que uma mudança importante que você citou na tua pergunta
31:30é como o Xi Jinping e mesmo o Naredra Modi, mesmo a Índia,
31:35vem demonstrando algum tipo de insatisfação,
31:39sobretudo no que se refere à possibilidade de uso de armas nucleares estáticas.
31:43Tanto é que parece que houve um certo recuo da alta liderança política da Rússia nesse tema.
31:49A gente pode realmente acabar se surpreendendo e infelizmente ver que essa retórica retorna.
31:55Mas houve um arrefecimento nos últimos meses,
31:58o tema de possibilidade de armas nucleares estáticas,
32:02como se utiliza o termo de armas que teriam uma menor capacidade de destruição,
32:05parece ter arrefecido e acho que isso pode ter alguma relação com críticas indiretas,
32:13muito leves, mas que para um regime chinês é bastante significativo,
32:17de que a guerra está, digamos, criando alguns tipos de disrupções não muito bem-vindas no sistema internacional.
32:24Então isso pode ter segurado um pouco a Rússia, pelo menos a retórica,
32:28nesse ponto que era algo gravíssimo em meados desse ano.
32:31gravíssimo. A gente teve declarações muito graves e principalmente,
32:36acho que um elemento central é, quando a gente vive numa guerra em que parece que o tempo está acelerado,
32:40a gente se esquece muito rapidamente de coisas que aconteceram há meses atrás.
32:44O momento mais grave, me parece, no conflito desse ano,
32:46foi quando o Putin fez o plebiscito para anexar as quatro províncias ucranianas que a Rússia dominou.
32:53E aí havia uma expectativa sobre o que vai acontecer se a Ucrânia retomar parte desses territórios.
32:58E muitos diziam, pode ser que a Rússia utilize a sua doutrina de segurança nacional,
33:03que permite o uso de armas nucleares, para defesa, quando a existência do Estado russo está em perigo.
33:10Houve a recuperação de Kerson, houve a recuperação de territórios,
33:13territórios que supostamente hoje, na visão da Rússia, pertencem à Rússia,
33:18e não houve uma resposta catastrofista.
33:21Ainda bem, mas é só para lembrar o quão complicado a gente estava muito pouco tempo atrás
33:27no que se refere da coisa sair do controle nessa guerra.
33:30Quer dizer, se a Rússia tivesse usado armas táticas nucleares nesse conflito,
33:35ela teria uma justificativa, né?
33:37Olha, mas vocês estão invadindo o meu território aqui, essas...
33:39A doutrina militar russa é ambígua, né?
33:41Ou seja, ela permite o uso de armas nucleares numa situação de defesa,
33:46na medida em que a existência do Estado está em perigo.
33:50Então, ela pode ser atacada por armas convencionais
33:53e ela pode revidar com armas nucleares,
33:55desde que a existência do Estado esteja em perigo.
33:59Só que o que significa a existência do Estado estar em perigo?
34:03A integridade territorial entra como existência do Estado?
34:06Porque hoje, as duas províncias de Dombás, Zaporídia e a província de Kerson,
34:11na visão da Rússia, algo que a comunidade internacional não reconhece,
34:15fazem parte da Rússia, são territórios russos.
34:18Estão sendo atacados pelas tropas ucranianas.
34:22Estão sendo atacados, em parte, com uma grande ajuda militar do Ocidente,
34:26que é um outro complicador.
34:27O Ocidente ajuda militarmente de uma forma muito significativa a Ucrânia,
34:32mas não com armas de longo alcance.
34:34Mas ajuda muito.
34:35A Ucrânia não conseguiria fazer absolutamente nada
34:38em termos de uma contra-efensiva bem-sucedida
34:40se não fosse a ajuda militar do Ocidente.
34:42Então, isso leva a várias questões.
34:44O que aconteceria?
34:45Ainda bem, não aconteceu nada do que já se imaginava,
34:49que é a Rússia tentar evitar com que esses territórios caíssem nas mãos ucranianas
34:53e não uma resposta catastrofista.
34:56Mas, enfim, é difícil a gente cravar que isso não possa mudar
35:00e que esse discurso irresponsável de uso de armas nucleares,
35:05velado, cifrado, que o Putin e outros membros da alta cúpula política do Kremlin usam,
35:11não possa retornar.
35:14Felipe Loureiro, eu queria saber um pouco a tua visão
35:17de como é que a direita e a esquerda aqui no Brasil reagiram a essa invasão russa da Ucrânia.
35:26Algum programa nosso aqui, eu não sei se foi para uma entrevista,
35:31o Paulo Roberto de Almeida comentou que o Brasil, no passado,
35:36na época do Estado Novo, Getúlio Vargas,
35:39quando a Alemanha invade a Polônia, tem uma condenação.
35:42E essa condenação não aconteceu aqui nem do governo Bolsonaro,
35:48nem do então candidato ainda, Lula, aqui nas eleições no Brasil.
35:53O Brasil fez certo em tomar distância e não condenar essa invasão?
35:58Como é que você vê isso?
36:00Bom, acho que são duas coisas.
36:01Primeiro, é importante lembrar que durante o Estado Novo também,
36:04o Brasil por um certo tempo manteve depois uma postura bem ambígua
36:07com relação à Alemanha e Estados Unidos,
36:10só em 41 mesmo que o Getúlio Vargas, 42 principalmente,
36:14vai tomar a decisão de se alinhar aos aliados e aí sim vai romper relações com o eixo.
36:19Mas, pegando um pouco da tua pergunta,
36:22a postura brasileira na ONU, se você olhar no Conselho de Segurança,
36:28o Brasil faz parte do Conselho de Segurança como membro rotativo,
36:32e nasce em OLEA-Geral, ela foi uma postura de votar condenando as ações da Rússia.
36:37Então, houve duas resoluções importantíssimas que foram votadas na Assembleia Geral da ONU,
36:42em março, e essas resoluções, elas condenavam as ações da Rússia de maneira muito clara
36:47e o Brasil votou favoravelmente.
36:49O Brasil se absteve no Conselho de Direitos Humanos,
36:51no tema da expulsão da Rússia no Conselho de Direitos Humanos.
36:55Mas você tem razão que autoridades brasileiras,
36:59sobretudo o presidente da República, tiveram uma postura de solidariedade,
37:04o presidente foi à Rússia momentos antes do conflito acontecer.
37:10Então, na medida em que o chefe de Estado toma esse tipo de posição,
37:14ele está, de uma maneira indireta ou até direta,
37:17prestando mais apoio, claro, a um lado do que ao outro.
37:21Você me perguntou sobre a questão da direita e da esquerda.
37:24Tem um capítulo no livro das professoras Isapena e Mônica Herz,
37:28que elas analisam como a guerra da Ucrânia criou uma espécie de curto circuito
37:34dentro do bolsonarismo.
37:35Porque a queda do Yanukovych, que você mencionou, da Euromaidan, em 2014,
37:42você tem um crescimento importante da extrema-direita ucraniana nesse processo.
37:47Inclusive, parte dessa extrema-direita vai se militarizar,
37:50vai ajudar as tropas ucranianas contra o separatismo do Dombássico.
37:55Parte vai ser incorporada, inclusive, oficialmente, ao exército ucraniano,
37:59que vai ser uma grande crítica com relação a como o Poroshenko agiu
38:04frente a esses grupos de extrema-direita.
38:07Então, alguns setores do bolsonarismo enxergavam essa atuação da extrema-direita ucraniana
38:12desde 2014 com ótimos olhos e queriam até essa ucranização aqui no Brasil.
38:18Por um outro lado, você tem um setor, ainda mais depois do Bolsonaro
38:21se aproximar do Putin no início de 2022, que é muito claro isso,
38:26um setor que vê no Putin, nesse antiglobalismo, na questão dos valores da família,
38:32dos valores religiosos, do neoconservadorismo, do ultranacionalismo que o Putin representa,
38:38um caminho também a ser preservado e ser fortalecido.
38:41Então, há um curto-circuito que é interessante e que talvez possa ajudar a entender
38:46os sinais diversos de um Bolsonaro, por exemplo, chegando a defender a Rússia
38:52em determinados momentos, até de forma explícita,
38:54e o Ernesto Araújo com uma posição distinta, o ex-ministro das Relações Exteriores,
38:59que vai dizer que, de forma alguma, não pode se apoiar o que a Rússia está fazendo.
39:03No caso da esquerda, você vai ter setores que entendem que,
39:09por mais que a expansão da OTAN tenha se transformado numa preocupação legítima da Rússia,
39:17e que, de fato, a ação dos Estados Unidos em ter permitido essa expansão,
39:21de não ter integrado a Rússia numa arquitetura de segurança europeia pós-Guerra Fria,
39:26sejam problemáticas e legitimem as preocupações da Rússia,
39:31a invasão, o desrespeito à integridade territorial de um Estado soberano,
39:37a autodeterminação dessa sociedade, ainda mais, não só pela carta da ONU,
39:41a Rússia, inclusive, assinou acordos de reconhecimento da soberania ucraniana,
39:46isso é inadmissível.
39:48E, por um outro lado, você vai ter segmentos que entendem que a dinâmica do conflito,
39:55por causa da expansão da OTAN, se não justificam propriamente,
39:59explicam de uma forma em que essa condenação acaba ficando mais debaixo dos panos,
40:05ou ela não tem uma importância tão grande assim.
40:07E aí me parece que a questão do anti-americanismo,
40:11a gente sabe que os Estados Unidos têm uma história longeva aqui na América Latina
40:15de intervenções, de construção de império informal e muitas vezes formal aqui na América Latina,
40:24e esse anti-americanismo acaba muitas vezes transparecendo na forma como interpreta as ações da Rússia,
40:30porque a Rússia hoje, querendo ou não, faz um contraponto aos Estados Unidos,
40:33e esse contraponto acaba sendo valorizado em que pese o fato de a gente estar falando em algo que,
40:39a meu ver, do ponto de vista jurídico e do ponto de vista moral, é indefensável.
40:45A gente tem, às vezes, um pouco a impressão, em relação às instituições da esquerda,
40:49que o imperialismo russo, talvez por ser mais distante da América Latina, é mais tolerável.
40:55Quando me parece que a perspectiva realista, do ponto de vista de uma Ucrânia que queira se manter independente,
41:04independente principalmente da ameaça da Rússia, que considera aquilo um pedaço de uma pan-rússia,
41:12é tentar se abrigar na OTAN, ou em alguma...
41:15É um pouco a... não conseguir sair da perspectiva brasileira e latino-americana
41:21de que o imperialismo americano é o prejudicial quando eles estão na fronteira com o imperialismo russo.
41:27Uma é uma Rússia, de fato, com ambições imperialistas e de...
41:32colocar essa Ucrânia dentro de si, sem autonomia, sem ser o país independente que eles querem ser.
41:43Uma outra coisa interessante, que a gente conversou um pouco antes de vir gravar,
41:49sobre a guerra, é como os ataques da Rússia têm vitimado principalmente as regiões da Ucrânia
41:55que falam russo, que são culturalmente... não se identificam com o Putin, nem com o governo russo,
42:02bem entendido, mas são culturalmente russos, falam russo.
42:06O próprio Volodymyr Zelensky, como você lembrou, ele foi alfabetizado em Rússia,
42:10e até hoje fala ucraniano com alguma dificuldade.
42:14Mas a ofensiva russa tem se concentrado principalmente nessas regiões.
42:19Ao passo que o oeste da Ucrânia, que historicamente é mais...
42:23historicamente é mais forte o nacionalismo ucraniano, a cultura ucraniana,
42:28do ponto de vista da língua também, está sendo relativamente poupado.
42:30Exato. E isso, inclusive, em um dos capítulos do Taras Kuzio, ele fala exatamente isso.
42:35Como construir uma nação, são três revoluções e duas guerras.
42:40E aí ele pega desde a Revolução do Granito, na construção da Ucrânia independente,
42:45o caso da chamada Revolução Laranja, e aí a Euromaidan de 2014,
42:50como elas teriam sido fundamentais na construção da...
42:53construção não, no fortalecimento da identidade nacional ucraniana,
42:56e as duas guerras aí sim, sobretudo a de 2022, 2014 também,
43:01mas sobretudo a de 2022, aí representam algo muito significativo.
43:06Porque se você observar, observe o caso do Yanukovych,
43:10que era o presidente que foi deposto em 2014,
43:13o partido dele, que era o partido das regiões,
43:16ele tinha a votação forte, sobretudo no leste da Ucrânia.
43:20Em particular na região de Dombás, nas duas províncias, Luhansk e Donetsk,
43:25onde o conflito ainda está acontecendo, de maneira muito intensa hoje,
43:29que foi parte do início dessa guerra,
43:32quando a Rússia reconhece a independência dessas duas províncias,
43:34agora são duas províncias que a Rússia entende que são suas.
43:38A gente ali tem uma votação muito expressiva a favor do Yanukovych,
43:41do partido dele,
43:43só que essa região e outras, como você falou, de fala russa,
43:46estão sendo hoje, literalmente, o palco da guerra.
43:50Se você olhar Kharkiv, que é a segunda maior cidade da Ucrânia,
43:54uma cidade de fala majoritariamente é russófona,
43:57é uma cidade que sofreu bastante o conflito.
43:59Então, a forma como essa população hoje enxerga a relação entre Rússia e Ucrânia,
44:05apesar de ser difícil a gente conseguir aferir no calor do conflito,
44:09tudo indica que é uma relação que vai ser bastante complicada.
44:12E é um ponto que o Paul Janieri, no terceiro capítulo,
44:15ele argumenta, que eu acho que vale a pena aqui ressaltar,
44:18o quanto, a partir do momento que a Rússia invade a Crimea em 2014,
44:22e ajuda os separatistas do Dombás a partir de 2014,
44:25e como essas duas regiões eram as regiões que davam mais voto
44:28para políticos mais simpáticos à Rússia dentro da Ucrânia,
44:32a Rússia perde qualquer possibilidade de concorrer às eleições nacionais na Ucrânia,
44:36fica muito mais difícil.
44:37E aí entra de novo aquele argumento da Ucrânia sendo perdida irremediavelmente para o Ocidente.
44:43Mas esse ponto que você tratou é central.
44:46As regiões mais destruídas são as regiões que têm uma identificação maior com a cultura russa,
44:51o que não significa que eles se identifiquem nacionalmente como russos na sua maioria.
44:56Na sua maioria se identificam como ucranianos já antes da guerra e com o dia de 2014,
45:01mas obviamente que têm uma relação mais próxima com a cultura russa.
45:05E a guerra tende a tornar isso muito difícil.
45:08A relação entre as sociedades ucranianas e russas, depois desse conflito,
45:12independentemente de como o conflito vai acabar,
45:14tende a ser uma relação muito complicada daqui para frente.
45:18Mas concluindo um pouco, o Putin vai, nessa ação bélica,
45:23ele vai fortalecer muito esse nacionalismo ucraniano, que vai ficar super forte.
45:29Fortaleceu a OTAN.
45:30Já está fortalecendo ambos.
45:32Suécia e Finlândia, notaram, é uma coisa inimaginável,
45:35porque são décadas de neutralidade militar dos dois.
45:37Décadas, literalmente, né?
45:39É uma guerra que, enfim, tem resultado totalmente adverso para quem gerou ela,
45:44para quem inventou isso daí, certo?
45:46Eu não consigo visualizar, ou seja, ganhos significativos da Rússia nesse conflito.
45:54Ela está o quê?
45:54Ganhou alguns territórios, que a gente não tem clareza se ela vai ter condições de controlar dentro da Ucrânia.
46:00Tudo indica que não vai ser nada simples controlar esses territórios.
46:05Há, de uma certa forma, do ponto de vista simbólico, essa imagem da Rússia como uma que faz oposição aos Estados Unidos,
46:13e de uma certa maneira tem como arregimentar nessa narrativa anti-Estados Unidos globalmente.
46:19Mas do ponto de vista da relação entre Rússia e Europa, por exemplo, pense no caso energético.
46:24Pense no caso energético.
46:26A Rússia vinha construindo uma relação de interdependência com a Europa de décadas.
46:31A Europa tomou a decisão de cortar essa relação de uma forma muito significativa.
46:36E isso não é algo, como aqui nesse estúdio que a gente liga a luz, desliga a luz,
46:40não é algo que você liga um gasoduto, desliga o gasoduto.
46:43Não é tão simples.
46:44A partir do momento que você toma uma decisão de cortar o cordão umbilical dessa dependência energética,
46:48para você reconstruir, não é algo que você reconstrói daqui a um, dois anos.
46:53Então, do ponto de vista do comércio exterior, do ponto de vista das finanças,
46:56a Rússia está sofrendo sanções financeiras muito significativas.
47:03E, ao mesmo tempo, toda essa discussão que envolve o nacionalismo ucraniano, o fortalecimento da OTAN.
47:10Então, eu não consigo enxergar ganhos da Rússia pelo que está acontecendo.
47:16Óbvio que, pode ser que colegas meus, outros estudiosos,
47:20achem alguma coisa.
47:22Mas eu não consigo realmente visualizar grandes ganhos para a Rússia nesse conflito,
47:27como ele está se desenvolvendo, não.
47:28Já.
47:29O Teg, tem que fazer uma pergunta?
47:31Não, não.
47:31Acho que o básico era isso.
47:34Você...
47:35Já falamos da parte do Brasil, né?
47:38Já.
47:38Já.
47:38Já falamos.
47:40Tá bom.
47:40Loureiro, parabéns pelo livro.
47:44A gente leu aqui meio que se dividindo, né?
47:46Então, deixo aqui para vocês.
47:49Linha vermelha, a guerra da Ucrânia e as relações internacionais no século XXI.
47:54Editora da Unicamp, né?
47:55Editora da Unicamp.
47:56Felipe Loureiro, historiador, professora junto do IRI, da USP, que organizou tudo isso daqui.
48:03Então, muito obrigado pela sua participação.
48:06Obrigado, Felipe.
48:07Eu que agradeço.
48:08Foi um prazer enorme estar aqui com vocês.
48:10Ortega, obrigado.
48:12Obrigado, Duda.
48:13E é isso daí.
48:14Esse, então, foi o quinto número do podcast Latitude.
48:18Toda terça-feira, sempre às nove da noite, nós vamos trazer análises e informações sobre a política mundial.
48:25Se você gostou, curta, compartilhe, toque o sininho, comente.
48:32A gente sempre lê os comentários.
48:34É muito bom ter vocês.
48:35O nosso jornalismo é um jornalismo independente, imparcial.
48:40Enfim, nós precisamos de vocês aí.
48:42Também das assinaturas, se vocês gostam da Cruzoé e gostam do Antagonista, não deixem de assinar.
48:49Muito obrigado e até a próxima.
48:51Até a próxima.
48:52Boa noite.
49:12E aí

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