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  • 22/06/2025
Feijão preto, rabada, angu, milho, frango com quiabo. Ingredientes populares no cotidiano do brasileiro contam histórias que remontam aos séculos de resistência negra no país. Parte da culinária de matriz africana, esses alimentos compõem os saberes que sustentam comunidades quilombolas, territórios vivos de ancestralidade e cultura, onde comida, espiritualidade e pertencimento se unem.


⁠Leia a íntegra da reportagem⁠⁠
https://www.em.com.br/degusta/2025/06/7174878-a-ancestralidade-e-as-historias-da-culinaria-quilombola.html

O⁠ ⁠⁠⁠⁠⁠⁠⁠⁠⁠Notícia em áudio⁠⁠⁠⁠⁠⁠ é um podcast do⁠ jornal ⁠Estado de Minas⁠⁠ ⁠⁠⁠⁠que lê, aos sábados e domingos, uma grande reportagem para você ouvir no seu tempo. Sem deixar que a pressa do dia a dia atrapalhe a imersão no tema. Afinal, uma boa história merece ser contada e recontada muitas vezes. E em vários formatos.

Reportagem: Nara Ferreira
Locução: Mannu Meg
Arte sobre foto de Rede Terra/Divulgação
Coordenação: Rafael Alves

#ancestralidade #bh #culinaria #mineira

Categoria

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Notícias
Transcrição
00:00Olá, eu sou Mano Meg e este é o Notícia em Áudio, um podcast do jornal Estado de Minas
00:06que lê aos sábados e domingos uma grande reportagem para você ouvir no seu tempo.
00:12O texto de hoje é da repórter Nara Ferreira.
00:16A ancestralidade e as histórias da culinária quilombola.
00:21Feijão preto, rabada, angu, milho, frango com quiabo.
00:25Os ingredientes populares no cotidiano do brasileiro contam com histórias que retomam aos séculos da resistência negra no país.
00:34Parte da culinária de matriz africana, esses alimentos compõem os saberes que sustentam comunidades quilombolas,
00:42territórios vivos de ancestralidade e cultura onde comida, espiritualidade e pertencimento se unem.
00:50Minas Gerais é o terceiro estado com maior número de quilombolas no país.
00:56São 135.310 pessoas, segundo o Censo de 2022.
01:03Entre elas, 5.735 vivem em Berilo, município do Vale do Jequitinhonha.
01:10Lá, 12 comunidades mantêm suas tradições com base na agricultura familiar, no artesanato, na oralidade e, claro, na comida.
01:21Uma das mais potentes expressões de memória.
01:25Não é só o prato, é todo um saber passado de geração em geração.
01:30A comida tem um lugar sagrado dentro da comunidade e, muitas vezes, carrega símbolos religiosos, formas de cultura e de organização coletiva,
01:41explica o cientista social Rodrigo Rafael Gonzaga, pesquisador da UFMG e integrante do Banco de Fontes Negras da instituição.
01:50O alimento é bem coletivo.
01:53O ato de se alimentar também é coletivo, que fortalece vínculos e afirma identidades.
02:01A culinária brasileira carrega fortes influências das tradições alimentares africanas, trazidas durante o período do colonialismo.
02:10Ingredientes como o feijão preto, o cuscuz e a canjica, amplamente consumidos no país,
02:15têm origem nos hábitos alimentares dos povos africanos escravizados e foram incorporados ao cotidiano nacional com o passar do tempo.
02:25Muitos dos temperos e ingredientes usados atualmente em receitas ao redor do mundo também têm raízes africanas.
02:33O óleo de dendê, o leite de coco e a noz moscada são exemplos de sabores que atravessaram o Atlântico
02:40e ganharam espaço definitivo em cozinhas de diversos países.
02:45No Brasil, especialmente na Bahia, o leite de coco e o dendê são elementos fundamentais na preparação de moquecas e outros pratos com frutos do mar.
02:56Embora muitas vezes não se reconheça a sua origem, esses alimentos de base africana
03:02seguem fundamentais em cozinhas tradicionais e contemporâneas em diversas partes do mundo.
03:09A força simbólica da alimentação, como um elo entre memória, terra e identidade,
03:15também aparece em obras literárias contemporâneas, como Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior.
03:23As protagonistas, descendentes de trabalhadores escravizados, vivem em íntima relação com a terra,
03:30de onde tiram o sustento e com a qual mantém um pacto silencioso de sobrevivência.
03:38Assim como nos quilombos de Minas Gerais, a comida em Torto Arado é a expressão de resistência negra.
03:46No coração de Belo Horizonte, mais exatamente no bairro Santa Efigênia,
03:50O quilombo urbano e religioso, Manzo Ungunzo Cayango, também mantém viva essas práticas.
03:58Fundado em 1970 por mãe efigênia, Mametu Munyande, o terreiro que fica na região leste da capital,
04:07é reconhecido desde 2018 como Patrimônio Cultural de Minas Gerais.
04:12A religiosidade de matriz africana estrutura a vida da comunidade, inclusive na alimentação.
04:20Joana Dark da Silva, filha de Mametu e irmã de Macota Quindoyale, é a responsável pela cozinha do Manzo.
04:29Minha mãe trabalhava para um patrão, cuja mãe estava muito doente.
04:33Ele pediu para que ela chamasse o preto velho para benzer.
04:37Depois, quis recompensá-la com dinheiro.
04:39Mas isso não é permitido dentro da nossa tradição.
04:43Então, em agradecimento, ele deu um pedaço de terra que virou a senzala Pai Bendito.
04:49Com o tempo, a área passou a abrigar várias famílias.
04:55No entanto, depois, todas foram removidas do local.
04:59Nos levaram para um abrigo e derrubaram tudo.
05:02Mas voltamos para o território.
05:04Lembra Joana?
05:05A retomada teve apoio de sua irmã, Macota Quindoyale, que foi buscar explicações sobre a expulsão.
05:13Foi ela quem começou a levantar documentos e provas que ali vivia uma comunidade.
05:20Foi aí que descobrimos também que éramos quilombos.
05:24A comida faz parte da história da nossa comunidade.
05:27Não é receita de faculdade.
05:29É saber ancestral.
05:31Cada prato tem uma função espiritual, diz.
05:33Ela explica que as refeições só podem ser preparadas por mulheres mais velhas, que já não menstruam,
05:40pois as comidas sagradas não devem ser manipuladas com o corpo aberto.
05:47Nos quilombos, cada ingrediente tem significado.
05:51O milho representa a fartura.
05:53O feijão preto é associado a ogum, orixá, ferreiro e guerreiro.
05:58A preparação e refeição coletiva reforça vínculos.
06:04A gente não aprendeu em livro.
06:06É no convívio.
06:07Cozinhar é uma forma de ensinar e manter a nossa história viva.
06:11É o que a gente tem de mais forte.
06:13Afirma Joana Dark.
06:15Entre os pratos tradicionais, Joana destaca a acaçá.
06:20É um prato de angu feito com canjica branca moída, leite de coco, açúcar.
06:25Depois, é enrolado na folha de bananeira em formato de pirâmide, que simboliza o equilíbrio.
06:32Tudo isso é preparado com um pano branco, em um espaço limpo com muito respeito.
06:39O prato é comumente preparado para ritos religiosos.
06:44E nada é descartado.
06:45Restos de alimentos ou de oferendas são enterrados junto às folhas de bananeira ou mamona em forma de composteira.
06:55É uma forma de respeito ao meio ambiente.
06:59Cada prato conta uma história.
07:01O angu, o fubassoado e a feijoada.
07:04Tudo tem uma ligação com o que se planta e colhe dentro do quilombo.
07:09Não é só uma refeição.
07:11É uma forma de manter a nossa memória.
07:13Afirma Fabiana Paula Ferreira, de 44 anos, moradora do Quilombo do Ribeirão, em Brumadinho,
07:20na região metropolitana de Belo Horizonte.
07:23Além de forma de preservação da memória, a culinária também é ferramenta de valorização econômica e cultural dos quilombos.
07:33Em Brumadinho, comunidades como Ribeirão, Marinhos, Sapé e Rodrigues participam do Circuito dos Quilombos,
07:42uma rota de turismo de base comunitária organizada pelo projeto Céu de Montanhas,
07:49projeto de turismo rural e de base comunitária desenvolvido pela Vale, em parceria com a Rede Terra.
07:56Lançado em 2022, o catálogo Céu de Montanhas reúne cerca de 40 vivências rurais, gastronômicas,
08:05artísticas e bem-estar disponíveis na região.
08:08E é uma das iniciativas do Programa de Turismo de Brumadinho.
08:13Durante as visitas às comunidades, os turistas conhecem tradições, cantos, danças,
08:20artesanatos e, claro, receitas quilombolas.
08:24Além disso, tem a oportunidade de participar de uma oficina de pulseira de semente de Lágrima de Nossa Senhora,
08:33colhidas na própria comunidade e experimentam drinks feitos com ingredientes locais.
08:40No almoço, a feijoada do quilombo Ribeirão faz sucesso.
08:45É uma comida comum para a gente, mas que encanta quem chega.
08:49O que para nós é cotidiano, vira aprendizado para quem vem de fora.
08:54Conta Fabiana, que prepara a feijoada com carne de porco, feijão preto e cheiro verde colhido na horta comunitária.
09:02A comida, segundo ela, também varia com as estações.
09:07Se tem muita mexerica, a gente faz bolo, salada, nada se perde.
09:11A visita se encerra em Marinhos, o mais antigo dos quatro quilombos.
09:17Após conhecer as bonecas artesanais feitas pelas mulheres da comunidade,
09:22os visitantes assistem uma apresentação de cânticos tradicionais
09:26e aprendem sobre a história e as manifestações culturais locais.
09:31Uma roda de bênçãos é conduzida pela matriarca Dona Nair, que encerra a visita.
09:37Rodrigo Rafael Gonzaga acredita que o fortalecimento do afroturismo pode ser um caminho de inclusão para os quilombos,
09:46desde que seja respeitosa e participativa.
09:50As comunidades sempre desenvolveram ações isoladas.
09:53Agora estão organizando experiências mais estruturadas, como vivências, festas, oficinas e refeições.
10:00É turismo com base comunitária, que valoriza saberes locais e promove autonomia.
10:07A analista de sustentabilidade do Vale, Daniele Teixeira, avalia que projetos como o Circuito dos Quilombos,
10:14realizado anualmente por meio de reservas agendadas, impactam a região de diversas formas.
10:22A iniciativa responde a uma demanda, a um processo de escuta.
10:26O que é valorizado, o que é local.
10:30Além de promover empoderamento, gera um sentimento cada vez maior de pertencimento para as lideranças
10:36e, principalmente, para as comunidades quilombolas, que por tanto tempo ficaram à margem da sociedade.
10:44É uma forma de dar visibilidade à cultura, ao modo de receber a gastronomia, as tradições, as bênçãos dessas comunidades.
10:54Ainda que sejam quatro comunidades, Fabiana conta que todas são muito unidas, como se fossem uma só.
11:03Hoje, a gente luta para não deixar essa tradição acabar, para que a história e o legado dos nossos não caia no esquecimento.
11:12A gente quer evitar esse negócio de briga, de separação.
11:16A luta hoje é pela resistência.
11:18Resistir para não deixar que tudo isso se perca.
11:22Danieli pontua que o objetivo do circuito de experiências como essa é também permitir que cada vez mais pessoas da própria comunidade
11:32permaneçam em seus territórios, gerando trabalho, renda e valorização à parte do turismo.
11:39A ideia é que o turista vá até lá, conheça, seja recebido e que a principal fonte de renda venha dessa vivência.
11:48Tudo isso de forma estruturada, respeitosa, mas sem que as pessoas precisem de se submeter a outros tipos de trabalho,
11:56que possam viver com dignidade e honestidade a partir daquilo que já possuem, sua cultura, suas tradições e sua gastronomia.
12:06A íntegra desta reportagem foi publicada no Jornal Estado de Minas em 16 de junho de 2025.
12:15Acompanhe as notícias mais importantes para o seu dia a dia em nosso site, em.com.br.
12:21E siga a gente no WhatsApp para atualizações urgentes.
12:25Até a próxima notícia em áudio.

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