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  • 31/05/2025
“O que está acontecendo com os chefs?”, “Mais uma perda para a gastronomia”, “Todo dia morre um cozinheiro”, são alguns dos comentários que se repetem a cada nova notícia sobre a morte de um (a) profissional da cozinha. Só em Belo Horizonte, cinco tragédias foram registradas neste ano.

⁠Leia a íntegra da reportagem⁠⁠ https://www.em.com.br/gerais/2025/05/7129116-mortes-na-gastronomia-por-que-nossos-chefs-estao-doentes.html

O⁠ ⁠⁠⁠⁠⁠⁠⁠⁠⁠Notícia em áudio⁠⁠⁠⁠⁠⁠ é um podcast do⁠ jornal ⁠Estado de Minas⁠⁠ ⁠⁠⁠⁠que lê, aos sábados e domingos, uma grande reportagem para você ouvir no seu tempo. Sem deixar que a pressa do dia a dia atrapalhe a imersão no tema. Afinal, uma boa história merece ser contada e recontada muitas vezes. E em vários formatos.

Reportagem: Nara Ferreira
Locução: Laura Scardua
Arte sobre foto de Freepik
Coordenação: Rafael Alves

#BH #minasgerais #chefs #gastronomia

Categoria

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Notícias
Transcrição
00:00Olá, eu sou Laura Escárdoa e este é o Notícia em Áudio, um podcast do Jornal Estado de
00:07Minas que lê, aos sábados e domingos, uma grande reportagem para você ouvir no seu
00:12tempo.
00:13O texto de hoje é da repórter Nara Ferreira.
00:16Morte-se na gastronomia.
00:18Por que nossos chefes estão doentes?
00:21O que está acontecendo com os chefes?
00:23Mais uma perda para a gastronomia.
00:25Todo dia morre um cozinheiro.
00:27São alguns dos comentários que se repetem a cada nova notícia sobre a morte de um
00:32profissional da cozinha.
00:34Só em Belo Horizonte, cinco tragédias foram registradas neste ano.
00:38A mais recente foi a de Aline Elias, proprietária do bar e restaurante Santo Boteco, no bairro
00:44São Pedro, na região centro-sul da capital mineira.
00:47Muitas dessas mortes não tiveram as causas divulgadas.
00:50No entanto, amigos e colegas de profissão apontam a saúde mental e a falta de qualidade
00:54de vida como fatores constantes na rotina dos cozinheiros, categoria marcada por jornadas
01:00longas e pressão constante.
01:02Atualmente, não existem dados específicos sobre taxas de suicídio na gastronomia no
01:07Brasil.
01:07No entanto, indicadores globais mostram uma tendência preocupante.
01:11Uma pesquisa conduzida pela Organização Britânica de Prevenção ao Suicídio, a Ripple, em agosto
01:17de 2024, entrevistou 2.010 trabalhadores do setor de hospitalidade.
01:22Os resultados revelaram que 59% enfrentam dificuldades relacionadas à saúde mental
01:27no trabalho.
01:28Metade admitiu já ter tido pensamentos autodestrutivos.
01:32Entre aqueles que avaliaram seu bem-estar mental como ruim, 66% atribuíram essa condição
01:37às exigências do trabalho.
01:39Um estudo australiano publicado em 2022 revelou que chefes apresentam risco significativamente
01:44maior de suicídio em relação às outras profissões, especialmente as mulheres.
01:48Na Nova Zelândia, um relatório de 2023 da Umbrella Wellbeing apontou sofrimento mental
01:54significativo em quase 10% dos chefes entrevistados, além de altos níveis de fadiga física e
02:00emocional.
02:01A pressão da cozinha também é retratada em obras audiovisuais, como Chef, Sem Reservas,
02:07Pegando Fogo e, mais recentemente, The Bear, ou O Urso, em português, que mostra a história
02:12de Carme, chefe renomado que herda o restaurante do irmão após seu suicídio.
02:18No enredo, o protagonista lida com ansiedade, estresse pós-traumático e o desafio de reerguer
02:23um negócio falido.
02:25O psiquiatra epidemiologista e professor do Departamento de Medicina Preventiva Social
02:30pela UFMG, Eliane Nunes, observa que a ficção não exagera.
02:34O docente tem uma iniciativa que une filmes e séries com estudos na área da psicologia.
02:39Esses filmes ilustram bem a rotina de competição, alta performance e o desafio de conciliar tudo
02:45isso com a vida pessoal e familiar, bem como as consequências desse estilo de vida.
02:50Os reality shows também marcam presença, mostrando como não há lugar para simplicidade,
02:56calmarias e erros.
02:58Alguns deles são amplamente conhecidos, como o Masterchef, que foi importado para o Brasil,
03:03Hell's Kitchen com o aborrecido chefe Gordon Ramsay e o Cake Boss na área da confeitaria.
03:08Mas a resposta para essas mortes não está apenas no sofrimento mental individual, mas
03:13em uma cultura de abusos e desvalorização naturalizada nas cozinhas.
03:18Daiana Alves Pereira, de 37 anos, chefe confeiteira e proprietária da confeitaria Alzucar, relembra
03:24o tempo em que liderava uma equipe de 14 pessoas, com sua maioria sendo homens, em uma famosa
03:29confeitaria da capital mineira.
03:32Embora a experiência tenha sido enriquecedora, ela relata a resistência da equipe em ser
03:36liderada por uma mulher jovem, episódios de assédio moral, falta de insumos, má gestão
03:42e desrespeito aos direitos trabalhistas.
03:45Com o tempo, Daiana passou a sofrer crises de ansiedade, a chorar durante o trajeto para
03:50casa e se demitiu em 2018, abrindo seu próprio negócio.
03:54Do outro lado da história está Yves Saliba, de 33 anos, chefe e dono de três restaurantes
04:01em BH, Pelui, focado em cozinha contemporânea, cutina de pastalho, restaurante de massas e
04:07o Odoya Cozinha, que oferece uma experiência costeira.
04:11Ele começou na cozinha da lanchonete da mãe e passou por restaurantes com estrela Michelin
04:15na Itália, onde vivenciou jornadas de 16 horas diárias, agressões físicas, humilhações
04:21e um ambiente de trabalho tóxico.
04:24A gente idolatrava essa pressão.
04:26Quanto mais a gente sofria, melhor parecia ser para o nosso crescimento.
04:30Relata e destaca que esse modelo de trabalho é muito característico da cozinha francesa,
04:36que carrega um estilo militar e técnicas culinárias precisas.
04:39Ao voltar para o Brasil, um ano depois, Yves replicou o que aprendeu por pelo menos dois
04:45anos.
04:46Continuei trabalhando por mais de 12 horas e se alguém errasse, era frigideira voando,
04:51gritaria e intimidação.
04:53Hoje vejo que isso me fazia mal também.
04:55Tanta pressão fez o cozinheiro expandir as lanchonetes.
04:59No total, eram nove e um restaurante.
05:01Porém, a pandemia mudou tudo.
05:03Com a Covid-19, Yves declarou falência e entendeu que precisava mudar.
05:08Durante esses anos, eu engordei 40 quilos, reflexo deste estilo de vida.
05:13E entendi que não é porque aprendi apanhando que precisava ensinar batendo.
05:18Hoje, na minha cozinha, não pode nem palavrão.
05:22Ele relata que muitos cozinheiros usam substâncias como válvula de escape, como drogas, álcool,
05:27cigarro e café.
05:28O psiquiatra Elian Nunes relata que no ambulatório é frequente o consumo de bebidas alcoólicas
05:33como uma fuga.
05:34Porém, a mesma substância piora a saúde mental do indivíduo.
05:38O docente cita que a somatização desses problemas pode gerar atrasos, sendo que
05:43antes o profissional era pontual, erros constantes, irritabilidade, entristecimento, impaciência,
05:49impulsividade e entre outros sintomas.
05:52Além da cultura de abusos, Yves aponta um outro agravante, a romantização das cozinhas
05:57nas redes sociais.
05:58A nova geração entra com um deslumbramento, como se tudo fosse como nos reality shows,
06:04mas ao mesmo tempo, ela não tolera abusos.
06:07Isso é positivo, mas há um choque de realidade.
06:10Além disso, ele cita que muitos profissionais se comparam com o padrão irreal criado na internet,
06:15gerando frustração.
06:16Eberton Borodinas Quirino, de 30 anos, chefe e dono do Maria, Cozinha Brasileira, e do
06:22UNA, Jantar Secreto, também sente os reflexos das redes sociais.
06:27Ele fez um desabafo após a morte de Aline Elias, criticando o comportamento dos clientes.
06:32O conceito do Maria é casa de vó.
06:35Esses dias, um funcionário foi destratado porque serviu café em Copo Lagoinha, sendo
06:40que esta é exatamente a proposta da casa.
06:43Para ele, críticas construtivas são bem-vindas, mas há uma falta de empatia pós-pandemia,
06:48principalmente vinda de influenciadores e de clientes com síndrome de Masterchef.
06:53Um erro vira post.
06:55Essas pessoas esquecem que tem um pai e uma mãe de família ali.
06:59Um prato errado não precisa virar uma destruição pública.
07:02E, apesar do amor pelo ofício, Eberton lembra que a cozinha também é um negócio.
07:08Amo o que faço, trabalhar com a minha equipe.
07:10Mas, no final, preciso colocar a cabeça no travesseiro e saber que paguei as contas
07:15e meus funcionários.
07:17Quando me mudei para BH, pagavam R$ 2.000 para um chefe liderar oito pessoas.
07:22Isso está mudando, mas ainda existe desvalorização.
07:25A formalização do ofício de cozinheiro ou gastrônomo tem sido objeto de discussão
07:30legislativa há pelo menos duas décadas, mas enfrenta forte resistência política e econômica.
07:36Diversos projetos já foram apresentados no Congresso Nacional, mas a sequência
07:40de propostas rejeitadas mostra falta de prioridade para o tema e destaca o quanto ainda há a se avançar
07:47em termos de valorização profissional e proteção legal da categoria.
07:51A informalidade e a baixa qualificação também afetam diretamente a sobrevivência dos negócios.
07:56Segundo dados do SEBRAE, a taxa de mortalidade das empresas do setor de serviços é de 26,6%
08:03nos primeiros cinco anos, sendo uma das mais altas entre os setores econômicos.
08:08Em Minas Gerais, estado com forte presença da gastronomia, a taxa de mortalidade empresarial
08:13atinge 30%, a maior do país.
08:16Por outro lado, a regulamentação, se não vier acompanhada de incentivos e políticas públicas,
08:23pode pressionar ainda mais os pequenos empresários.
08:26O custo com o pessoal é um dos maiores entraves operacionais, sobretudo para bares, restaurantes
08:31e padarias.
08:33Durante o debate sobre a escala 6x1, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes alertou para
08:38a redução da jornada de trabalho, sem contrapartidas, que pode elevar os preços dos cardápios
08:43em até 15%.
08:45A opinião é rebatida por profissionais da área e também por empresários.
08:49Um exemplo é da arquiteta e padeira Renata Rocha Pereira, do Albertina Pães, que estruturou
08:54seu negócio desde o início com escalas humanas, cinco dias de trabalho para dois de descanso.
09:00Se defendo processos naturais e lentos para o pão, seria contraditório ter uma equipe exausta.
09:06Ela afirma que seus clientes nem sempre entendem essa dinâmica, mas que em sua maioria compreendem
09:11esse ritmo.
09:12O produto é caro, mas é porque a mão de obra é bem paga e respeitada.
09:16Não dá para ter qualidade com uma equipe doente.
09:19A política de escala também foi adotada em dois dos três restaurantes de Ives.
09:24Hoje, ninguém dobra nos meus restaurantes.
09:27Trabalhamos 40 horas semanais.
09:29Se você oferece condições justas, você encontra bons profissionais.
09:34O problema não é a mão de obra, é a estrutura.
09:36Com 20 anos de profissão e atualmente morando em Nova York, a cozinheira Samira Elírio sintetiza
09:42a visão de muitos colegas.
09:44Todas as pessoas que trabalham na cozinha, sejam novas ou velhas, trabalham com exaustão.
09:50O desgaste é físico, emocional.
09:52A diferença entre essa e outras profissões é que aqui o gatilho é mais forte, principalmente
09:57à noite.
09:59Não dá para colocar tudo nas costas do indivíduo.
10:02Samira defende que a transformação precisa ser coletiva, reorganizar o setor, criar políticas
10:07de suporte, combater o alcoolismo e a informalidade.
10:11Para além dos problemas estruturais e das crises individuais, há um componente que muitas
10:15vezes passa despercebido.
10:17O sentido do ato de cozinhar.
10:19O executivo na área de felicidade e bem-estar, Rodrigo Aquino, aponta que o trabalho na gastronomia
10:24costuma nascer de um desejo profundo de cuidar do outro.
10:28Segundo ele, a culinária reúne diversos elementos associados ao florescimento humano, como o engajamento,
10:34o significado e a conexão com os outros.
10:36No entanto, quando o ambiente é tóxico e competitivo, todo esse processo, que poderia
10:41ser prazeroso, se transforma.
10:44Para quem precisa de apoio, o Centro de Valorização da Vida oferece atendimento gratuito e sigiloso
10:50pelo telefone 188, chat e e-mail 24 horas por dia.
10:55A íntegra desta reportagem foi publicada no Jornal Estado de Minas em 17 de maio de
11:002025.
11:01Acompanhe as notícias mais importantes para o seu dia a dia em nosso site, em.com.br,
11:06e siga a gente no WhatsApp para atualizações urgentes.
11:09Até a próxima notícia em áudio.
11:14Tchau, tchau.

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