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NotíciasTranscrição
00:00Olá, muito bem-vindos ao Ilho de Cultura, o novo quadro cultural da Cruzoé.
00:11Nesta edição a gente vai encontrar a Isabela Boscovi, a, vou dizer, melhor crítica de cinema
00:20do Brasil. Eu tive o prazer de trabalhar com Isabela por vários anos na revista Beija e sei
00:27que ela tem uma cultura enorme de cinema e tem uma cultura enorme de outras coisas também.
00:35Ela é uma crítica de cinema que não veste a filmes. Ela também lê, ela também se informa
00:40sobre arte, enfim, tem uma visão completa e sempre que vai falar de um filme isso aparece.
00:48Se vocês acompanham, o excelente canal que ela tem no YouTube, que foi criado por ela
00:54e está lá, prosperando. Então, Isabela, super bem-vinda, obrigado por aceitar o nosso convite.
01:02Obrigada por fazer o convite, Greb, e deixa eu dizer, o prazer é todo meu, tá?
01:08Foi muito bom trabalhar com você todos aqueles anos também e é uma delícia fazer um reencontro
01:15aqui, uma reunião de pauta de novo com você.
01:18E olha, eu vou te dizer, se eu fosse a rainha Elizabeth, ou Deus me livre a rainha Camila,
01:27eu já teria transformado você em Dame Isabela há muito tempo.
01:31Ai, eu adoraria, nossa!
01:33Além de tudo, é uma dama, pânica, certo?
01:37Eu sou uma anglófila, isso é com certeza, você sabe muito bem. Quanto a Dame, já não sei,
01:45eu aceitaria, tá? Mas eu não vejo a possibilidade dessa oferta ser feita.
01:51Nunca sabe.
01:52Não está no horizonte, né?
01:54Não descarte nenhuma possibilidade.
01:58Muito bom. Olha só, a Isabela, como eu disse, ela é uma crítica de cinema muito letrada.
02:04Isabela, então, além de ver os filmes, quando preciso, ela lê os livros também.
02:12E ela propôs que a gente conversasse sobre cinco filmes recentes que têm livros excelentes
02:19associados a ele. E daí ela vai dizer se ela gosta mais do filme, se ela gosta mais do livro,
02:23se os dois empatam. Daí a gente vai ver qual é a opinião dela.
02:27Eu vou começar, então, Isabela, pelo Zona de Interesse, um filme que está, como você estava me dizendo
02:37antes da gente começar o papo, crescendo bastante aí nas avaliações, ganhando prêmios, sendo muito
02:42bem avaliado. Parece que vai chegar forte para o Oscar. Ele é baseado num livro do escritor inglês
02:48Martin Ames, que morreu recentemente, né?
02:53Em maio deste ano, é?
02:55Pois é. Não morreu muito sênior, não, né? Era um senhor, mas, enfim.
03:02E é um grande escritor da geração que pintou ali pelos anos 80, né? 90.
03:08Então, diga, Isabela, como é que o filme e o livro se encontram?
03:12Zona de Interesse, o livro é um monumento. É o último livro que o Martin Ames escreveu,
03:19ele publicou ele em 2014, não publicou nada depois disso, e ele já estava com a saúde abalada
03:28nos últimos anos, e eu acho que ele se despediu no melhor estilo possível.
03:34O filme trata de um oficial da SS que mora numa casa aprazível, a grande preocupação da família
03:40que é embelezar o jardim, e essa casa fica no entorno de Auschwitz, onde ele trabalha, né?
03:48Ele está ajudando a implantar o esquema industrial da solução final em Auschwitz-Birkenau.
03:57E o contraste entre o que é tão mundano na vida da família, o que é tão banal,
04:05a traição dele com uma prisioneira judia, ele trai a mulher, né?
04:11É uma coisa de gelar o sangue. Eu acho que o Martin Ames foi muito fundo nessa questão
04:19que a Hannah Arendt propôs, muito tempo atrás, da banalidade do mal,
04:25mas eu acho que ele avança a coisa ainda. Este é um oficial que não acredita em absolutamente
04:30nada do que ele representa. Ele não acredita no Reich, ele não acredita em solução final,
04:37ele não tem nada particularmente contra os judeus, ele está cumprindo um papel,
04:42e a certa altura a gente descobre que ele, de certa maneira, está tentando espanar essa engrenagem, né?
04:49Mas não tem nada de moral no que ele está fazendo.
04:56Isso que é o interessante, é que ele acha todos ridículos, assim, ele acha que ele faz parte de uma bufoneria, né?
05:07O filme do Jonathan Glazer, eu duvido que ele seja capaz de captar todas as nuances do livro do Martin Ames,
05:16que, aliás, começou a carreira, quer dizer, se tornou conhecido, não começou a carreira,
05:20com um livro muito interessante, o Seta do Tempo, em que é escrito de trás para frente,
05:26quer dizer, as coisas acontecem de trás para frente, ele inverte a seta do tempo,
05:31e pouco a pouco a gente vai descobrindo que a questão dos campos de concentração,
05:36dos campos de extermínio, é o centro daquele livro também.
05:40É uma preocupação da geração dele, né?
05:42Ele escreveu bastante, né, sobre os totalitarismos do século, né?
05:52É, ele nasceu em 49, se eu não me engano, e ele é de uma geração que cresceu à sombra, né,
06:00da Segunda Guerra e da reorganização geopolítica da Segunda Guerra,
06:05mas, principalmente, cresceu com o escândalo moral incompreensível, né,
06:11do extermínio dos judeus na Segunda Guerra.
06:14Então, acho que isso é incrivelmente marcante na obra dele,
06:20e eu acho que ele joga aí a pá de cal, o último prego no caixão
06:26dessa abominação que foi o nazismo com zona de interesse.
06:32O livro está lançado no Brasil, né?
06:35Tá, tá.
06:36Se eu não me engano, é pela Companhia das Letras, não é isso?
06:39Eu acho que sim, é Companhia das Letras.
06:41Isso.
06:42E é um... Recomendo demais.
06:45Eu acho que quando um diretor tem um propósito muito forte em adaptar um livro,
06:51quando um cineasta é um autor e ele está adaptando aquele livro
06:55porque ele diz algo de essencial para ele também,
07:00as duas experiências se complementam.
07:04O filme ajuda a iluminar certos aspectos do livro
07:07e o livro ajuda a iluminar certos aspectos do filme também.
07:11Eu sempre gosto dessa experiência casada.
07:15Não se trata de comparar, é melhor ou é pior,
07:18faltou isso, faltou aquilo.
07:20Dificilmente uma transposição vai conter tudo o que a matéria-prima original comportava,
07:27mas outras facetas da obra vão ser ressaltadas.
07:35Então, eu adoro essa experiência casada.
07:38Você já teve a oportunidade de ver o filme?
07:41Não, não vi o filme ainda.
07:43Estou extremamente curiosa, vi trechos do filme.
07:45É difícil dizer o que se passa no filme,
07:50se ele chega lá com trechos simplesmente,
07:55porque é uma fervura lenta o livro,
07:57é uma tensão do nada acontecer o tempo todo,
08:02dessa coisa do banal sobreposto,
08:06justaposto ao horrível, não sobreposto.
08:10Mas eu estou curiosíssima para ver.
08:12Eu não li muita coisa sobre o livro,
08:16sobre o filme, perdão.
08:21O que eu li, o livro é tripartido,
08:26tem vários pontos de vista narrando a história,
08:29e em vozes muito diferentes.
08:33Enfim, o livro é assim.
08:35O Martin Ames era muito experimental,
08:38e ele conseguia reproduzir vozes muito diferentes.
08:41E diz que isso não tem no filme.
08:44Então, acho que já tem de ponto de partida
08:46uma questão interessante.
08:48O que ele fez com essas vozes diferentes?
08:51Eu acho que ele fechou tudo nesse oficial da SS mesmo,
08:54que é o primeiro personagem,
08:56é o primeiro protagonista que a gente conhece.
09:00Porque seria muito difícil
09:01você fazer esses giros para outros protagonistas,
09:08para a visão deles, daria três filmes.
09:11Seria difícil manter alguma coesão.
09:13Mas eu espero que aquilo que as outras vozes,
09:16dos outros protagonistas,
09:17trazem para o livro
09:20estejam de alguma maneira contidos
09:22nesse ponto de vista principal do filme.
09:26Muito bom.
09:26Então, esse aí é um livro que a gente pode ler
09:29na expectativa do filme.
09:31Estamos na frente.
09:32Deve ler.
09:34Deve ler.
09:36Muito bom.
09:38Isa, o segundo livro que você sugeriu
09:40é o Butcher's Crossing,
09:42que é do John Williams,
09:45um escritor que foi redescoberto.
09:49Ele viveu ali em meados da década do século passado,
09:53nos Estados Unidos, nos anos 70,
09:54e teve um sucesso e depois sumiu.
09:59E, de repente, redescobriram o John Williams,
10:02que realmente é um escritor extraordinário.
10:06Ele é um escritor extraordinário.
10:08Eu li Butcher's Crossing, Graeber,
10:10por causa de uma resenha que você fez do livro para Veja.
10:14Ah, que chique.
10:15É verdade.
10:16Era uma resenha maravilhosa.
10:18E eu terminei falando assim,
10:19como que eu nunca li isso?
10:22Fui correndo baixar o livro.
10:24E, absolutamente, a resenha faz...
10:28Tudo que você falou sobre o livro
10:31faz jus realmente a ele.
10:35É um dos últimos...
10:36Na verdade, eu acho que é assim.
10:37Hoje em dia a gente tem o faroeste pós-moderno.
10:41O faroeste que reconhece que o avanço para o oeste
10:46não levou ordem, organização, civilização.
10:50Ele levou destruição, ele levou venalidade,
10:53ele levou genocídio de povos indígenas,
10:57ele levou, junto com ele, junto com aquilo que ocidentais
11:02de origem europeia reconhecem como civilização,
11:06ele levou um sem número de mazelas e tragédias.
11:10A literatura chegou lá bem antes, eu acho, do que o cinema.
11:16Butcher's Crossing, eu acho que é um dos últimos suspiros
11:21da literatura western, da alta literatura western, que existiu.
11:27Hoje em dia não é praticada mais.
11:29Mas é um rapaz que tem uns 23, 24 anos, ele é de Boston,
11:38portanto ele é a nova Inglaterra, ele é a elite dos Estados Unidos,
11:44pelo menos o que era naquela ocasião,
11:46e ele decide abandonar Harvard e Boston para ir para a fronteira.
11:52Ele quer experimentar a vida na fronteira,
11:54vai parar nesse lugarejo no Kansas,
11:57que é um buraco no meio do nada.
12:01E lá ele conhece um sujeito que é uma espécie de lenda
12:05da caça de búfalos e sai com ele num inverno para caçar.
12:09O nome do lugarejo é maravilhoso, né?
12:11Butcher's Crossing.
12:13É onde os açougueiros se encontram,
12:16é onde os rebanhos de gado e manadas de búfalo
12:23eram abatidos e levados para localidades
12:27onde houvesse gente para comer a carne que foi abatida,
12:31porque lá não tem nada.
12:32Lá tem um prostíbulo, uma pensão, um salum,
12:37e não muito mais do que isso.
12:39E essa experiência desse inverno caçando com essas pessoas
12:43que vivem numa situação limite sempre na natureza,
12:51quer dizer, é uma atividade perigosa,
12:54uma atividade ultra destrutiva, né?
12:57É um massacre mesmo que se faz com o búfalo.
13:01Não tinha nenhuma maneira humanizada de matar búfalos,
13:07o negócio era absolutamente feio.
13:09Arrancar a pele, o interesse deles era muito mais a pele
13:12do que qualquer outra coisa, né?
13:15Do que a carne.
13:16E essa experiência acaba com ele,
13:19devasta ele porque demole todos os mitos
13:22que ele alimentava sobre o destino manifesto dos Estados Unidos,
13:28de se expandir para o oeste, conquistar o continente.
13:31O que ele encontra é degradação, devassidão, brutalidade, né?
13:37Eu me lembro que você falou da resenha,
13:40eu me lembrei dela,
13:40eu me lembro que no final eu até menciono
13:43a célebre frase lá do Joseph Conrad, né?
13:47The horror, o horror, o horror, né?
13:49Porque é um pouco isso, né?
13:50O cara que sai da civilização e descobre nele mesmo, né?
13:54Um lado...
13:56É, ele faz coisas também que ele não julgava ser capaz de fazer, né?
14:02A degradação é inevitável, assim.
14:05Ele tem que acompanhar os outros
14:06e ele se vê disposto a acompanhar o que surpreende ele
14:10de maneira bem desagradável, né?
14:13Eu acho que, sim, são experiências que mudam a essência
14:17da pessoa, né?
14:19Do personagem.
14:21E, portanto, muda a essência daquilo que você acredita
14:24sobre o lugar em que você está também.
14:26Isabela, você falou dos faroestes pós-modernos, né?
14:33Assim, olhando os canais de vídeo,
14:35eu percebo que tem, de novo,
14:36uma produção B ou até C
14:40de Western na Netflix.
14:42Parece que tem umas produtoras
14:44que se dedicam a fazer uns filmes bem ruins
14:46de Western.
14:48Mas, por outro lado, tem filmes que são bons, né?
14:51O Western meio que se reencontrou um espacinho pra ele,
14:54não é, no cinema?
14:55Se encontrou, com certeza.
14:58Eu acho que, assim, nunca se deixou de produzir Western, né?
15:02É que antes era o gênero americano,
15:05junto com a comédia romântica, né?
15:08Era o que, isso falando dos anos 20, 30, 40, né?
15:12Era o que alimentava a produção americana.
15:17Deixou, perdeu essa preponderância,
15:20justamente porque veio a Guerra do Vietnã,
15:23veio o Watergate,
15:25e as ilusões meio que caíram por terra.
15:28O Western meio que deixou de fazer sentido, né?
15:31A realidade do que aconteceu com os nativos americanos
15:35começou a se tornar conhecida também.
15:38Foi uma época de desencanto,
15:40e aquele Western que laudava o avanço da civilização
15:44não tinha mais lugar.
15:46Nunca se deixou de produzir,
15:48mas eu acho que dos anos 90, 2000 para cá,
15:52ele começou a ganhar uma outra força,
15:54justamente como um gênero de resistência,
15:58um gênero de desconstrução,
16:02e principalmente um gênero que você pode fazer
16:04exercícios estilísticos maravilhosos
16:08com pouquíssimo dinheiro.
16:09Ele é o que o terror foi nos anos 70, 80,
16:17o terror que era a trincheira
16:21do pensamento anárquico, liberal,
16:25de desconstrução de narrativas oficiais e tudo mais.
16:32Eu acho que o Western passou a ser isso.
16:34Então, quem produz hoje em dia,
16:35produz ou para alimentar um povo que adora o Western,
16:39e consome ele, mesmo que seja muito ruim,
16:43tem um público muito bem.
16:44Eu tentei, mas é ruim demais alguma parte.
16:47Não, tem uns que são ruins demais.
16:48Agora, tem outros que são maravilhosos,
16:51que são esses feitos com esse intuito.
16:54São diretores que usam o Western para outra coisa.
16:58E o Butcher's Crossing, pelo que eu entendi,
17:01é um filme com o Nicolas Cage.
17:02O Nicolas Cage voltando a fazer um papel bom, é isso?
17:05Não canastrão?
17:06Não canastrão.
17:07Aparei não canastrão.
17:09Você sabe que o Nicolas Cage tem conseguido,
17:11a cada cinco, seis filmes,
17:13fazer um em que ele não é um canastrão,
17:17em que ele não faz alguma coisa completamente compreensível.
17:22Porque ele está fazendo isso com a carreira dele.
17:24Ele tem dívidas com o fisco americano,
17:26ele tem que sanar, e é verdade isso.
17:29Ele levou um golpe do contador dele,
17:31e ele gastava como se o dinheiro fosse água.
17:37Daí ele tem uma dívida de milhões de dólares com a receita americana.
17:42Então, ele passou muito tempo fazendo qualquer coisa que aparecesse,
17:45porque já ia direto para...
17:47Entra para a cadeia e fazer um filme,
17:49ele preferiu a segunda hipótese.
17:51Exatamente.
17:52Mas os filmes que ele fez,
17:54olha, aquilo ali dava cadeia também.
17:57Está certo.
17:59Mas é um filme com o Nicolas Cage,
18:00é um filme que está para ser lançado ainda.
18:03Um diretor que não é muito conhecido,
18:07Gabe Polsky,
18:08não conheço muito bem o trabalho dele,
18:11eu não sei bem o que esperar.
18:12Mas eu acho que quando...
18:15É isso que eu te falei.
18:15Eu acho que quando o cara vai ali pensar aquele livro,
18:20que não é a opção óbvia,
18:22é porque tem algo que interessa ele demais ali,
18:25e as chances de que algo interessante saia aumentam.
18:30Muito bom.
18:31O livro também está lançado no Brasil,
18:33saiu alguns anos atrás,
18:35pela Rádio London.
18:38E com esse nome mesmo,
18:39Butcher's Crossing.
18:40Isso, isso.
18:42E essa questão do Western,
18:44lógico, me leva à terceira indicação de hoje,
18:49que é o Ataque dos Cães.
18:51Esse é o nome do filme,
18:52o nome com que o filme foi lançado no Brasil,
18:56produção da Netflix,
18:57dirigida pela Jane Campion,
18:59com o Benedict Cumberbatch,
19:01que é uma adaptação de The Power of the Dog,
19:04que aqui o livro foi lançado com a tradução correta do título,
19:09O Poder do Cão.
19:10É um livro do Thomas Savage,
19:12e também é um dos últimos suspiros da grande literatura Western americana.
19:20E, curiosamente, o Thomas Savage tem uma história muito parecida,
19:24não só com a do protagonista do filme,
19:26que é interpretado pelo Benedict Cumberbatch,
19:29como uma história muito parecida com a dele próprio, também.
19:34A família da Costa Leste, da Nova Inglaterra,
19:37muito bem de vida,
19:39das universidades mais prestigiadas,
19:43da Ivy League,
19:44que decide, por algum motivo,
19:46ter uma vida no Oeste.
19:47No caso do Thomas Savage,
19:50deu tudo muito errado para a família dele.
19:54Divórcios, separações, mortes, desencanto,
19:59foi uma vida muito trágica,
20:02e, de certa forma,
20:04o protagonista dele incorpora
20:06todos os personagens principais da vida dele
20:10numa mesma figura.
20:14Inclusive, o tio super abusivo que ele tinha
20:18que levou a mãe dele ao alcoolismo.
20:21Tio não, desculpa, apunhado.
20:24Interessante.
20:24Bom, esse eu não vi o filme e não li o livro.
20:27Então, me sinto obrigado agora.
20:31Sinto-se obrigado,
20:32porque é uma belíssima adaptação da Jane Campion.
20:35Eu acho que, se ela tem um defeito,
20:37falta um pouco de contextualização no começo,
20:41de por que o personagem do menino,
20:43que é interpretado pelo Cody Smith McPhee,
20:47vai planejar a destruição
20:50desse personagem do Benedict Cumberbatch.
20:53Tem todo um prólogo no livro,
20:55em que a gente entende
20:58por que esse menino avalia
21:01com a maior,
21:03de maneira clínica, não passional,
21:05que essa é uma pessoa destruidora
21:08e que é preciso eliminar ela
21:10porque ela vai acabar com a vida de todo mundo.
21:13Vai, principalmente, acabar com a vida da mãe dele.
21:16O menino tem um distúrbio de afeto.
21:23Talvez ele esteja um pouco no espectro,
21:27alguma coisa assim.
21:28Ele é um menino muito reservado,
21:30não se conecta muito,
21:31mas ele ama profundamente a mãe
21:33e ele amou profundamente o pai,
21:35que foi levado ao suicídio
21:37por esse sujeito
21:38que o Benedict Cumberbatch faz.
21:41Muito bem.
21:42E é uma prosa linda
21:44que ela traduz muito bem.
21:45Eu não conheço esse autor.
21:47Conheço de nome,
21:48mas nunca vi nada dele.
21:50Então, acho que...
21:52Vou pôr na minha cabeceira.
21:54Vale a pena.
21:55Bom, e daí você sugeriu que a gente falasse
21:59sobre o Drive My Car,
22:02que como o filme se chamou em português mesmo?
22:06Drive My Car.
22:07Drive My Car, né?
22:08Ficou o nome mesmo.
22:10Ficou o nome.
22:11Que é baseado em um conto
22:13do Haruki Murakami,
22:15que está no livro
22:17Homens que...
22:20Homens Sem Mulheres.
22:21Homens Sem Mulheres, isso.
22:22E o conto em que ele se baseia
22:26tem esse nome mesmo,
22:29Drive My Car,
22:30e ele incorpora elementos
22:32de um outro conto
22:33que está nessa mesma coletânea,
22:35que é Xerazade.
22:38O conto Drive My Car
22:40tem menos de 40 páginas.
22:43E o filme tem 3 horas.
22:46Nenhum minuto é superfluo.
22:50E eu acho uma das experiências
22:52mais interessantes de adaptação,
22:55de como um autor entende
22:57perfeitamente um conto
22:58que é belíssimo,
23:00naquela prosa esparsa,
23:02cheia de elipses do Murakami,
23:05e expande aquilo
23:08sem nunca deixar inchar,
23:12não é gordura,
23:13não é nada.
23:14É um mergulho só mais intenso
23:17em cada um dos personagens.
23:19É a história de um diretor de teatro,
23:22um gramaturgo,
23:23que sai da cidade dele
23:25para ir dirigir uma peça
23:27em Hiroshima.
23:30E por questões legais,
23:34de seguro,
23:35do pessoal que está produzindo a peça,
23:36ele não pode dirigir o carro dele,
23:38que é um carro que ele adora,
23:39não deixa ninguém pôr a mão,
23:41e ele tem que contratar uma moça,
23:43uma motorista,
23:44que vai ficar dirigindo o carro para ele.
23:46Daí Drive My Car.
23:47E ele é viúvo,
23:50ele perdeu uma mulher,
23:51ele está dirigindo uma versão
23:52de Tio Vânia,
23:54do Chekhov.
23:56Isso é importantíssimo.
23:59E é um filme,
24:03é um conto e um filme
24:04sobre imensas decepções na vida,
24:08a sensação de que nada valeu a pena,
24:10e daí a possibilidade não é reinvenção
24:15no sentido americano da palavra,
24:18nada disso,
24:19mas de reencontrar uma utilidade para si mesmo.
24:24O fato do filme se passar em Hiroshima,
24:27do conto e do filme se passarem em Hiroshima,
24:30tem tudo a ver com isso,
24:32é a cidade arrasada pela bomba,
24:34que preserva os escombros
24:36da destruição,
24:39mas toda ela achou um novo propósito
24:41para si mesma,
24:43e tem uma das maiores plantas
24:45de reciclagem do mundo.
24:48Então,
24:49tudo isso faz parte do filme.
24:51As metáforas vão tão...
24:54Elas são telescópicas,
24:56elas vêm não só em camadas,
24:58mas elas são telescópicas também.
25:00É um filme sublime.
25:05Se possível,
25:06eu acho que ele melhora,
25:08melhora não,
25:09ele traz mais ainda
25:13do conto do Murakami
25:14do que o próprio Murakami
25:16teve a oportunidade
25:17de colocar lá dentro.
25:19É muito lindo.
25:21Eu recomendo muito mais
25:22essas duas coisas.
25:25O filme é muito bem avaliado também.
25:28Todo mundo que vê esse filme,
25:30gosta muito, não é?
25:32Olha,
25:33para mim,
25:33virou um dos filmes da vida.
25:35Olha.
25:36Um desses filmes
25:38aos quais a gente volta
25:42várias vezes
25:44no decorrer da vida
25:46e sempre encontra
25:47alguma coisa diferente.
25:49Enfim,
25:50o Murakami,
25:51o Haruki Murakami,
25:52é um dos autores
25:52mais conhecidos
25:54do Japão
25:55nas últimas três,
25:57quatro,
25:58duas ou três décadas,
25:59eu diria,
26:00super traduzido
26:02no Brasil.
26:03Se você
26:04que está assistindo
26:05a gente
26:05ainda não leu
26:07nada do Murakami,
26:08ele é um autor,
26:09como a Isabela falou,
26:09tem uma prova bem
26:10esparsa,
26:13não se derrama.
26:15Muitas elipses
26:15e tem uma imaginação
26:17meio surreal
26:18às vezes.
26:19Sim.
26:19mas esses contos,
26:24se você nunca leu
26:25nada dele,
26:25podem ser um bom ponto
26:27de partida
26:27e o filme também.
26:29É um Murakami
26:30menos surreal
26:32do que nos romances,
26:34é um Murakami
26:35um pouco mais realista,
26:38não sei se essa seria a palavra,
26:40mas acho que é um ponto
26:41de partida.
26:41E aproveitem
26:44e leiam
26:45o Tio Vânia
26:45do Tchekhov também.
26:47Opa!
26:49Está aí uma coisa
26:50com que
26:50nunca a pessoa
26:53vai se arrepender
26:54de ter feito
26:55é ler Tchekhov.
26:57E o Murakami
26:58é lançado no Brasil
26:59pela Alfaguara
27:01hoje em dia,
27:02acho que a maioria
27:03dos títulos dele
27:04está nessa editora,
27:07facilmente
27:08vocês vão encontrar
27:09nas livrarias,
27:10eu acho que tem versões
27:11em e-book também.
27:13Eu acho que tudo
27:14isso tem versão
27:15em e-book.
27:16E daí vamos
27:17partir para um diferente,
27:19é uma autora
27:21muito popular,
27:22a Agatha Christie,
27:23que andou meio...
27:24Ela era a Dame,
27:24não era?
27:25Sua amiga.
27:26Ela era a Dame.
27:27Ela era a Dame,
27:28ela foi a Dame.
27:31Foi a Dame
27:32e com toda razão
27:33é uma das pessoas
27:34que mais venderam
27:35livros
27:36na história.
27:39É uma autora
27:39popularíssima,
27:41tinha caído
27:41numa espécie
27:43de...
27:43Ah,
27:43um semi-esquecimento,
27:45né?
27:45Tinha meio que...
27:46Saiu de moda.
27:47É,
27:48saiu de moda.
27:49E o Kenneth Branagh
27:50vem reacendendo
27:52o interesse
27:53por ela
27:53com as adaptações
27:55que ele tem feito
27:56dos mistérios dela.
27:58A primeira foi
27:59Assassinato
28:00no Expresso Oriente.
28:02Eu acho
28:02a melhor
28:04dessas três adaptações
28:05que ele já fez.
28:07Acho ela muito interessante.
28:08ele próprio interpreta
28:09o detetive
28:10Hercule Poirot,
28:12né?
28:12Detetive belga
28:13que é protagonista
28:15de vários
28:16dos romances
28:17da Agatha Christie.
28:19Tem uma leitura
28:20muito boa dele,
28:21eu acho,
28:22uma leitura
28:23de um homem
28:23solitário,
28:25um homem
28:26que prefere
28:27não...
28:28não...
28:29não entrar
28:30demais
28:31na refrega
28:32do mundo,
28:33ficar um pouco
28:33fora dela,
28:35né?
28:35o segundo
28:37é Morte
28:38no Nilo,
28:39é um projeto
28:40que ficou
28:41mais complicado
28:42porque foi
28:42atravessado
28:43pela pandemia,
28:45todos os filmes
28:46que foram feitos
28:47nesse período
28:49de alguma maneira
28:50sofreram
28:51em alguma coisa,
28:52né?
28:52Ou o orçamento
28:54deles estourou
28:55ou eles tiveram
28:56que adequar
28:57a produção
28:58ao mesmo
28:59orçamento
29:00que eles tinham,
29:01né?
29:01Então,
29:02é um filme
29:02que está um pouco
29:03mais prejudicado,
29:03mas é um dos livros
29:04favoritos,
29:05eu acho,
29:06de todo mundo,
29:07da Agatha Christie,
29:08as pessoas adoram
29:09Morte
29:09no Nilo,
29:10e recentemente
29:12ele lançou
29:13Noite
29:13das Bruxas,
29:15que é adaptado
29:16de um romance
29:17dela que
29:17é bem menos
29:19conhecido
29:19do que esses
29:20dois primeiros,
29:21que é o
29:21Halloween Party,
29:23se não me engano,
29:24quando ele foi lançado
29:25no Brasil,
29:25ele estava como
29:26Noite das Bruxas
29:27mesmo,
29:28né?
29:30Os dois primeiros
29:31eu tenho certeza
29:32que estão em catálogo,
29:33o terceiro,
29:35eu não tenho certeza
29:35se ainda é possível
29:36encontrá-lo em catálogo,
29:38eu acho que ele
29:38ficou mais para cegos,
29:40mas Kenneth Branagh
29:43é um ator shakespeariano,
29:44não só um ator,
29:46como é um diretor,
29:47né?
29:47De adaptações,
29:49algumas delas
29:50muito alentadas
29:51do Shakespeare,
29:53que agora
29:53tem se dedicado
29:54a uma tarefa
29:57que eu acho
29:57extremamente simpática,
30:00que é
30:00de levar as pessoas
30:01a redescobrir
30:02uma autora
30:03que é uma porta
30:04de entrada
30:05para o hábito
30:05de ler.
30:08Aliás,
30:09meu filho
30:09de 12 anos
30:11pediu para comprar
30:12um livro
30:13da Agatha Christie,
30:13está lendo
30:14o livro da Agatha Christie.
30:15Ele está gostando?
30:17Está.
30:17Então,
30:17ela é uma ótima
30:19porta de entrada
30:20para criar
30:21o gosto
30:23pela leitura
30:24ou até a paixão
30:25pela leitura,
30:26né?
30:27Então,
30:29eu acho que ele está,
30:30é um serviço
30:31de utilidade pública,
30:32de certa maneira,
30:33o que o Kenneth Branagh
30:34está fazendo
30:35e está fazendo bem.
30:37Muito bem.
30:38E as adaptações
30:39são todas
30:39adaptações de época
30:41mesmo, né?
30:42São todas de época,
30:43não,
30:43ele não viaja
30:44em nada,
30:46tá?
30:47Ele muda um pouco
30:49a leitura
30:50do personagem,
30:52quer dizer,
30:52a arrogância,
30:54do Poirot,
30:58está muito
30:58atenuada aqui,
31:00né?
31:01É um pouquinho
31:01mais triste,
31:02né?
31:03O filme, né?
31:05O filme.
31:06Sim.
31:07E ele é uma pessoa
31:08mais triste,
31:08ele tem um passado
31:10de perdas também,
31:13ele passou
31:13pela Primeira Guerra,
31:15né?
31:16É uma...
31:18Então,
31:18acho que é uma figura
31:19um pouco mais triste,
31:21mas extremamente generosa,
31:23né?
31:23Ele tem um...
31:24ele tem um transtorno
31:26obsessivo-compulsivo
31:27bem avançado,
31:30o que o Kenneth Branagh
31:33interpreta esse transtorno
31:35de uma maneira
31:36muito bonitinha,
31:37muito simpática mesmo.
31:40Então,
31:40eu gosto das adaptações,
31:42eu acho um bom trabalho
31:43que ele faz.
31:45Muito bem.
31:46Então,
31:46olha só,
31:46dois livros
31:47que a gente pode ler
31:48antes dos filmes,
31:50e daí,
31:51três livros
31:52para quem já viu o filme
31:53e pode ter
31:55uma segunda experiência
31:57com aquelas histórias,
31:58não é isso?
31:58Com certeza.
31:59Eu desculpa
32:00aqui as campainhas
32:03aqui no áudio,
32:04tá?
32:05Mas deve ter
32:05tocado o cachorro
32:06aqui também em casa,
32:07não tem problema.
32:08Então...
32:09Tá bom?
32:10Exatamente.
32:12E boa leitura
32:13para todo mundo
32:14e ótimos filmes
32:15para todo mundo também.
32:16Eu não sei escolher
32:17entre uma coisa e outra,
32:19eu não vivo sem
32:22nem os livros,
32:23nem os filmes,
32:24então...
32:26Tem Isabela,
32:27falou com Ilha de Cultura
32:29essa semana.
32:31Obrigado,
32:31Isabela.
32:33Boa sorte
32:34com o seu canal
32:35no YouTube,
32:36que, como eu disse,
32:36está prosperando,
32:37está indo super bem
32:38e todo mundo gosta muito.
32:40A Isabela é uma game
32:42que virou meme,
32:44inclusive, né?
32:45Sim, sim,
32:46virei meme.
32:47Virei milhões de memes,
32:49milhões não digo,
32:50milhares de memes,
32:51milhares é certo,
32:53não é só centenas,
32:54não.
32:54Vai entender por quê, né?
32:58Porque é divertido, Isabela,
33:00é legal.
33:00É super divertido,
33:01é super divertido.
33:02Não, nada contra,
33:04eu gosto muito,
33:05acho muito fofo
33:06ter virado meme.
33:07Então, tá bom.
33:09Olha, obrigado de novo
33:10por ter conversado com a gente
33:11e até a próxima.
33:13Até a próxima,
33:14Greb,
33:14foi um prazer
33:15conversar com você,
33:16adorei a nossa reunião
33:17de pauta aqui.
33:18Tá bom,
33:19um beijo.
33:20Beijo,
33:21tchau.
33:23É isso, gente.
33:24A gente conversou
33:25com a Isabela Boscovi,
33:27crítica de cinema,
33:28dona de um dos melhores
33:30canais de crítica
33:31cinematográfica
33:32que tem no Brasil
33:33hoje em dia,
33:34e até o próximo encontro
33:36para falar sobre livros,
33:38para falar sobre discos,
33:39filmes,
33:40podcasts,
33:42tudo que puder ajudar
33:43a gente a entender
33:44melhor alguns assuntos
33:47ou simplesmente
33:48passar melhor
33:49o nosso tempo.
33:51Um abraço.
34:04Tchau.