- 22/05/2025
Roberto Cabrini traz uma longa investigação sobre o universo das drogas e mostra as fronteiras brasileiras expostas por onde entram toneladas de cocaína, até chegar à Cracolândia, em São Paulo, ou às terras sem lei dos morros cariocas.
Em um roteiro de impunidade, um negócio bilionário que mata sem piedade dos mercadores às vítimas. O jornalístico registra como alguns acabam fazendo da rua seu lar e tiram do crime o sustento para o vício, tendo a cadeia como mais uma triste consequência. Casamentos desfeitos, famílias destruídas, filhos sem pai, e pais que sofrem por perder seus filhos para um inimigo tão poderoso.
Cabrini vai até onde tudo começa, em terras estrangeiras, revelando o caminho dos entorpecentes por terra, água e ar. O telespectador vai acompanhar como a indústria da droga é a atividade ilegal mais lucrativa do mundo, em uma guerra interminável que atinge, principalmente, jovens, em ambos os lados: o do vício ou o do tráfico.
Em um roteiro de impunidade, um negócio bilionário que mata sem piedade dos mercadores às vítimas. O jornalístico registra como alguns acabam fazendo da rua seu lar e tiram do crime o sustento para o vício, tendo a cadeia como mais uma triste consequência. Casamentos desfeitos, famílias destruídas, filhos sem pai, e pais que sofrem por perder seus filhos para um inimigo tão poderoso.
Cabrini vai até onde tudo começa, em terras estrangeiras, revelando o caminho dos entorpecentes por terra, água e ar. O telespectador vai acompanhar como a indústria da droga é a atividade ilegal mais lucrativa do mundo, em uma guerra interminável que atinge, principalmente, jovens, em ambos os lados: o do vício ou o do tráfico.
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00:00Esta é a porta das trevas.
00:10Ela falou para mim que se eu quisesse dar à criança, ela pagaria.
00:17R$ 1.000,00, R$ 500,00 para me pagar a minha dívida e R$ 500,00 eu usei tudo de droga.
00:27E este, o diário da escuridão.
00:30Eu perdi tudo, né?
00:32Eu sou um cara que perdi a dignidade por causa da bebida, eu perdi o meu caráter.
00:38Os caminhos da perdição.
00:41Você tá aqui por causa do crack?
00:45Troquei tudo.
00:46Troquei mãe, troquei filho, troquei tudo, mas veio tudo pra trás.
00:53Onde?
00:56O crime não começa em poucos metros, do lado esquerdo a polícia colombiana, estamos
01:01agora entrando no Brasil, já estamos nesse instante em território brasileiro.
01:06Como?
01:07Oficialmente é uma vila de pescadores aqui em solo peruano, mas na prática todos aqui
01:14vivem do comércio e do transporte da cocaína.
01:17Por quê?
01:20Ali em cima o Peru, aqui a Colômbia, ali embaixo o Brasil.
01:26Por aqui, passam cerca de 80% de toda a cocaína consumida no mundo.
01:33Drogas aprisionam gente como esse jovem, que poderia ser seu filho ou seu irmão.
01:42Eu queria mostrar pra você que as coisas que eu tenho que tá aqui, entendeu?
01:47Eu não tenho mais roupa pra vestir, né cara?
01:50Eu tenho uma calça, três camisetas.
01:54Ontem à noite eu sentei, abracei a privada e vomitava.
01:56O dia-a-dia secreto como nunca se mostrou.
01:59Tô meio tonto ainda, boca tá ressecada, a sensação diferente, mas eu tô bem.
02:10Das fronteiras brasileiras expostas, por onde entram toneladas de cocaína.
02:16Estamos na zona rosa em Bogotá, grande parte da droga que fica na Colômbia vem pra cá.
02:23Aqui estão os principais pontos de venda de cocaína da capital colombiana.
02:28O roteiro da impunidade, até chegar a Cracolândia em São Paulo.
02:33O que é que você acha?
02:35Não, eu não vou dormir não.
02:37Por aqui não.
02:39Tem muito nóia.
02:41Tem roda.
02:43A noite na Cracolândia e seus personagens.
02:47Aqui na verdade as histórias sempre se parecem.
02:50O vício das drogas que os levam a praticar crimes e que os levam eventualmente à prisão.
02:55Prisão pra eles tem dois significados.
02:58Aquela determinada pela justiça dos homens.
03:01E a pior forma, a imposta pelas próprias drogas.
03:05Quanto é o vício?
03:07Tá muito ruim.
03:09Maicon, você vive aqui na Cracolândia há quanto tempo?
03:11Há três meses.
03:13E se usa drogas há quanto tempo?
03:15Há treze anos.
03:17Treze anos? Você não consegue se libertar disso?
03:19Não.
03:21Você gostaria de se libertar?
03:23Eu sei que não.
03:25E por que você acha que você não consegue?
03:27Pra dar-lhe força.
03:29Quantas vezes você teve preso?
03:31Três.
03:33Por que razão? Assalto.
03:35Assalto? Você assaltava pra manter o vício?
03:37Pra manter o vício.
03:39Sempre pra manter o vício?
03:41Pra manter o vício.
03:43Todos os dias, dos mercadores inescrupulosos,
03:45as vítimas.
03:49Você voltou a usar drogas?
03:51Voltei.
03:57Só de cueca.
03:59O cara saiu daqui com uma roupa,
04:01tipo assim, sabe?
04:03Uma roupa boa.
04:05Quando ele voltou, ele sentou aqui no meu portão,
04:07abriu o portão pro cara, meia noite,
04:09o cara só de cueca.
04:11É inacreditável, cara.
04:19Eu tentei me matar por várias vezes e não consegui.
04:21Eu tentei me matar.
04:23Eu tomei remédio controlado
04:25com cocaína.
04:27Eu dissolvi cocaína na pinga.
04:29E Deus não quis
04:31que eu morresse naquele momento.
04:35Boa noite.
04:37No Conexão, repórter de hoje,
04:39o diário da escuridão.
04:41Uma reportagem de fôlego mostra como nunca
04:43se viu os tentáculos
04:45da indústria das drogas no país.
04:47Do momento em que traficantes
04:49penetram pelas fronteiras brasileiras
04:51com produto ilegal até chegar
04:53aos morros cariocas,
04:55à Cracolândia paulistana e
04:57a milhões de vítimas em potencial.
04:59Em nome do lucro,
05:01uma epidemia social.
05:03Aqui, Roberto Cabrini.
05:05E esse é o Conexão Repórter de hoje.
05:17As drogas
05:19e suas vítimas.
05:21O vício não distingue
05:23classe social,
05:25sexo,
05:27idade,
05:29atinge famosos, anônimos,
05:31ricos,
05:33pobres.
05:35Durante 3 anos,
05:37acompanhamos a vida
05:39desse rapaz,
05:41viciado em drogas.
05:44Hoje ele veio
05:46ao nosso encontro, junto com o pai
05:48e a madrasta.
05:50No alto você chegou a usar
05:52que quantidade de cocaína?
05:5420 pino numa noite, 20 grama.
05:56Everton Rodrigues,
05:5836 anos.
06:00Hoje se diz livre do vício.
06:02Você conseguiu colocar o vício da cocaína
06:04pra trás na sua vida?
06:06Coloquei, pra trás.
06:08Isso é passado agora?
06:10Será mesmo?
06:12Para entender
06:14o drama de Everton,
06:16vamos voltar no tempo.
06:20Bairro do Limão,
06:22Zona Norte de São Paulo.
06:24Começa aqui seu diário
06:26da vida real.
06:30Nas primeiras horas do dia,
06:32seu Reginaldo prepara o café para o filho,
06:34que mal consegue ficar de pé.
06:36Everton é um homem
06:38devastado pela cocaína
06:41e pelo álcool.
06:43São 16 anos que ele tá nessa vida.
06:45O pai tem uma
06:47aposentadoria modesta
06:49e uma saúde frágil.
06:51Eu tomo remédio 3 vezes por dia,
06:53remédio taxa preta.
06:55Eu tenho pressão.
06:57Minha pressão ontem estava
06:59150,
07:01por causa dele.
07:03Não que eu saiba que ele me dê
07:05assim, seja mal criado,
07:07seja agressivo comigo,
07:09mas eu vejo ele na situação
07:11que ele tá agora.
07:13Mas essa pessoa que tá do meu lado
07:15aqui,
07:17ele não entende.
07:19Pra ele,
07:23o que você der pra ele,
07:25se eu falar pra ele, filho,
07:27toma 20 reais pra você comprar uma calça,
07:29ao invés dele comprar uma calça,
07:31ele vai usar uma droga.
07:33Então o que eu gostaria que acontecesse
07:35é que ele, ele, ele,
07:38como homem, se cuidasse
07:40e fosse viver a vida dele.
07:42Eu, como pai,
07:44posso até ajudar ele
07:46se ele não quiser ficar aqui comigo.
07:48Eu tenho condições, talvez,
07:50batalhando na rua, de pagar uma pensão
07:52pra ele morar sozinho.
07:54Eu falo na cara dele.
07:56Falta de pai e falta de mãe.
07:58Porque ele tem uma casa muito boa.
08:00Tem sim, você viu.
08:02Minha mãe tem um bom apartamento.
08:04Mas eu precisei,
08:06e não foi de dinheiro, não.
08:08Eu falo, não foi de dinheiro.
08:10Foi uma palavra de um amigo.
08:12Entendeu?
08:14Eu falo na frente dele.
08:16Foi uma palavra de um amigo ali, ó.
08:18Um amigo falar pra você, cara,
08:20não tive, tá?
08:22Não tive dele, não tive.
08:24E nem da minha mãe. Entendeu?
08:26Desabafos.
08:28E lágrimas.
08:30Escuta o que o pai tá te falando.
08:32Não adianta chorar.
08:34Não adianta o cara chorar.
08:36O homem, ele só chora quando ele
08:38não tem poder.
08:40Tenta se ajudar
08:42a você próprio.
08:44Tenta se ajudar a você próprio.
08:46Não pensa no pai. O pai já tem 56 anos.
08:48Chega.
08:50Tenta se ajudar em você próprio.
08:52Tá bom.
08:54Não adianta você falar pra mim
08:56tá bom.
08:58Esse tá bom seu não tá bom pra mim.
09:00Você tem que falar tá bom pra Deus.
09:03Não pra mim.
09:05Pedir pra Deus.
09:07O fim do casamento.
09:09Everton deixa para trás um filho.
09:11Esse aqui é o nome do meu filho.
09:13Ele se chama Kevin Jorge.
09:15O Kevin tem...
09:19Eu vi ele esses dias de longe.
09:21Ele não quer me ver, né.
09:23Aí eu liguei esses dias pra ele.
09:25Ele falou que não quer falar comigo.
09:27Mas ele também não sabe que você passa comigo.
09:29Entendeu?
09:31E por 5 meses a rua
09:33é o seu lar.
09:35Seu endereço.
09:37Eu falei pra ele ontem e ele chorou.
09:39Tá aqui ó. Pode perguntar.
09:41Eu conheci as ruas de São Paulo.
09:43Eu conheci.
09:45Eu sei o que é dormir numa praça da Sé.
09:47Num papelão.
09:49Eu sei o que é dormir numa
09:51Cracolândia.
09:53E eu não uso crack, mas eu dormi lá.
09:55Eu tenho muito amigo lá.
09:57Esse é um desfecho muito comum
10:00O crack é uma espécie de prisão para as pessoas, não é isso?
10:02É assim que você sente?
10:04Como é que é essa prisão?
10:06Mas a minha prisão é mais isso.
10:08Qual?
10:10Não é tanto o crack.
10:12É mais a pinga.
10:14E você não consegue se libertar disso?
10:16É mais a cachaça quieta.
10:18É só a alcoólatra de verdade.
10:20Aí já amanhece bebendo.
10:22Já amanhece bebendo.
10:24Dorme bebendo.
10:26Você tem filhos?
10:29Dez.
10:31Dez filhos?
10:33Dois netos.
10:35Onde eles estão?
10:37Com os pais.
10:39É dez filhos e dez pais.
10:41Que tipo de vida eles têm?
10:43Graças a Deus, ótimas.
10:45Eles sabem que você está aqui?
10:47Não.
10:49O mais velho está preso em prisão sexual.
10:51Por quê?
10:53Tráfico de drogas.
10:55E os outros?
10:58Os outros estão com os outros pais.
11:00Alguém tem tentado te ajudar?
11:02Tem, tem família.
11:04A família já veio aí ontem.
11:06Eu me escondi.
11:08Tentaram te tirar daqui?
11:10Não, eles vêm direto.
11:12E por que que você não sai daqui?
11:14Mas eu vou sair.
11:16Minha mãe vai quando dormir.
11:18Se morreu.
11:20Você usa crack com que frequência, Rubia?
11:22Leva tudo meu, mas não leva minha pinga.
11:24Eu sou mais a cachaça.
11:27Nem tanto o crack.
11:29Você não consegue se libertar do álcool?
11:31Não.
11:35Aqui é a Praça da Sé, onde eu fiquei
11:37durante bastante tempo aí.
11:39Entre lidas e vindas.
11:41E aqui é um lugar que eu ficava.
11:43Não tinha lugar certo.
11:45Eu dormia aqui, dormia no chafariz.
11:47Dormia...
11:49Dormia...
11:51No papelão na porta do poupatempo.
11:53Dormia...
11:56Para manter o vício, o mundo era o crime.
11:58Três anos e prisão por assalto.
12:00Chega a roubar dinheiro
12:02do próprio pai.
12:04Falar a verdade na frente dele.
12:06Ele não me aceitava mais.
12:08Tá?
12:10Ele não me aceitava.
12:12E eu não vou mentir pra falar a verdade não.
12:14Eu roubei ele.
12:16Eu roubei ele.
12:18Roubei 600 reais dele.
12:20Então ele deu as costas pra mim.
12:23Mudam os nomes.
12:25As famílias.
12:27Mas as histórias são parecidas.
12:29Everton e Tiago não se conhecem.
12:31Embora tenham vivido situações semelhantes,
12:33há poucos quilômetros de distância
12:35um do outro.
12:37É possível, por exemplo,
12:39que os destinos dos dois
12:41tenham se cruzado nesta rua.
12:43A esquina das alucinações.
12:46Quem pode saber
12:48se nem eles sabem de nada?
12:50Sem memórias.
12:52Sem identidades.
12:54Estamos no bairro de Santa Cecília,
12:56aqui em São Paulo,
12:58nos aproximando da moradia atual
13:00de Tiago.
13:02Ele tinha tudo pra ter uma vida
13:04diferente dessa atual.
13:06Mas,
13:08essa é exatamente sua situação.
13:12Essa é a sua situação.
13:15Esta é a sua casa.
13:17A sua rotina.
13:21Um jovem brasileiro
13:23vítima de uma epidemia.
13:25A epidemia das drogas.
13:27Tiago, qual é a grande verdade
13:29sobre as drogas?
13:31Uma ilusão.
13:33Uma ilusão.
13:35Uma perda de tempo.
13:37Uma parte da vida
13:39que você se dedica
13:41a algo que você pensa.
13:44Que tem controle,
13:46mas que te ilude
13:48e acaba tirando a sua saúde.
13:50A sua mãe tem alguma culpa nisso?
13:52Eu não diria culpa,
13:54mas se ela pudesse ter dialogado
13:56um pouco mais com a mãe,
13:58talvez teria ajudado.
14:00Na Caracolândia,
14:02passamos dias e noites infiltrados.
14:04Andamos cobertos por trapos
14:06para não chamar a atenção.
14:08Tudo para entender
14:10como funciona o consumo de drogas
14:13e ser aceito
14:15entre pessoas que se comportam
14:17como zumbis.
14:19Para penetrar nesse universo,
14:21é preciso se parecer com eles.
14:29Os assaltos.
14:33Os assassinatos.
14:36Quantas pessoas você já matou?
14:38Uns quatro.
14:40Foram lá para o mercado.
14:42A prostituição.
14:44Boa tarde, senhor.
14:46Tudo isso fez parte
14:48da rotina de Everton.
14:50Esse rapaz aqui.
14:54Até onde chegou
14:56a sua dependência do cocaína?
14:58Ela me levou para as ruas de São Paulo.
15:00Ela me levou
15:02a andar defecado
15:05Ela me levou
15:07a ficar um mês sem tomar banho.
15:09Ela me levou a revirar lixo
15:11para comer.
15:13Ela me fez
15:15prejudicar a minha família.
15:17Cheguei a me prostituir
15:19para manter meu vício de droga.
15:21Quando ele decide voltar para casa,
15:23o pai impõe condições severas.
15:25Acabando de tomar meu café,
15:27eu levanto.
15:29Eu tenho que estar no desatacadão
15:31seis horas da manhã
15:34para comprar mercadoria
15:36para poder trabalhar.
15:38Simplesmente um beijo nele.
15:40Ficando Deus.
15:42E aqui eu permaneço.
15:44Pego minha bolsa, saio para a rua,
15:46tranco ele aqui dentro.
15:48É isso mesmo que você ouviu.
15:50Para evitar recaídas,
15:52uma atitude extrema.
15:54Quando seu Reginaldo sai para trabalhar,
15:56tranca o próprio filho
15:58dentro de casa.
16:00Olha gente, infelizmente,
16:03é uma coisa que o pai menos deseja na vida,
16:05sabe?
16:07É uma coisa que a gente faz,
16:09não é por maldade,
16:11porque dizem que isso é um cáncer privado.
16:13Para mim isso não é um cáncer privado.
16:15Para mim eu estou tentando salvar um ser humano.
16:17Porque se eu deixar a porta aberta,
16:19ele sai para a rua
16:21e ele vai me envergonhar.
16:25Reginaldo e o irmão
16:27caminham mais de 15 quilômetros
16:29pelas ruas de São Paulo.
16:31Vendendo balas e amendoins.
16:33Tudo para complementar
16:35a modesta renda.
16:37O Everton, de uma certa forma,
16:39ele dá um gasto para a gente,
16:41porque
16:45a gente chega em casa e a primeira coisa que ele faz
16:47é pedir dinheiro, entendeu?
16:49Pedir dinheiro para tomar pinga,
16:51pedir dinheiro para comprar cigarro,
16:53pedir dinheiro para outras coisas,
16:57dinheiro para droga,
17:00de qualquer forma é um dinheiro que a gente não tinha necessidade de gastar.
17:04Sozinho em casa, Everton tenta lidar
17:06com o desejo por drogas
17:08e álcool.
17:10A chamada fissura.
17:12Vontade de beber. Hoje mesmo foi um dia
17:14que eu tive vontade de usar droga,
17:16porque faz 25 dias
17:18que eu não usava cocaína
17:20e ela me pega muito.
17:22E eu me controlei
17:2425 dias, né?
17:26Mas a bebida
17:29não tem como controlar.
17:31Ontem usei. Ela traz uma sensação boa.
17:33Depois daquela
17:35vazio.
17:37Ele nos mostra tudo o que tem
17:39ou o que sobrou. Todos os seus
17:41bens viraram pó, literalmente.
17:43Queria mostrar para você
17:45que as coisas que eu tenho que estar aqui, entendeu?
17:47Eu não tenho mais roupa para vestir,
17:49eu tenho uma calça,
17:51três camisetas,
17:53aqui tem um creme,
17:55aqui duas cuecas, porque
17:58eu não tenho mais roupa para vestir. As coisas que eu tinha,
18:00os que ninguém tomou
18:02na rua, porque dormir na rua as pessoas
18:04pegam, né? Você dorme, os caras
18:06roubam. Ou, não vou mentir,
18:08eu vendi muita coisa até para beber.
18:10Fica para trás também a
18:12carreira de músico. Toquei com
18:14o Royce do Cavaco dois anos.
18:16Eu não sei se ele vai lembrar de mim, mas
18:18foi um cara muito presente na minha vida.
18:20Queria um dia muito poder ver ele de novo.
18:23Bolinho, dois reais a tira de amendoim.
18:25Foi bom, pelo
18:27pedacinho que a gente fez, foi
18:29vinte, trinta,
18:31vinte e cinco, trinta e sete,
18:33trinta e nove, quarenta e um,
18:35quarenta e três reais.
18:37Tá bom.
18:39Em casa, Everton pede socorro.
18:41Hoje,
18:43eu queria muito,
18:45sinceramente,
18:47é,
18:49eu queria muito
18:52muito me curar
18:54e muito voltar
18:56a minha vida ativa
18:58quando eu fui músico.
19:00Se não for pedir demais para Deus.
19:08Do outro lado da cidade,
19:10reencontramos Thiago.
19:12Aqui não há grade ou fechadura,
19:14mas a liberdade que ele
19:16desfruta se esvai na
19:18fumaça do cachimbo.
19:20Quem passa por aqui,
19:22pouco parece se importar.
19:24Esse aqui é um famoso fogãozinho.
19:26É aquele que depois que você
19:28já usou, já utilizou,
19:30ainda dá pra recorrer
19:32a seu chame de reserva, né?
19:36Ele abandona a família,
19:38trabalho, estudo.
19:40No dia de seu aniversário,
19:42tem muito pouco, ou quase nada,
19:44para comemorar.
19:46Eu comecei a fazer uma coisa com quatorze anos.
19:48Dona Vera é uma boa mãe?
19:50Ela fez o que ela pôde.
19:52Enfrentou dificuldades.
19:54Pra mim, é uma boa mãe sim.
19:56Isso dói no coração.
19:58Fazer vinte e quatro anos
20:00sem sua mãe.
20:02Você gostaria muito de ver.
20:04Gostaria. Se fosse possível.
20:06Você quer sair disso? Com certeza.
20:08Muito.
20:10Localizamos a mãe de Thiago.
20:12Ela está disposta a reencontrá-lo.
20:14Eu só diria que o Thiago
20:16foi um menino desejado.
20:18Não, ele foi um menino desejado.
20:20Infelizmente, eu não tive
20:22um relacionamento com o pai,
20:24de conviver, de estar ali,
20:26pai e filho, de ele sentir o pai,
20:28de estar junto, entendeu?
20:30Hoje, Dona Vera nos acompanha
20:32até o local da barraca.
20:34Como tantas outras mães,
20:36vai tentar resgatá-lo das ruas.
20:38Será possível?
20:40Ali está.
20:42Seu filho vive nesse estante
20:44e o seu pai mora lá.
20:48O que a senhora acha dessa situação?
20:50Nossa, é uma situação péssima.
20:52Horrível.
20:54Para qualquer mãe,
20:56não seria só para mim.
20:58Para qualquer mãe que tivesse
21:00um filho na rua passando por isso.
21:06Vamos lá?
21:08Vamos.
21:10Thiago!
21:14Thiago!
21:18Ei, Thiago!
21:20Puxa!
21:22Que vida, cara! Que vida que você vive!
21:28Puxa!
21:30Claro que a gente pode, Thiago.
21:32É o jeito que a gente vive.
21:34Mas você sabe que você tem uma família, cara.
21:36Você tem todo mundo ao seu redor.
21:38Ninguém te abandonou, não.
21:40Ninguém te abandonou.
21:42Eu vim aqui para tirar você dessa vida.
21:44Você é um menino bonito,
21:46um menino forte, sadio.
21:48Só para dar uma informação,
21:50ele disse que o grande presente
21:52que ele queria hoje era ver a senhora.
21:54E ele está vendo, né?
21:56O que é que a senhora gostaria
21:58de falar para ele?
22:02As minhas também?
22:04Então, mandar um beijo
22:06para todas as duas.
22:08Thiago, você quer sair dessa vida?
22:10Eu quero, mãe, mas eu preciso de ajuda também.
22:12Mas que tipo de ajuda, Thiago?
22:14Eu preciso da minha família do lado.
22:16Mas a sua família está do lado.
22:18Não é assim, Thiago.
22:20A sua família está do lado.
22:22De momento algum a sua família te abandonou.
22:24Muito pelo contrário.
22:26Você precisa se tratar.
22:28Você precisa sair dessa vida.
22:30Você sabe o quanto você está deixando
22:32todo mundo, a sua família.
22:34Está todo mundo sofrendo.
22:36Você sabe, colocar a cabeça no travesseiro,
22:38saber que você está na rua, está passando dificuldade.
22:42Dona Vera sonha em levar Thiago
22:44para uma clínica.
22:46A gente está tentando te ajudar.
22:48Eu vim até aqui, estou dando minha cara a tapa
22:50para tirar você dessa situação.
22:52Só que você não está aceitando, você não está entendendo.
22:56Thiago entra na barraca e passa a falar sozinho.
23:00Sob efeito das drogas,
23:02vive seu próprio mundo.
23:04Eu vou ficar bravo.
23:06Eu vou ficar bravo.
23:10Parece que a droga venceu.
23:14Eu não quero meia hora nem aqui.
23:22Bom dia.
23:26Para Everton é hora de recomeçar.
23:28E nós vamos acompanhar essa jornada.
23:30Para ele, já é a nona tentativa
23:32de internação.
23:34Foi uma noite muito difícil.
23:36Eu vomitei muito essa noite.
23:38Mas eu estou melhorando.
23:40Vou fechar a porta, pelo amor de Deus.
23:48A estrada nos leva a Paulínia,
23:50a 120 quilômetros de São Paulo.
23:52Pode ser o caminho da sobrevivência.
23:54Espero poder voltar
23:56e ter uma nova chance
23:58de viver.
24:00Eu estou em uma situação que
24:02o pouco para mim é muito.
24:04A coisa de eu beber duas doses
24:06de pingue igual a beber ontem
24:08é mortal, fatal.
24:10Estamos esperando uma melhora.
24:12Pode viver dessa vida.
24:14Lembranças
24:16da degradação humana.
24:18O fundo do poço.
24:20Quando eu estava morando na rua,
24:22eu estava bebendo álcool de posto.
24:24Comprava álcool do posto,
24:26comprava saquinho de suco, fazia mistura
24:28e bebia etanol
24:30com suco
24:32para poder controlar a abstinência,
24:34para poder ficar na rua acordado.
24:36Na rua você tem que ter um...
24:38Se você dormir na rua,
24:40é perigoso você morrer.
24:42No centro de São Paulo,
24:44Tiago resiste a ir para uma clínica se tratar.
24:46Os vizinhos da rua onde ele monta uma barraca
24:48tentam convencê-lo
24:50a aceitar a ajuda da família.
24:52Pessoal, as portas estão se abrindo.
24:54Mas há umas portas que eu não quero.
24:56Ah, filho.
24:58Vamos comigo até a loteria.
25:00Entendeu?
25:02Assim, para mim,
25:04a minha recuperação não está em clínica.
25:06Não vai adiantar eu ficar duas vezes
25:08nesse lugar.
25:10E depois de muita conversa,
25:12muita discussão,
25:14Tiago enfim concorda em ir para a clínica.
25:16Vou tentar.
25:18Se me ajudar,
25:20se Deus quiser,
25:22se me surpreender, eu vou ficar.
25:24É ainda um fio de esperança.
25:26Mas não deixa ele ser
25:28uma boa notícia.
25:38Nos morros,
25:40a guerra é por ponto de venda de drogas.
25:42Mas aqui embaixo, no asfalto,
25:44anjos e demônios
25:46também travam uma batalha mortal.
25:50Tiago em Cotia.
25:52Paulínia.
25:54A ideia é afastar os viciados
25:56dos grandes centros,
25:58onde o acesso à droga
26:00é sempre muito fácil.
26:04A clínica de Paulínia oferece
26:06um tratamento com ibogaína,
26:08uma substância extraída de uma raiz
26:10nativa do Gabão, na África.
26:12A ibogaína ainda não tem
26:14o registro da Anvisa.
26:16E os resultados
26:18são considerados promissores
26:20pelos pesquisadores.
26:22A gente sabe, em decorrência desse
26:24efeito dela de fazer com que as pessoas
26:26que são dependentes de drogas
26:28tenham vontade de parar
26:30com esse uso, ou seja,
26:32percam essa necessidade de consumir
26:34compulsivamente uma droga,
26:36a gente sabe que ele age no circuito de recompensa
26:38do cérebro.
26:40Serão quatro dias em internação.
26:42O que pode significar
26:44o começo de uma nova vida.
26:46A ibogaína vem, sim,
26:48começa de ser essa cura.
26:50Mas tem o livre-arbítrio do próprio
26:52usuário.
26:54Everton e a nova rotina.
26:56Consulta médica.
26:58O que que motivou você
27:00a
27:02fazer esse novo tratamento, fazendo
27:04um tratamento diferente?
27:06Vontade de viver. Eu não tô vivendo.
27:08Eu tô vegetando,
27:10na verdade, porque eu me entreguei
27:12verdadeiramente ao álcool.
27:14Acho que eu queria viver de novo.
27:16Queria poder voltar a ser uma pessoa
27:18normal, poder trabalhar,
27:20ter um filho que eu não vejo há três anos
27:22por conta da bebida.
27:24Tudo bem? Tudo.
27:26O próximo passo, triagem psicológica.
27:28Tá disposto, tá preparado?
27:30Tô, tô. Só um pouquinho com medo
27:32eu não vou negar, que eu nunca... É normal, né?
27:34Tá certo. Mas vocês garantiram que não vai acontecer
27:36nada, então eu confio em vocês.
27:38A gente... Nossa prioridade
27:40é a sua segurança e a sua recuperação.
27:42O momento é só dele.
27:44Repete a frase que eu vou te dar, tá bom?
27:46Tá.
27:48Apesar das mágoas que sinto...
27:50Apesar das mágoas que sinto...
27:52Eu me amo e me aceito...
27:54Profundo e completamente.
27:56Apesar das mágoas que sinto...
27:58Apesar das mágoas que sinto...
28:00Eu me amo e me aceito...
28:02Profundo e completamente.
28:04Orientações.
28:06O que você tem que fazer pra deletar? Piscar
28:08três vezes com os olhos. Vem outra informação?
28:10Pisca mais três vezes. Vem outra?
28:12Três vezes.
28:14Ao piscar, você, no mesmo momento, você remove
28:16aquilo da sua vida.
28:18Então você vai reformatar
28:20o seu HD interno.
28:22Você vai se libertar de todo esse piso,
28:24essa carga dentro de você.
28:26É hora de tomar
28:28a primeira dose de ibogaína.
28:36Hoje é o que a gente chama de dosagem em teste.
28:38É apresentar o
28:40mesmo dele, a iboga.
28:46Em Cotia,
28:48três meses se passam
28:50desde que Thiago se internou.
28:52Eu me sinto gratificado.
28:54Pra mim, só me engrandece,
28:56só me agrega. Eu já decidi
28:58lutar a cada dia.
29:00Hoje, eu dou graças a Deus porque eu não usei.
29:02Amanhã, eu vou procurar
29:04fazer o meu dia melhor do que o de hoje.
29:06E também não usar.
29:08A tentação da droga
29:10ronda o jovem.
29:12É a mesma que Everton tenta afastar agora.
29:14Qual a sua definição de cocaína?
29:16Olha, Roberto,
29:18eu costumo dizer que, assim,
29:20na rua a gente falava isso.
29:22Quem falar que a droga não é bom,
29:24quem usou é mentira.
29:26A droga, ela é muito bom. O prazer dela é maravilhoso.
29:28Você sai de si,
29:30você esquece de tudo que está ao seu redor,
29:32você esquece de todos.
29:34Só que a cocaína, ela tem o poder de destruir,
29:36não só de matar.
29:38Sozinho em seu quarto, Everton
29:40registra suas sensações.
29:42Estou meio tonto ainda.
29:44A boca está ressecada.
29:46A sensação
29:48é diferente, mas eu estou
29:50bem.
29:52Eu estou acreditando que estou fazendo
29:54uma coisa certa. Eu estou bem.
30:00Acho que em vista do que eu
30:02estava quando
30:04a gente se encontrou a primeira vez,
30:08eu posso dizer que eu estou
30:10criando
30:12uma nova
30:14fisionomia de novo.
30:16Meu olho já está melhor,
30:18a aparência está melhor, acho que estou mais corado.
30:20Ele está pronto para o maior
30:22desafio da internação.
30:24Hoje nós vamos estar iniciando a segunda
30:26sessão. Nessa segunda sessão
30:28é o que nós chamamos de dosagem
30:30alta, que é aquela para quebra
30:32o padrão químico dele.
30:34Então ele vai tomar uma quantidade
30:36maior. Hoje ele vai tomar
30:38nove cápsulas de iboga
30:40e dentro desse processo
30:42ele vai acessar
30:44informações inconscientes, arquivos
30:46internos durante o processo.
30:48Pode acontecer dele ter
30:50mais pontura, mais enjoo,
30:52chegar até a vomitar algumas vezes. É normal,
30:54faz parte do processo.
30:58Everton?
31:009 da manhã, Everton toma
31:02as cápsulas de ibogaína.
31:06Minutos depois, a sensação
31:08é de tranquilidade.
31:12Ele vai ao banheiro.
31:14Volta.
31:18Balbucia algumas palavras.
31:24Os dedos se movem.
31:26Sinais de agitação.
31:28O terapeuta
31:30entra na sala.
31:38As recomendações são
31:40reforçadas.
31:52Everton
31:54está sozinho novamente.
31:56Quando comecei a usar,
31:58por quê?
32:02Por que eu cheguei até aqui?
32:04Como eu cheguei até aqui?
32:06Onde eu errei?
32:08Onde eu me perdi
32:10e não vi?
32:16A equipe clínica volta ao quarto.
32:18Oi. Oi. Tudo bem?
32:20Tranquilo? É só
32:22começar a dar pontura.
32:24Mas vomitar,
32:26não.
32:28Tem pessoas que não vomitam mesmo.
32:30Depende do organismo.
32:32Só vai
32:34piscando todo o sentimento,
32:36qualquer coisa que você
32:38se lembre.
32:40Tá bom?
32:42As embranças vêm à mente.
32:44E as cobranças também.
32:46Eu não volto mais a usar droga
32:48nem beber. Eu não faço mais
32:50isso.
32:52Acabou.
32:56Everton já está em sessão
32:58há quatro horas. São duas
33:00à tarde.
33:02Ah, tá tudo girando.
33:04Tontura.
33:06Pessoa meio gelada. Pedi pra ligar o ar.
33:08Sensação diferente.
33:10Sensação...
33:12Nunca tinha ficado assim, não.
33:14Tá tudo tão...
33:16Eu levantei, não conseguia parar em pé.
33:18Minha boca tá secando.
33:20A saliva
33:22tá seca.
33:24E a tremedeira
33:26que ela falou que ia dar.
33:28Desabafos otimistas.
33:30Há uns cinco anos que eu não sabia
33:32o que era isso, que é não sentir vontade
33:34igual não tô sentindo agora.
33:36Verdadeiramente eu não tô sentindo
33:38vontade nenhuma.
33:40Mas eu só tive essa sensação
33:42há cinco anos atrás. Hoje...
33:46Hoje eu não tô com vontade.
33:48A ibogaína conduz Everton
33:50a um mergulho no passado.
33:52Capítulos de uma história
33:54dramática. Meu amor
33:56à primeira vista foi a cocaína. Foi o amor roubado
33:58que ela me deu.
34:00Foi experimentar e nunca mais
34:02querer parar.
34:06O remédio e suas reações.
34:08É só...
34:10Tô eu aqui de novo.
34:12Mostrando pra vocês
34:14como eu tô.
34:16Eu não tô muito
34:18legal.
34:22Tô vomitando muito.
34:24Tô vomitando
34:26e...
34:28Uma tontura imensa
34:30que não quer passar.
34:34Bate todos
34:36os sentimentos junto.
34:38Eu tô sozinho aqui no quarto.
34:40Não tem ninguém comigo.
34:42E eu gostaria que vocês vissem
34:44a situação que eu tô.
34:46Eu tô coberto.
34:48Tô coberto.
34:50Mas com o ventilador
34:52ligado.
34:54Porque eu não sei qual é a sensação que dá
34:56quando eu desligo o ventilador, me bate calor.
34:58Quando eu ligo, dá o frio.
35:04Na clínica de Cotia,
35:06Thiago faz planos.
35:08Eu quero poder
35:10concluir, né,
35:12objetivos que eu já tinha traçado
35:14e que a droga e o crack
35:16me desviaram desse caminho, né.
35:18Apesar do progresso, está claro
35:20que ele está lutando contra um
35:22inimigo sedutor.
35:24Preserva seu corpo e não aceita nada
35:26que o prejudique.
35:28A casa que eu tinha era uma barraca.
35:30Por isso que sou Deus mesmo.
35:32Eu peço ajuda, que ele me ajude.
35:38Você acha que todo mundo aqui gostaria de se libertar?
35:40Se fosse possível?
35:42Com certeza.
35:44E por que as pessoas não conseguem?
35:48Todas as vezes eu não tenho a estrutura,
35:50não tenho o apoio.
35:52Que idade você tem?
35:54Casado?
35:56Solteiro.
35:58Sem filhos?
36:00Quando é que está seu filho?
36:02Que idade ele tem?
36:04Seis.
36:06E a mãe vive em que condições?
36:08Uma vida normal.
36:10Ele sabe que você está aqui?
36:12Não.
36:14Vocês se separaram por causa do seu vício?
36:16Também.
36:18Você chegou a ter uma vida
36:20normal?
36:22Estruturada eu tive.
36:24Você tinha uma profissão?
36:26Qual era a sua profissão?
36:28Operador de máquina, de grillotina, sogueiro.
36:30Operador de máquina?
36:32De grillotina.
36:34E você perdeu tudo?
36:36Que tipo de vida você tem aqui?
36:42Onde você dorme?
36:46Você dorme aqui?
36:48Não.
36:50E essas pessoas você conhece?
36:52Você considera essas pessoas
36:54seus amigos?
36:56Sua família?
36:58Você se importa com elas?
37:00Com certeza.
37:02Investigamos onde tudo começa.
37:06Em terras estrangeiras.
37:08Os caminhos dos entorpecentes
37:10e das armas.
37:16Por terra.
37:20Pela água.
37:22Pelo ar.
37:24Estamos navegando nas águas do Rio Amazonas
37:26em uma das regiões mais tensas do planeta.
37:28A fronteira entre três países.
37:30Ali em cima o Peru.
37:32Aqui a Colômbia.
37:34E embaixo o Brasil.
37:36Por aqui passam cerca de 80%
37:38de toda a cocaína
37:40consumida no mundo.
37:42São cerca de 700 toneladas
37:44de droga todos os anos.
37:48A droga que chega nas grandes cidades brasileiras
37:50e que destrói as juventudes
37:52de Everton e Thiago
37:54passa por essas águas.
37:58Para entender como funciona este negócio bilionário
38:00vamos viajar com dois traficantes.
38:02Dois bandidos.
38:04É um risco calculado.
38:06Eles transportam a droga.
38:08Nós
38:10trazemos apenas a notícia.
38:26Uma parte da mercadoria
38:28segue por terra,
38:30por estradas clandestinas
38:32a Corumbá no Mato Grosso do Sul.
38:36Por aqui
38:38pessoas passam o tempo todo
38:40com sacolas cheias.
38:42Sem serem incomodadas por ninguém.
38:52Em Corumbá
38:54passamos por um posto de fiscalização
38:56e pela polícia
38:58para não sermos fiscalizados.
39:00E depois vamos em ônibus
39:02até Campo Grande.
39:04Também sem problemas.
39:06De lá viajamos à Amazônia Dentro
39:08seguindo a chamada
39:10Rota do Tráfico.
39:16Até Manaus a droga segue nos porões
39:18dos grandes barcos.
39:20Ou de avião.
39:22Escondida nas malas.
39:24Presa no corpo.
39:28Ou até dentro do estômago
39:30das mulas.
39:32Pessoas pobres
39:34e desesperadas.
39:36Que arriscam a própria vida
39:38para levar a cocaína para São Paulo
39:40e Rio de Janeiro.
39:50É morte segura.
40:20Um grupo de
40:22narcotraficantes.
40:34Os soldados o crime.
40:36Empunho.
40:38Armas pesadas.
40:40E drogas expostas
40:42à luz do dia.
40:44Não parecem preocupados.
40:46Não se sabe quando o vídeo
40:48foi gravado. Mas eles insinuam
40:50que a polícia faz vista grossa
40:52em troca do chamado arrego.
40:54Uma espécie de propina
40:56paga quem deveria reprimir os criminosos.
41:12A droga que assombra a nossa sociedade.
41:14Uma guerra
41:16interminável que todos os dias
41:18atinge jovens
41:20como Tiago Everton.
41:44Eu tô com tontura, tô com mal-estar, o corpo tá mole.
41:48E eu tô sem me alimentar, não consegui comer quase nada
41:50um dia à noite.
41:52Então eu vou tentar agora, se eu tomar um café
41:54pra me recompor
41:56porque senão eu não vou aguentar mais um dia de
41:58de luta aí.
42:00Estamos no
42:02terceiro dia de internação de Everton.
42:06Tudo isso em instantes.
42:08Na continuação da reportagem especial
42:10O Diário da Escuridão.
42:14Diário da Escuridão
42:16Diário da Escuridão
42:18Diário da Escuridão
42:22Estamos no terceiro dia de internação
42:24de Everton.
42:26A ansiedade
42:28toma conta do pai dele, seu Reginaldo.
42:30Tô muito ansioso, sabe, tô
42:32esperançoso, desde a hora de dar
42:34um abraço no meu filho.
42:36Tô conseguindo nem dormir direito com ele.
42:38Ele está a caminho da clínica
42:40para passar a última noite com o filho.
42:50Como é que você tá?
42:54Calma, não aperta não que eu tô tremendo.
42:58Como é que você tá?
43:00Tô bem.
43:02Tô bem.
43:04Mas é medo só que eu tomei.
43:06Mas é medo só que eu tomei.
43:08A média é forte.
43:10Vou ter que deitar,
43:12senão daqui a pouco eu caio de novo.
43:14A média é muito forte, não dá pra ficar não.
43:16Pode ficar com você.
43:18Vamos, vamos.
43:20Boa tarde.
43:24Palavras de incentivo.
43:28Você tem que reagir, cara.
43:32Everton está exausto.
43:36Eu preciso dormir, pai, preciso dormir,
43:38senão não vou aguentar.
43:40Tem reunião três horas, eu preciso descansar.
43:44Senão eu não vou aguentar não.
43:46A esperança.
43:50Tenho muita fé em Deus
43:52que ele vai sair daqui outra pessoa.
43:56A missão de vida é boa pra ele.
44:02E as últimas sessões
44:04com ibogaína em doses menores.
44:06Bom pessoal,
44:08eu acabei de chegar
44:10de mais uma terapia.
44:12Eu fui lá com a
44:14terapeuta Simone, a gente fez uma terapia.
44:16Ela fez algumas técnicas
44:18de mim.
44:20Eu dei uma melhorada.
44:22E eu acabei de tomar
44:24mais três cápsulas da iboga.
44:26Eu tomei uma no primeiro dia
44:28quando eu cheguei, eu tomei nove ontem.
44:34E mais três hoje.
44:40Eu vim pro quarto pra dar uma descansada.
44:42Pra ver como que o meu corpo vai reagir.
44:46Mas eu to bem.
44:48Um pouquinho zonzo ainda.
44:52Mas é isso. Partilhando com vocês
44:54aqui um pouquinho do meu sentimento.
44:56Eu to mais leve, a terapia foi boa.
44:58Agora eu vou procurar
45:00dar uma descansada um pouco pra ver se eu me alimento mais tarde.
45:04Música
45:10Dia de arrumar a mala.
45:12Boas notícias.
45:14To bem.
45:16Bem fisicamente.
45:20Psicologicamente
45:22mais ainda.
45:24Só o mal estar que é o efeito da iboga.
45:26Mas graças a Deus
45:28não sinto mais vontade de usar droga.
45:30Eu não pensei na droga todos esses dias.
45:32Só lembrei da droga hoje porque do álcool na hora da terapia, que a terapeuta pediu que eu lembrasse.
45:40E ela fez uma técnica lá e no final ela perguntou qual foi a minha reação.
45:44Foi nojo, porque ela me trouxe a lembrança de como eu ficava quando eu bebia, né?
45:51Antes de partirem, a consulta final.
45:54Olá.
45:55Bom dia, gente.
45:56Boa tarde.
45:57Tudo certo.
45:58Tudo bem?
45:59Tudo bem?
46:00Então, Everton, como foi a semana?
46:03O que você percebeu de mudança, de diferença?
46:06Para mim foi muito valioso.
46:10O que eu senti de diferença é que eu não senti vontade de beber, né?
46:13Não pensei na droga, não pensei na bebida.
46:16Lembrei de um monte de coisa do passado, mas não estava lembrando da droga e da bebida muito, não.
46:22Não pensei nisso, não.
46:24O pai percebeu alguma coisa dele?
46:26Como que você está percebendo o filho?
46:28Eu já senti ele diferente.
46:31Eu quero sentir ele mais em casa, porque aqui ele está meio agitado, né?
46:36Sim, claro.
46:37Então, quando ele chegar em casa, eu quero sentir ele lá como ele era em casa, ele vai...
46:43Entendeu?
46:44As últimas recomendações.
46:46Isso é muito importante.
46:47Ele chegando lá, deixar ele ir para um espacinho lá e descansar de hoje para amanhã.
46:53Deixar com o mínimo de barulho possível, porque a iboga deixa a audição um pouco mais aguçada, tá?
46:58E é essencial, a partir da semana que vem, conforme a equipe do Iboga já orientou,
47:04começar a seguir o protocolo, a atividade física, o acompanhamento terapêutico
47:08e a fórmula que foi te passado lá para estar tomando durante um tempo.
47:12Vou começar a tomar amanhã.
47:15Uns tentam o tratamento, outros desistem dele.
47:20Você voltou a usar droga, senhor?
47:22Voltei.
47:23Hoje a sua vida se resume a tentar recuperar tudo que você perdeu por causa da cocaína?
47:30É o que você acompanha a seguir em O Diário da Escuridão.
47:49Novembro de 2013.
47:52Tiago foge da clínica de recuperação e volta às ruas da Cracolândia.
47:56Ele não quer conversa.
47:59Você voltou a usar droga, senhor?
48:00Voltei.
48:01E por que o Tiago que queria usar drogas venceu aquele que não queria mais usar?
48:11Nossa viagem à Colômbia talvez possa ajudar a responder essa pergunta.
48:16Para os traficantes, este é o cenário ideal.
48:18Estamos na Zona Rosa, em Bogotá.
48:21Grande parte da droga que fica na Colômbia vem para cá.
48:25Aqui estão os principais pontos de venda de cocaína da capital colombiana.
48:31Um taxista nos leva aos principais pontos de venda de cocaína.
48:36Pontos de venda da droga, disfarçado e carrocinhas de cachorro quente.
48:41Quem vende a droga aqui em Bogotá?
48:44A gente que vende os carritos, os cochecitos.
48:49Vendem cigarrilhos, dulces, galhetas, tudo isso.
48:53É gente que vende droga também.
48:57É um disfarce que eles usam.
48:59Então, sim, é uma fachada.
49:03Em São Paulo, no começo de 2014,
49:08Tiago é preso com sete pedras de crack, duas porções de cocaína e duas de maconha.
49:15Acaba condenado a seis anos de prisão.
49:18Tiago ganha liberdade e, novamente, a história se repete.
49:23Encontramos o jovem que foi preso em São Paulo.
49:26Tiago ganha liberdade e, novamente, a história se repete.
49:31Encontramos o jovem pela região da Caracolândia.
49:34E, mais uma vez, ele não quer conversar.
49:37Mas Tiago nos envia esse áudio pelo WhatsApp.
49:41Obrigado pela força, certo?
49:43Mas, da minha parte mesmo, eu não quero entrevista nenhuma, não.
49:46Não quero conversar, não.
49:48Já falei isso para vocês.
49:49Não estou sendo ignorante nem arrogante.
49:51Agradeço pela ajuda que vocês me deram no passado.
49:53Mas eu prefiro ficar tranquilo no meu canto.
49:57Está tudo incerto, está tudo bem, graças a Deus.
50:01Muito obrigado, mais uma vez.
50:02Fica com Deus vocês aí.
50:03Só tenho a agradecer.
50:04Mas não precisa se preocupar, não, tá?
50:05Muito obrigado.
50:07A indústria da droga é a atividade ilegal mais lucrativa do planeta.
50:14O último relatório da ONU estima os ganhos anuais no narcotráfico em 320 bilhões de dólares.
50:22Seu ponto de destruição é contínuo.
50:25Mata a conta gotas, mas mata sempre.
50:33Em geral, de cada dez viciados que tentam algum tipo de tratamento para se livrar das drogas, apenas três têm sucesso.
50:44A história de Tiago, por enquanto, está entre as que fracassaram.
50:47Enquanto a de Everton, com a ajuda da ibogaína, pode ser um exemplo de superação.
50:53Hoje a sua vida se resume a tentar recuperar tudo o que você perdeu por causa da cocaína?
50:57Sim. Lutar para recuperar e conquistar tudo aquilo que um dia a droga me tirou.
51:02Eu tenho certeza e confio que Deus vai me devolver tudo passo a passo.
51:08O amor de cada um.
51:09Vocês acreditam na recuperação dele?
51:11Eu acredito.
51:12Hoje eu vejo ele já recuperado.
51:15Para quem conheceu o Everton, há cinco, seis anos atrás, hoje eu vejo meu filho recuperado.
51:23O impossível aconteceu?
51:25Aconteceu.
51:26Eu não posso dizer para o Senhor que ele está recuperado 100%, mas eu garanto que 90% ele está recuperado.
51:34Talvez os 10% que faltam possam ser alcançados.
51:39Bom dia.
51:41Sejam bem-vindos a nossa casa do bom samaritano.
51:46Aqui é a comunidade Missão Belém, onde hoje eu estou fazendo a minha restauração e hoje eu sou um membro voluntário.
51:57Everton e outros voluntários ajudam a cuidar de seus filhos.
52:01Muitas vezes você vai numa clínica particular e não tem o amor que a gente tem, porque aqui a gente não ganha nada.
52:08Eu não ganho nada.
52:09O que eu tenho aqui é que eu moro junto com eles, eu como da mesma comida que eles comem e eu durmo aqui.
52:17Eu tenho o mesmo espaço que eles.
52:20Eu tenho o mesmo espaço que eles.
52:23Eu tenho o mesmo espaço que eles.
52:25O que eu tenho aqui é que eu moro junto com eles, eu como da mesma comida que eles comem e eu durmo aqui nesse chão.
52:32Eu visto da roupa que chega de doação que eles vestem.
52:35Eu não ganho um centavo para fazer isso.
52:38Entre os voluntários estão ex-viciados como Everton, que encontram aqui o trampolim que precisam para saltar do vício para uma vida produtiva.
52:47Na verdade também eu sou um ex-dependente também, de craque.
52:55Vivi muito tempo na rua também, vivi por seis anos na rua.
53:00Tive várias dificuldades também, já sofri muito na rua, fiquei em coma já.
53:06Perdi um pouco da visão por causa da convivência na rua.
53:11Comer, rezar.
53:12Rezar.
53:14A sua misericórdia não nos faltará.
53:18Amar.
53:20É isso mesmo, a vida de Everton poderia ser um filme.
53:24Ele chegou no fundo do poço.
53:27Eu quando estava morando na rua, eu estava bebendo álcool de posto.
53:31Comprava álcool do posto, comprava saquinho de suco, fazia mistura e bebia etanol com suco.
53:38Para poder controlar a abstinência, para poder ficar na rua acordado.
53:43Mas agora com a ajuda do pai, da madrasta e de outras pessoas que também estão auxiliando, descobre o seu lugar e o seu valor no mundo.
53:53Os tentáculos do tráfico são grandes e poderosos.
53:57Que um abraço amoroso seja ao menos capaz de enfrentá-lo.
54:02É uma longa estrada.
54:09E terminamos com uma questão inquietante.
54:12Quantos brasileiros ainda precisam morrer para que a indústria das drogas seja realmente confrontada?
54:19Quantos?
54:21Aqui Roberto Cabrini.
54:23Este foi o Conexão Repórter de hoje.
54:26Boa noite.
54:38Legendas pela comunidade Amara.org
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