00:00O Jornal Nacional entrevistou hoje o presidente Lula sobre as tarifas anunciadas pelos Estados Unidos para produtos brasileiros de exportação.
00:09Ele disse à repórter Delis Ortiz que o Brasil quer negociar, mas cobrou respeito às decisões brasileiras e admitiu responder com tarifas iguais se não houver acordo.
00:22Boa noite, presidente.
00:24Boa noite, Delas.
00:24A primeira pergunta é de ordem prática.
00:27O senhor mencionou a lei da reciprocidade, mesmo com a ameaça explícita do presidente Trump de responder com mais tarifas a qualquer taxação decidida pelo Brasil.
00:42Como é que o senhor governo pretende escapar desse círculo?
00:48Olha, primeiro é importante levar em conta que algumas coisas que um ser humano e um governo podem admitir.
00:56é a ingerência de um país na soberania de outro.
01:01E mais grave, a intromissão de um presidente de um país no poder judiciário do meu país.
01:09É inaceitável que o presidente Trump mande uma carta, sabe, pelo site dele, sabe, e começa dizendo que é preciso, sabe, acabar com as caças bruxas.
01:21Isso é inadmissível.
01:24Primeiro porque isso aqui tem injustiça e a gente está fazendo um processo com direito à presunção de inocência de quem é vítima.
01:32Se quem é vítima cometer um erro, vai ser punido.
01:35Aqui no Brasil é punido.
01:36A segunda coisa é que é inverossímil o fato pelo qual se aumentou a tarifa.
01:41O presidente Trump deve estar muito mal informado porque nos últimos 15 anos o déficit para o Brasil é de 410 bilhões de reais entre comércio e tarifas.
01:56Portanto, não existe explicação a não ser uma falta de informação e depois tentando atrapalhar uma relação muito virtuosa que o Brasil tem com os Estados Unidos há 200 anos.
02:08O que é que eu vou fazer, na verdade?
02:11Primeiro, eu não perco a calma e não tomo decisão com 39 iguais de febre.
02:16O Brasil utilizará a lei da reciprocidade quando necessário.
02:21E o Brasil vai tentar, junto ao OMC com outros países, tentar fazer com que o OMC tome uma posição para saber quem é que está certo ou que está errado.
02:30A partir daí, se não houver solução, nós vamos entrar com a reciprocidade já a partir do primeiro de agosto, quando ele começa a taxar o Brasil.
02:38Nós entendemos que o Brasil é um país que não tem contencioso com ninguém, nós não queremos brigar com ninguém, nós queremos negociar e o que nós queremos é que seja respeitado as decisões brasileiras.
02:52Portanto, se ele ficar brincando de taxação, vai ser infinita essa taxação.
02:56Vamos chegar a milhões e milhões e milhões de porcentos de taxas de coisa.
03:00O que o Brasil não aceita é intromissão nas coisas do Brasil.
03:04Ele tem o direito de tomar decisão em defesa do país dele, mas com base na verdade.
03:09Se alguém orientou ele com uma mentira de que os Estados Unidos é deficitário com o país, mentiu.
03:15Porque os Estados Unidos é superavitário na relação comercial com o Brasil.
03:20A motivação política desse ataque americano é explícita, né?
03:24E Trump critica o julgamento de Jair Bolsonaro e ações no Supremo sobre as plataformas de redes sociais.
03:33Mas os ataques de Donald Trump começaram durante o encontro dos BRICS e depois das declarações do senhor em tom de crítico aos Estados Unidos durante o evento.
03:46Que papel o senhor atribui às suas declarações nas motivações do presidente americano?
03:53Nenhuma.
03:54Veja, primeiro, os BRICS é um fórum que ocupa hoje metade da população mundial e quase 30% do PIB mundial.
04:04E dentro dos BRICS está países que participam do G20.
04:08Dez países dos BRICS participam do G20 aonde o senhor Trump participa.
04:12Segunda coisa, nós temos três países que foram convidados do G7 agora.
04:19Quatro países, Brasil, México, África do Sul e Índia.
04:24Quarta coisa, o BRICS é um agrupamento de países que trabalha em bolso do sul global.
04:30Nós cansamos de ser subordinados ao norte.
04:34Nós queremos ter independência nas nossas políticas, queremos fazer comércio mais livre.
04:38E as coisas estão acontecendo de forma maravilhosa.
04:41As coisas vão continuar melhorando e nós estamos discutindo, inclusive, a possibilidade de ter uma moeda própria
04:49ou, quem sabe, com as moedas de cada país, a gente fazer comércio sem precisar utilizar o dólar.
04:55Porque não temos a máquina de rodar dólar, só os Estados Unidos que tem.
04:59E nós não precisamos disso para fazer comércio exterior.
05:02Agora, achar que os BRICS é a razão pela qual o Trump ficou nervoso, o Brasil nunca ficou nervoso com a participação do G7,
05:11o Brasil nunca ficou nervoso com as coisas que os Estados Unidos fazem.
05:14Cada país tem soberania de fazer aquilo que quer.
05:17Então, eu penso que o presidente Trump precisa se cercar de pessoas que o informam corretamente
05:23sobre como é virtuosa a relação Brasil-Estados Unidos.
05:29O senhor criticou Donald Trump por ingerência em questões que firam a independência das instituições brasileiras.
05:39Mas o senhor recebeu críticas por visitar a ex-presidente argentina, Cristina Kirchner, agora,
05:44condenada por corrupção e por defender com cartaz a liberdade dela.
05:50Como é que o senhor responde a essas acusações de ter interferido nas questões internas de um país soberano argentino?
05:58Com muita firmeza.
06:00Eu fui visitar a presidência argentina com autorização da justiça argentina.
06:05Eu só fui lá porque a justiça argentina decidiu que eu fosse visitar atendendo um pedido da própria Cristina.
06:15E eu fui fazer uma visita humanitária.
06:17Eu nunca me preocupei que o Trump recebesse o Bolsonaro ou qualquer pessoa.
06:22É direito de cada presidente fazer o que quiser.
06:25O que não é direito é um presidente querer dar palpite na decisão de justiça de um país.
06:31Aqui no Brasil, a nossa justiça tem autonomia.
06:36O poder judiciário é um poder autônomo, como é o legislativo.
06:40E aqui a gente obedece regras.
06:42O que o presidente Trump tem que saber é que se aqui no Brasil ele tivesse feito o que ele fez, sabe,
06:49nos Estados Unidos com as eleições, ele também estaria sendo processado.
06:56Estaria sendo julgado.
06:57E se fosse culpado, ele seria preso.
06:59É assim que funciona a lei para todos no mundo.
07:03Ou seja, nós precisamos aprender a respeitar.
07:06Você nunca viu me meter numa decisão de justiça americana.
07:11Nunca viu.
07:12E o que eu espero é reciprocidade, que ele também não se meta nos problemas brasileiros.
07:17Esse ataque americano às exportações brasileiras levantou preocupações enormes nas empresas exportadoras.
07:25Que papel o senhor espera que esses setores empresariais desempenhem na formulação de uma resposta do governo aos Estados Unidos?
07:35É só importante a gente deixar claro para a opinião pública que não é uma taxação ao Brasil.
07:41Ele vem taxando todos os países do mundo desde que tomou posse.
07:45É um direito dele, mas é um direito dos países reagir.
07:49Olha, o que é que eu pretendo fazer?
07:50Veja, primeiro eu pretendo reunir todos os empresários que têm exportação para os Estados Unidos.
07:56Sobretudo aqueles que têm maior volume de exportação, suple, laranja, aço.
08:01Sabe, a Embraer que exporta muito para os Estados Unidos, para conversar, para ver qual é a situação deles.
08:08Nós vamos tentar fazer todo o processo de negociação que for possível fazer.
08:13O Brasil gosta de negociar, o Brasil não gosta de contencioso.
08:17E depois que se esgotarem as negociações, o Brasil vai aplicar a lei da reciprocidade.
08:23E aí os empresários, eu espero que estejam aliados ao governo brasileiro.
08:27Porque se existir algum empresário que acha que o governo brasileiro tem que ceder e fazer tudo o que o presidente do outro país quer,
08:36sinceramente, esse cidadão não tem, não tem, sabe, nenhum orgulho de ser brasileiro.
08:42Essa é a hora da gente mostrar que o Brasil quer ser respeitado no mundo.
08:48Que o Brasil é um país que não tem contencioso com nenhum país do mundo.
08:52E que, portanto, a gente não aceita desaforamento contra o Brasil.
08:56Aqui para encerrar, presidente, o presidente Donald Trump, ele está na Casa Branca há sete meses, né?
09:05Por que motivo o governo do senhor não fez nenhum movimento para estabelecer contato direto,
09:11mais próximo com o governo do nosso segundo maior parceiro comercial?
09:19Olha, primeiro eu mandei uma carta dando os parabéns da vitória do Trump.
09:24Eu não tenho que conversar com o Trump até agora, não tem nenhuma razão.
09:29Eu imaginei encontrar com o Trump no G7.
09:32Quando nós chegamos lá, ele tinha saído.
09:34Porque a reunião foi feita num lugar muito escondido, porque o Trump não seria bem recebido no Canadá.
09:40Então, quando eu cheguei, eu e os convidados, eu e o primeiro-ministro Modi, a Cláudia,
09:46a presidenta do México e o Ramaphosa, a presidenta da África do Sul,
09:49quando nós chegamos lá, o Trump tinha vindo embora na outra noite.
09:52Na hora que houver necessidade de conversar com o Trump, eu não tenho nenhum problema de ligar para ele,
09:57como eu já liguei para o Clinton, já liguei para o Bush, já liguei para o Obama, já liguei para o Biden.
10:02Agora é preciso ter uma razão para ligar.
10:04Dois presidentes não ficam ligando para contar piada.
10:07Ele, por exemplo, ele poderia ter ligado para o Brasil para dizer da medida que ele vai tomar.
10:11Ele não mandou nenhuma carta, nós não recebemos carta.
10:16Ele publicou no site dele uma total falta de respeito, que é um comportamento dele com todo mundo.
10:22E eu não sou obrigado a aceitar esse comportamento de respeitoso entre relações de chefe de Estado,
10:28entre relações humanas.
10:30Educação é bom.
10:32E a gente gosta de receber e gosta de dar.
10:35E o Brasil quer ser bem tratado.
10:36Quando eu tiver um assunto sério para tratar com os Estados Unidos, eu não terei nenhum problema de pegar o telefone
10:42e ligar para a casa da banca pedindo para conversar com o presidente Trump.
10:46Por enquanto, eu não tenho.
10:47Agora, veja, agora é o seguinte.
10:49Nós vamos criar uma comissão de negociação juntando empresários e o governo.
10:53Vamos ver quais são as decisões, quem é afetado, como é que vai ser afetado,
10:57como é que a gente pode procurar novos mercados.
11:00E eu mesmo, eu mesmo, vou procurar novos mercados para os produtos brasileiros.
11:04Esse é o meu papel, inclusive, de dizer para os empregados, vamos juntos abrir novos mercados.
11:10Porque não é fácil, sabe, ele só taxar os outros.
11:14Ele também terá consequência nos Estados Unidos.
11:17Ele também terá muita consequência.
11:19Então, é assim, Délis, a relação entre dois Estados, ela tem que ser uma coisa respeitosa.
11:26Um presidente, ele não é dono da verdade, um presidente não tem relação ideológica com o outro.
11:31Eu nunca tive relação ideológica, sabe, eu converso com o presidente do país, seja ele quem for.
11:38Ele foi eleito pelo povo e precisa conversar, eu converso com todo mundo.
11:42Nunca, nunca tive um veto.
11:44Agora, eu não tenho nada para conversar com o Trump.
11:47Aliás, ele não dá motivo para que a gente tenha nada para conversar com ele.
11:50Depois que a gente discutir profundamente o que vai acontecer, sabe, nós temos tempo para discutir, nós temos tempo para conversar, nós temos tempo para ouvir os empresários,
12:00nós temos tempo para ouvir a OMC, para ouvir outros países como é que estão acontecendo.
12:05E aí, quando chegar o momento que for necessário conversar, pode ficar certo que eu não terei nenhum problema de pegar o telefone e ligar.
12:12Correndo o risco de ele, de forma mal educada, não querer me atender.
12:16Eu corri risco, mas de qualquer forma, se for necessário, eu farei isso sem nenhum problema.
12:21Então, por agora nada, né?
12:22Por agora nada.
12:23E nem chamar a embaixadora.
12:25Não sei.
12:26Aí é um problema que o Itamaraty vai ter que tomar essas decisões.
12:29Eu acho que era importante chamar a embaixadora para tomar informações, mas é um problema que depende da decisão do Itamaraty.
12:36Eu acho que o ministro Mauro Vieira saberá cuidar disso.
12:38O que eu acho um desaforo muito grande deles, e não dá para aceitar, é um cidadão, presidente de um país importante como os Estados Unidos,
12:47conversar uma carta para mim, mandada pelo site, avocando o fim das caças bruxas a um ex-presidente que tentou dar um golpe nesse país.
13:00Ele não tentou dar um golpe, ele tentou preparar a minha morte, a morte do presidente da Suprema Corte,
13:06que na época era o Alexandre de Monaes, a morte do vice-presidente.
13:09E não é ninguém da oposição que está falando, são os militares que estavam com ele.
13:15É o ajudante de ordem dele que recebeu as informações deles.
13:20Agora, quem vai ser julgado não é o cidadão Bolsonaro, quem vai ser julgado é os autos do processo.
13:25Se ele tiver razão, será absolvido.
13:28Se ele não tiver razão, ele será condenado.
13:30E se condenado, vai ser preso.
13:31É assim que funciona a justiça no Brasil.
13:35E é assim que eu espero que funcione nos Estados Unidos.
13:38Se tivesse um capitólio aqui e o Bolsonaro tivesse feito o que fez o Trump nos Estados Unidos,
13:45ele também estaria sendo julgado.
13:48Porque a lei aqui no Brasil é para todos, de verdade.