00:00Eu confesso que até a minha fé, eu questionei, sou uma pessoa de muita fé também, mas assim, até, sabe, o...
00:07Sério, Deus, é isso aí que você tá fazendo? E quando eu vi a Ana Júlia foi muito chocante.
00:12Eu acho que eu também tenho essa questão de ter tido um Diego e aí aquela idealização, o Diego nasceu grande, nasceu gordinho, nasceu a termo, nasceu...
00:22Eu peguei, desculpa, eu peguei, coloquei no peito, teve aquela hora, teve tudo, e aí com ela não teve nada, sabe?
00:33Simplesmente ela nasceu, teve uma correria no centro cirúrgico, levaram ela, eu só consegui olhar pro meu marido e falei, vai atrás, vai atrás, pelo amor de Deus, não deixa ela sozinha, vai atrás, eu tô aqui, tô bem.
00:47E aí ele foi atrás, assim, ela não teve nenhuma intercorrência mais firme, mas assim, as primeiras fotos dela, você vê que pela diminuição extrema do líquido, a pele dela tiveram várias escoriações, assim, no pescocinho, você vê que tá praticamente em carne viva, sabe?
01:07Então, a primeira vez que eu vi minha filha foi uma foto que meu marido tirou. Quando eu consegui, quando eu tive autorização pra subir na Uteinel, já era no fim da tarde, assim, eu me deparei, veja, eu tive Diego em 2020, embora fosse pandemia, ele chegou lindo, num carrinho, num becinho, pra ficar comigo no quarto e tal,
01:30Eu não tive essa experiência de chegar na maternidade e ver vários bebês, mas aí quando você chega na Uteinel, é aquele lugar, todo branco, com luz branca, todo mundo de máscara, todo mundo de toca, todo mundo de avental, e aí você chega e olha, são vários cubículoszinhos assim, um do lado do outro, com vários pais e mães, com cara de desespero.
01:52desespero. E aí bateu uma coisa, assim, eu fui de cadeira de roda, porque ainda não podia andar, e aí bateu aquele de, nossa, essa é a minha realidade agora. E aí o medo veio comigo, eu não consegui deixar o medo de lado, eu não consegui trazer toda a força que eu podia, não, eu fiquei louca, desesperada, falei, pelo amor de Deus, aí minha fé voltou.
02:13Aí a fé voltou com tudo. Eu comecei, assim, num culto ecumênico, todo mundo que eu conhecia, seja de quaisquer religião, eu, pelo amor de Deus, reza pela minha filha, e comecei naquele processo de pedir, implorar, porque tem aquelas 72 horas, acredito que seus bebês entraram nisso também, que são as 72 horas de mínimo toque, né,
02:38que eles não fazem nenhum procedimento no bebê, deixa lá pra justamente o bebê reagir e tal, são procedimentos mínimos, e fica naquela incubadorazinha, enfim, deve ter sido a mesma coisa, que eles chamam de frog, né, que é o, aqui é toda úmida.
02:55E aí, enfim, eu vendo aquilo, só que assim, na UTI que eu tava, na sala, tinham vários bebês, nenhum era tão pequeno quanto o meu. Embora tivessem pessoas que tiveram um filho com menos semanas, mas não era esperado 940 gramas, no segundo dia a Ana Júlia pesou 800 e poucos gramas.
03:19Então, assim, ao invés de, embora eu já tivesse preparada, porque as pessoas vinham e falavam, olha, vai perder um pouco de peso no início e tal, você não tá preparada pra sua filha ter 800 gramas, sabe, pra olhar ali, eu não conseguia nem ver o rosto dela, de tanto equipamento que tinha no bebê, você olha, você não vê uma criança, você vê um monte de equipamento com uma pessoa ali embaixo, que você mal identifica.
03:42Então, foi muito chocante, eu senti, foram muitas sensações controversas e a culpa, né, que eu não consegui ter essa evolução, pelo menos no início.
03:55E aí, veio aquela culpa gigante de o que é que eu fiz de errado, mas passou.
04:02E aí, eu acho que, à medida que você vai entrando de novo naquele ambiente, vai conversando com outras mães, as enfermeiras, pra mim, as técnicas de enfermagem são seres completamente iluminados, porque foi quem me ajudou.
04:16Tem um momento ali que você sai da UTI, né, e você não pode mais fazer nada.
04:22Assim, o bebê tá ali, é o melhor, a melhor estrutura que pode ter, tem várias pessoas preparadas, mas você é mãe, não quer sair dali, mas aí, nesse processo, chegou uma técnica de enfermagem, segurou na minha mão e falou
04:37Ana, não adianta você ficar aqui sentada 24 horas por dia, você tem que viver também.
04:43E aí, eu peguei lá a coragem que eu tinha deixado do lado de fora e conversei com a Lu, que me ajudou muito também no processo, e falou
04:53Ana, vamos, o que você puder, as entregas que você puder fazer, o que a gente conseguir, e eu falei, ai Lu, vamos, vamos junto, porque tá difícil, mas eu não posso ficar o dia todo
05:07no hospital, e se eu não tivesse uma ocupação, eu passaria o dia todo no hospital.
05:12Então, foi meio que assim, eu pedi, quase que pedi, pra voltar a trabalhar.
05:17Eu falei, pega só assim, o que você gosta mais, de todos os conteúdos, e ali faz um pouquinho de manhã, e é isso, né?
05:25Mas é, porque é muito fácil, é, você passar o dia todo lá.
05:30A Nádia deve saber disso muito bem, é muito fácil você ficar dentro do hospital e viver somente a rotina do hospital,
05:35mas eu não podia fazer isso, eu tinha outro filho, eu tinha marido, meus pais estavam aqui, então assim, meus pais moram em Recife, mas estavam aqui.
05:44Então, eu tinha que dar atenção, principalmente pro meu filho, pra ele entender que, tava difícil a situação, mas que ia melhorar,
05:53que a irmã dele tava viva, que tava tudo certo, que a mãe dele tava bem, e tinha que dar o suporte emocional pra ele.
05:59Então, é, eu acho que é isso, é assim, se eu, se tem uma coisa, pras mães que tão passando por isso, é, não se anule,
06:09e não entre na UTI, e fique o dia todo, e tinha, com esse mãe que dormia lá, que fazia tudo lá.
06:16Isso é muito louco, assim, não dá pra você, é, viver como se só tivesse aquilo na sua vida,
06:22você tem que abrir outros olhares também, até pra você mesma, né?