Pular para o playerIr para o conteúdo principalPular para o rodapé
  • 07/06/2025
A travessia até a Ilha do Combu, em Belém, dura menos de dez minutos. Mas a distância entre a realidade de dez anos atrás e a que se vê hoje é de anos-luz. Há uma década, a renda das famílias ribeirinhas se sustentava, majoritariamente, na pesca e no açaí, colhido na força das próprias mãos. Hoje, com o crescimento do turismo e da visibilidade ambiental, pequenas embarcações, restaurantes, chalés e centros de vivência movimentam não só a economia da região, mas também os sonhos de quem mora ali. Em plena Amazônia paraense, o turismo comunitário virou alternativa de renda e um símbolo de resistência — e reinvenção.

Repórter: Gabi Gutierrez
Repórter fotográfico: Igor Mota
Edição: Lucas Melo
Trilha: youtube.com/@gutembergoa

Categoria

Pessoas
Transcrição
00:00A menos de 10 minutos do centro de Belém, a ilha do Kumbu vive um momento de transformação.
00:10O que antes era um território ribeirinho, sustentado basicamente pela pesca e colheita do açaí,
00:16agora abriga uma economia em expansão, sustentada pelo turismo de base comunitária.
00:22Música
00:52E o que representa hoje pra ti esse trabalho, essa renda na tua vida, no teu cotidiano?
01:06É meio que um extra e um extra que ajuda muita gente que veio pra beneficiar não só a mim, mas o mundo só a sua.
01:13Como, por exemplo, hoje a gente não pode trabalhar só uma pessoa, né?
01:17Que a gente chama uma pessoa que já está muito planta, sei lá, vamos trabalhar.
01:21A demanda como aumentou, ela já beneficiou muitas das pessoas, tanto do nosso trabalho na cidade do Águia, como nos restaurantes.
01:30Aumentou a demanda de restaurantes, de funcionários, qualquer acento, principalmente pra quem queria só a colheita do açaí.
01:39Já tem aquela intensa, período que é mais difícil, né?
01:43Isso, tem aquele período bem intensado, né?
01:46Aí já melhorou bastante, já melhorou bastante nesse meio em relação a isso, né?
01:52Já não ficou focado só naquele ponto.
01:54Não dependia só da fé?
01:55Isso, isso daí.
01:57A travessia fluvial virou mais que uma rotina.
02:04É parte essencial da engrenagem econômica da ilha.
02:07Só a cooperativa Copertrans Combo, uma das que operam no transporte para a região,
02:13já registrou mais de 75 mil passageiros em 2024.
02:17Para quem trabalha no Rio, isso pode significar até 5 mil reais por mês em alta temporada.
02:27Para a gente é uma alegria muito grande hoje ver nossas ilhas no centro, assim.
02:33Não só a ilha do Combo, mas como todas as ilhas próximas.
02:37Quando a gente começou, foi um sonho de 20 pessoas só.
02:41E hoje está com 52 pessoas, sendo que tem jovens das ilhas que hoje com 20, 18, 20 anos
02:50conseguiam já tirar sua carteira, já estar trabalhando, fazendo esse traslado,
02:54tendo o sustento da sua família, né?
02:56E para a gente é muito importante isso.
02:58Hoje tu diz que não é mais só baseada a economia de vocês em açaí e pesca.
03:04Sim, hoje não.
03:05Hoje já temos o transporte também, né?
03:08Porque antes era só do açaí e da pesca.
03:10Hoje não, o Ribeirinhos que já tem consegue outras saídas que a gente não tinha.
03:20Com o crescimento da demanda, pequenos empreendimentos começaram a surgir.
03:25Em 2010, apenas seis estabelecimentos atuavam com turismo no Combo.
03:30Já em 2023, esse número chegou a 60.
03:34Os dados são do Sebrae.
03:36A maioria são negócios familiares, que transformaram quintais em restaurantes,
03:41trapiches em hospedagens e saberes tradicionais em experiências.
03:46Há seis anos eu trabalho com turismo de base comunitária aqui na Ipocombu.
03:56E toda a nossa história começou vendendo a pedanata, né?
04:00A pedanata era produzida por mim, pelo meu filho e da minha esposa.
04:04Depois que a gente descobriu que a gente tinha muita coisa para mostrar para o turista, né?
04:10A gente começou a agregar tudo isso aqui no nosso espaço, a de vivência, né?
04:15Um café da manhã, de berina, que a gente chama, né?
04:19Então, não conseguimos mais fazer artesanal.
04:23Então, a gente foi nas comunidades e conversamos com os artesões,
04:29que aqui na região tem muitas, né?
04:32E começamos a convidar eles para expor aqui no nosso espaço o material deles.
04:39E depois foi surgindo uma bateria de algumas tribos, né?
04:44Lá de Santarém também, né?
04:45Hoje a gente ajuda as pessoas não só da Ipocombu, mas de outras ilhas próximas, né?
04:51Então, agora a gente está aí conectado com mais pessoas e cada vez mais fazendo parceria, né?
04:57Hoje a gente está com mais ou menos 20 artesões aqui no seu país.
05:05Hoje os turistas procuram mais que paisagem, querem vivência.
05:10E é isso que o Ipocombu tem a oferecer.
05:13Produtos como trilhas, oficinas de chocolate, culinária com ingredientes da floresta
05:18e passeios por Igarapés viraram o novo ouro da região.
05:23A agência Igaraturismo, criada pelo seu Charles, morador da região da Piriquitaquara,
05:29viu a procura aumentar até 80% desde o anúncio da COP30,
05:35que será realizada na capital paraense.
05:37Cada dia que passa, né?
05:41A gente percebe que aumentou essa procura por esse tipo de trabalho que nós apresentamos aqui, né?
05:49Não só pelo artesanato, né?
05:52Mas pelas vivências que a gente faz.
05:54Que a gente faz aqui a vivência do açaí, a vivência do chocolate, o banho de cheiro.
06:00E agora estamos muito agregando a vivência do mel, que também criamos abelhas, né?
06:03A trilha na floresta, né?
06:06Então, isso aí as pessoas estão procurando muito.
06:09E a gente percebeu que, desde quando foi anunciado que a COP ia ser aqui em Belém, né?
06:14Aí começou essa procura.
06:16A gente começou a ser bastante visitado mesmo.
06:19E hoje, as vivências, mais a loja, elas são a sua renda ou elas são extra?
06:27O senhor divide com outras coisas?
06:28Como é que funciona?
06:29Isso hoje aqui virou o nosso ganha-pão, que a gente fala muito forte mesmo, né?
06:35Hoje eu vivo 100% do turismo, tá?
06:39A loja, que tudo começou com artesanato, né?
06:42Hoje a loja virou um complemento, né?
06:45O carro-chefe mesmo aqui são as vivências, né?
06:50O café da manhã e os grupos que vêm também para fazer yoga no nosso espaço.
06:59No restaurante da Dona Prazeres, fundado há mais de 40 anos, a adaptação aos novos tempos veio com a consciência ambiental.
07:07O espaço aboliu o uso de plástico, fabrica sabão com o óleo usado na cozinha e utiliza biodigestores.
07:15Hoje, ela emprega moradores da ilha e até mesmo da cidade, num movimento contrário ao fluxo tradicional.
07:22Os desafios, eles existem à medida que você vai avançando.
07:32Então, antigamente, por exemplo, o grande desafio era você abastecer o restaurante em uma medida que não faltassem os insumos.
07:41Mas que você não tivesse uma grande sobra, porque você não tinha energia elétrica.
07:45Então, se você tivesse uma sobra grande de insumos, você perdia.
07:51Você não tinha como manter o gerador funcionando ao longo de toda a semana para manter esses alimentos congelados.
07:58Um grande desafio nosso era fazer o tratamento dos resíduos orgânicos.
08:03Não os orgânicos de origem vegetal, porque isso é fácil você cuidar.
08:07Mas os orgânicos de origem animal, isso realmente era um grande desafio para nós, até que nós conseguimos adquirir os biodigestores.
08:16E isso trouxe para nós uma tranquilidade muito grande, porque além de tratar esses resíduos produzidos,
08:22ele ainda nos dá gás, que nós usamos na cozinha, e ele nos dá o biofertilizante,
08:28que a gente usa no sítio, a gente usa na obra, nas plantas de modo geral.
08:32O restante dos resíduos de origem vegetal, nós compostamos.
08:38E aí, de quebra, a gente pega a terra para usar na horta.
08:43E o restante dos resíduos que não são orgânicos, a gente seleciona e encaminha para a cooperativa.
08:51Legal.
08:52O que também acaba sendo uma coisa colaborativa, ajuda quem trabalha.
08:56É muito bom e a gente acha que é muito necessário, é importante que quem venha empreender no Bungu
09:01entenda que está dentro de uma área de proteção ambiental, dentro de um ecossistema extremamente frágil,
09:09e que a gente precisa realmente ter todos esses nominados.
09:12No seu restaurante, todo mundo que trabalha aqui é da ilha, da região vizinha?
09:17Hoje, exatamente, a gente tem 50% a 50%.
09:21Eu tenho 50% que são moradores da ilha e 50% que são da cidade.
09:27Eu já tive todos os moradores, todos os funcionários moradores da ilha.
09:32Hoje, não mais.
09:34Alguns saíram e abriram seu próprio empreendimento, isso é maravilhoso.
09:39Alguns estão em outras atividades.
09:42Então, a gente acaba que busca pessoas da cidade para compor o nosso quadro.
09:46Agora sim, é muito importante a gente ver como isso mudou.
09:50Porque antigamente, os moradores da ilha, todos, tinham que buscar emprego na cidade.
09:56E hoje, a gente já faz um movimento contrário.
09:58Pessoas da cidade vêm buscar emprego dentro da ilha.
10:04A hospedagem também ganhou força.
10:08Muitos espaços começaram como pontos de apoio e hoje oferecem pacotes completos,
10:13com experiências personalizadas.
10:15A lógica do turismo na ilha é comunitária e territorializada.
10:20Aqui, o pertencimento é ativo.
10:23Os moradores são anfitriões, guias, cozinheiros, produtores e gestores do próprio negócio.
10:29Você pode montar uma hospedaria pequena, simples, rústica, mas sem cuidar do meio ambiente, sem cuidar da água, sem cuidar do esvoto.
10:43Você pode fazer uma hospedaria um pouco mais complexa, com conforto, que o cliente hoje é o conforto, tá?
10:50E ecologicamente correta, ecologicamente sustentável.
10:54Aí você precisa de muito mais tempo, o dobro, o triplo do prazo, pra você conseguir recuperar isso daí.
11:01Por exemplo, madeira, se você não vai destruir, você tem que comprar madeira de lei legalizada, pra poder desmatar, você tem que pedir permissão, autorização.
11:08Então, tornar isso ecologicamente viável e sustentável, ele é mais complexo, é mais difícil, é mais caro e demora mais.
11:18Porém, a gente tá tentando empreender, mantendo a natureza no seu lugar.
11:25Pra esses empreendedores, o turismo deixou de ser sazonal e se tornou uma estratégia de vida.
11:32Para os moradores da ilha do Cumbu, mais do que gerar renda, ela reafirma a identidade, conecta gerações e preserva a sua cultura e território.

Recomendado