Não é só no parto: Sabia que existem doulas de adoção no Brasil?
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00:00Quando a Maria chegou, eu já, eu sempre trabalhei com psicologia perinatal, né, nos últimos 15 anos, e eu frequentava grupos de mães, só mães brancas, com bebês que não chupavam chupeta, que não mamavam na mamadeira, aleitamento exclusivo, parto natural, e aí chega eu, que não tinha, não ia ter um parto natural, não ia ter um parto vaginal, não ia ter um parto domiciliar, muito provavelmente eu não ia amamentar, porque a amamentação também na adoção,
00:24ela também tem muitas questões, é desafiadora, e acontece muito raramente, e aí eu me vi nesse grupo de mães, na Zona Leste de São Paulo, né, nesse perfil, e eu falei, opa, também quero alguém que olhe pra minha maternidade, minha maternidade está à margem, mas como que eu coloco a minha maternidade no centro?
00:43E aí foi aí que eu falei, eu quero uma doula, porque eu formava doulas, como psicóloga até hoje, eu participo da, da, do Instituto Poder do Partejar, da Comadre, que eu dou aula pra doulas, e eu falei, tá, cadê a doula que entende de adoção?
00:56Que não entende só de parto? Que não entende só de vínculo? Que, que, que não vai me julgar por eu, por minha filha tá na mamadeira e não, no, no peito?
01:04Cadê essa doula? E aí, eu encontrei uma entrevista da Mari Muradas, que é minha sócia no projeto.
01:12Ah, ela já veio aqui na volta, na outra versão do estúdio.
01:17Aí eu encontrei uma entrevista da Mari Muradas, com um título super preconceituoso, inclusive, falando, minha vida era triste, encontrei felicidade na adoção.
01:25Só que ela contava, ela, ela odeia essa entrevista, desculpa Mari até te falar dela, mas foi essa entrevista que eu, que ela falou que ela atuava como doula de adoção nos Estados Unidos,
01:34principalmente, fazendo a transição da família, do bebê, pra família, da família biológica, pra família adotiva.
01:40Então, ela doulava o parto, como doula de parto, só que ela também doulava a família adotiva ali no pele a pele, e no acompanhamento no, na vinculação, nesse puerpério.
01:48Então, ela já era uma pessoa que já tinha percebido que tinha o puerpério.
01:51E aí, eu procurei a Mari, falei, Mari, eu tô na fila da adoção, eu quero uma doula, você, né, doulou famílias e estados, não, mas eu doulei de outro jeito, enfim, me explicou.
02:01Falei, ah, não importa, eu quero alguém, que quando meu filho ou minha filha chegar, vai me entender, vai me acolher, vou poder falar também, putz, tô com medo, putz, não era isso que eu esperava, que difícil, a família tá com preconceito, falando isso e aquilo.
02:15Porque a família sempre era assim, mas vai chegar bebê, né?
02:18Antes, quando a gente tá na fila, que a gente escuta, mas vai chegar pequeno, porque aí você pode moldar, né?
02:23Que ainda tem esse imaginário social.
02:24Não pode o povo abrir a boca pra falar isso, gente, dois mil e…
02:27É.
02:28E aí, eu ficava muito incomodada com isso, porque meu imaginário ia ser uma criança grande, assim.
02:33E até foi um pouco frustrante chegar um bebê e você falar, putz, tô alimentando essa coisa.
02:37É, é, é.
02:38Dá um pouco de raiva, imagina.
02:40Maria, te amo.
02:41Mas, né, você fala, ai, né, mas é isso, né, nossa história.
02:45E aí, eu procurei a Mari, a Mari me enrolou por dois anos, não sei se ela contou isso aqui, mas ela me enrolou por dois anos.
02:51E eu na fila da adoção, nisso a Maria chegou.
02:54E aí, eu falei, ó, agora você vai ter que me dou lá, filha, filha, chegou, né?
02:57O pessoal lá das doulas de parto não manjam nada de adoção.
03:00Quando eu ia falar de adoção nas rodas, eu que tinha que ensinar.
03:03Nossa.
03:03Eu que ensinava, ó, o cadastro é assim, funciona assim.
03:07Ai, eu conheço fulano que adotou.
03:09E aí, vinham os preconceitos, os mitos.
03:11E aí, ela falou, tá, ela também tava puérpera, o Tom tinha acabado de nascer, ela também tinha perdido um bebê antes.
03:17E a gente tava se falando um pouco nas redes sociais sobre isso.
03:20E ela aceitou conversar comigo, né?
03:22Ela aceitou, ela me acolheu, ela falou, mas, você sabe que você tá no puerpério, né?
03:26Eu falei, eu tô no puerpério? Sério?
03:29Ela falou, é, eu já vi isso acontecendo lá nos Estados Unidos.
03:31Porque eu tava, ao mesmo tempo que muito criativa, muito alegre em luto, ao mesmo tempo, né…
03:36Ambivalente, né?
03:38Ambivalente, assim, muito feliz, mas muito assustada, com muito medo, muito cansada.
03:41Óbvio, né?
03:42Chegar um bebê ali de 11 quilos, eu tive até um malé no braço, porque eu ficava, né?
03:47Aí, eu fui atrás de uma mochilinha, né? Pra poder fazer as coisas.
03:51Eu tive licença maternidade, então eu fiquei três meses exclusiva no cuidado com ela.
03:55E meu marido foi continuar a vida normal, como se nada tivesse acontecido, fazendo boxe até oito horas da noite.
04:01E aí, deu uma hora que eu falei pra ele, hello, né?
04:03Tô aqui o dia inteiro, né? Porque eu tô de licença, que eu tenho que cuidar sozinha.
04:07E aí, eu falo que a ficha dele caiu um pouco depois.
04:10Mas a nossa, enquanto mães no exclusivo no cuidado, que a gente sabe que hoje as mães são as que mais ficam no cuidado, né?
04:17Integral das crianças.
04:19Foi muito difícil.
04:20E a Mari me acolheu.
04:22A Mari me ajudou a dar um nome.
04:24Aí, eu comecei a pesquisar mais.
04:25Fora do Brasil, tem estudos com famílias adotivas ou famílias homoafetivas que não gestaram, mães que não gestaram.
04:32E que mostra que tem alteração de ocitocina, né?
04:35Na chegada da criança, a partir do exame de sangue até exame neurológico.
04:39Muda as redes neurais, muda o funcionamento do cérebro, muda sono, muda alimentação.
04:45Muda a relação social, a relação com a gente mesmo, né?
04:48Como que eu me identifico agora como esse ser social que deseja ser mãe e que quer ser uma boa mãe,
04:53mas que também tem esse cabo de guerra emocional entre, tá, mas e agora?
04:57Você não vai mais vir trabalhar?
04:58Você não tá mais disponível em todos os horários, à noite, né?
05:02Não tô, tô no cuidado, né?
05:04Tô no cuidado integral.
05:05É um privilégio também poder fazer essa escolha.
05:09E não precisar terceirizar também.
05:11Não também fazer outras pessoas largarem seus filhos pra cuidar dos nossos filhos, né?
05:15Então, é um processo social muito importante.
05:18E aí, foi aí que a gente criou doulas de adoção.
05:20Porque eu falei, Mari, só nós duas não vamos dar conta.
05:23Quando a gente viu esses números, a gente falou, tem muita gente na fila da adoção.
05:26Se a gente contar pra alguém, e se alguém quiser doulagem, só nós duas,
05:30a gente não vai dar conta.
05:31Porque aí, a gente formatou essa doulagem de parto com a doulagem de adoção americana
05:37pro modelo da adoção aqui no Brasil.
05:39Entendendo que a gente precisa falar de classe, de raça, de gênero, de privilégio branco.
05:44A gente precisa falar por que a adoção ainda acontece, falar dos grupos de apoio.
05:48Então, juntar tudo isso, né?
05:50E aí, a gente juntou tudo isso nas madrugadas puérperas, com dois bebês.
05:55Madrugadas ativas, madrugadas on.
05:57Porque o puerperio é isso.
05:58O puerperio é muita alteração emocional, mas ele também é muito criativo.
06:03É um momento que a gente tem uma janela de aprendizado muito maravilhosa.
06:07Só que a gente precisa ser acolhida, a gente precisa ter uma rede de apoio pra isso.
06:09Senão a gente não consegue sair do lugar, né?
06:11E aí, a gente criou o doulo de adoção, a gente criou o instituto pra formar outras
06:17doulas de adoção.
06:18Foi a nossa primeira ação, foi fazer uma roda pra escutar filhos adotivos, de falar
06:23gente, a gente tá querendo cuidar das famílias, pra famílias cuidarem melhor dos seus filhos.
06:28Faz sentido?
06:28A Mari também tem um privilégio na história dela, que a mãe dela é filha adotiva.
06:34Então a Mari também sempre lidou com a adoção de um jeito muito bonito.
06:37E eu falava, Mari, eu quero que minha filha entenda e olhe pra adoção como você olha.
06:43Que a gente possa formar as famílias, pras famílias perpetuarem isso com seus filhos.
06:47Então o instituto nasceu em 2019, um pouquinho depois que a Maria chegou, em 2018.
06:53A gente tá aí há seis anos, são mais de 100 doulas formadas no Brasil.
06:56Inclusive a Ana, né?
06:57Inclusive a Ana que veio com a gente, que aceitou a convocação, esse convite, que também é dolorido.
07:03É a gente entrar em contato com as questões doloridas que a gente não olha.
07:08A gente tem doulas hoje em Portugal, no Chile, na Austrália, né?
07:11Pessoas que também estão olhando pro cenário cultural, porque também precisa de uma adaptação.
07:15Então...