- 21/06/2025
A economia circular deve ganhar protagonismo nas discussões da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada em Belém no próximo ano. Para a engenheira química Beatriz Luz, fundadora e presidente do Instituto Brasileiro de Economia Circular, o modelo representa uma nova forma de pensar o desenvolvimento, mais duradouro e sustentável — e é especialmente promissor na Amazônia. Em entrevista ao Grupo Liberal, Beatriz explicou como a circularidade pode impulsionar o crescimento regional e reduzir impactos ambientais.
Repórter: Gabi Gutierrez
Imagem da capa: Wagner Santana
Edição: Bia Rodrigues (supervisão: Tarso Sarraf)
Repórter: Gabi Gutierrez
Imagem da capa: Wagner Santana
Edição: Bia Rodrigues (supervisão: Tarso Sarraf)
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NotíciasTranscrição
00:00Olá, seguidores e internautas geoliberais, eu sou a Gabi Gutierrez, repórter de política e economia,
00:05e hoje eu recebo Beatriz Luz, que é presidente do Instituto Brasileiro de Economia Circular.
00:11Seja bem-vinda, Beatriz.
00:12Um grande prazer estar aqui com vocês, Gabi.
00:14Prazer de receber. Hoje a gente vai falar um pouquinho sobre esse tema da economia circular,
00:18voltada, claro, para o nosso setor aqui, nossa região norte, região amazônica,
00:23quais são os desafios, o que é que tem sido trabalhado,
00:26e assim, como a economia circular pode ser aplicada na Amazônia,
00:31considerando as nossas peculiaridades, as nossas características únicas,
00:36e como a biodiversidade pode ser um fator plus aí para promover essa economia aqui.
00:43Pois é, Gabi, eu acho que esse é o grande diferencial que a gente tem, né?
00:48A nossa biodiversidade, o Brasil é um país riquíssimo, criativo,
00:54eu acho que a essência da economia circular, ela promove um redesenho de produto.
01:01Então, produtos mais duráveis, para serem reparados, compartilhados,
01:07que trazem na sua essência bases mais naturais,
01:12que podem ter origem a produtos de baixo carbono.
01:16Então, eu acho que tem uma riqueza, um potencial enorme aqui de ser explorado,
01:21na Amazônia e no Brasil, para a gente ter esse diferencial até a nível global, né?
01:27Com certeza.
01:28E justamente falando dessa riqueza, dessa diversidade da produção,
01:33não só do Brasil, mas em específico aqui da Amazônia,
01:36quais tu analisa como os principais produtos ou setores da economia amazônica
01:43que podem ser mais fortes, ter maior destaque aí nessa economia?
01:47Eu acho que tem uma multiplicidade aí de setores para a gente analisar, né?
01:54Desde produtos com base na Amazônia, mas também energia, mineração,
02:02todos esses setores, porque a base, a essência da economia circular
02:08é uma economia que tem uma nova definição de valor.
02:13Então, é uma economia mais equilibrada, que trabalha os setores de forma combinada.
02:21Então, por exemplo, os resíduos da mineração podem ser utilizados na indústria da cerâmica,
02:28na agricultura.
02:30Então, é aquele olhar de visão compartilhada.
02:35Então, a gente tem que aprender também essa nova governança de atores.
02:39É um trabalho que vai precisar de alianças entre setores,
02:45o público e o privado trabalhando junto.
02:48E a sociedade entendendo também que a gente precisa de novos comportamentos,
02:53atitudes para valorizar o produto local, o produto mais durável,
02:59consertar ao invés de comprar e jogar fora.
03:02Então, é tudo isso que a circularidade traz de oportunidades para a gente, né?
03:07Com certeza. E agora, falando dessas oportunidades, a gente não pode deixar de observar os obstáculos
03:15para, de fato, implementar, vamos dizer assim, essa economia.
03:20O que vocês observam e o que tu pontuaria como principais objetivos,
03:25obstáculos, na verdade, principais obstáculos para fazer a economia circular acontecer na região norte?
03:33Eu acho que tem uma série de coisas que tem que acontecer ao mesmo tempo que eu digo, né?
03:38A educação, a conscientização de todos os atores, ter uma infraestrutura adequada
03:45e as ferramentas para que as indústrias possam desenvolver esses novos produtos
03:52e ter ambientes para que esse trabalho seja colaborativo, compartilhado, ter essa visão comum.
04:03Então, eu acho que um obstáculo, mas ao mesmo tempo uma oportunidade
04:08é a gente unir atores para criar uma visão comum.
04:12Esse novo olhar para desenvolvimento, para competitividade, onde a gente promove a durabilidade,
04:19a gente promove a regeneração, o redesenho de produtos e transformando esse olhar de custo para investimento.
04:28E agora falando de, como tu falaste, são muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo
04:33para fazer um único objetivo, né?
04:36Mas aí, o que pode ser feito de políticas públicas para dar esse gás, esse impulso?
04:43Eu me lembro, eu estou nessa jornada há uns 10 anos, né, Gabi?
04:48E uma das coisas que sempre foi pontuado é que a gente precisava ter uma visão comum de país
04:55para que a gente pudesse realmente avançar.
04:57Então, em 2023, o Brasil lançou a Política Nacional de Economia Circular.
05:05E já no ano passado, a gente viu o lançamento da Estratégia Nacional de Economia Circular.
05:11Então, eu acho que isso é uma demonstração da importância, da relevância desse novo olhar para produção e consumo.
05:21E a gente está com a expectativa, agora a gente vai receber, antes da COP30,
05:26onde a gente vai ter tantos atores internacionais aqui com a gente,
05:30a gente vai ter o Fórum Global de Economia Circular em São Paulo, em duas semanas.
05:35E a gente tem a expectativa aí que o governo vá lançar o plano de ação dos próximos 10 anos para a economia circular.
05:44Ótimo.
05:44E, assim, tu achas que na COP30, tu achas que isso pode abrir uma porta, lógico, não apenas pelos atores globais, né,
05:57as pessoas que vêm de todo mundo com novas ideias, pensamentos diferentes.
06:02Tu achas que a questão da economia circular, ela pode entrar, de fato, nesse debate?
06:08Que a visão da população, de modo geral, ela é tão voltada somente para o clima?
06:15Eu acho que a economia circular pode e deve ser uma essência da discussão da COP30.
06:25Porque a gente tem que ir, além das questões de mitigação e descarbonização,
06:30a gente tem que trabalhar na adaptação.
06:32E olhando para iniciativas já existentes e da atração, da alavanca, da escala.
06:40Então, é importante pontuar que, quando a gente olha para as emissões globais
06:46e todos os impactos das mudanças climáticas,
06:5055% vem do impacto do uso de energia.
06:54Então, é natural a gente ficar discutindo transição energética,
06:57novas formas de energia.
07:00Mas a gente tem que entender o que são esses outros 45%.
07:04E isso tem a ver com os produtos que a gente usa no dia a dia,
07:08os commodities, o uso da terra, produção de alimentos.
07:12Então, quando a gente olha para essa produção de uma maneira diferenciada,
07:16a gente pode reduzir até 40% as emissões de gases de efeito estufa.
07:22Uma redução muito significativa, né?
07:24E, assim, voltando para o eixo aqui, Belém, Pará,
07:30vocês fazem algum tipo de parceria, algum tipo de aliança com o poder público,
07:36instituições locais para promover isso?
07:39Como é que vocês veem o cenário dessa promoção da economia circular aqui em Belém, aqui no Pará?
07:44Eu tenho começado essa interação com os atores aqui do Pará há pouco tempo, né?
07:53Eu vim aqui pela primeira vez, né?
07:56Esses dias eu estive aqui discutindo com alguns secretários,
08:00com embaixadas de vários países que estão interessados também em trazer conhecimento.
08:07Eu acho que é muito importante a gente embasar a conversa,
08:11para que ela não fique rasa,
08:13mas, ao mesmo tempo, a gente mostra o potencial, né?
08:17O benefício de você pensar diferente,
08:21fazer um redesenho de produtos.
08:24Então, eu acho que tem muitas possibilidades,
08:27principalmente um caso que a gente já vê,
08:30a produção de açaí aqui, que é muito grande, né?
08:33Eu descobri que tem uma grande quantidade de resíduos que é gerado,
08:40a gente tira a polpa do açaí e tem o caroço do açaí que fica
08:44e que acaba espalhado, sendo um resíduo,
08:48mas já tem muitas possibilidades de uso desse material.
08:52Então, ele pode ser direcionado para cogeração,
08:55ele pode ser utilizado como material filtrante
08:58nas estações de tratamento de água, esgoto.
09:01Então, eu acho que é muito importante a gente trazer academia também,
09:06a universidade, a Universidade do Pará está fazendo muita pesquisa
09:10em relação a isso.
09:12Então, eu acho que é essa a nossa provocação, né?
09:15E a nossa vontade de criar alianças com academia,
09:20com poder público, trazer inspiração, cases de sucesso,
09:24para que a gente possa realmente avançar com o tema.
09:27Tu falaste agora da academia, das universidades,
09:33da importância deles nesse circuito.
09:36Tu achas que a educação, ela pode ser uma semente da economia circular?
09:43Eu digo porque, a grosso modo, a população não entende
09:46o que seria uma economia circular.
09:49E, como tu falaste, muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo,
09:51e isso vem lá de trás do nosso senso de economia,
09:55do nosso senso de uso dos produtos,
09:58do gasto com itens e bens de consumo, né?
10:02Então, de que forma tu vê a educação hoje
10:06em prol da economia circular?
10:08Eu acho que a educação tinha que ser baseada
10:12em cases concretos, em inspiração.
10:15A gente está falando de uma nova economia
10:18que requer também uma mudança de atitude,
10:21de valores, de comportamento.
10:24Então, a educação está muito atrelada à comunicação.
10:27Por isso, é tão importante conversas como essas, né, Gabi?
10:30Porque a gente tem diferentes níveis de penetração da mensagem.
10:35Então, a gente tem que comunicar de forma adequada com o governo,
10:38para o governo poder desenhar políticas públicas
10:40que sejam favoráveis.
10:41A gente precisa ter uma comunicação interna nas indústrias,
10:45unindo todos os departamentos.
10:48Uma comunicação ao longo da cadeia produtiva,
10:52entre setores, como eu já mencionei.
10:54E, com certeza, a comunicação para a sociedade.
10:57Então, para a sociedade entender
10:59que o que a gente está querendo promover
11:01é uma nova experiência de consumo.
11:04Não é deixar de consumir,
11:06mas é consumir de forma diferente, né?
11:09É ser mais questionador.
11:10Será que eu preciso ter a posse de um produto?
11:13Ou eu posso me transformar,
11:15ao invés de um consumidor, num usuário?
11:18A indústria do compartilhamento.
11:20Então, a gente fala muito disso.
11:22Das empresas estarem oferecendo ao mercado
11:24serviços ao invés de produto.
11:26Uma nova experiência de consumo, né?
11:29Legal.
11:30E a gente não pode deixar de falar do setor privado, né?
11:34Que são ali grandes...
11:37Uma grande parcela dessa produção
11:40e do consumo da população, né?
11:43E como é que eles se posicionam hoje?
11:46Existe uma resistência?
11:49Ou já tem sido mais flexibilizado
11:52essa relação de quem vende produtos
11:55com a economia circular?
11:56Olha, a gente costuma dizer
11:58que tem três motivadores
12:00para a economia circular.
12:02Então, um é a visão de risco.
12:04Quando aquele setor já vê
12:05que existe uma escassez de matéria-prima,
12:09existe uma grande competitividade,
12:12a eficiência não vai ser mais superada.
12:14Então, uma volatilidade
12:15da cadeia da matéria-prima.
12:18Tem a visão de oportunidade.
12:20Então, aquelas empresas
12:22que já estão vendo realmente
12:23como uma forma
12:24de atrair novos consumidores.
12:26A gente está com consumidores
12:28cada vez mais conscientes,
12:30demandando responsabilidades
12:32das empresas.
12:33E a terceira motivação
12:35que é a missão.
12:36Então, a gente vê também
12:37muitas empresas nascendo já
12:40com esse estímulo
12:41de oferecer ao mercado
12:42um produto com uma história, né?
12:45Um produto que é feito, de repente,
12:46de uma matéria-prima residual, né?
12:49Ao invés de falar resíduo, lixo,
12:52a gente fala matéria-prima secundária, né?
12:54Bolsas feitas de câmara de pneu, né?
12:58Existem atores que estão processando
13:00guimba de cigarro, veja só.
13:02E transformando em polpa de...
13:05Que você pode fazer papel, caderno,
13:08várias coisas.
13:10E tem até um caso muito icônico
13:12que eu acho bacana,
13:13que é da Porto Belo,
13:15que ela está fazendo revestimento
13:17com as conchinhas do sururu,
13:21que vem lá de Maceió.
13:22Então, a gente come o sururu
13:24e não percebe
13:25que atrás daquele prato de comida
13:27tem todas aquelas conchinhas
13:29que ficam jogadas de volta na lagoa.
13:31E aí tem todo um trabalho
13:33sendo feito com as marisqueiras
13:34para recuperar as conchinhas,
13:36transformar em matéria-prima
13:38para revestimentos,
13:39que eu já coloquei na minha casa.
13:41Que legal!
13:42É legal a gente ver
13:44e poder passar para as pessoas, né?
13:47para a população.
13:48Como isso pode fazer parte
13:50do nosso dia a dia, né?
13:51Porque às vezes parecem conceitos
13:53e medidas pouco alcançáveis, né?
13:58Assim, pouco palpáveis.
13:59Mas é legal a gente ver
14:00que isso vai tomando forma.
14:03E o que vocês esperam
14:04nos próximos anos, né?
14:05Para além de COP,
14:07é um ano inteiro pela frente,
14:09com muito trabalho normalmente, né?
14:12E quais são as expectativas de vocês
14:14para os próximos anos?
14:15Eu acho que é muito bom
14:18a gente estar recebendo
14:19todos esses eventos
14:21no nosso país,
14:22porque traz um senso de urgência,
14:27uma oportunidade de protagonismo
14:30da nossa parte também, né?
14:32De estimular novas alianças,
14:35novos modelos colaborativos
14:37para a gente realmente desenvolver
14:39produtos em escala
14:40que possam mostrar a potência do Brasil,
14:43não só a nível nacional,
14:45mas a nível internacional.
14:47Então, eu espero que a gente
14:49tenha cada vez mais inspirações,
14:52ver que existem casos práticos
14:54que dá para fazer.
14:56Existem desafios, né?
14:57Qualquer inovação,
14:59qualquer movimento
15:01que requer uma mudança de processo,
15:05eu falo que tem processos,
15:06papéis, pessoas, né?
15:08Requer uma habilidade
15:11de comunicação,
15:12de integração.
15:13Então, o trabalho
15:14muito que a gente faz
15:16é de integrar todos esses atores,
15:18criar hubs, ecossistemas,
15:21para fazer com que empresas grandes
15:22conversem com empresas pequenas
15:24e de médio porte também,
15:26porque a solução só vai vir assim, né?
15:28Esses novos produtos
15:29são empresas trabalhando junto,
15:32a cadeia produtiva
15:33de forma mais integrada,
15:35redefinindo o valor,
15:36equilibrando e qualificando, né?
15:40Todos os atores
15:44que estão ali ao longo da cadeia.
15:46Então, eu acho que
15:48trazendo essa nova visão,
15:51a gente fazendo um trabalho
15:52de mostrar a prática,
15:54a gente vai conseguir aí
15:56avançar com a ação.
15:57Que legal.
15:58Te agradeço, Beatriz,
15:59pela tua participação,
16:01ter vindo aqui com a gente
16:02e contribuí um pouquinho
16:03com um assunto tão longo, né?
16:06A gente poderia falar muito aqui,
16:08mas muito obrigada mesmo,
16:10espero que volte mais vezes a Belém,
16:12que volte aqui a conversar com a gente
16:14e desejo sucesso aí na tua caminhada.
16:16Um grande prazer
16:17e vamos juntas.
16:19E agradeço a você também
16:20que acompanhou a gente até aqui.
16:22Para ler essa matéria na íntegra,
16:23a nossa entrevista vai estar disponível
16:25em oliberal.com
16:27e também nos nossos jornais impressos
16:29O Liberal e Amazônia.
16:31Até a próxima.
16:33Legenda Adriana Zanotto
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