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  • 19/06/2025
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Transcrição
00:00Salve, salve, leitores e espectadores de O Antagonista.
00:04Eu sou Felipe Moura Brasil e estou aqui para fazer mais uma entrevista com um convidado muito especial,
00:09o autor deste livro, Pare de Acreditar no Governo,
00:13Por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado?
00:18Nesse momento do país em que o tamanho do Estado brasileiro está em debate,
00:22às vésperas do ano eleitoral de 2018, em razão das descobertas da Lava Jato,
00:26dos esquemas de corrupção na Petrobras, do déficit fiscal deixado pelo governo do PT,
00:31principalmente de Dilma Rousseff, de 170 bilhões de reais,
00:34é muito importante que a gente faça esse debate com alguém que estudou perfeitamente esse assunto.
00:41Bruno Garchagen, é um prazer tê-lo aqui com a gente.
00:44Prazer é todo meu, Felipe. Obrigado pelo convite. É uma honra daqui.
00:46Bruno, eu queria começar pelos dados pitorescos que aparecem no começo desse livro,
00:51que eu li já tem um tempo, mas que me marcaram bastante,
00:54porque toda essa bagunça que a gente vê no Brasil vem desde sempre.
01:00Você cita dois episódios bastante emblemáticos no começo do livro,
01:04que são a carta do Pero Vaz de Caminha, relatando ao rei o descobrimento do Brasil
01:10e o relato sobre o território, em que você diz que ele também queria uma boquinha.
01:15E você também relata que foram deixados pelos portugueses aqui dois condenados.
01:20Quer dizer, um país que começou assim, com alguém querendo uma boquinha
01:24pra relatar o que acontecia aqui e dois condenados, já não podia dar certo, né?
01:31Bom, eu não sou tão fatalista assim, não.
01:33Mas esses são dois episódios de tantos, né?
01:36Se a gente imaginar que até ontem o país era presídio por Sarney,
01:40então esse pitoresco do Pero Vaz de Caminha é fichinha, né?
01:43Mas esses dois episódios, a carta, é bom lembrar assim,
01:49o Pero Vaz de Caminha não era a pessoa formalmente autorizada pra fazer aquilo.
01:56Ele acabou exercendo uma função a pedido,
01:58mas ele não deveria ter cumprido aquela função.
02:01Dito isto, o que é interessante, porque você vai lendo toda a carta,
02:05a descrição do país, etc., das terras descobertas,
02:11e no final da carta, o Pero Vaz de Caminha pede ao rei de, então,
02:16que conceda o perdão ao gênero dele, que havia furtado uma igreja,
02:23galinha, não sei o que, de uma igreja e agredido um clérigo.
02:26Então, a coisa fica ainda mais ridícula, do ponto de vista da caricatura,
02:32considerando que o primeiro pedido foi esse.
02:34Essa coisa da boquinha, assim, ele verdadeiramente não pediu uma boquinha.
02:41Eu é que fiz uma piada com o que ele faz no final da carta,
02:44é que era um costume da época, quando você se dirigia a uma autoridade real,
02:49se colocar à disposição, né?
02:51Se o rei precisar de qualquer coisa, pode contar comigo e tal.
02:54Ele era um servidor da coroa, né?
03:00Então, eu peguei essa coisa dele se colocar à mercê do rei
03:05e criei uma piada que era dizendo que ele foi o primeiro a pedir uma boquinha,
03:10mas ele não pediu nada.
03:12Ele só se colocou mesmo à mercê do rei, à disposição do rei,
03:16se o rei precisasse de qualquer coisa.
03:17Mas essa coisa é muito engraçada.
03:20Ele pedir para o rei conceder um perdão ao gênero que tinha sido condenado por isso,
03:27é realmente estranho.
03:28Não era só uma boquinha, era ainda um perdão para um criminoso.
03:30É, isso está claro, né?
03:32Isso está claro.
03:33Quer dizer, ler esse livro, A Luz dos Acontecimentos Atuais,
03:36em que você tem lá no Congresso o Centrão querendo cargos,
03:39ministérios do PSDB em troca de enterrar a segunda denúncia contra o Michel Temer.
03:44Essas trocas de favores também que apareceram aí nas investigações da Lava Jato
03:48mostra que o país sempre teve alguma coisa nesse sentido.
03:53E o que mais você encontrou que justifica essa tese que eu acho extraordinária
03:58de que por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado?
04:01Esse amor pelo Estado, essa necessidade de ser cuidado por um Estado grande,
04:07de que maneira ela aparece na história brasileira?
04:09Quais foram as analogias que você conseguiu fazer aí no estudo desse livro?
04:13Bom, só para dar um dado adicional, complementando a observação que você fez,
04:19se naquela época o sujeito furtou uma igreja, roubou galinha, agrediu um clérigo,
04:25no fundo nem foi furto, foi roubo mesmo porque teve violência,
04:29e ele foi degredado, que era uma pena comum,
04:32ele era expulso do território de Portugal e mandado para alguma colônia.
04:36Se a pena foi essa, para quem roubou uma igreja,
04:41imagina se nós tivéssemos uma monarquia tão impiedosa,
04:46o que aconteceria com esse pessoal envolvido na Lava Jato hoje em dia?
04:50Não ia ter lugar para mandar esse pessoal.
04:53Bom, em relação à tese do livro,
04:56eu quis contar a história do Brasil por um recorte específico,
05:00que era o intervencionismo do poder político ao longo da nossa história.
05:04Eu queria entender como é que esse intervencionismo ao longo da nossa história
05:08criou uma cultura, uma mentalidade estatista por parte da população
05:13e uma cultura política intervencionista, que as duas coisas se alimentam.
05:17Se você tem uma sociedade que tem essa mentalidade de ver o Estado como o grande agente
05:22do desenvolvimento político, social e econômico, o grande provedor,
05:27você vai formar pessoas para a política com essa mesma mentalidade.
05:30Uma vez na política, eles vão fazer com que esse Estado realmente cumpra esse papel.
05:36E ao longo da história, na sucessão dos governos, primeiro com os reis de Portugal,
05:42depois com a nossa experiência monárquica, primeiro e segundo reinado,
05:47e a seguir com o presidencialismo, a partir do golpe militar de 1889.
05:51E aí esse é o ponto marcante, divisor de águas na nossa história.
05:58Quando o Estado assume a feição de hoje, é a partir desse golpe militar de 1889,
06:04quando se inaugura o presidencialismo republicano no Brasil.
06:07Aí o Estado é criado, começa a se desenvolver de uma forma a ter uma eficiência para a política
06:15que não para a sociedade. E aí tem um outro marco divisor, que aí sim cria esse Estado nosso de hoje,
06:22que é a Revolução de 30, mais um golpe, e depois 37, que é um golpe dentro do golpe coordenado
06:27ou capitaneado por Getúlio Vargas. Aí que cria as grandes estatais,
06:32o governo estatiza várias dimensões da sociedade civil que não eram estatizadas,
06:36por exemplo, o ensino. Até então o ensino era chamado de ensino ou instrução,
06:42e depois passou a ser chamado de educação. E aí houve essa coisa que a gente dá até hoje,
06:47de chamar o ensino como educação, porque o Estado, na época, a partir dos anos 30,
06:53com Vargas, ele assume o papel de educar as massas. Então o Estado como educador,
06:58tirando de uma determinada maneira, esvaziando de uma determinada maneira
07:02a responsabilidade que era dos pais da família.
07:06Exatamente. E você falou aí do processo estatizante no Brasil, e ele se estendeu ao regime militar,
07:12que é demonizado pela esquerda como um regime de direita, mas que, no entanto, foi estatizante.
07:18Eu sempre gosto de lembrar que o regime militar criou 47 estatais no Brasil,
07:22e o PT, que o demoniza, criou 43, quando já existia quase 100.
07:27O regime militar criou 47 quando não existia praticamente nenhuma, quer dizer, fez ali a base.
07:32E o PT, que se diz de esquerda e que se volta contra ele, é tão estatizante quanto.
07:38Parece que esses extremos aí se tocam também, né?
07:40Exato. Bom, eu, assim, como estudioso, eu não consigo enquadrar, por exemplo, o regime militar como um todo.
07:49O regime militar tem peculiaridades muito específicas.
07:52Então, cada presidente militar imprimiu no governo uma marca própria.
07:57Então você tem várias fases diferentes dentro do regime militar.
08:01Mas qualificar o regime militar como direito eu acho um equívoco.
08:04Porque, para você qualificar uma prática política, uma ideologia política, em direita e esquerda,
08:12você tem que respeitar a tradição política daquele país.
08:16E a tradição que nós havíamos entre esquerda e direita era a tradição que vinha do segundo reinado com liberais e conservadores.
08:23Depois é formada uma direita um tanto diferente daquela, mas ainda baseado nisso.
08:29Quem bagunça tudo, quem começa a bagunçar tudo é Vargas, com aquele poder centralizado, estatizante.
08:36Um ditador que passou a ser visto como alguém da direita.
08:41De qualquer forma, o regime militar, como você mesmo falou, foi um regime concentrador de poder, Estado grande.
08:48Pretendeu ser um Estado forte no sentido de eficiente em várias áreas e em muitas áreas não conseguiu,
08:54especialmente na área social. Conseguiu fazer isso em grandes obras, algumas das quais os grandes fracassos,
08:59como Transamazônica, etc. Mas teve essa coisa que é muito própria da esquerda.
09:07Agora, quando você diz que a divisão que vinha era de conservadores e liberais,
09:12como é que você define esses liberais dessa divisão que você está apontando?
09:17Porque existe muita confusão hoje, a gente já vai falar sobre isso em mais detalhes adiante.
09:21No século XIX, havia os liberais clássicos, que eram os Lusias, o apelido que se dava aos liberais clássicos,
09:28e os conservadores, que também podem ser chamados conservadores clássicos, que eram os saquaremas.
09:34Eram essas as duas grandes forças políticas e intelectuais no ramo da política,
09:41que eram protagonistas do ambiente no século XIX.
09:47Mas é isso, eram os liberais pró-mercado, pró-liberdades individuais.
09:55É preciso dizer o seguinte, na maior parte das agendas, como liberdade de mercado, liberdades individuais, etc.,
10:03liberais e conservadores no século XIX não se chocavam, ou seja, eles concordavam com essas bandeiras.
10:11Não havia qualquer tipo de contraposição, divisões entre ter um mercado mais aberto, mais livre,
10:19com pouca intervenção do governo, etc.
10:21A grande diferença, ou duas das grandes diferenças entre liberais e conservadores da época era,
10:26primeira, centralização do poder na mão do imperador,
10:30que os conservadores defendiam porque viam no imperador um agente fora da política,
10:37que poderia corrigir, eventualmente, problemas da política e impedir que o país entrasse em crise,
10:44ou, uma vez, uma crise sendo iniciada, tendo sido iniciada.
10:48A crise seria rapidamente resolvida, e é bom lembrar que, na época,
10:53havia não só um imperador com poder específico e limitado, mas havia uma constituição,
10:58havia um gabinete de ministros com seu presidente, o que hoje seria um primeiro-ministro com a sua equipe de governo,
11:09havia um parlamento eleito, então havia democracia e havia uma monarquia parlamentar constitucional
11:18nos moldes que havia na Inglaterra na época e que havia hoje.
11:21Mas, respondendo a sua pergunta, eram liberais clássicos e conservadores com...
11:27Dentro do Partido Conservador havia conservadorismos diferentes.
11:32O João Pereira Coutinho, naquele livro De ideias conservadoras,
11:35explicadas em reacionais e revolucionários, explica isso de forma bastante interessante e pedagógica,
11:40que há conservadorismos e não só um conservadorismo.
11:44Ao contrário do que existe com o liberalismo clássico,
11:46que você vai ter o mesmo aqui no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Polônia,
11:51enfim, em qualquer país do mundo, assim como há o comunismo ou o socialismo em qualquer país do mundo,
11:58obviamente com ações políticas peculiares daquelas realidades,
12:04mas em termos ideológicos e pragmáticos é o mesmo.
12:08O conservadorismo não.
12:09O conservadorismo está profundamente vinculado à cultura daquele país, às tradições, às peculiaridades
12:19e profundamente vinculado ao presente e ao próprio povo.
12:24Mas dentro do Partido Conservador, só terminando,
12:26haviam correntes de pensamento conservador influenciadas por conservadorismos distintos.
12:36Por exemplo, tinha uma corrente que era influenciada pelo conservadorismo britânico,
12:40outra pelo espanhol, outra pelo português.
12:43Então, dentro do Partido Conservador, haviam divergências ideológicas, embora todos fossem conservadores.
12:49E você, como tradutor de Rogers Coulton no Brasil, filósofo inglês conservador,
12:54você se identifica mais com essa corrente que se identificava com o conservadorismo britânico naquela época?
12:59Naturalmente, naturalmente.
13:01Eu, quando conheci o pensamento conservador...
13:03O que prega um Estado reduzido, uma descentralização.
13:08É assim, no século XIX...
13:09Ou seja, a transformação desse conceito.
13:11É, no século XIX, o Estado era muito pequeno.
13:14Se você comparar o governo, o Estado, durante o Segundo Reinado, com o Estado de Vargas,
13:21que tem um período histórico muito curto entre um e outro,
13:25e comparar com o de agora, o sonho Estado mínimo, para quem defende o Estado mínimo,
13:30estava lá no século XIX.
13:31Então, a compreensão que se tinha era mais de quem detinha o poder,
13:35não era o tamanho do Estado.
13:37O poder devia não estar absolutamente concentrado nas mãos do imperador,
13:43mas o imperador devia ter o poder de ter a palavra final, se quisesse utilizar.
13:49Em todas as outras questões, não havia...
13:52O negócio da descentralização e descentralização do poder,
13:55que era uma decorrência desse poder nas mãos do imperador,
13:58os conservadores defendiam que o poder moderador devia continuar existindo,
14:02como um recurso de última instância, se a política, se os políticos fizessem bobagem,
14:08criassem problemas para o país.
14:10Os liberais defendiam a descentralização,
14:14ou seja, que os poderes locais, nas províncias, nos municípios, nas vilas,
14:19tivessem um protagonismo que não tinham na época,
14:24frente ao poder do governo central.
14:26O que é muito interessante na nossa história,
14:28e por isso que a história do Brasil é uma história muito bonita e muito rica,
14:31é que, ao contrário da teoria e ao contrário da prática política de outros países,
14:38ou seja, descentralização levava a uma maior liberdade,
14:41as descobertas que eu fiz, que eu botei no livro,
14:44é que o projeto vencedor da descentralização,
14:48portanto, uma agenda de dois liberais da época,
14:50esse projeto só é possível quando há o golpe e a monarquia é derrubada.
14:55Porque, como não tinha mais o imperador,
14:59não havia mais essa centralização de poder nos moldes de antes,
15:03as oligarquias locais começaram a ter liberdade e ascenderam.
15:07O fenômeno do coronelismo, por exemplo,
15:09os coronéis, os províncias e tal,
15:12o coronel nasce durante a monarquia,
15:14mas só toma o protagonismo que tem,
15:16e a gente só conhece, estuda na escola,
15:19os coronéis que vão para a literatura,
15:22Jorge Amado, etc.,
15:23por conta da descentralização do poder.
15:26Porque o imperador, embora tivesse o poder concentrado,
15:29atuava nesses lugares onde esses coronéis,
15:34onde essas oligarquias caçavam as liberdades individuais naqueles lugares.
15:39Então, a centralização do poder era uma,
15:43por mais contraditória que isso possa parecer,
15:45era um instrumento do imperador de garantir as liberdades locais.
15:49Os coronéis são os antecessores de José Sarney e até Ciro Gomes?
15:52São os antepassados diretos.
15:55Você pega uma linha,
15:56no caso do Sarney é muito engraçado,
15:58porque a carreira política dele
16:00começa com uma luta contra os coronéis que o antecederam.
16:04Ele não fazia parte de famílias ricas,
16:06tradicionais e tal,
16:07então ele teve que combater os coronéis de sua época
16:10para depois se tornar um.
16:11Então, a gente está falando aqui do conceito dos conservadores,
16:14mas tem a parte dos liberais também,
16:15você falou liberais clássicos.
16:18Nos Estados Unidos, no debate público,
16:20é muito comum que seja feita essa distinção
16:22para não causar confusão.
16:24Então, eles têm os classic liberal,
16:26às vezes eles falam até classic economic liberal,
16:29se referindo ao liberalismo econômico,
16:30quer dizer, o liberal em termos de economia,
16:32para o mercado.
16:34E aqui no Brasil há uma confusão tremenda
16:36quando eles vão traduzir o debate público americano,
16:39porque eles traduzem essa palavra liberal,
16:41que é usada lá nos Estados Unidos para definir a esquerda,
16:44porque eles falam dos liberais em modos de costumes,
16:47quer dizer, o pessoal que é a favor da legalização do aborto,
16:50a favor da legalização das drogas,
16:52do casamento gay.
16:53Então, isso é traduzido aqui normalmente,
16:56sem essa palavra clássico liberal,
16:59e é usado aqui como se fosse...
17:02Quer dizer, eles falam dos liberais aqui,
17:05mas estão falando do pessoal da esquerda.
17:07E aqui no Brasil a gente pensa em liberal
17:09no aspecto da economia,
17:10então fica uma confusão tremenda.
17:12A gente estava até conversando sobre essa pesquisa aqui,
17:15vou citar aqui os dados,
17:17porque tem tudo a ver com o livro do Bruno.
17:19O estrategista Marcelo Faulaber,
17:21que é diretor da campanha do Marcelo Crivella,
17:23prefeito atual lá do meu Rio de Janeiro,
17:25ele fez uma pesquisa qualitativa para mostrar
17:27que essa divisão de direita e esquerda
17:29acontece no cenário político no Brasil,
17:31mas não exatamente no eleitorado.
17:32O eleitorado não é dividido exatamente
17:34entre direita e esquerda.
17:37Então, ele descobriu que são 55% conservadores,
17:42pessoas que têm valores conservadores,
17:44mas que defendem o Estado grande,
17:4623% que são esses liberais,
17:49mas liberais nos costumes,
17:50quer dizer, o pessoal com uma agenda cultural
17:52mais voltada à esquerda,
17:53que defendem o Estado grande,
17:5516% que são os conservadores,
17:57que defendem o Estado pequeno,
17:59e 6% os liberais,
18:02nos costumes,
18:04do Estado pequeno.
18:05E essa pesquisa,
18:07ela mostra também que mesmo aquelas pessoas
18:10que têm valores conservadores no Brasil,
18:12também ainda têm essa cultura
18:14de defender o Estado grande.
18:17Inclusive, eu me lembro da própria campanha
18:18do Marcelo Crivella,
18:19e como ele escreveu,
18:21o estrategista escreveu esse artigo,
18:22eu fiquei lembrando do que o Marcelo Crivella
18:24dizia na campanha,
18:25você vê, o Crivella é um evangélico,
18:26então ele estava ali pregando
18:28vários valores tidos como da agenda conservadora,
18:32mas ao mesmo tempo,
18:32ele dizia que a população precisa ser cuidada,
18:36é preciso cuidar do povo,
18:38então tinha umas mensagens para atingir essas pessoas
18:41que têm os valores conservadores,
18:43mas que amam o Estado,
18:45como diz o subtítulo do seu livro.
18:46Exato.
18:48Bom, eu li o artigo do cientista político,
18:52que é estrategista também,
18:53Marcelo Fahlhaber,
18:56e infelizmente eu tentei achar a pesquisa
19:00e não achei,
19:00eu só li o artigo que ele apresenta esses dados.
19:05A pesquisa dele é muito problemática
19:07no uso das palavras,
19:09e é uma confusão que talvez seja pior ainda
19:13do que essa da tradução do termo liberal
19:17para a realidade americana.
19:19Como você falou,
19:20a tradução mais correta,
19:22quando algum americano fala ou escreve
19:26liberals,
19:27é esquerdista.
19:27É esquerdista, sem dúvida.
19:29Essa é a tradução.
19:29Quem quer que acompanhe o debate público americano
19:32intensamente, diariamente,
19:34sabe que está se referindo a um esquerdista,
19:36mas aqui causa-se uma tremenda confusão
19:38ao traduzir como liberal.
19:39Exatamente.
19:40E o Partido Democrata,
19:41que é o partido de esquerda nos Estados Unidos,
19:44no ambiente político americano,
19:45eles se apoderaram dessa palavra
19:47no início do século XX.
19:49Salvo engano,
19:50foi durante o governo do Frank Delano Roosevelt
19:52que eles se apropriaram dessa palavra.
19:56A partir daí,
19:58os liberais clássicos passaram a ser chamados
20:01ou a se identificarem como classical liberals,
20:05e depois uma nova corrente
20:06criou o termo libertarian.
20:08Só que os libertarians,
20:10que no Brasil são libertários,
20:13eles passaram a ter uma agenda
20:14muito mais radical
20:15em termos de visão de liberdade,
20:18da própria,
20:19o próprio uso da liberdade na política pública,
20:22é muito mais radical
20:23do que os liberais clássicos.
20:25Então, se você pega um libertarian americano
20:27e um libertário americano,
20:30um liberal clássico americano,
20:31as visões serão diferentes.
20:33No caso da pesquisa do Fall Haber,
20:35quando ele usa liberal e conservador,
20:39o liberal que ele está dizendo
20:40não é o liberal clássico.
20:42Exatamente, não é.
20:43Então, ele está quase que importando
20:44essa confusão do debate político americano.
20:47Ele está falando liberal nos costumes.
20:49E essa coisa de liberal nos costumes
20:50é um negócio que me incomoda profundamente.
20:53porque o que é ser liberal nos costumes?
20:57É ser defender essas agendas,
20:59abortos,
21:00isso para mim não faz o menor sentido.
21:02Você tem os costumes
21:03que se desenvolvem,
21:06por mais fechada que seja uma sociedade,
21:08os costumes vão avançando
21:10porque as pessoas vão tendo acesso
21:12a outras coisas,
21:13a outros contatos e tal.
21:15Então, eu não gosto muito
21:16dessa coisa de liberais nos costumes.
21:17Eu acho que é um erro epistemológico
21:19que depois se transforma
21:20no erro conceitual.
21:23Outra coisa que me incomoda profundamente,
21:25já vou chegar lá na resposta
21:26antes que eu comece a divagar aqui muito.
21:28O sujeito fala assim,
21:29ah, sou conservador nos costumes
21:30e libera na economia.
21:32O que é conservador nos costumes?
21:33Eu, em 2017,
21:35eu que sou um conservador
21:36e me afirmo como tal,
21:38eu estou conservando qual costume?
21:41O costume do século XIX,
21:43do século XVIII?
21:45Quer dizer, isso não faz sentido.
21:47Especialmente para um conservador
21:49que está muito ligado ao presente.
21:51O conservador não está ligado ao passado
21:52como o reacionário,
21:53que idealiza o passado
21:54e quer trazê-lo para o presente.
21:56O conservador não está ligado ao futuro
21:59como o revolucionário,
22:01que cria uma ideia de futuro perfeito
22:03e tenta trazer e faz qualquer coisa,
22:05toca qualquer parada no presente
22:07em nome desse futuro perfeito.
22:09O conservador está vinculado profundamente
22:12à realidade concreta do presente.
22:14Então, essas coisas não fazem sentido.
22:16E liberal na economia,
22:18os conservadores já defendem
22:19a liberdade de mercado
22:20desde o século XIX.
22:21Então, você não precisa dizer
22:22que é conservador e liberal na economia.
22:24Basta você falar que é conservador,
22:26a pauta de livre mercado
22:28já está como garantida.
22:29Então, é preciso fazer
22:30essas considerações.
22:31Bom, voltando à pesquisa,
22:33eu acho que há um problema
22:34de falar, ah, o liberal,
22:36os costumes, nesse caso,
22:37porque você tem um liberal clássico.
22:39No Brasil, o liberal é liberal clássico,
22:41não é como os Estados Unidos.
22:42Essa coisa de conservador,
22:45o que é Estado grande?
22:46Em 2017, os conservadores brasileiros,
22:49de uma forma geral,
22:51defendem um Estado menor
22:53do que esse que a gente está.
22:54Defendem um Estado que não atrapalha.
22:56Então, não dá para falar
22:57de conservador que defende Estado grande.
23:01Aí vai para o negócio da pesquisa.
23:03O conservador nos costumes.
23:05Quem são esses conservadores da pesquisa?
23:07São católicos?
23:08São pessoas que têm valores próximos,
23:11valores princípios próximos dos conservadores,
23:13que às vezes nem são católicos.
23:16Defesa da vida contra o aborto,
23:18defesa, enfim,
23:19de uma série de ações.
23:21Porque um católico,
23:23não sendo um conservador,
23:25com essa visão mais abrangente de política,
23:28ele pode ser a favor de um Estado grande,
23:31mas também tem que ver
23:32que Estado grande é esse.
23:34A gente tem um problema muito sério,
23:35a gente tem no Brasil
23:36vários problemas muito sérios,
23:38que são de responsabilidade
23:39do governo central.
23:41Saneamento básico, por exemplo.
23:42Você volta e meia
23:43e fala isso nos seus artigos e tal.
23:45É um país com um problema sério
23:46de saneamento básico.
23:47Se eu estou morando em uma periferia,
23:49se o esgoto passa na minha calçada
23:51ou dentro da minha casa,
23:53se alguém em uma pesquisa
23:54vai perguntar
23:55o que você acha do Estado,
23:57o Estado tem que ir lá
23:57resolver esse negócio do esgoto.
24:00Então, a própria pergunta,
24:01a própria forma como se faz isso,
24:03repito, não tive acesso à pesquisa,
24:04não sei como as perguntas
24:05foram direcionadas.
24:06Eu estou supondo.
24:08Mas eu acho perfeitamente legítimo
24:10que pessoas,
24:11aí saindo dessa coisa
24:12do conservador, do liberal,
24:14para falar de forma mais ampla,
24:16que é um recorte importante
24:17da sociedade brasileira,
24:18eu acho que esses dados
24:19confirmam outras pesquisas
24:21que já foram feitas.
24:21Uma parcela significativa
24:23da sociedade brasileira
24:25que é um Estado
24:27que ou resolva problemas
24:29que não resolvem,
24:30que cumpra promessas
24:32instituídas por lei
24:35e não cumprem,
24:36que cumpram promessas
24:38que não estão na lei,
24:39mas que estão no debate político
24:40e também não cumprem.
24:41Então, no fundo,
24:42é uma reação
24:43a um incentivo
24:44que é essa promessa,
24:46ou pessoas que realmente
24:47querem
24:48que o Estado faça tudo.
24:50Por isso,
24:51fazem concurso público,
24:53porque querem a segurança
24:54que o concurso público dá,
24:55querem o vencimento
24:57mais alto inicial
24:59em relação às outras
24:59as outras carreiras
25:01em comparação
25:02com a iniciativa privada.
25:04Enfim,
25:04há uma parcela da população
25:05que quer mesmo
25:05um Estado que proteja,
25:07que sirva como pai,
25:08tio, avô,
25:10vó,
25:10faça bolinho e tal.
25:12Mas é isso,
25:13essa pesquisa,
25:15em termos gerais,
25:16de valores absolutos,
25:17confirma
25:18aquilo que eu trago
25:20no meu livro,
25:21que é esse paradoxo,
25:22porque nós não confiamos
25:24nos políticos
25:25que fazem as promessas
25:26que estão aí sendo eleitos,
25:28ao mesmo tempo
25:28a gente ama o Estado,
25:29a gente quer o Estado
25:30resolvendo coisas
25:31e para isso
25:32a gente está disposto
25:33inclusive a abrir mão
25:34na nossa responsabilidade.
25:35É,
25:36foi muito interessante
25:36você fazer a distinção
25:37das nuances,
25:38porque fica difícil
25:39mensurar se a pessoa
25:40realmente defende
25:42um Estado grande
25:43ou se ela simplesmente
25:43quer ver certos problemas
25:45que cabem ao Estado
25:46e que fazem parte
25:47do escopo
25:48das tarefas do Estado
25:50serem resolvidos
25:50e ela não vê isso acontecer.
25:52Exato.
25:53E, aliás,
25:53eu tenho visto
25:54várias entrevistas
25:56do ator e comediante
25:57Pedro Cardoso
25:58que está morando
25:59em Portugal
25:59e eu queria trazer
26:01esse assunto para você
26:01porque eu sei que você
26:02morou em Portugal também
26:03e Portugal é bastante citado
26:05em vários exemplos
26:07no seu livro.
26:08E o Pedro Cardoso
26:09tem dito frequentemente
26:10em entrevistas
26:11que lá em Portugal
26:12os serviços públicos
26:13são muito melhores
26:14do que o Brasil
26:15e isso faz
26:17ou é consequência
26:18ou causa
26:18de muitos portugueses
26:20não terem muita ambição
26:21mesmo.
26:22Eles vivem bem
26:22com salários
26:23relativamente baixos
26:25ou médios
26:26porque eles têm acesso
26:27a serviços públicos
26:28de muita qualidade.
26:30Isso é uma experiência
26:31de sucesso
26:32do Estado
26:34lá na Europa
26:35especificamente
26:36em Portugal.
26:38Quais são
26:38os fatores
26:39que influenciam
26:41nesse tipo
26:41de qualidade
26:42que a gente não encontra
26:44aqui no Brasil?
26:44Entendi.
26:45Bom, eu morei
26:45dois anos em Portugal
26:46para que nos entendam
26:49o que eu fiz lá.
26:52enfim, fui fazer
26:53o meu mestrado
26:54em Ciência Política
26:55e Relações Internacionais
26:56e Estudos Políticos
26:57da Universidade Católica
26:59Portuguesa
26:59onde atualmente
27:00eu faço meu doutorado
27:01em Ciência Política
27:02também.
27:02Bom, morei lá
27:03dois anos
27:03e desde 2007
27:07quando eu fui
27:08lá morar
27:09eu mantenho
27:10uma relação
27:11com Portugal
27:12muito próxima.
27:13Todos os anos
27:14eu vou lá
27:14participar de eventos
27:16da Universidade Católica
27:17sou palestrante
27:18eu tenho muitos
27:19amigos lá
27:19enfim, eu tenho uma
27:20eu amo o país
27:22e tal.
27:22aliás, eu costumo brincar
27:23se eu fosse escolher
27:24um país comunista
27:25para morar
27:25seria Portugal
27:26porque o Estado
27:27lá é grande
27:28atualmente
27:29o primeiro-ministro
27:30é socialista
27:31e tal.
27:32Mas brincadeiras à parte
27:33a opinião
27:35essa frase
27:36do ator
27:37eu acho que foi
27:38muito infeliz
27:39estúpida
27:42porque ignorante
27:43quer dizer
27:44explicar
27:44dizer que o português
27:46não é ambicioso
27:46e por isso
27:47as coisas vão
27:48daquele jeito
27:48não é isso
27:49quer dizer
27:49tem uma
27:50uma relação
27:52histórica
27:53tem o fato
27:53de ter havido
27:55a ditadura
27:56do Salazar
27:56a forma como
27:57o país ficou
27:58estagnado
27:59do ponto de vista
27:59econômico
28:00ficou fechado
28:01para o mundo
28:02inteiro
28:03para a Europa
28:03quer dizer
28:04Portugal
28:04estava ali
28:04isolado
28:05da Europa
28:05Portugal
28:07por conta
28:09da
28:10da ditadura
28:12de Salazar
28:12ficou fechado
28:14para o Brasil
28:15e coincidiu
28:16ali
28:16no mesmo período
28:17histórico
28:18Portugal
28:19com a ditadura
28:19de Salazar
28:20o Brasil
28:21com Getúlio Vargas
28:22então os dois países
28:23deram as costas
28:24países irmãos
28:25deram as costas
28:26criaram um muro
28:27ali e havia
28:28uma intensa
28:29um intenso intercâmbio
28:31cultural
28:31entre Portugal
28:32e Brasil
28:33no século XIX
28:34no início do século XX
28:35escritores brasileiros
28:36escreviam para
28:37jornais portugueses
28:38escritores portugueses
28:40escreviam para
28:40jornais cariocas
28:41enfim
28:41as razões
28:45pelas quais
28:46o sistema
28:47público
28:47em Portugal
28:48funciona
28:49muito melhor
28:50do que o Brasil
28:51e se você
28:52for perguntar
28:53para um português
28:53se você for lá
28:54ele vai fazer
28:54várias reclamações
28:56sobre o funcionamento
28:56do serviço público
28:58
28:58então essa opinião
28:59do ator
29:01também é a opinião
29:02de quem
29:02sai de um país
29:03em que nada
29:04funciona
29:04e chega num país
29:06onde alguma coisa
29:07funciona
29:07então não dá
29:09para considerar
29:10as opiniões
29:10tudo aqui funciona
29:12é uma maravilha
29:12e tal
29:13senão não tinha passeata
29:14não tinha greve
29:14em Portugal
29:15não tinha nada
29:15não tinha reclamação
29:17saindo do Brasil
29:18tudo parece um paraíso
29:19tudo parece um paraíso
29:20talvez o Zimbábue não
29:21talvez daqui
29:23agora que o
29:24moço lá
29:25foi preso
29:26mas brincadeiras à parte
29:29só um parêntese
29:29que eu citei de cabeça
29:30aqui a frase do Pedro Cardoso
29:32só em defesa dele
29:32que eu não sei exatamente
29:33como é que ele colocou
29:34esse negócio da ambição
29:35só talvez tenha que ele dizer
29:36que não precisa ser tão ambicioso
29:38porque tem ali
29:39bons serviços
29:41ao seu alcance
29:41quer dizer
29:41ele não precisa ser rico
29:42para ter uma qualidade
29:44de vida boa
29:44sim sim
29:45isso de fato
29:46isso de fato é verdade
29:47quer dizer
29:49isso tem uns pontos
29:50favoráveis e contrários
29:51por que Portugal consegue
29:53ter um estado
29:54que funciona melhor
29:55para o Brasil
29:55primeiro a escala
29:56Portugal é um país
29:58muito pequeno
29:59a população é pequena
30:00você consegue administrar
30:02em termos de poder político
30:03você consegue administrar
30:05o serviço público
30:07de uma forma muito mais racional
30:09e eficiente
30:10do que num país
30:11como o Brasil
30:11claro
30:12tem que as coisas
30:14parecem
30:15funcionar
30:16para não funcionar
30:17em termos de serviço público
30:18essa é a primeira coisa
30:20eu acho que
30:20um outro elemento
30:23que é muito importante
30:24em Portugal
30:27em países
30:27países nórdicos
30:31por exemplo
30:31que são apontados
30:32como exemplo
30:32do socialismo
30:33que funciona
30:34Suécia
30:36Finlândia
30:36Noruega
30:37e tal
30:37que é
30:39uma identidade cultural
30:41dos portugueses
30:43comum
30:43uma identidade cultural
30:45homogênea
30:45e uma identidade
30:48também interna
30:49hoje
30:49que também
30:50de
30:51eu vou dizer racial
30:53mas
30:53temos características biológicas
30:55quer dizer
30:56o português
30:57olha o outro português
30:58e se reconhece nele
31:00no Brasil
31:01como a gente tem
31:01uma pluralidade
31:03extraordinária
31:04isso é um elemento
31:07enfim
31:07distintivo
31:08e positivo
31:09a meu ver
31:09do Brasil
31:10a gente tem uma pluralidade
31:11aqui em São Paulo
31:12por exemplo
31:12a gente está gravando
31:13essa entrevista
31:14você olha
31:16você tem
31:16os descendentes orientais
31:19de várias partes
31:20libaneses
31:21turcos
31:21e tal
31:21aqui você tem
31:22uma verdadeira babel
31:24nessa pluralidade
31:25então eu acho que
31:26isso facilita também
31:27a coisa de Portugal
31:28tem raízes históricas
31:30tem o lado negativo
31:32que é
31:32Portugal
31:33tem
31:33se não for o menor
31:35é um dos menores
31:36salários médios
31:38da Europa inteira
31:39o salário
31:40é muito baixo
31:41por outro lado
31:42o poder de compra
31:44ainda é forte
31:45então se você
31:45mesmo que você receba pouco
31:47um salário modesto
31:48você consegue viver
31:49com dignidade
31:50você consegue
31:51comer
31:51você consegue
31:52as coisas não são caras
31:54Portugal é o país
31:55mais barato da Europa
31:56eu lembro que quando eu saí
31:57do Rio de Janeiro
31:57em 2007
31:58eu morando em Portugal
32:00com câmbio
32:01eu acho que na época
32:04o euro estava
32:042,80 e pouco
32:06em relação ao real
32:07eu com câmbio
32:08eu gastava menos por mês
32:10do que morando
32:11no Rio de Janeiro
32:12em 2007
32:12então enfim
32:14eu acho que Portugal
32:16tem uma série de características
32:17que explicam
32:19porque que parte
32:21do sistema público
32:21funciona
32:22e uma parte
32:25também não funciona
32:27mas também
32:28não dá para idealizar
32:29eu acho que é uma coisa
32:30do brasileiro
32:30que chega logo lá
32:31fica encantado
32:32com aquilo tudo
32:33e repito
32:34amo Portugal
32:35se eu pudesse
32:36me mudava para lá
32:36amanhã
32:37porque eu me sinto em casa
32:39é um lugar que eu me sinto em casa
32:40tenho muitos amigos
32:41mas lá também tem problemas
32:43em termos de escala
32:44e na comparação com o Brasil
32:46que é isso aí
32:47fica parecendo mesmo
32:49que aquilo é a oitava maravilha do mundo
32:51agora Bruno
32:52durante muito tempo
32:53no debate público brasileiro
32:55as ideias conservadoras
32:57não apareciam
32:58nas últimas décadas
33:00em função de toda essa
33:01infiltração de militantes de esquerda
33:04nos centros disseminadores
33:05de ideia da sociedade
33:06nas escolas
33:07nas universidades
33:08no show business
33:09na mídia
33:10no mercado editorial
33:11seguindo a estratégia
33:12da revolução cultural
33:13do ideólogo comunista italiano
33:15António Gramsci
33:16e a gente estuda
33:17a gente cita
33:18nos artigos
33:19então durante muito tempo
33:21essas visões ficaram
33:22tão fora do debate
33:23que hoje a gente encontra
33:25muitas vezes
33:26na imprensa
33:27definições
33:28absolutamente
33:29atabalhoadas
33:30do que seja
33:31o conservadorismo
33:32a gente falou
33:33sobre isso aqui
33:34de um modo geral
33:35mas outro dia
33:36a gente publicou
33:37no Antagonista
33:38uma nota
33:39sobre um artigo
33:40da Eliane Catanheides
33:41que com todo respeito
33:42a Eliane
33:43já reproduzimos
33:44e repercutimos
33:45vários artigos
33:45dela acertados
33:47análises corretas
33:48sobre o cenário político
33:49mas dessa vez
33:50ela começou assim
33:51o artigo
33:52vou citá-la
33:53entre aspas
33:54há ou não
33:54uma onda conservadora
33:55no Brasil
33:56arrastando a política
33:57a economia
33:58o comportamento
33:59e a visão de mundo
34:00das pessoas
34:00isso é uma interrogação
34:02aí ela coloca
34:03a seguinte questão
34:04essa questão é impulsionada
34:05pela ascensão
34:06do deputado
34:07Jair Bolsonaro
34:07ao segundo lugar
34:08nas pesquisas presidenciais
34:10pelos assassinatos
34:12das mulheres
34:13pelo menos
34:14quatro horrendos
34:15na semana passada
34:16e por militantes
34:17que botam fogo
34:18num boteco
34:18representando
34:19a pensadora
34:20Judith Butler
34:21defensora da identidade
34:23de gênero
34:23fogueiras
34:24bruxas
34:25e quer dizer
34:26ela está aí
34:27colocando tudo
34:28como onda conservadora
34:30os eleitores
34:31do Bolsonaro
34:31e os assassinatos
34:33das mulheres
34:34como é que você vê
34:36isso tudo
34:37no mesmo saco
34:39do conservadorismo
34:40não é uma distorção
34:41do que seja
34:42o conservadorismo
34:43é completa
34:44eu acho
34:45o problema do jornalismo
34:47jornalista brasileiro
34:48tanto
34:49os mais conhecidos
34:52como o Eliano Catanheira
34:53faz parte
34:53da elite dos colunistas
34:55quanto o jornalista médio
34:57não sabe
34:58quase nada
35:00para ser
35:01um tanto generoso
35:03em termos de
35:04conceitos políticos
35:07teoria
35:07não sabe
35:08e fica reagindo
35:10a partir daquilo
35:12que lê
35:12na própria imprensa
35:14de pessoas
35:14que não sabem
35:15nada
35:15então
35:16você tem uma reprodução
35:18de equívocos
35:18que passam
35:19a se tornar
35:20como sendo
35:22uma definição
35:24conceitual
35:25estabelecida
35:26pela teoria
35:27ciência política
35:27ou filosofia política
35:28e não é
35:29essa confusão
35:30é típica
35:31de quem não sabe
35:33absolutamente nada
35:34do assunto
35:35não sabe o que é
35:36o pensamento conservador
35:37não sabe o que é
35:38conservadorismo
35:39e não está entendendo
35:40o que está acontecendo
35:41na sociedade brasileira
35:42que talvez seja o mais grave
35:43porque um jornalista
35:44pelo menos
35:45deveria saber
35:46interpretar
35:48ou identificar
35:49o que está acontecendo
35:50mas não sabem
35:50e aí
35:51acontece isso
35:53é assim
35:57a gente está passando
35:58hoje
35:59por um processo
35:59de formação
36:01e amadurecimento
36:02político
36:03por conta disso
36:05você tem todas
36:05as confusões
36:06de pessoas
36:08que não sabem
36:08o que é conservador
36:09ataca
36:09ou defende
36:10uma visão
36:12uma definição
36:13de conservadorismo
36:14achando que aquilo
36:14é conservadorismo
36:15também não é
36:16então tem muita gente
36:17que se diz conservadora
36:18sem saber o que é
36:19conservadorismo
36:20identificando
36:20ou confundindo
36:21o conservadorismo
36:22muitas vezes
36:23até com um pensamento
36:24reacionário
36:24por exemplo
36:26um exemplo concreto
36:27alguém que defende
36:28intervenção militar
36:30e se diz conservadora
36:32é maluco
36:33ou desonesto
36:34porque uma coisa
36:36não faz sentido
36:37uma pessoa que defende
36:39a intervenção militar
36:41ela é uma reacionária
36:43porque ela está
36:44idealizando
36:44o regime militar
36:46e quer trazer de volta
36:47achando que
36:48a intervenção militar
36:49vai resolver
36:50os problemas
36:50que nós temos hoje
36:52reacionária
36:52é bom lembrar
36:53naquele sentido
36:53que o Anthony Quinton
36:54dizia que era
36:55o revolucionário
36:56do avesso
36:56o reacionário
36:58quer dizer
36:58segundo a ciência
37:00política
37:01a filosofia política
37:02é aquele grupo
37:04enfim
37:05há um debate
37:05grande
37:06a gente não vai
37:06entrar aqui
37:07mas para resumir
37:08de forma bastante
37:10resumida
37:10o reacionário
37:11é aquele que
37:12mira o passado
37:13ou seja
37:14olha uma experiência
37:15do passado
37:15como sendo
37:16o grande
37:17o grande ápice
37:18da civilização
37:20daquela sociedade
37:21e ele
37:22pega
37:23esse passado
37:24e quer trazer
37:25esse passado
37:26tal qual
37:26aconteceu
37:27no passado
37:27do presente
37:28ele tenta
37:29retomar
37:29isso
37:30e só para
37:31desculpe fazer
37:31mais um parêntese
37:32mas é que
37:33para confundir
37:34ainda mais
37:34esse debate
37:35o Nelson Rodrigues
37:36numa sacada
37:36muito espirituosa
37:38ele reagiu
37:39contra aquelas pessoas
37:40que muitas vezes
37:40injustamente
37:41certamente
37:42o chamavam
37:42de reacionário
37:43e ele
37:44deu uma tirada
37:45que é ótima
37:46uma tirada sarcástica
37:47dizendo
37:48sou reacionário
37:48reajo contra tudo
37:49que não presta
37:50e isso fez com que
37:51muitas pessoas
37:52gostassem
37:54de se dizer reacionário
37:55porque elas reagem
37:56contra tudo
37:56que não presta
37:57mas é bom
37:58distinguir
37:58do conceito
38:00da teoria política
38:01de reacionário
38:02que é esse
38:02que você está falando
38:03sua explicação
38:04foi perfeita
38:04o Nelson Rodrigues
38:05fez uma brincadeira
38:06uma gozação
38:07ele é genial
38:08genial
38:08está no meu panteão
38:09dos grandes escritores brasileiros
38:11e como
38:11chamavam ele de reacionário
38:13ele era um conservador
38:14chamavam ele de
38:16reacionário, reacionário, reacionário
38:17e bom
38:18reagiu daquela forma espirituosa
38:19reage
38:20usou o peso do ataque
38:22contra aquele
38:23que estava atacando
38:24exatamente
38:24o erro dele
38:25foi só ter usado
38:26do ponto de vista
38:27político
38:27conceitual
38:28a palavra reacionário
38:29porque o que ele diz
38:31casa perfeitamente
38:32com a visão conservadora
38:33que ele tinha
38:34e que é a visão do conservador
38:36reagir contra tudo
38:37que não presta
38:37inclusive
38:38daquilo que aconteceu
38:40no passado
38:40então essa ideia
38:41de que o conservador
38:42quer conservar tudo
38:43idealizar o passado
38:44é nada disso
38:45o conservador
38:46olha
38:46passado como um grande
38:47conselheiro
38:47e como tal
38:49verifica os erros
38:50verifica os acertos
38:52os acertos
38:53os erros são eliminados
38:54ou corrigidos
38:55os acertos
38:56são trazidos para o presente
38:58devidamente atualizados
38:59mas voltando ao ponto
39:02tem muita gente então
39:03esse que defende
39:05a intervenção militar
39:06é um reacionário
39:07ele está idealizando
39:08no passado
39:08está querendo voltar
39:09e muita gente então
39:12se identifica
39:13com o que ele
39:13o que ela acha
39:16essa pessoa acha
39:17como sendo um pensamento
39:18conservador
39:18e às vezes não é
39:19e não tem problema
39:20não ser conservador
39:21veja bem
39:22eu não quero uma nação
39:23inteira de conservadores
39:24eu acho legítimo
39:26que as pessoas
39:26sejam reacionárias
39:28revolucionárias
39:28e tal
39:29eu vou combatê-las
39:30do ponto de vista
39:30intelectual
39:31e político
39:33mas você não precisa
39:34ser conservador
39:35e tudo
39:36tem muita gente
39:36que é católico
39:37e o catolicismo
39:39tem uma visão ampla
39:40de mundo
39:40não é muito mais completa
39:41do que o pensamento
39:42conservador
39:43do que o conservadorismo
39:44e muita gente
39:45que é católica
39:46fica nessa ânsia
39:47de querer
39:47se identificar
39:48como conservador
39:49simplesmente
39:50para adotar
39:51um rótulo político
39:52e não precisa
39:52mas faz parte
39:55dessa confusão
39:55eu acho que a gente
39:56está vivendo
39:56um período histórico
39:57muito rico
39:58muito interessante
39:59os exageros
40:00o radicalismo
40:01a violência verbal
40:02tudo isso que está acontecendo
40:03eu acho que
40:03é uma fase
40:05de um processo
40:05de maturidade política
40:07e por mais que eu critique
40:08determinadas condutas
40:10e devem ser criticadas
40:12essa coisa que
40:13alguns de nós
40:14chamam de
40:15jacobinismo da direita
40:17eu uso essa expressão
40:21jacobino da direita
40:21porque eram seguidores
40:23do Floriano Peixoto
40:24eram os republicanos radicais
40:26do final do século XIX
40:28que ajudaram a derrubar
40:29a monarquia
40:30com um golpe militar
40:31esses republicanos radicais
40:32eram chamados
40:33na imprensa brasileira
40:35no debate público brasileiro
40:36e tinham jornais
40:37chamados jacobinos
40:38uma referência
40:40aos jacobinos
40:41os revolucionários
40:42franceses
40:44mas aí voltando ao ponto
40:46para encerrar
40:46eu prefiro viver
40:48que o Brasil
40:50vive esse momento
40:51de ebulição
40:52de descoberta
40:53de erro
40:53tentativa
40:54e aprimoramento
40:56que faz parte
40:57repito
40:58de um processo
40:58de maturidade política
40:59do que
41:00um passado recente
41:02onde as pessoas
41:02não ligavam para a política
41:04e a política
41:05se tornou
41:05o que era
41:06um reduto
41:08dos piores
41:09que a sociedade
41:10produziu
41:11e até pouco tempo
41:13controlada
41:13pela pior ideologia
41:16que nasceu
41:17na face da terra
41:18que é o socialismo
41:19e o comunismo
41:19maravilha
41:20Bruno Gachag
41:21é uma honra
41:22tê-lo aqui
41:23com a gente
41:24autor de
41:25Pare de Acreditar
41:26no governo
41:26porque os brasileiros
41:28não confiam
41:28nos políticos
41:29e amam o Estado
41:30quem sabe
41:31Bruno
41:31você volta aqui
41:32no ano que vem
41:33no auge
41:34da ebulição
41:35das campanhas
41:36eleitorais
41:37para a gente
41:37analisar
41:38as agendas
41:39também dos candidatos
41:40se elas são
41:41conservadoras
41:41se elas são liberais
41:42se elas estão
41:43à direita
41:44à esquerda
41:44quem é puro sangue
41:46em cada categoria
41:47quem não é
41:47quem é mesclado
41:48e a gente vai ter
41:50sempre uma conversa
41:51muito saudável
41:51foi um prazer
41:52tê-lo aqui com a gente
41:53Felipe
41:53agradeço imensamente
41:54sou leitor
41:55do antagonista
41:55há muito tempo
41:56sou fã do seu trabalho
41:57a gente é amigo
41:58já há algum tempo
41:58então pra mim
41:59é uma alegria
42:00muito grande
42:01estar aqui
42:02meus caros antagonistas
42:03leitores e espectadores
42:05essa foi a nossa entrevista
42:06com Bruno Garchagen
42:07até a próxima

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