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  • 16/05/2025
Tão importante quanto saber pra onde se vai, é saber de onde se vem. As lembranças e reflexões de Otávio Sabino, ex-funcionário da Rede Ferroviária, através do olhar de Mery Lemos, sua filha e diretora do filme. O mundo visto da janela de um trem da Mata Norte Pernambucana, memória, nostalgia, ferrugem, sons, engrenagens, reflexão crítica, música e poesia se costuram.

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Curta
Transcrição
00:00Um trem é seu relógio
00:20Que vaga além das govens
00:23Um trem que parte, um trem que volta
00:30Um trem e seu perfume
00:34Que vai de porta em porta
00:38Um trem que tece, um trem que volta
01:00Um trem e seu delírio
01:04Com olhos de ferrugem
01:08Um trem que acende a paisagem
01:12Um trem que inventa os trilhos
01:19Um trem que rege as horas
01:22Um trem que é quase uma miragem
01:26Pare, olhe, escute o que o vento diz
01:36Pare, olhe, escute o pensamento
01:43Pare, olhe, escute o que o vento diz
01:48Pare, olhe, escute o que o vento diz
02:02Pare, olhe, escute o pensamento
02:09Pare, olhe, escute o que o vento diz
02:39Estava à noite e apitava
02:41A gente dizia, é oito e quarenta e cinco
02:44Sabia que aquele horário
02:46Era o horário que o trem passava
02:47Na parada Pedra do Sono
02:50Ia para Bom Jardim
02:52Do mais, era só essa impressão
02:55A gente nunca viajou nesse trem
02:56Só escutava o apito
02:58Há uns dezoito anos eu viajei para Recife
03:10Fui morar em Recife
03:10Fiquei lá até os vinte e seis
03:14Aí foi o tempo que eu me casei
03:16Há uns vinte e quatro
03:17E aos vinte e seis anos
03:19Voltei para o interior
03:20Vim morar em Carpina
03:22Já para trabalhar na rede ferroviária
03:24Como auxiliar de agente de estação
03:28Ficando aí de setenta e seis até oitenta e três
03:33Aqui já não existe mais
03:48Esse, esse, esse
03:50E da esquerda para a direita
03:52Gabriel, que era manobrador
03:53Marquinhos, que era praticante
03:56Ele praticava telegrafia
03:58Aqui, seu Heleno, que era o chefe da estação
04:02Bonifácio, que era auxiliar de agente de estação
04:07Outro sou eu, também auxiliar de agente de estação
04:10E o último é Pedro Francisco
04:12Também era manobrador
04:13Trabalhava essa equipe aqui na estação
04:17De Carpina, isso por volta de
04:19Na década de oitenta
04:20Aqui ele está vivo
04:22Marcos
04:23Pedro Francisco
04:26E eu
04:27Os outros já estão
04:30Noutra dimensão
04:32Isso aqui
04:35É uma relíquia, né?
04:38Isso aqui é um recibo da minha inscrição
04:40Na rede ferroviária
04:40Simplesmente 15 de novembro
04:42De 1975
04:44Quem gosta de guardar as coisas
04:47As suas relíquias, né?
04:56E aí
04:59E aí
05:01E aí
05:02E aí
05:03Tchau, tchau
05:33A Estação Carpina foi inaugurada em 20 de outubro de 1882
05:41Todo o material para a construção das casas já veio no trem
05:45Então ela foi uma cidade privilegiada por causa disso
05:48Quando o trem chegava no sábado, a feira dava uma mexida, se via muita gente na feira
05:58A festa de reis, chegava um trem lotado de pessoas para participar da festa
06:04Tudo isso, tinha muito antes da minha chegada aqui, existia o trem do Zé Pereira
06:09Sabe, carnaval eu chegava aqui trazendo na história o trazendo do Zé Pereira
06:14E muitos foliões que vinham de Recife para brincar o carnaval em Cartiga
06:18O trem da praia hoje domingo, a primeira viagem, levando o pessoal à praia
06:25Quando voltava da praia, trazia o pessoal de Recife para São Severino dos Ramos
06:32Na segunda viagem daqui, já levava o pessoal para São Severino dos Ramos
06:36Descia, quando ele vinha à tarde, com a viagem, ele juntava o pessoal da praia
06:42E juntava o pessoal de São Severino dos Ramos
06:45Mas chegava aqui, lotadíssimo
06:46O dia de segunda-feira aqui, eu vendia 200, 300 passagens
06:50O dia de segunda era que dava mais
06:53O povo vinha na sexta e voltava na segunda
06:58E no sábado também
07:01O sábado tinha um sábado que, inclusive, o término dele era em Carpina, na última vez
07:08Carpina, eu acho que é uma das poucas cidades que a linha do trem divide mesmo a cidade
07:13A maioria da cidade, ele passa na periferia, circundando a cidade
07:17Carpina não, ele corta mesmo
07:19Então, tinha os atrapalhos, as pessoas tinham que parar os carros para esperar o trem
07:26Quando era muito longo, às vezes vinha trem com 50, 40 e tantos vagões
07:31Porque eles traziam muito óleo de mamona
07:33Essa coisa toda para subir para cá
07:36Tinha uma linha para limoeiro
07:39E surubim, outra parte que descia
07:41Indo para Timbaúba
08:01Tinha uma linha para limo, outra parte que descia
08:31Quando chegou o momento da privatização
08:50As pessoas que tinham tempo e aposentassem, se aposentaram
08:56Aqueles que não tinham foram demitidos
09:00Alguns foram aproveitados, dependendo da função
09:04E outros foram demitidos
09:06Muitos ficaram depressivos, por conta do...
09:10Que só era aquilo que eles sabiam fazer na vida
09:12E não esperava nunca
09:14Uma empresa grande, onde trabalhava um dia, chegasse a fechar as portas
09:19Praticamente, porque foi privatizado
09:22E depois da privatização, ela não cresceu
09:25Só foi decaindo até o ponto que a gente viu
09:28Praticamente fechada aqui no Nordeste
09:32Isso era uma grande decepção
09:34Para quem esperava se aposentar ali naquela empresa
09:37Que era uma empresa grande, empresa federal
09:41A grande importância, a maior importância, talvez, mais do que de transportar o passageiro
09:46É o transporte de carga
09:47Que não falta carga ser transportada aqui no Nordeste
09:51Onde você construiu uma ferrovia, você vai encontrar muito o que transportar
09:56E hoje é tudo carga transportada através do caminhão
10:00Da carreta
10:01Ninguém sabe, foi uma política errada, nesse caso
10:05Porque os países desenvolvidos, a Europa, os países da Europa, Estados Unidos, Japão
10:11O trem desenvolveu
10:13Acompanhou o desenvolvimento
10:16Tanto os trens de carga, quanto o trem de passageiro
10:19Você viu que cresceu junto
10:22Com o progresso, com a tecnologia
10:25E a gente aqui ficou pra trás
10:28Porque o trem era uma coisa
10:32Era tão econômico
10:34Que não era interessante
10:37Ele não era interessante porque era tão econômico
10:40E não tinha como se
10:41O rodeiro num trem daquele
10:46Passar a vida todinha
10:47E o caminhão vai em São Paulo e volta
10:48Eu troco os pneus, e daí?
10:50Dinheiro que vai entrar pra multe, né?
10:52O trem era tão econômico
10:53Que não interessava a eles
10:54Eles queriam uma coisa que tivesse como gastar muito
10:58E ao mesmo tempo se
11:00Beneficiar daquele gasto ali, né?
11:03Quando desativaram a oficina de Abuatão
11:05Existia torno mecânico
11:08Industrial, grande
11:10Foram vendidos a preço de sucata
11:12Pra você ter uma ideia
11:14Os que conheciam lá, dizem que ali em Recife
11:17Tinha oficina que ainda hoje tem esses tornos
11:19Você comprar um torno mecânico
11:21Que possivelmente vem da Inglaterra
11:24Uma coisa em uso
11:26Funcionando normalmente
11:28E você vender
11:29A preço de sucata
11:32Outro caso
11:33Uma locomotiva
11:35Uma maria fumaça, vamos dizer assim
11:38Não era mais a lenha
11:40Mas já era a carvão
11:41Carvão mineral
11:43Um maquinista
11:44Narrando essa história
11:47Diz que veio na locomotiva
11:48Tracionando
11:50Entrou
11:51No pátio do Aço Norte
11:54Pra ela ser cortada
11:55Como quem leva um boi
11:56Pra ser abatido
11:57Num batado
11:57Ela buzinou
11:59Buzinou assim
12:00Quando chegou
12:00Entrou
12:01E saiu arrasado
12:02Tracionando
12:05Normal
12:05Com toda a sua força
12:07E foi pra
12:08Passar por um processo
12:09De quê?
12:11De
12:11Pro corte, né?
12:13Pra vender como sucata
12:14Ser derretida, né?
12:16Novamente
12:16Quer dizer
12:17Isso aí
12:18É o que eu digo
12:18Do desperdício
12:21Da coisa pública
12:22Do bem público
12:23Porque todo mundo
12:24Se essa locomotiva
12:25Fosse do senhor
12:26Superintendente
12:26Que deu a ordem
12:27Pra mandar cortar
12:28Ele ia fazer isso
12:29Eu lembro que falta
12:38Um pedaço, né?
12:40Esse trem
12:41Tinha a tradição
12:42Do trem
12:43Existia uma
12:45Foi muito romântica
12:46As pessoas
12:47Vinha esperar a família
12:48Mulher
12:49Vinha esperar o namorado
12:50Aqui no trem
12:51Vinha acompanhar
12:53As pessoas
12:53Quando embarcavam
12:54As pessoas
12:55Ficavam cenando
12:56Ou chorando
12:56Tinha toda essa
12:58Essa energia boa
13:00Assim do trem
13:01Que hoje não tem mais
13:02O transporte rodoviário
13:04É uma coisa diferente
13:05Não tem essa emoção
13:28A coisa mais bonita
13:40Do mundo
13:40Ainda não tinha sido
13:41Fotografada
13:42A coisa mais bonita
13:43Do mundo
13:44Era a manhã de manhã
13:45Que nascia
13:45Ou partia
13:46Como se nascesse
13:47A manhã de manhã
13:48Seguia na paisagem verde
13:50Riscava a paisagem verde
13:51Todos os dias
13:52No mesmo lugar
13:53Fazia desenhos sinuosos
13:54E lá do alto
13:55Se via o contraste
13:57Com um retrato
13:57De cartão postal
13:58Só não era azul
13:59Sua cor de ferrugem
14:02Contrariava o previsto
14:04Sua cor de ferrugem
14:05Anunciava o expediente
14:06O atraso
14:07A vida real
14:08Gritava
14:09Periferia
14:10Gritava horas e turnos
14:11Não como num filme
14:12Com forro de veludo vermelho
14:14Mas como na vida
14:15Sem veludo
14:15E sem forro
14:16A coisa mais bonita
14:18Do mundo
14:18Tinha tinta descascando
14:20E cheiro de laranja cravo
14:21Antes que viesse a luz
14:24Já tinha cheiro de laranja cravo
14:25Antes que viesse a luz
14:26Já tinha o cadente movimento
14:28Que deslocava o vento
14:29E ia amanhecendo
14:30As sucessivas cidades
14:31Dava pra tocar
14:32O capim mais alto
14:33Com pendões avermelhados
14:35E sentir o cheiro
14:36Do mato verde
14:37Com sereno ainda
14:37Antes que viesse a luz
14:40Viam-se sombras de bichos
14:41Postes de ferro
14:43Durmentes
14:44Via-se pelo vidro
14:45Tosco
14:45Um rio correndo
14:46Um velho
14:47Com feixe de lenha
14:48Uns pássaros
14:49E telhados quebrados
14:50A ferrugem rangia
14:51Nas engrenagens
14:52Um cortagotas
14:53Bem miúdo
14:54Pingava lágrimas frias
14:55Na janela embaçada
14:56E elas escorriam
14:57Horizontalmente
14:58Depois chegava a claridade
15:00Depois amanhecia tudo
15:02E chegava seu destino
15:03O dia não descarrilhava
15:05O trem olhava
15:06Para as linhas
15:07Para sempre
15:09Paralelas
15:09Nesses trilhos
15:14Estilhaço
15:16O aço
15:18Viajando
15:22Deixando
15:25Abraços
15:26Quantos risos
15:30Quantos céus
15:32E cidades
15:33Nesse trem
15:37Vou viver
15:39Velocidade
15:42Em seus vagões
15:46Repletos
15:48De sonhos
15:51Habitam
15:54Redemoinhos
15:56Medos
15:58Nas estações
16:02Badal
16:04A partida
16:05Dos tambores
16:10Porquando
16:12Despedida
16:14Dos tempos
16:18Que não voltam
16:21Mais
16:23Pois o trem
16:26Deixou
16:28Para trás
16:31Parando
16:33Túneis
16:34Tirando
16:35Muitos
16:36Esse trem
16:38Vai e vem
16:42Vai e vem
16:44Vai e vem
16:46E vem
16:50Do dê
16:51Sabe
16:52Vem
16:52Vem
16:55Vem
16:56Vem
16:59Para trás
17:00Vem
17:01Vem
17:02Vem
17:02Vem
17:03Vem
17:03Vem